domingo, 24 de fevereiro de 2013

Yoani Sánchez, sem Histeria nem maniqueismo

Falta um dente no sorriso da blogueira “milionária”, como parte da esquerda se esforça em catalogar Yoani Sánchez. Tanto o endeusamento patrocinado pela mídia internacional quanto a tentativa de reduzi-la a uma mera agente a serviço dos Estados Unidos foram os responsáveis por elevar a jornalista de 37 anos ao patamar de opositora mais visível do regime cubano hoje.

No Brasil, Yoani foi recebida praticamente como chefe de Estado por políticos da oposição, com direito a interromper uma sessão da Câmara para que ela conhecesse o plenário. A blogueira cubana iniciou aqui uma turnê por 12 países da América Latina e Europa, além dos Estados Unidos, que se tornou possível após Cuba ter mudado a política migratória, em janeiro. Antes disso, Yoani havia feito 20 tentativas de sair da ilha nos últimos cinco anos, em vão. Ela é pequena, muito pálida e magra. Seus cabelos longos lhe conferem um certo ar de evangélica. Calma, enfrentou estoicamente os protestos furiosos e despropositados de militantes do movimento estudantil em sua passagem pela Bahia, na semana passada. Ao falar, porém, sua voz grave se impõe, é articulada e soa extremamente convicta de seus objetivos.

O objetivo número um é, claro, derrubar o regime de Fidel e Raúl Castro. Para isso, Yoani Sánchez não parece preocupada em se unir a quem for. Foi nomeada vice-presidente para Cuba de uma entidade patronal de imprensa, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), e não demonstra interesse em discutir problemas de direitos humanos a não ser em seu país. Sempre que perguntada sobre os presos norte-americanos na base de Guantánamo, por exemplo, responde: “Acho um horror, uma ilegalidade. Infelizmente não posso fazer nada quanto a isso”. Na Câmara dos Deputados, posou ao lado do que há de pior na política brasileira, como o líder ruralista Ronaldo Caiado e o brucutu homofóbico Jair Bolsonaro.

Hábil com as palavras, a cubana recorre a frases de efeito para responder questões mais difíceis, como a recorrente pergunta sobre a educação e a saúde cubana, apontadas como exemplo de que há coisas boas no regime que tanto critica. “É como se eu fosse um passarinho que deveria estar feliz na gaiola só porque recebo alpiste e me ensinam alguns truques. Eu quero voar”, diz. A frase é ótima e ela a repete em toda parte.

Tampouco adianta tentar fazer comparações entre problemas de outros países com os que enfrenta no seu, que ela se sai com essa: “É como se eu estivesse com dor de dente e alguém viesse me dizer: ‘você reclama, mas eu tenho dois dentes doendo’. Isso não vai fazer com que o meu pare de doer.” Justiça seja feita: Yoani não foge de nenhuma pergunta, muito embora a condescendência com que foi tratada pelos repórteres no Brasil não tenha sido exatamente um desafio. Ela nega o suposto financiamento que teria de entidades governamentais dos EUA, atribuindo a “difamações” propagadas pelos Castro.

Sempre muito assertiva sobre a “Cuba futura” que antevê, sem Castro algum no horizonte, Yoani deixa escapar certo temor de uma jogada do regime que poderia atrapalhar seus planos: que Mariela Castro, filha de Raúl, seja escolhida como sua sucessora. Ou seja, uma saída “à Dilma Rousseff” para Cuba. Será? Yoani Sánchez falou com exclusividade a CartaCapital em Feira de Santana (BA).

CartaCapitalVocê é de esquerda ou de direita?
Yoani Sánchez – Me considero uma pessoa pós-moderna, acho que estes limites já não estão tão claros. Sou uma defensora da liberdade de expressão, sobretudo da liberdade de imprensa. Para muitas pessoas isso me colocaria ao lado dos liberais, do liberalismo. No entanto, até por origem –venho de uma família de ferroviários que vivia num cortiço–, também me preocupa a situação que vivem agora os mais desfavorecidos de meu país, com todas estas reformas de corte neoliberal que Raúl Castro está fazendo. Por um lado, estão criando oportunidades para o setor privado, mas, por outro, estão criando grandes diferenças sociais. A compra e venda de casas, por exemplo, uma medida largamente desejada, está provocando a redistribuição classista dos bairros. Gente que tem mais dinheiro vai para os melhores bairros e os que têm menos, para a periferia. Se continuar assim, teremos uma Cuba tão neoliberal quanto qualquer outro país, com as grandes diferenças e os grandes abismos. Neste ponto, eu poderia ser tachada como de esquerda.

