“I can´t
fucking hear you”, gritava uma voz pra lá de conhecida em um de seus célebres
jargões por trás da cortina preta que havia se fechado no palco. A massa foi ao
delírio, evidentemente. “Olé olé olé olé, come on”, prosseguia a voz. Pensei
que fosse algo pré-gravado – talvez fosse - mas quando as cortinas se abriram
lá estava ele, the “fucking Prince of darkness”, de microfone em punho,
escudado por seus comparsas de crime, todos de preto, prontos para nos entregar
o show de nossas vidas. Uma avalanche nos empurra para ainda mais perto do
palco e, caso restasse alguma dúvida, a ficha teria caído: nós estávamos num
show do Black Sabbath! Do Sabbath mesmo, com Tony Iommi, Ozzy Osbourne e Geezer
Butler. Juntos e ao vivo pela primeira vez em turnê na América do Sul.
Faltou
mencionar a sirene, que soava anunciando “War pigs”. “Generals gathering in
their masseeeessss”, puta que pariu, começou! “Just like witches at Black
masses” – caralho, primeira palhetada esporrenta do Deus do metal ali na minha
frente! E o som estava perfeito, cristalino e alto, muito alto. Era verdade
mesmo, eu estava num show do Black Sabbath, minha banda de rock favorita de
todos os tempos, amém. E na frente de Tony Iommi, o cara que inventou essa
porra, esse tal de Heavy Metal. Tô cansado pra caralho, mal consigo me segurar
em pé, mas foda-se, vai ser foda!
Foi,
claro. Já dava pra perceber que seria pelo primeiro grande momento da noite,
quando um Ozzy Osbourne eufórico não se contém e dá um abraço apertado, quase
um mata-leão, em Tony, arrancando do circunspecto mestre dos riffs um sorriso
de satisfação. Quase que dava pra ler seus pensamentos: “veja isso, Tony, somos
nós aqui, juntos novamente diante de uma multidão, desta vez in the fucking Rio
de Janeiro, Wondefull city, full of encantos mil”. “Possacrer, Ozzy, de fuder”.
O mesmo se repetiu no outro extremo com Geezer, e depois com um aceno para o
baterista, Tommy Clufetos, que substituía Bill Ward. E mandou muito bem, como
veremos a seguir ...
Uma coisa
que notei logo de cara foi que Ozzy, apesar de manter todos os seus trejeitos
amalucados e sua perfomance ensandecida, se comportava de forma um pouco mais
contida, como que para ressaltar que ali ele era um membro de uma banda, não
estava em carreira solo. Para deixar isso bem claro para todos, trata de
sufocar os insistentes gritos ritmados com seu nome entoados pela platéia
apontando sempre para a sua esquerda, onde um Tony Iommi contido porém
visivelmente satisfeito, até sorridente, em vários momentos, comandava o
espetáculo executando com a mestria de sempre os maiores e melhores riffs de
guitarra já escritos. Demorou um pouco, mas o povo entendeu: logo estavam todos
gritando por Tony e, eventualmente, Geezer – em seus momentos de maior
destaque, como na introdução de NIB. No final da apresentação Ozzy chega a se
curvar em reverência diante do guitarrista. Emocionante.
Tony
porque Iommi é a base de tudo ali naquela porra de banda. E os solos também. A não ser
quando, no meio da apresentação, deixa os holofotes nas mãos – e pés – de
Clufetos que, sem exagero, humilha, principalmente quando se dedica a um solo
de bateria absolutamente impressionante, capaz de calar qualquer vestígio de
dúvidas quanto ao seu mérito para estar ali, substituindo uma lenda viva das
baquetas. Fico imaginando o que se passa pela mente de Bill Ward ao ver aquilo.
Certamente pensará que o tempo é um canalha, ou algo parecido, já que sua
idade, evidentemente, não lhe permitiria tamanha vitalidade. Azar o dele, caso
o motivo da falta seja realmente o que foi aventado: uma simples – ok, nem sempre – disputa
financeira. Porque tenho certeza que ninguém sentiria falta do vigor da
juventude de Clufetos diante de sua simples presença, igualmente digna de
reverência. Enfim, são apenas especulações. A realidade estava lá, diante de
nossos olhos e castigando nossos ouvidos. E foi sensacional.
Depois de
“Age of reason”, a primeira do disco novo, foi a vez de “Black Sabbath”, a
música. Arrepiante. Ainda mais sinistra e arrastada que a versão original, foi
executada em tom solene e acompanhada de forma emocionada pela platéia, no que
parecia uma gigantesca missa negra em pleno templo da alegria, a praça da
apoteose da passarela do samba – àquela altura do campeonato lotada por cerca
de 35.000 pessoas. Nessa hora, do meu lado, alguém decide que era o momento de
acender uma vela - ou algo parecido – no caso, um sinalizador, que eu carrego por
alguns minutos até passá-lo adiante antes que seja tomado pela brigada
anti-incêndio. Enquanto isso, do palco, soam gritos de desespero: “OH! NO! PLEASE, GOD, HELP ME” - e tome porrada no pé do ouvido.
Impossível não lembrar da primeira vez que ouvi esse verdadeiro hino, sozinho, no escuro,
nos anos oitenta, em Itabaiana. Senti medo – foi uma das duas únicas vezes em que
uma música me fez sentir medo. A outra foi quando ouvi, também sozinho e no
escuro, a composição de György Ligeti usada na cena do portal da trilha sonora
de “2001, uma odisséia no espaço”.
