quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O Reino Sangrento do Slayer

Até 1990, ano de "Seasons in the Abyss", a qualidade dos lançamentos fonográficos do Slayer era praticamente irretocável. Eu sei, “Show No Mercy” é mal gravado (para os padrões atuais) e cheio de cacoetes típicos da época, com direito a gritinhos a la King Diamond - influência confessa -, mas é um puta disco! Porque as músicas são muito boas. Simples assim. Eu arriscaria dizer que é um dos melhores discos de estréia de uma banda de Heavy Metal em todos os tempos. Foi seguido pelo EP "Hauting the Chapel", onde eles conseguiram aumentar a agressividade preservando a qualidade das composições, e por "Hell Awaits", onde o peso e a velocidade foram ainda além, só que desta vez em detrimento da música - são muito longas e ligeiramente enfadonhas, dispersivas. Dessa fase, dos anos 80, é o mais fraco - mas ainda assim muito bom. De "Reign in Blood" nem há o que falar, é praticamente uma unanimidade: o melhor disco de música extrema já feito. Nos dois álbuns seguintes eles, espertamente, tiveram o cuidado de não sucumbir às expectativas e pegaram os fãs de surpresa: baixaram a velocidade, criando pérolas de som pesado, cadenciado e climático, como as faixas título dos dois discos, "South of heaven" e "Seasons in the Abyss", mas pontuando-as com outras que preservavam a boa e velha velocidade da luz nas palhetadas, como "silent screan" e "War Ensamble". Não “amoleceram”: amadureceram! Não se repetiram: evoluíram!

Dave Lombardo
Na década de 1990, já sem Dave Lombardo, o melhor baterista de Heavy Metal vivo, ainda lançaram um excelente petardo, "Divine intervention", e um bom disco de covers, "Undisputed Attitude" - no qual dão uma aula de verdadeiro punk rock e Hard Core àquela geração “leitinho com Nescau” que surgia no rastro do Green Day e do Offspring. Somente a partir daí pareceram sucumbir ao cansaço natural do passar do tempo, ora experimentando e errando, como em "Diabolus in musica", ora fazendo discos competentes porém “mornos”, com fórmulas requentadas, como no caso dos três últimos, "God Hate us all" (excelente título), "Christ Illusion" (o mais extremo do período, musical e conceitualmente, com direito inclusive a mais uma capa blasfema do mesmo autor da do clássico "Reign in Blood") e “World painted blood”.

Esta é a minha visão da carreira “discográfica” do Slayer. A de Joel McIver, autor do recém relançado "O Reino Sangrento", é bastante diferente. Pelo que entendi, para ele, os únicos discos realmente bons que a banda lançou foram “Hell Awaits”, “Reign in Blood” e o EP “Hauting the Chappel”. Todos os outros são cheios de músicas chatas pontuadas por alguns poucos momentos inspirados. Além disso, o cara parece querer o tempo inteiro demonstrar ser “adulto” e “maduro” e não se furta a desancar qualquer atitude mais sem noção que a banda tenha tido ao longo de sua longa trajetória. Critica até a clássica foto da contracapa do “Reign in Blood”! Desnecessário dizer que discordo completamente – e a banda também não deve ter concordado, já que na introdução ele menciona que sua intenção era lançar uma biografia “oficial”, o que não aconteceu por uma falta de resposta à sua solicitação. Tudo bem, não precisava – nem deveria – ser uma biografia “chapa branca”, mesmo que eventualmente “oficializada”, mas é igualmente desnecessária e irritante a insistência do autor em expor sua opinião pessoal a todo momento. Que o fizesse pontualmente e se restringisse, na maior parte do tempo, à descrição dos fatos, pura e simplesmente.

Feita esta ressalva, devo dizer que o livro é bom. Muito bom, até. Não é jornalismo “literário”, não há nenhum arroubo de genialidade na pena do escriba, mas é bastante competente. Conta toda a história, desde o início – e não senti, aqui, a suposta pressa que o próprio autor assume ter tido quanto aos primórdios da banda – de forma fluente e prazerosa. Fala o que pode – e deve – ser dito sobre a vida pessoal dos caras e disseca de forma competente todos os discos e turnês que fizeram até 2010, data da última atualização. O que, infelizmente, significa dizer que não são mencionados os momentos dramáticos que eles vêm passando nos últimos tempos, com a doença e posterior falecimento do guitarrista Jeff Hanneman e mais uma “demissão” do baterista Dave Lombardo. Para compensar, há um interessante apêndice exclusivo da edição nacional em que alguns personagens do underground “tupiniquim” prestam sua homenagem ao “galego” falando sobre o impacto do Slayer em suas vidas. Dentre eles, eu – o que muito me orgulha! Sou fã de (quase) primeira hora do Slayer, desde antes do “Reign in Blood”. Detalhe: isso em Itabaiana, interior de Sergipe, na segunda metade dos anos 80. A primeira camiseta com estampa de banda de rock que tive na vida era da capa do “Show No Mercy”. E vi o nascimento de uma obra prima: lembro como hoje o dia em que peguei meu vinil do “Reign in Blood” com aquela capa satânico-blasfêmica, estilosa apesar de meio tosca, em pavoroso papel surrado não-plastificado – era uma época em que vivíamos uma escassez geral de matérias primas, devido aos boicotes dos fornecedores em resistência ao congelamento dos preços do plano real - e nossos ouvidos foram praticamente estuprados pela introdução de “Angel of Death”, que se seguiu a um massacre sonoro ininterrupto que me deliciou, mas que fez alguns de meus amigos “arregar” – um deles “pediu pra sair”, com dor de cabeça. Eu segui “bangueando”, até hoje. Porque Slayer é foda!

Por falar na capa do “Reign in Blood”, ela – e todas as outras – foi dissecada no livro em depoimentos do próprio autor, Larry Carroll, com direito a algumas curiosidades que eu, pelo menos, não havia ainda notado – notadamente que há pelo menos 2 pênis eretos no desenho! Carrol indica onde estão, e é verdade – ok, são pênis, digamos, “estilizados”, mas estão lá.

Por fim, a edição: é primorosa! Excelente diagramação e impressão em fontes elegantes e de fácil leitura, papel de boa qualidade, capa dura e tradução impecável – era o calcanhar de Aquiles da edição anterior, pelo que li a respeito. Fico feliz em ver que as editoras nacionais descobriram, finalmente, este filão: o dos livros sobre rock! E a Edições Ideal está de parabéns: mandou muito bem neste lançamento. Espero que mantenha o padrão.

por Adelvan k.

Autor: Joel Mciver
Editora: EDIÇÕES IDEAL
Ano de Edição: 2013
Nº de Páginas: 368
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