segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Eu, eu mesmo e + eu


MADE IN ITABAIANA
Foto: Adelvan Barbosa numa foto bem recente, tirada há uns 20 dias, na Usina Hidrelétrica de Xingó, na fronteira entre Alagoas e Sergipe, no Rio São Francisco.
Por Marcelo Viegas
Quando o tema “Fanzines” foi escolhido para inaugurar as atividades aqui do blog, eu pensei: posso muito bem falar da minha experiência de fanzineiro, contar histórias e mais histórias... Mas isso seria muito pessoal (e previsível), e o grande barato dos fanzines sempre foi falar das coisas legais que nós gostávamos e mais ninguém divulgava. Decidi, então, falar de outrem.
Assim, apresento-lhes o ilustre Adelvan Barbosa, editor do extinto fanzine Escarro Napalm. Nascido em Itabaiana (SE), uma cidadezinha de 80 mil habitantes a 52 km de Aracaju, Adelvan é uma figura rara, dotada de um senso de humor inato e contagiante. Profundo conhecedor das manifestações do underground, possui um gosto variado, de Sonic Youth à Slayer, passando por Pato Fu, DFC e Gangrena Gasosa. Fã ardoroso de Star Wars e Marquês de Sade, Adelvan sempre batalhou para movimentar a pacata cena sergipana. O Escarro Napalm durou de 1991 a 1995, com “7 edições, mais uma mega-edição especial delirante chamada ‘Delirium’”, diz.
Mas o espírito fanzineiro permanece, impregnado, subcutâneo, e o cabra-macho de 37 anos segue colaborando com a fomentação da cena local com seu programa de rádio, ao lado do amigo Fabinho, da banda Snooze. Troquei uma idéia com o Adelvan - que não perde sua tradicional marca de começar todas frases com um “rapaz” (proferido com sua voz fiiiina) – sobre suas memórias fanzineiras e alguns outros assuntos. Confira logo abaixo
ZINISMO: Você nasceu em Itabaiana (SE). Quando mudou pra capital Aracaju?
ADELVAN: Em Aracaju desde 1989. Lembro bem porque foi na época da primeira eleição pra presidente.
ZINISMO: De que ano a que ano editou o Escarro Napalm?
ADELVAN: O Escarro Napalm foi de 1991 a 1995. Mas houve um precursor, que eu editei em 1988 e 1989, em Itabaiana mesmo, chamava-se Napalm.
ZINISMO: Qual a explicação do nome Escarro Napalm?
ADELVAN: Rapaz, é uma viagem meio de roqueiro de primeira viagem adolescente revoltado. O primeiro se chamava Napalm em homenagem à casa noturna que tinha aí em São Paulo. E porque eu acho o nome forte, essa bomba aí é muito louca, né? Espalha gasolina... Aí eu fiz um informativo e pra diferenciar chamei de Escarro Napalm, porque não era o zine em si, era tipo uma cusparada flamejante (risos). Aí quando fui fazer um novo zine adotei esse nome. Muita gente achava que, pelo nome, o zine só falava de grindcore ou coisas do tipo, se surpreendiam quando pegavam.
ZINISMO: E do que falava o Escarro?
ADELVAN: Rapaz, era bem aberto. O universo do rock independente era uma constante, mas rolavam também matérias com o assunto que me viesse à telha. Mas o tema central era o rock mesmo, fiz inclusive alguns perfis de bandas daqui, como Karne Krua e Camboja.
ZINISMO: Quais as melhores demo-tapes que passaram pelo zine?
ADELVAN: Eu não resenhava tapes. Pelo menos não numa seção assim específica, mencionava sempre a banda como um todo num resumão que eu fazia no meio do fanzine. Mas lembro de algumas demos que me impressionaram muito e eu devo ter comentado no zine: A primeira demo dos Cabeloduro, a primeira do DFC, uma com a capa colorida do Living in the Shit de Maceió, “Psicose” do Concreteness, as demos do GDE, do RS, a primeira demo do Pato Fu... A demo do Snooze também foi bem marcante.
ZINISMO: E as melhores capas de demos?
ADELVAN: Rapaz, acho que a galera não caprichava muito nas capas não, e os recursos não ajudavam, Xerox tosca e tal. Não lembro nenhuma especialmente marcante – aliás, lembrei: uma do Eddie, de Olinda, com o desenho de uma invasão de moscas, muito boa. Tinha uma da Karne Krua que era muito boa também, com um desenho estilizado de uma mulher gritando.
ZINISMO: Você lembra matérias em fanzines que tenham te marcado?
ADELVAN: Uma entrevista com Zenilton feita pelo zine Cabrunco. O Papakapika teve muita coisa boa, mas não lembro especificamente de uma. Na verdade não me vêm à memória matérias em si, mas os zines de forma geral. Eu lia tudo, tinha uma paciência na época que hoje não teria não. Lia desde os mais legais e elaborados até os mais toscos e panfletários.
