terça-feira, 5 de maio de 2015

Saravá, Abril pro rock ...

Foto: Juarez Ventura (Agência Pavio)
As portas do inferno estremeceram e todos correram para ver quem é. Eu dei uma gargalhada lá no Chevrolet Hall: era a Pomba Gira Maria Mulambo, O Caboclo Sete Flechas, Exu Caveira, Exu Tranca Rua das Almas, Exu Mirim, Omolu e Zé Pelintra pisando pela primeira vez no palco do Abril pro rock !!!

A entrada foi apoteótica: o povo já clamava pela Gangrena antes mesmo das cortinas se abrirem, com Renzo – ex-DFC e Zumbi do mato - em pé fumando cachimbo, de tanguinha e chifrinhos vermelhos, em cima da bateria. Ele desce e vem para a frente saudar o público, enquanto os demais componentes vão entrando aos poucos. Zé Pelintra, o comandante do caos, é o último a aparecer, em traje de gala, todo de branco, como manda o bom figurino, entoando um ponto de macumba e anunciando que aquela era a Gangrena Gasosa com “surf iemanjá”. Aí o lugar veio abaixo ...

"Renzo, tá levando seus chifres?"
“Se Deus é 10 Satanás é 666” veio na sequencia e aí foi só correr para o abraço: audiência pra lá de conquistada, nem os problemas com o som – muito alto e com a guitarra saturada – e a execução – altas “atravessadas” – atrapalharam a festa: o botão do “foda-se” estava ligado no volume máximo, já que aquela era a primeira apresentação do lendário combo de “saravá metal” carioca não apenas em Pernambuco, mas em todo o nordeste! Os hits se sucediam e a molecada ia à loucura com verdadeiros clássicos do cancioneiro underground tupiniquim que chamam a atenção já a partir dos títulos - “Quem gosta de Airon Meiden também gosta de KLB”, “Eu não entendi Matrix”, “Terreiro do desmanche”. Nas mais aceleradas, como “Matou a galinha e foi ao cinema”, a roda era insana – e gigantesca. Em outras, a interação foi perfeita, com todos gritando a plenos pulmões que “Emilia pomba-gira é uma boneca de Vodu” em “Centro do Pica-pau Amarelo” e clamando por Satanás em “A Supervia deseja a todos uma boa viagem”. Pra mim, que sou fã de longa data e sonhava em vê-los por aqui um dia, foi emocionante. Sucesso total, amplamente confirmado pelo assédio que as entidades sofreram depois do show, nos corredores da casa – impressionante a paciência, simpatia e boa vontade dos caras – e da “mina” - especialmente de Ângelo/Zé Pelintra, o “frontman”, em atender a todos, tirando uma infinidade de fotos com os fãs.

Na porta, mas vão entrar ...
Com a difícil tarefa de exorcizar qualquer resquício de blasfêmia “metalica” que porventura ainda pairasse no ar, subiu ao palco, na seqüência, a Headhunter DC, da Bahia, e sua ortodoxia “headbanger” a toda prova. “Dedos em chifre!”, clamava o vocalista, Baloff, a toda hora, no que era prontamente atendido pela multidão. Peso e melodia na medida certa! Destaque para os solos do veterano guitarrista Paulo, único membro fundador ainda presente. Um show perfeito, inclusive na qualidade do som, muito melhor equalizado. Headhunter “Death Cult” é, a meu ver, a melhor banda do estilo no Brasil, e não deixou pedra sobre pedra, mesmo fazendo uma apresentação corrida, devido aos atrasos. Quanto à ortodoxia mencionada acima, ela existe – “666”, totalmente – mas é natural do show dos caras, não creio que tenha sido uma resposta à Gangrena – muito embora, por ter vindo na seqüência, tenha dado essa impressão.

Duas "papa-girimum"
Foram sucedidos por um tal “Project 46”, de São Paulo, apresentado como “a nova revelação do metal nacional”. Não conhecia, e não gostei. Por uma questão de gosto pessoal, mesmo. Fazem uma espécie de “groove metal”, ou um “Nu Metal” tardio. Muito competente, a galera curtiu, mas eu dispensei, preferi circular pelos stands e banquinhas, revendo os amigos e babando nos produtos à venda, especialmente nos discos de vinil – outra tradição do abril. E vendo o pessoal da Gangrena ser impiedosamente assediado ...