CCVocê preferia que a revolução cubana não tivesse acontecido?
YS – Não, não. Penso que a revolução foi um bom detonante, uma necessidade para muitas pessoas. O problema foi quando a revolução se devorou a si mesma e deixou de ser uma revolução.

CC - Quando isso ocorreu?
YS – Essa é uma grande discussão. Meu marido, que é jornalista e mais velho do que eu, diz que a revolução terminou em 1968, quando Fidel Castro aplaudiu a entrada dos tanques soviéticos em Praga. Como uma revolução rebelde permite que um império – ainda que seja comunista é um império – termine com um processo nacional de rebeldia, de transformação? Outras pessoas dizem que a data foi 1980, com o êxodo de Mariel, quando mais de 120 mil cubanos disseram ao regime: ‘não gostamos deste sistema’. Minha mãe diz que para ela a revolução terminou em 1989, o ano em que fuzilaram o general Arnaldo Ochoa, que estava ligado ao narcotráfico, mas também foi um julgamento político. Ou seja, as datas são muitas. Eu não conheci a revolução. Nasci em 1975, sob muito estatismo, sovietização, rigidez. Aqueles rebeldes descidos da Serra Maestra, que pareciam tão jovens, com seus escapulários, tão reformistas, tão sonhadores, no momento em que nasci já eram uns burocratas de abdômen avantajado e muito cuidadosos cada vez que davam um passo, para que nada lhes fugisse do controle.

CCMas e se não tivesse ocorrido o embargo norte-americano? Poderia ser diferente, não?
YS – O embargo, sem dúvida, fez com que a revolução se radicalizasse e deu ao governo um argumento para explicar tudo. Mas eu não creio que o tema das liberdades fosse diferente sem o embargo. Simplesmente vivemos sob um sistema pensado para que o indivíduo não possa ser livre. Se é livre, começa a perguntar, a questionar, a se associar, a buscar informação, e o sistema não funciona, porque está baseado em que o mundo é um inferno e Cuba um paraíso. ‘Você tem que se conformar com o zoológico porque lá fora é a selva’: essa é a dicotomia que explora o governo cubano. E quando a pessoa abre os olhos, lê outra literatura, contata com outras pessoas, essa dicotomia começa a ruir.

CC Para nós, o que parece injusto é que um país gigante tente espezinhar durante anos uma ilha pequena só porque decidiu fazer diferente e ser comunista.
YS – Esse é o símbolo de Davi contra Golias. Mas o Davi que eu conheço se chama povo cubano. E o Golias que faz a minha vida difícil é o governo de Cuba.

CCVocê não teme que acabe o regime dos Castro e Cuba caia em mãos dos cubanos de Miami, que são políticos da pior direita inclusive sob a ótica norte-americana?
YS – A Cuba do futuro tem muitos riscos, mas não é por isso que vamos nos conformar com o presente. Não é uma atitude de esquerda se paralisar por temor ao futuro. A atitude de esquerda é: vamos à mudança! E depois encontraremos soluções para os problemas que irão surgindo. Não tenho temor da miamização de Cuba, mesmo porque o exílio de Miami também é um estereótipo. Passaram-se 54 anos, os que se foram em 1959 ou nos anos 1960 já são octogenários. Chegou uma nova geração, com outra mentalidade. Nas últimas votações para presidente, um amplo setor da Flórida votou em Barack Obama. Enfim, não creio que o dilema nacional seja os Castro hoje ou Miami amanhã. Tem muita gente que diz: você não teme que chegue o McDonald’s em Cuba? Não, não temo, chegará. O que me preocupa agora é que o operário cubano, para comer um hambúrguer, precise trabalhar dois dias completos. Não me importa que se chame McDonald’s ou McCastro, mas que as pessoas tenham a oportunidade de ter um salário digno que lhes permita escolher entre comer vegetais ou um hambúrguer.