ZINISMO: E as capas dos fanzines? De quais você gostava?
ADELVAN: Lembro que as capas feitas pelo Yuri Hermuche (hoje na banda Firefriend), de Brasília, pelo Weaver, de Fortaleza, por Ricardo Borges e Joacy Jamys, do Maranhão, pelo Alberto Monteiro, do Rio, por Henry Jaepelt, de Santa Catarina, pelo Law e Claudio MSN, do RS, eram sempre muito boas.
ZINISMO: Lembra de cidades inusitadas pra onde enviou o Escarro?
ADELVAN: Alguma cidade lá do extremo norte, acho que Porto Velho e Rio Branco. Às vezes rolavam umas correspondências do interiorzão, mas era bem difícil. Tanto que nem lembro qual... A esmagadora maioria vinha de São Paulo mesmo.
ZINISMO: Tem acompanhado os fanzines da atualidade?
ADELVAN: Estou absolutamente por fora de fanzines atuais, não conheço praticamente nenhum.
ZINISMO: Quais bandas gostaria de ter entrevistado no Escarro?
ADELVAN: Pô, as que eu era fã mesmo na época e eram acessíveis entrevistei – tipo Pato Fu, DFC e Gangrena Gasosa. Gostaria de ter tido contato com o Second Come, me amarrava. Eddie tinha contato, mas nunca entrevistei, deveria ter feito. OsCabeloduro também.
ZINISMO: Vamos falar um pouco da sua banda, o 120 dias de Sodoma, que é lendária na cena nordestina. Muitas histórias de shows polêmicos, nudez e coisas bizarras em geral. Qual história foi mais marcante, no seu ponto de vista?
ADELVAN: Rapaz, um show nosso que tem trechos no Youtube foi bem legal, pois rolou um impacto. Só tinha bandas indie meio deprê na noite, a organização colocou a gente pra "esculhambar" mesmo, e conseguiu. No final todo mundo se divertiu, ao que parece. Inclusive um bêbado que fez umas participações com uma gaita horrível o show inteiro e no final fez um strip tease. Assistam até o fim e verão esse momento sui-generis na historia do rock sergipano.
ZINISMO: Como você definiria 120 dias de Sodoma para quem nunca ouviu?
ADELVAN: Bizarro. Também horrível, para alguns, ou divertido, para outros. Depende do senso de humor ou do estado de espírito de quem vê.
ZINISMO: Apesar de não fazer mais fanzine, você tem um programa de rádio, junto com o Fabinho Snoozer. Como tem rolado esse lance do programa?
ADELVAN: Tem sido muito legal. A proposta do programa é a mais ampla possível, indo dos clássicos ao underground do underground, do indie rock ao splatter gore death black metal. E fazemos entrevistas com bandas e personalidades (como produtores de shows) da cena local, ou que estejam de passagem pela cidade. Inclusive conseguimos uma repercussão nacional, pois fomos indicados ao premio Dynamite, coisa que não esperava, pois concentramos a divulgação do programa aqui dentro do estado mesmo. Há inclusive o convite para que se transforme num programa de TV, a ser transmitido pela emissora pública local, via Fundação Aperipê
ZINISMO: Momento alta fidelidade: os 5 melhores zines brasileiros de todos os tempos.
ADELVAN: Masturbação, Iogurte e Rock and Roll, de Fortaleza; Cabrunco, de Aracaju; Papakapika, de Curitiba; Panacea, de SP; Anti-Usual, do Rio de Janeiro; e Kri$e – do Maranhão (menção honrosa, hehehe).
ZINISMO: 5 melhores bandas que descobriu em zines.
ADELVAN: Concreteness (SP), Eddie (PE), OsCabeloduro (DF), Second Come (RJ) e Gangrena Gasosa (RJ).
ZINISMO: 5 amigos que deve aos fanzines.
ADELVAN: Rapaz, aí vai ser foda escolher cinco. Vou falar os que eu tinha mais contato mesmo, alguns deles são meus amigos do peito até hoje: Fellipe CDC do DF; Oscar F. de Goiânia; Ronaldo Chorão do RJ (esse tá inclusive aqui em casa nesse momento, passando as férias); Marcos de Oliveira Ferreira, do Rio; e Marly do No Sense, de Santos.
ZINISMO: O que é insubstituível num fanzine impresso? E o que era chato pra caralho?
ADELVAN: O manuseio do papel é sempre legal. É mais legal ler em papel que na tela - muito embora ler matérias curtas (ou não muito longas) seja bastante viável via computador, o que não dá é pra ler um livro inteiro, a meu ver. O que era chato é que às vezes fanzines muito bons vinham em cópias xerox muito ruins, o que diminuía o impacto do trabalho. E a trabalheira que dava pra grampear, dobrar, envelopar e remeter, muito embora eu fizesse com prazer, pela empolgação de estar produzindo, participando de algo, muito provavelmente.