sexta-feira, 6 de março de 2009

Era uma vez em Itabaiana ...

1 Ano sem Adelardo jr. e Ademir Pinto

Itabaiana é a minha cidade natal. Tem cerca de 80.000 habitantes, fica na região agreste do estado, a 52 km de Aracaju, e tem uma serra deslumbrante que é, também, um dos pontos mais altos do estado. Pois bem, nos anos noventa havia rock no radio em Itabaiana. Rock mesmo, e no radio MESMO, não web-radio (a internet era coisa restritíssima na época, algo do qual a gente só tinha ouvido falar que existia mas pouquíssima gente tinha acesso, coisa de ficção cientifica).

Haviam dois programas dedicados ao rock, cada um veiculado por uma das duas rádios FM da cidade. Ademir Pinto de Menezes, originalmente operador de áudio, comandava o GUILHOTINA, que ia ao ar uma vez por semana pela Itabaiana FM. O programa começou quando o diretor da radio (que pertencia ao vive-governador do estado na época) deixou a seus cuidados um espaço ocioso ressaltando que ele poderia fazer com ele o que quisesse. Foi a senha para que ele chamasse seus amigos roqueiros fanáticos por musica para ajudá-lo nessa empreitada. Eu era um dos colaboradores. De quinze em quinze dias (o programa era semanal) eu me mandava para Itabaiana (morava já em Aracaju) com uma penca de discos de vinil e CDs e fitas demo em k7 para colocar o rock no ar.

Me parece que pouca gente ouviu (quando o telefone tocava a gente se animava – “ói, aleluia, um ouvinte”, mas era sempre outra coisa, alguém perguntando se alguém tava lá no estúdio ou coisa do tipo), mas foi divertido de fazer. E tivemos momentos antológicos – Exemplo: Uma vez Ademir me ligou antecipadamente falando que se eu quisesse não precisava ir, porque o programa iria ser interrompido várias vezes para veicular chamadas direto da inauguração de um poço artesiano pelo vice-governador do estado (proprietário da radio, lembrem-se). Eu resolvi ir, mas pra radicalizar, escrachar mesmo, só tocamos as coisas mais barulhentas possíveis, do “psychocandy” do Jesus and Mary Chain ao “From slavement to obliteration” do Napalm Death. Era engraçado, o repórter mandava lá do povoado no ar: “estamos aqui esperando a visita do excelentíssimo senhor vice-governador do estado, enquanto isso vocês seguem ouvindo o programa GUILHOTINHA com Ademir Pinto”, e tome grindcore e hardcore no pé do ouvido.

Ademir não se importava com o risco de ser demitido, pois ele estava mesmo querendo se desligar da emissora. Desconfio até que ele incentivava esse tipo de atitude inconseqüente por parte dos colaboradores do programa, porque pra ele valia tudo. Pra se ter uma idéia, uma vez eu toquei no ar “canção de amor”, d`Oscabeloduro, de Brasília, que eu considero a musica mais escrota já feita e cuja singela letra diz mais ou menos assim: “pegue no meu pau/me chupe até o saco/vou comer o seu buraco/vou fazer você gritar/fique aqui de quatro/vem brincar de cavalinho/vou comer o seu cuzinho/até a pica esfolar”. E o refrão, gritado a plenos pulmões e com uma pronuncia perfeitamente inteligível (o vocal do Beto Podrinho não era gutural nem nada) era “chupe o meu pau/cheire a minha rola/lambe o meu saco”. Meigo não ? Pois rolou. No radio. Em Itabaiana. E se isso fazia parte de uma estratégia dele para ser demitido, não funcionou, pois soube posteriormente que o diretor da radio ouvia o programa (não creio que ele tenha ouvido na noite em que tocamos Oscabeloduro, felizmente) e a única reclamação que fez foi que a gente nunca tocava Raul Seixas. Ademir teve que, no final das contas, pedir demissão ele mesmo – mas não sem antes manter o programa no ar por aproximadamente um ano, com direito a uma edição especial só tocando grindcore, além de termos feito entrevistas com algumas bandas que passavam pela cidade, como a Karne Krua, e tocado na integra, provavelmente pela primeira (ou única) vez no radio sergipano, discos que posteriormente se tornariam clássicos, como o primeiro do Raimundos.

E sempre tem alguém ouvindo. Mais tarde fiquei sabendo que o programa foi ouvido inclusive no alto da serra, onde alguns amigos daqui mesmo de Aracaju iam sempre acampar e ficavam maravilhados de ouvir rock underground no radio por lá, e muito tempo depois uma pessoa que eu não conhecia me abordou na rua pra me falar que sempre ouvia o guilhotina lá no Marcos Freire, onde o sinal da radio conseguia chegar.

