quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Oscar Fortunato

Abaixo, uma entrevista com o hoje artista plástico Oscar Fortunato, na época um fanzineiro dos mais atuantes. Direto das páginas xerocadas e amareladas do Escarro Napalm.

ESCARRO NAPALM ENTREVISTA OSCAR F.

por Adelvan

1. VOCÊ JÁ É UMA FIGURA BASTANTE CONHECIDA NO MEIO, SEUS FANZINES TÊM UMA AMPLA DIVULGAÇÃO, INCLUSIVE COM A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS TEUS EM REVISTAS COMO A FINADA “PIRATAS DO TIETE”. VALEU A PENA O ESFORÇO? VALE A PENA FAZER FANZINE NO BRASIL?
OSCAR F.: Claro! Vale e está valendo! Através dos zines foi que pude expressar, mostrar meus trabalhos, conhecer pessoas mágicas e fazer novos amigos. É claro que fazer fanzine no Brasil não é nada fácil, aliás, talvez sejam as diferenças que tornem o “zine” mais excitante.

2. QUAIS SEUS ARTISTAS PREFERIDOS, SUAS MAIORES INFLUÊNCIAS?
OSCAR F.: Eu gosto de muita gente. Citarei alguns artistas de vários segmentos, ai já dá pra se ter uma visão mais ampla: Ian Curtis, Jim Morrison, Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, Poe, Bilal, Moebius, Laerte, Negreros, Junqueira Freire, Augusto dos Anjos, Caetano, Clemetina de Jesus, Doors, Velvet, Pixies, Jesus & Mary Chain, Joy Division, Jorge Benjor, Frank Miller, Milo Manara, Dave Mackean, Neil Gaiman, etc. Eclético, né? E não citei nada de cinema, pois aí tomaria muito espaço.

3. OSCAR, VOCÊ TRABALHA E SE SAI MUITO BEM EM VÁRIOAS AREAS DE COMUNICAÇÃO VISUAL, COMO DESENHO, DESIGN, QUADRINHOS, LITERATURA, ETC. O QUE VOCÊ SE SENTE MELHOR FAZENDO, QUAL DESTAS ATIVIDADES TE CAUSA MAIS PRAZER?
OSCAR F.: Não sei se me saio bem em tudo que faço, mas tento fazer com emoção, e quando se faz com prazer, tudo sai melhor. Ainda me falta melhorar muito em todas as áreas, mas já estou aprendendo muito. Todas me dão prazer, o prazer maior é ver teu trabalho ser apreciado.

4. UMA PERGUNTA DIFICIL, CITE ALGUNS DOS FAZINES/ZINEIROS QUE MAIS TE INFLUENCIARAM, E QUAIS SÃO, NA SUA OPINIÃO, OS MELHORES FANZINES DO BRASIL?
OSCAR F.: De uma forma ou outra, todos os fanzines me influenciaram. Sempre há algo de novo que eu aprendo nos zines ou com os zineiros. Dos que mais me influenciaram, eu destaco o joacy, o jaepelt (não pelos desenhos, mas pelos conselhos e opiniões sinceras), alberto, ricardo borges, o hugo (que é um cara que eu admiro muito pelo empenho dele), você pelos textos libertários, o law e o cláudio (a dupla cyber) e vários outros que me influenciaram e ainda vão me influenciar. Melhores zines: todos são maravilhosos, é claro que existem uns mais elaborados e outros nem tanto.

5. EXISTE FUTURO PARA A HQ PRODUZIDA NO BRASIL?
OSCAR F.: Existe!! Basta que a situação econômica do país melhore. Temos ótimos artistas, um grande potencial criativo, o que falta é grana. Dá uma olhada nos zines e você vai ver pessoas talentosas e com vontade de mostrar trabalho – imagine estas pessoas com um pouquinho de dinheiro!

6. NOSSOS LEITORES ESPERAM AGORA UMA MENSAGEM DE PAZ, AMOR E FELICIDADE PARA AJUDA-LÓS A SUPORTAR ESTES DIAS DIFICÉIS. NÃO OS DECEPCIONE, POR FAVOR!!
OSCAR F.: Vivam intensamente cada segundo de suas vidas, o caminho do excesso leva a sabedoria, e vocês já são especiais, do contrário não teríamos nos encontrado aqui. Abraços a todos!

Oscar F. é meu amigo. Eu me lembro de sua camisa xadrez em Brasília. Eu me lembro da sua bermuda xadrez em São Paulo. Juntos, descemos a bordo de um papelão os gramados do congresso nacional. Comemos chocolate à noite na rua augusta, tiramos fotos na galeria do rock e na praça da sé. Ele fez um desenho do caralho enquanto me fazia companhia no consultório médico (sempre tenho crises de asma quando estou em São Paulo). Manuseamos juntos pilhas e pilhas de discos. Eu até disse que ele era um cuzão por que ele falou que não gostava de The Who. Vê se pode, o cara gosta do Depeche Mode e não gosta do The Who! Mas tudo bem, a gente tem muita coisa em comum. Íamos juntos ao Hollywood rock, mas eu consegui perder e desde então a gente nunca mais se viu* (falando nisto, é verdade que você não gostou do show do Nirvana? Cuzão!) A gente se vê agora em Aracaju? Minha coleção de fanzines é quase tão grande quanto a do Hugo Letã e a do Felipe cxdxcx (grandes amigos em comum). Oscar F. Publica os zines “os pensamentos obscenos de lucrécia borgia” e “sonic”. Eu me lembro dele. Ele é meu amigo...