CCSe Cuba vai tão mal, por que as pessoas não se revoltam?
YS – As pessoas em Cuba se rebelam emigrando. As revoltas cubanas não estão na praça Tahrir, estão do lado de fora dos consulados. As pessoas não têm consciência cívica, o Estado se ocupou tanto de tudo que meus contemporâneos sentem que o país não lhes pertence. O país é do governo, é do partido, de Fidel. Estão apáticos. Quando têm um pouco de rebeldia, não a usam para enfrentar um repressor na rua, mas para enfrentar um tubarão no estreito da Flórida. Creio que nós, cubanos, votamos com os pés. Não protestamos, mas votamos indo-nos do país.

CCAgora que mudou a lei migratória pode haver um novo êxodo?
YS – Há muita gente planejando ir embora. Nos dias em que estive organizando os vistos, vi muita gente jovem do lado de fora dos consulados. É difícil, porque há vários requisitos para conseguir um visto, mas os cubanos são engenhosos. Então o que estão fazendo? Vendem suas propriedades e com esse dinheiro compram uma passagem para um país que não pede visto. Na Aeroflot, que voa de Cuba a Moscou, se esgotaram todos os bilhetes na primeira semana. Por quê? Porque a Rússia não pede visto para os cubanos. Então vão para lá e usam o país como trampolim para ir a outra parte. Sim, vai haver uma saída em massa.

CC – Escutei você falar relativamente bem de Mariela Castro. Poderia ser uma saída ao regime que ela se tornasse presidenta?
YS – Não acredito que ela queira. Me parece que está mais focada na sexualidade e em seu trabalho no centro de educação sexual. Sim, poderia ser uma maneira de moderar o regime. Mas creio que criaria inconformismo, seria uma evidência muito clara de nepotismo: do irmão mais velho ao caçula e à filha deste. Nos deixaria um sabor tão amargo na boca que, por melhor que fosse sua presidência, sempre nos ficaria a impressão de que somos um reino que se herda consanguineamente.

CC – E se fossem convocadas eleições e ela se candidatasse?
YS – Eu não votaria nela. Ainda que faça um trabalho muito bom do ponto de vista da sexualidade e do respeito às diferenças, me parece uma pessoa com sérias dificuldades para dialogar. Todas as vezes que tentei um debate de ideias, recebi respostas agressivas. Quando um político age assim, tem grandes possibilidades de se converter em um ditador. 

por Cynara Menezes 

Carta Capital 

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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

30 Anos de "O Retorno de Jedi"

Em 1983 George Lucas estava às voltas com "O Retorno do(s) Jedi", desfecho da primeira trilogia "Guerra nas Estrelas". Ele já se preocupava com o futuro da saga e como aproveitaria o tempo livre quando deixasse essa história para trás. Abaixo, uma entrevista feita na época pela revista Rolling Stone. 

E vamos ver se um dia corrigem esse erro ridículo do título no Brasil: teria que ser o Retorno DO ou DOS jedi, pois não há nenhum personagem chamado "Jedi" na trama, trata-se de uma antiga ordem mística que comandava a republica e volta à ativa na figura de Luke Skywalker.

Já faz mais de 10 anos desde que George Lucas começou sua tentativa de vender a ideia do que ele mais tarde viria a chamar de “o filme dos meus filhos” para uma desinteressada Hollywood. Acabaria levando três filmes até que a ideia toda fosse registrada em celuloide. Star Wars (1977) arrecadou US$ 524 milhões em bilheteria no mundo todo. O sucessor, O Império Contra-Ataca (1980), US$ 365 milhões. Ambos estão na lista dos filmes mais alugados de todos os tempos na segunda e terceira colocação, atrás apenas de E.T. – O Extraterrestre, de Steven Spielberg. E então temos Caçadores da Arca Perdida, no qual Lucas atuou como produtor-executivo. O filme é o quinto na lista dos mais alugados. E temos todo o merchandise de Star Wars: US$ 1,5 bilhão em vendas brutas. Há também a Lucasfilm Ltd. e suas rentáveis subsidiárias, Industrial Light and Magic (efeitos especiais) e Sprocket Systems (serviços de pós-produção). Há as pesquisas em equipamentos de produção, computadores e videogames interativos. E finalmente há a construção em andamento dos 300 acres do Rancho Skywalker. E agora temos O Retorno de Jedi, o capítulo de US$ 32,5 milhões de dólares que fecha a trilogia do meio de um épico de supostas nove partes.