O Guilhotina, na verdade, veio para se somar a outro programa que já existia há algum tempo colocando rock nas ondas do radio lá mesmo, na “terra da cebola”. Era o SABOTAGE (assim mesmo, em inglês, provavelmente em referência ao disco do Black Sabbath), comandado por Adelardo jr. na outra radio FM local, a Princesa FM.

O Sabotage era uma explosão anárquica sem precedentes no radio sergipano. Seu produtor e apresentador era um comunicador nato e um “maluco beleza”, no melhor sentido da palavra. Tocava rock da melhor qualidade (e da pior também, mas aí vai do gosto de cada um) e, entre um bloco musical e outro, destilava uma verve anárquica e desbocada que era, na verdade, o grande atrativo do programa - muita gente ouvia mesmo sem gostar de rock, apenas pra se divertir com as tiradas sarcásticas de Adelardinho. Tanto que o seu programa, ao contrario do Guilhotina, teve vida longa, e com alguns momentos célebres que se tornaram lenda na historia do radio sergipano, notadamente os “enterrros de mentirinha” que aconteciam uma vez por ano. Reza a lenda que tudo começou quando, cansado da inadimplência de uma funerária e de uma sorveteria que anunciavam no programa e nunca pagavam a conta do anuncio, Adelardinho resolveu fazer uma promoção digna de uma historia de realismo fantástico saída das páginas de algum livro de Gabriel Garcia Marques: iria sortear um caixão de defunto cheio de picolés. Sorteou, e o sorteio foi um sucesso tão grande que eles resolveram ir entregar o “presente’ ao feliz ganhador em comitiva, a pé, tal qual num enterro simbólico. O sorteio passou então a acontecer periodicamente, sendo que um dos ganhadores, me falaram, foi o mais célebre punk da cidade, Badaró, que quase mata sua mãe do coração ao ter a infeliz idéia de entrar ele mesmo no caixão para ser entregue em sua casa. De minha parte me lembro de uma noite em que fui lá visitá-lo nos estúdios comendo um pacote de rosquinhas e ele passou o resto do programa falando no ar que “Adelvan tá aqui nos estúdios nos visitando e me oferecendo a rosca, quer também Pedão?”. Pedão era seu fiel escudeiro, o operador de áudio, que ele chamava carinhosamente de “Pedão peido de cuscus com ovo”.

Adelardo foi também o responsável por um dos maiores feitos da Historia do rock sergipano, ao promover um Megafestival de rock na Praça de eventos da cidade (que só costumava receber ídolos da musica brega e sertaneja ou do infame “forró eletrônico”). Tocaram neste festival várias bandas da capital e as que existiam na cidade na época, a Cleópatra e Ezequiel, o Pensador. Um Festival como nunca se tinha visto (e não se viu depois) em termos de estrutura e cobertura, já que foi transmitido ao vivo pelas duas rádios FM locais.

E assim foi, entre estas e outras historias que é melhor não mencionar, até sua morte, que aconteceu, infelizmente, prematuramente, aos 47 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco (ele bebia e fumava muito) no dia 07 de março de 2008. Ademir Pinto havia morrido alguns meses antes, vítima de câncer. Tinha abandonado o radio e era professor. Hoje é homenageado na cidade, entre outras coisas, com seu nome na Biblioteca da Associação Atlética de Itabaiana. Adelardo será lembrado como o ídolo que era pela pequena porém orgulhosa comunidade “rocker” local no dia 20 de março de 2009, quando acontecerá, na mesma Associação Atlética que tem a biblioteca com o nome de Ademir, um festival em sua homenagem. Mais do que merecido. Serão lembrados para sempre. Que estejam descansando em paz. Ou melhor, que estejam celebrando no outro mundo da maneira que mais gostavam, com muito rock.

por Adelvan Kenobi

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Alguns depoimentos de pessoas que conheciam e/ou colaboravam com Adelardo jr. e Ademir Pinto:

Hoje, infelizmente faleceu por parada cardíaca o nosso amigo Adelardinho, o Adelardo Junior, aos 47 anos. Meu sentimento já é de saudade, de medo de perder meus amigos, nem sei o que falar. Se eu for falar aqui o respeito e consideração que possuo por esse rapaz, não conseguiria expressar. Adelardo e Pedrão, apresentadores do programa Sabotagem, faziam todos os sábados a alegria de tantas pessoas e de tantos amigos que bate em mim uma tristeza tamanha. Dessa vez não adianta “Abaixo assinado”, dessa vez não é o enterro de brincadeira que fazíamos juntos, dessa vez é verdade. Meu amigo Adelardo vai alegrar o céu, ouvir Pink Floyd, Led Zepplin, Beatles, com Ademir Pinto e dar muita risada. Fique com Deus “Fidocanço”, leve sua alegria, seu conhecimento, e saiba que você deixa uma geração de roqueiros órfãos, sem ídolos e sem caminho.