* NOTA: Só vim encontrar Oscar F. pessoalmente novamente na primeira metade dos anos 2000, em Goiânia, num Goiânia Noise




OSCAR FORTUNATO : PUNK E OUTSIDER

por Márcio Jr. - O rapaz mais jovem da foto acima. É graduado em Engenharia Civil pela UFG e mestre em Comunicação Social pela UnB. Trabalhou com educação para adultos e atualmente é professor universitário. Criador da Monstro Discos, do Goiânia Noise Festival e da Trash – Mostra Goiana de Filmes Independentes, trabalha no segmento cultural goianiense há 17 anos, onde produz, entre outras coisas, o Festival Bananada. É membro-fundador da Abrafin – Associação Brasileira de Festivais Independentes e vocalista da banda Mechanics.

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Oscar Fortunato é um outsider. Mesmo. Posso garantir isso porque o conheço desde os tempos em que Fortunato era ofensa inaceitável. Ao lado do Leo Bigode, fui um de seus sócios na loja-selo Buraco/Sonic (embrião de toda a movimentação roqueira que colocou Goiânia no mapa), o que me valeu doses cavalares de dor de cabeça e diversão tresloucada. A loja faliu, claro. Mas seu legado continua aí, em praticamente tudo aquilo que nega a vocação jeca de nossa capital.


Oscar Fortunato, além de outsider, é também um punk. Ou melhor, ele é outsider porque é punk. A premissa do “do it yourself” está gravada no DNA de cada uma de suas células – inclusive aquelas do seu inconfundível narigão. É isso que o define. Por conseguinte, é isso que define sua arte. E quando eu digo punk, não estou falando dessa coisa cool e descolada que ocupa editoriais de moda e o sempre afetado círculo das artes. Nada disso. Estou falando de “do it yourself” mesmo, de um cara que não nasceu em berço burguês e que, desde muito cedo, teve que se virar.


Num país fuleiro como o Brasil, ter que se virar é pré-requisito básico pra 80% da população. O duro é se virar e chutar a alienação pra lá, sublimar a ralação cotidiana (seja fazendo cartaz de oferta de supermercado ou no balcão de uma loja de discos) por meio da música, dos quadrinhos e da arte. Se o processo criativo é doloroso mesmo pra quem foi criado à base de danoninho e viagens ao exterior, imagine só pra quem teve que se virar? Isso, meu chapa, só pra quem tem sangue nos olhos.


Punk, Oscar F. foi um dos grandes nomes dos fanzines brasileiros circa 80/90 do século passado. Fanzine é aquela palavra que você usa para parecer esperto e transgressor em qualquer ambiente de artistas – mesmo que jamais tenha colocado as mãos em um. Naqueles tempos, era a forma de expressão possível pra gente que teimava em não ser devorado. E lá estava o Oscar, zineiro de primeiríssima grandeza, lado a lado de um monte de craques que, verdade seja dita, invariavelmente desenhavam melhor que ele. Nisso residia – e reside – a força do trabalho do Sr. Fortunato: converter limites em potencialidades, por meio de idéias e infinita criatividade. Do it yourself!


Nos fanzines, Oscar liquefazia as fronteiras entre imagem e texto. Colagens, xerox, desenhos e serigrafias eram mixados com um intuitivo senso de composição para dar voz à sua intelectualidade vinda das ruas. De lá pra cá, do fanzineiro que produzia shows de rock em puteiros ao artista das galerias, Oscar jamais abriu mão de duas coisas: sua visão de mundo (ele é um cabeça-dura ortodoxo) e a posse total de seu processo criativo.


Não que exista alguma área em que Oscar não se atreva. Com a mesma desenvoltura ele ataca telas, faz desenhos, cria objetos. Mas a menina dos seus olhos é mesmo a serigrafia, o que comprova seu espírito outsider, uma vez que na ridícula tentativa de se hierarquizar o campo das artes plásticas, as gravuras ocupam um lugar mais à penumbra. (Sem problemas. Oscar já teve seus gothic days, com muito Bauhaus e Siouxie na cabeça.) É aí que ele revela a obsessão pelo absoluto controle artístico de sua obra. Enquanto outros artistas criam a imagem inicial a partir da qual o mestre-gravador (um artesão) irá reproduzir a série de gravuras, Oscar não abre mão de fazer tudo, etapa por etapa, peça por peça, custe o que custar, doa a quem doer. O resultado é punk.


Por tudo isso, madama, fique feliz. Quando você pendurar aquele quadro bonito do Oscar Fortunato em sua parede, saiba que pagou barato. Debaixo daquelas tintas tem um pacote completo. Tem arte de verdade ali.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amo o trabalho dele.