O show prossegue com “Behind the wall of sleep” e “NIB”. “End of the
beginning”, de “13”, entra na sequencia. O mais incrível é notar que as três músicas do novo
disco inseridas no set list não comprometem em nada a qualidade da apresentação
em meio a um repertório tão perfeito. Suspeito até que elas possam se tornar
também, um dia, clássicos do cancioneiro “sabbático”, a julgar pelo impacto que
foi ouvir ao vivo o riff matador que abre a ótima “God is dead”. O futuro dirá.
Enquanto
isso Ozzy prossegue fazendo o que pode – e ainda pode muito – para animar a noite. Inclusive piada consigo mesmo, como quando entra no palco com um
morcego de plástico na boca, ou quando joga os já tradicionais baldes de água
nos que estão encostados na grade. Ou chutando de volta as bolas lançadas pelo
público. Ou ainda emitindo um curioso e misterioso som de “cuco” na introdução
de algumas músicas – quando a platéia finalmente demonstra notar que é ele que
está fazendo aquilo, ele diz: “Dane-se o mundo e enlouqueça, é bom ficar
louco”. O velhinho ainda tem muito bom humor e poder de comunicação,
demonstrado também ao anunciar “Dirty women” – “I like then”. Gargalhadas
gerais. Mas é bom não abusar: num dado momento ele arrisca um de seus clássicos
saltos, tão amplamente registrados em fotos antológicas, mas consegue apenas um
pulinho desengonçado. Ninguém pareceu notar – porque porra, Tony Iommi estava
ali do lado, despejando mais uma saraivada de riffs. Que se foda o que não deu
certo.
Antes de
“Children of the Grave” Mr. Madman anuncia que eles só têm mais uma música antes do fim, mas que se nós fizéssemos muito, mas muito barulho mesmo, eles
voltariam e tocariam "one more song". Dito e feito – voltam para o bis e, para minha
surpresa, Tony puxa o riff de nada menos que “Sabbath Bloody Sabbath”! Geezer e
Clufetos não se fazem de rogados e o acompanham, mas foi só uma brincadeira:
ele logo emenda com “paranoid”, esta sim, programada para o final. Apoteótico,
como não poderia deixar de ser, mas com uma misteriosa ausência de Geezer
Butler na saudação final. Os caras até demoram um pouco mais a se despedir
esperando por ele, que não aparece. Dá pra notar que Ozzy ficou um tanto quanto
confuso e preocupado, mas enfim, fim de festa. Hora de tentar ir embora, ao som
de “zeitgeist”, a faixa mais lenta do novo disco, tocada nos auto-falantes –
que durante toda a espera antes do show só tocava AC/DC.
TENTAR
porque a produção cometeu alguns absurdos de desorganização, o maior deles a
estreita faixa de portão que TODOS os que estavam na pista vip tiveram que utilizar
para se retirar. Felizmente não houve tumulto naquele momento, pois as
conseqüências poderiam ter sido catastróficas. Detalhe: isso num evento
particular - embora utilizando-se de um espaço público - com ingressos a preços exorbitantes. Outra bola fora, que ninguém
pareceu notar, foi a ausência do belíssimo cenário que emoldura os telões do
palco nos shows gringos. Aqui foi o tradicional telão preto quadradão mesmo.
Que, por sinal, exibiu uma bela sequencia de imagens perfeitamente
sincronizadas com o conteúdo das letras das músicas – com direito, inclusive, a
uma sinistra imagem do “papa emérito” Bento XVI entre ditadores assassinos.
Ousado.
Não tão
bom ou ousado, no entanto, quanto o uso do telão feito pelo Megadeth, que abriu
a noite com uma apresentação precisa e devastadora. Ou melhor, dos telões:
tiveram o requinte de usar 3, um grande, atrás, e dois menores, na frente. A
seleção de imagens foi bem melhor que a do Sabbath, com direito, inclusive, a
grandes sacadas de humor, como os trechos de comédias Hollywoodianas que citam
a banda usados na introdução de algumas músicas.
Esta era
a terceira vez que eu veria o Megadeth, o que faz dela a banda “gringa” que eu
mais vi ao vivo na vida. É sempre um bom show, claro, mas confesso que me
surpreendi. Entraram com todo o gás, já com “Hasngar 18”, do “rust in peace” –
que eu considero o segundo melhor disco de thrash metal de todos os tempos. E
emendaram com a devastadora “Wake up dead”, faixa de abertura do segundo melhor
disco deles, “peace sells... but who´s buying?” – heresia para muitos de meus
amigos que preferem sempre o “countdown to extinction”. No meu ranking pessoal ele
ocupa um honroso terceiro lugar, e só veio dar as caras no show com “Sweating
bullets”, a quinta a ser executada. Fora essa, “apenas” o megahit “Symphony of
Destruction”. Pra mim foi de excelente tamanho, já que no recheio tivemos “tornado
of souls”, também do rust, numa apresentação que se encerrou com a faixa-título
do segundo disco, “peace sells” - com direito à presença ilustre do mascote da banda, Vic Rattlehead, num "momento Eddie", dando um passeio no palco vestido num uniforme militar - e teve “Holy Wars” como bis. Tudo tocado de
forma precisa e em alto e bom som, apesar de numa velocidade desenfreada. Como
deve ser, aliás, em se tratando de uma das bandas fundadoras do thrash.
Melhor impossível.
O show do Megadeth se encerrou com a execução, nos auto-falantes, da versão de Joey Ramone para “What a wondeful World”. Era exatamente o que sentíamos todos naquele momento, prestes a ver pela primeira vez ao vivo a banda das nossas vidas.
O show do Megadeth se encerrou com a execução, nos auto-falantes, da versão de Joey Ramone para “What a wondeful World”. Era exatamente o que sentíamos todos naquele momento, prestes a ver pela primeira vez ao vivo a banda das nossas vidas.
Unforgettable.
a.
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