A avalanche de números que acompanha o lançamento de um filme de Star Wars tende a eclipsar alguns fatos interessantes. A Lucasfilm quase quebrou ao financiar Império independentemente; um empréstimo bancário de última hora foi necessário para que a produção fosse terminada. E os eventuais lucros deImpério resultaram em um outro problema: a companhia de Lucas começou a inchar. Lucas conta: “Fomos de dois funcionários no setor de merchandising para 80, e esses 80 estavam fazendo o trabalho de duas pessoas”. O staff foi radicalmente reduzido, e os sobreviventes foram relocados para o norte da Califórnia. O alvo primário da Lucasfilm agora é consolidar tudo no Rancho.

Duas semanas antes da estreia de Jedi, sentamos com George Lucas em seu tranquilo escritório nos fundos de sua casa, em São Anselmo. Ele havia acabado de voltar de seu trabalho como produtor-executivo no Sri Lanka, onde o amigo Steven Spielberg filmava a continuação de Caçadores, Indiana Jones e o Templo da Perdição. Conheci Lucas pessoalmente no set de Star Wars, em 1976, e logo me convenci que o que seus amigos de longa data vêm dizendo é verdade: o cara não mudou. Claro, calças mais formais e sapatos bem engraxados substituíram os tênis e os jeans, e um Mercedes tomou o lugar do Camaro 67, e, exceto pela distribuição, a Lucasfilm cortou virtualmente todos os laços que tinha com a indústria do cinema. Não precisa mais dela. Mas Lucas continua o mesmo cara modesto de fala mansa, com um sutil senso de humor difícil de transmitir por escrito.

Mesmo levando em conta que você não está mais dirigindo, tenho a impressão de que fazer filmes de Star Wars não esteja ficando mais fácil.
Jedi quase matou todo mundo, todos os departamentos, do figurino até o pessoal responsável pelas fantasias dos monstros e a sofisticação dos efeitos especiais. Foi duro para mim, tanto quanto Star Wars, tão difícil quanto dirigir. Não sei como me meti nessa. Demanda muito tempo, gera ansiedade e preocupação: “Será que vai ser bom? Vai funcionar? Por que está tudo dando errado o tempo todo?” E faz parte da minha personalidade. Estou muito envolvido emocionalmente com o filme, e assumi um compromisso enorme com ele. Já se passaram dez anos desde que comecei tudo isso. Comecei em 17 de abril de 1973, e entreguei o primeiro tratamento da história em 20 de maio. De 1º de maio de 1973, até a semana que vem, não houve um dia da minha vida em que eu não tenha levantado da cama e dito: “Caramba, tenho que cuidar desse filme”. Nem um dia sequer, mesmo quando estava de férias ou quando tinha sábados e domingos livres. Depois de Star Wars, fiz outras coisas e achei que estava livre, mas não estava. Continuava tão afundado quanto sempre. Estava fazendo Caçadores e More American Graffiti, construindo uma empresa e um rancho e fazendo outras coisas em paralelo, achando que tinha tempo para fazê-las. Mas não tinha. Parte do problema é que o sucesso fez com que eu não tivesse mais vida própria. Eu estava pronto para parar depois de American Graffiti [1973]. Pensei: “Bom, vou fazer só mais um filme. Vou fazer essa coisa de Star Wars”. E se Star Wars tivesse isso pelo ralo, tudo bem. Mas virou um sucesso gigante, que simplesmente tomou conta da minha vida. Você acaba ficando infeliz e se forçando a trabalhar até morrer. Star Wars tornou-se uma prioridade: “Temos que terminar. E se algo acontecer com algum dos atores? Não temos como manter os sets por muito mais tempo; custa muito dinheiro”. Tudo isso me colocou em uma situação ruim. Tenho uma filhinha de 2 anos, e a vejo por cerca de duas horas à noite e às vezes aos domingos, se tiver sorte, e estou sempre muito cansado e chato, me sentindo tipo, “Droga, eu devia estar fazendo outra coisa”. Eu meio que atropelo tudo o que faço. Mas, agora, acabou. Tenho que decidir de uma forma ou de outra se vai haver outra trilogia. Depende do quão bem esta se sair, de qual será a situação financeira e de como estará minha vida pessoal. Será que posso reestruturar minha vida de forma que minhas prioridades estejam na ordem correta? Minha família deveria vir em primeiro lugar e os filmes em segundo. Se eu não conseguir fazer funcionar desse jeito, então não vai haver mais nenhum filme. Aceitei que Star Wars tomasse a frente por tempo demais. Tenho tentado jogá-lo para trás. Toda vez que o chuto, ele volta. Acho que desta vez dei um jeito de uma vez por todas.