Jamyson Machado - Amigo.
Itabaiana Sergipe

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Demorei vinte minutos olhando o monitor esperando que algo viesse à minha mente para falar de um cara que realmente me adotou como filho aqui na cidade de Itabaiana. Me apelidou de Robério Xiquita e sempre estive ao seu lado. Seu nome, Adelardo Junior, um cara louco das idéias, sempre um passo à frente do mundo, sempre buscando a melhor piada e a melhor trilha sonora. Seu programa intitulado de “O Pior do Mundo” foi batizado com o nome de Sabotage, tributo ao sexto álbum da banda Black Sabbath. Quase quinze anos se passaram desde o primeiro programa na FM Princesa.

Em minha adolescência eu escutava o louco gritando e tocando Beatles, Led Zeppelin e Pearl Jam. Cresci sentindo algo diferente, algo que me fez pensar sobre o que era realmente a música. Em 2003 eu vim para Itabaiana e entro na família Sabotage, apresentando um pequeno bloco chamado Rock Sergipe, onde eu mostrava algo que o próprio Adelardo desconhecia, era a qualidade de nossa música regional. Um pai pra mim nesses últimos 4 anos. Consegui meu programa por conta dele.

Hoje, 7 de março de 2008, morre ouvindo música aos 47 anos o ícone da música itabaianense. Devido a uma parada cardíaca que o levou nessa manhã a cidade parar e não acreditar no que aconteceu. Ele algumas vezes simulou enterro do próprio, saindo nas ruas dentro de um caixão. Já presenteou seus ouvintes com bobagens, tipo, caixa vazia de cerveja, caixões de defunto e algumas outras inutilidades. Acabou o Sabotage, acabou o Adelardo. Minha cabeça ainda não entrou no eixo, mas juro que realmente seu nome vai ser lembrado, como o cara que mudou a concepção conservadora de nossa cidade. Um homem de respeito que nunca iremos esquecer. Adeus, meu pai como todos diziam, um dia a gente se encontra, pode deixar que eu levo seus dvd’s e cds pra gente assistir por aí e dar boas gargalhadas.

Robério Xiquita

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Certa vez pedi pro Adelardo conseguir o set list do disco Back in Black do AC/DC pq eu comprei um cd e não tinha o set list, daí ele disse..."Se fudeu, comprou o piratinha" mas falou que conhecia um amigo em aracaju que tinha e tal e disse que eu passasse na radio na outra semana que ele me dava a lista. Bom, eu passei durante 3 semanas e nada, eu já tinha desisitido. Passaram uns 2 meses, foi quando um garoto chegou pra mim na rua e me perguntou, "hei, vc é Maicon"? e eu, "sou" daí o garoto falou, "velho, passe la na rádio pelo amor de Deus, porque eu já não agunento mais ouvir o Adelardo esculhambando um tal de Maicon que queria o set list de um disco la... e não ia pegar nunca, assim ele muda a piada". hehehehe E DE OUTRA VEZ QUE NO AR, O ADELARDO QUE FAZIA O PROGRAMA TOMANDO UNS APERITIVOS E TALS, SE ENGASGOU...KKKKKKKK FOI CÔMICO... KKKKKKKKKKKKKK e disse a Pedão, "...peraí fiu do canço que eu me engasguei aqui" hahahahha

Maicon “Stooge”, em depoimento no Orkut.

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Era figuraça mesmo! Se tornou um amigão da Maria Scombona e as entrevistas eram uma verdadeira zona, com provocações de ambos os lados... Mas ele sempre saia ganhando, claro! Em 1995 ou 96 tocou a primeira demo inteira da Snooze, lendo o release chapado e gaguejando, uma onda!

Rafael jr., em depoimento no Orkut

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a única coisa que ele sempre me dizia, era: toma juízo e pára de andar com esses malucos menina! ;p – e eu não tomei, pois eu era maluca também.

Samara, em depoimento no orkut


Um comentário:

Anônimo disse...

Quase me fez chorar... de novo. Eu lembro do dia da morte do Adelardo até hoje. E até hoje sinto a mesma coisa a respeito: Ah, é piada dele, uma hora ele volta. Difícil acreditar quando pessoas tão especiais morrem assim... Se foram muito cedo, tanto Adelardo, como o ilustre Ademir Pinto. Outra pessoa que eu admirava muito. Conversava bastante com o Ademir, antes da cirurgia e tudo mais. Após isso ele não lembrava muito de mim. Mas com toda certeza, eu jamais vou esquecer dele, nem do Adelardo.