Tive bastante tempo para circular, já que a banda seguinte foi o Dead Fish, que eu respeito, mas não curto. E então, numa dobradinha perfeita para uma noite que teve também a Gangrena Gasosa – pra quem não sabe, uma só existe por causa da outra – sobe finalmente ao palco, numa “vibe” politicamente engajada, exibindo, num dos amplificadores, uma faixa a favor do fim das tarifas de transporte público, o Ratos de Porão. Que fez, no entanto, um show nitidamente burocrático, pra “cumprir tabela”. Não sei o que houve, mas os caras pareciam cansados. Não houve entrega! Foi, certamente, o pior show do Ratos que eu já vi na vida – e eu já vi muitos, desde a primeira vez, no inicio dos anos 90, em Salvador, na turnê do “Anarkophobia”. Mas não foi ruim. Ratos não faz show ruim. Não tem como, com um repertório daqueles e tantos anos de estrada nas costas. Nem a longa “pausa técnica” no meio da apresentação, com direito a farpas verbais de Jão e do Gordo direcionadas, pelo que entendi, ao Boka, conseguiu acabar com a empolgação do público, que seguia intacta, já noite avançada adentro – e com muita coisa ainda pra rolar, como bem observou o Gordo ao perguntar, ironicamente, “vocês vieram pra ver o Marduk, né?”

Foto: Juarez Ventura (Agência Pavio)
Mas quando o show acabou a situação mudou: boa parte do público foi embora e quem ficou exibia sinais claros de cansaço, o que prejudicou bastante aquele que prometia ser o retorno triunfal aos palcos dos pioneiros da Câmbio Negro HC, comemorando os 25 anos de lançamento de “O Espelho dos Deuses”, primeiro disco de Hard Core lançado por uma banda nordestina. Prejudicou, principalmente, porque a falta de resposta da audiência – e o som, terrível! - contaminou a banda, que fez um show “truncado”, sem ritmo, com o vocalista Ajax – também “pesado”, mas não “aquele”, dos primórdios – reclamando a todo momento da “morgação” dos presentes - algo que nenhuma banda, JAMAIS, deve fazer! Faça sua parte, se houver resposta, ÓTIMO, senão, ligue o foda-se e toque o terror, apesar os pesares. Pesou(sic) também o fato de que a banda ficou muito tempo fora de atividade e voltou desfigurada, o que certamente contribuiu para que se instaurasse um clima de apatia entre os que nunca os tinha visto ao vivo anteriormente. Vivemos em tempos frenéticos de excesso de informação e de ofertas de distração, o que torna difícil para uma banda se manter relevante se não estiver em atividade constante. Em todo o caso, não foi de todo ruim: foi bom ouvir de novo, em alto e bom som, o velho brado, “evacuem essa área!”. E o vocal de Ajax é legal, substitui com dignidade o “frontman” original – algo sempre complicado, pra qualquer banda. Mas não gostei da música nova apresentada. Muito repetitiva.

Foto: Juarez Ventura (Agência Pavio)
O final da noite foi reservado para as apresentações “gringas”, a começar pelo Coroner, da Suíça. Banda lendária, foi fundada pelos roadies do Celtic Frost, que a lapidaram nas passagens de som dos pioneiros do Black metal. Mas foram, também, extremamente prejudicados pelos problemas de som e pelos atrasos na programação. Tanto que, depois de apenas quatro musicas – totalmente retrô, anos 80 até o talo - o guitarrista vai ao microfone e explica que teriam que limar o repertório, a pedido da produção. Volta a tocar mas entrega os pontos, encosta a guitarra e sai do palco, mandando dedo para os bastidores. Os demais membros, numa demonstração de profissionalismo exemplar, seguem tocando até o fim, quando finalmente se despedem, sob aplausos e visivelmente constrangidos pela atitude do outro. E eu segui intrigado, sem saber o que um deles fazia no palco, aparentemente “tocando” um ... laptop !!! Não havia nada de eletrônico no som, nem bases pré-progrmadas identificáveis que justificassem sua presença. Mas ok, ele fazia também uns vocais de apoio ...