Quer dizer que você vai mesmo ter tempo livre? Vai viajar?
Sim. Vou tirar dois anos de férias, definitivamente, e vou ficar sem fazer nada. Vou ajeitar minha vida pessoal, meu corpo e minha mente e então fazer o que der na cabeça. Não estou planejando nada, sabe. Há coisas que eu sempre quis fazer, mas nunca tive chance. Vou resolver o que quero no dia e fazer. Sempre quis aprender a tocar guitarra. Quero voltar a dirigir carros de corrida – o que seja. De repente, minha vida vai ser minha de novo e não de Luke Skywalker e seus amigos.

A última meia-hora de O Retorno de Jedi é um espetáculo sensorial incrível. Há a batalha espacial definitiva, entrecortada por uma guerra no solo, que por sua vez é intercalada com a luta de Luke e Darth Vader com sabres de luz. Parecia que você estava dizendo ao público: “É isso, pessoal, está tudo aí”.
Foi tudo planejado para que as histórias se encaixassem. Estilisticamente, todos os filmes são planejados para ter um clímax, e esse meio que tem tudo ali. Quando começamos, dissemos: “Ok, agora vamos fazer do jeito que sempre quisemos. Temos dinheiro, conhecimento – agora é a hora”. O primeiro filme foi como se formar no ensino médio, o segundo foi como completar a faculdade, e esse foi nosso mestrado. É o melhor que podemos fazer, porque todo mundo sabia que este possivelmente seria o último. Qualquer que seja a proporção de Star Wars no plano geral da história do mundo, ao menos este está pronto. Se as pessoas quiserem observá-lo, poderão ver a peça completa. O roteiro besta que eu escrevi pela primeira vez há dez anos pelo menos foi finalizado. Agora está tudo no filme. Sempre pensei em reescrever a história, torná-la maior, porque originalmente foi escrita para ser algo simples. Não era para ser esse fenômeno gigantesco que se tornou. Você pensa: “E aí, agora o filme vai sobreviver à expectativa desse fenômeno?” Mas decidi manter o que havia feito e dizer: “Olha, foi tudo escrito assim há dez anos, e foi dali que eu parti. Se não for o suficiente, então boa sorte”. Você tem que ter essa atitude. Para o bem ou para o mal.

É a primeira vez que ouço você dizer algo positivo sobre um de seus filmes. No passado, você expressou desapontamento por uma ou outra razão.
Cada filme tem conquistas de que gosto. Não é que não goste dos meus filmes, mas, se eu olhar para eles agora, cada um falhou em alguma expectativa minha – porque acho que ou eu traço metas um pouco abaixo do esperado, ou porque hoje nos tornamos um pouco melhores no que fazemos. Você vê a cena do Jabba the Hutt [em O Retorno de Jedi] e diz: “Então era assim que a cena da cantina [em Star Wars] era para ser”. Ou você assiste a batalha final, e pensa, “Oh, era assim que a batalha final do primeiro filme era para ser”. Mas não tínhamos como fazer assim na época. Quero dizer, não era humanamente ou financeiramente possível. Assim, muitas dessas coisas eu acabei conseguindo fazer neste último. Finalmente consegui a batalha final que eu queria, e a batalha em terra que eu queria, e os monstros do jeito que eu queria. Você sabe, Star Wars hoje é um sucesso, mas eu não tinha nem ideia do que estava acontecendo. Não sabia nem se ia conseguir fazer os outros dois filmes. Joguei fora dois terços do roteiro original. Na minha cabeça, eu estava dizendo: “Caramba, se esse fizer bastante sucesso, então poderei fazer um filme com todo o material anterior que desenvolvi”. Império e Jedi foram o que aquele primeiro filme era para ter sido. E depois disso, posso contar outra história sobre o que aconteceu com Luke depois do fim da trilogia. Todas as prequels já existem: de onde Darth Vader veio, a história toda envolvendo Darth e Ben Kenobi, e tudo se passa antes do nascimentode Luke. A outra história – o que acontece com Luke depois de Jedi – é algo bem mais vago. Tenho um caderninho cheio de anotações a esse respeito. Se eu for realmente ambicioso, posso usar isso para imaginar o que houve com Luke.