Foto: Juarez Ventura (Agência Pavio)
Já era madrugada e eu estava cansado demais, mas teríamos ainda o Marduk, da Suécia, para encerrar a maratona, o que prometia um ataque ensurdecedor aos nossos ouvidos já tão castigados. Promessa cumprida, com louvor! Depois de uma introdução “climática” com uma névoa densa envolta em sons que pareciam vir das profundezas de uma floresta nórdica, eles sobem aos poucos ao palco, começando pelo baterista. E o inferno se instala, mais uma vez, mas desta vez numa potencia elevada ao cubo, implacável e sem descanso – antes no entanto, o guitarrista teve que chutar o retorno para que o som voltasse. Totalmente “satan”, “from Hell”, “666”, “Belzebu”, “Belial” e coisa e tal. Pra quem gosta, foi um prato cheio. Mas eu nunca curti muito estes Black Metal “metranca” – aos meus ouvidos, soa como se eles estivessem tocando sempre a mesma música, o que é insuportavelmente chato - então aproveitei para ir embora mais cedo. No caminho de volta pra casa comentávamos, eu e meus companheiros de viagem, que quem nos visse saindo, mais uma vez, antes do fim, provavelmente não entenderia o que, afinal, nós queríamos, já que na noite anterior havíamos dispensado o show da Pitty. “Um meio termo, talvez”, respondeu, sabiamente, meu camarada Lenaldo. Fica uma certeza: de falta de ecletismo ninguém pode acusar o Abril pro rock ...

Não era o Marduk no palco ...
Já passava das duas da manhã de uma noite que havia começado bem mais cedo, por volta das 19H – estava marcado para as 18 – com a Lepra, “feijão com arroz” detah/grind local, e com o sensacional Catarro (tem trema no nome, mas eu não sei como colocar, sorry), do Rio Grande do Norte. Pedro “Mendigo” veio para confundir e entortar a mente dos cognitivamente mais limitados com sua perfomance insana que mistura cambalhotas e muito barulho com uma cover de Marcio Greik (se não me engano) na introdução. Antológico. Depois teve Hate Embrace, chatinha, e Almah, CHATÍSSIMA.

A noite anterior havia começado para nós, “atrasildos”, com o Boogarins, de Goiânia. Que, para mim, não disse ainda a que veio: muita viagem pra pouco som. “Don´t believe the hype”, já dizia o Public Enemy ...

Era ela ...
Depende do hype. Do Far From Alaska eu gosto. Primeiro show que vi deles. Curti bastante. Um pouco “certinho” e “profissional” demais, talvez – me pareceu pouco espontâneo, mas pode ter sido impressão minha – mas a perfomance de todos - especialmente das duas vocalistas - foi perfeita. Amigos meus não curtiram, acharam o som genérico, sem definição, ora soando como Adele (???!!!), ora como o Metallica (talvez), ora como Rage Against The Machine (aí pode até ser), mas eu discordo. Acho a banda muito boa, tem boas composições, ótimos músicos e uma excelente presença de palco. Aprovadíssimo.

Foram seguidos pelo dEUS, da Bélgica. Experimental, “pero no mucho” – algumas melodias são bastante “assobiáveis”. Bom show, apesar do som falhando e do exagero perfomático do violinista, que eu achei meio “poser” ...

Priscila Novaes Leone
Quem também fez um (muito)bom show foi o Pato Fu. Periga ter sido um show perfeito, admito. Mas não consigo avaliar direito porque sou um ex-fã xiita, daqueles que só gosta, MESMO, do primeiro disco, o clássico “Rotomusic de liquidificapum”, e mais ou menos dos dois seguintes. Deixei de gostar depois do “Televisão de cachorro”, quando o comando criativo do grupo passou a ser nitidamente compartilhado por John com a Fernanda Takai, que sempre foi muito mais para o pop e a bossa-nova que para o rock and roll. Mas nunca deixei de respeitá-los. Segue sendo uma banda, no mínimo, simpática. E decente. E extremamente competente e de muito bom gosto: as projeções de imagens no palco são sensacionais! Foi o que mais me prendeu a atenção, aliás. Fazia tempo que não os via ao vivo. Curti. Quase dancei ao som de “Uh uh uh lá lá lá yeah yeah” ...

A primeira noite se encerrou com Pitty e a incrível revelação – para mim, pelo menos – que a nossa cabeça tem 7 buracos! Nunca tinha pensado nisso. Mas só vale se descartamos os olhos, não é?

Bom show, grande domínio do palco.

Respeito a Pitty.

Ela é massa.

A.


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