Você se manteve firme na decisão de não voltar a dirigir. Por que, e como, você escolheu Richard Marquand para assumir a função em Jedi?
Em momentos assim, você quer a melhor pessoa possível para o trabalho. Contratar é algo que se torna um processo muito longo e árduo. Você faz listas enormes de pessoas que poderiam servir. A primeira coisa é procurar alguém que seja tecnicamente capaz e profissional, e que você acredite que tenha experiência suficiente. E aí você – neste caso o produtor Howard Kazanjian – examina a lista inteira e descobre quem está disponível. Então você começa a perguntar quem estaria interessado, o que reduz a lista a um grupo bem pequeno. A esta altura, Howard fala com os diretores restantes para ver se estão interessados e se entendem a mitologia por trás de tudo e que não se trata de um programa de TV. Isso diminue os pretendentes ainda mais. E no processo, Howard também assiste aos filmes que cada um fez e faz anotações que são repassadas a mim. Depois, quando chegamos a dez ou quinze pessoas disponíveis, que entendem o material com sinceridade e não o desprezam, olho essa lista e começo a ver os filmes de cada um. Falamos com os diretores assistentes e produtores e alguns dos atores que trabalharam com eles. Então, temos uma longa discussão e reduzimos a lista a cinco ou seis pessoas. Entrevisto-os por duas ou três horas. Reduzimos os candidatos a duas pessoas. Uma delas era Richard. Aí eu os entrevisto de novo. Passamos o dia juntos; é uma questão de conhecer a pessoa: suas opiniões sobre política, vida, filosofia e religião. Todas essas coisas influenciam no filme, por isso suas visões devem ser consistentes com as que fazem parte dos filmes de Star Wars. É preciso que haja algum tipo de simpatia entre mim e o diretor.

Você se envolve também com a direção de arte e o design de criação?
Me envolvo muito. Algumas dessas coisas são prerrogativas do diretor, mas em um filme como esse, tudo vai além do que um diretor é capaz de dar conta. Cuidar da direção em si já é mais trabalhoso do que seria em um filme normal. E eu acabo tirando esse fardo do diretor, todas essas coisas que ele também teria que cuidar – o departamento de arte e de criação de monstros e figurinos e do visual do filme, porque muito disso é determinado pelos filmes anteriores. Você sabe que um stormtrooper ainda é um stormtrooper. Que Darth Vader vai ter a aparência de Darth Vader – ninguém vai poder chegar e dizer que quer ele mais baixo, por exemplo. A equipe de design que reunimos, os ilustradores e designers de produção, é formada por profissionais talentosos. Assim, é uma questão de eu escolher o que acho mais apropriado. A verdade é que o diretor recebe um material que já é ótimo. Qualquer diretor esperto vai dizer: “É, isso aí está certo” [risos].

Sua posição é um pouco diferente nos filmes de Indiana Jones, que Steven Spielberg dirige?
É uma situação mais tradicional. Faço a mesma coisa, só que menos. Porque no fim, é mais a visão do Steven do que a minha, enquanto no caso de Star Wars a visão é mais minha, porque dirigi o primeiro filme. Steven dirigiu o primeiro Indiana Jones. Mas por outro lado, a verdade é que mesmo no caso de um diretor como Steve e dos diretores de Star Wars, é útil ter um colaborador.

Claramente você e Spielberg se dão muito bem.
Ele é meu diretor perfeito para se trabalhar junto. Pensamos do mesmo modo sobre tudo. Ele vai um pouco além em umas coisas e eu vou um pouco além em outras, mas não há conflito. Nenhum de nós empurra suas ideias goela abaixo do outro. Nos divertimos muito juntos. Ele fica dizendo que o filme é meu e que serei culpado por ele, e eu digo que o filme é dele e o culpado vai ser ele. Não tenho nenhum interesse em dirigir. Não é como se eu fosse o tipo de produtor que fica fazendo sombra atrás esperando para dirigir quando o diretor vira as costas. Quer dizer, não tenho vontade nenhuma. Posso fazer o que quero, e se quisesse dirigir, iria lá e dirigiria. É ótimo poder trocar ideias. Se eles as usarem, ótimo. Se não, sem problemas.

O que você se vê fazendo quando suas férias de dois anos terminarem?
Ainda me interesso muito por filmes, mas quem sabe? Dois anos é uma estimativa. Pode levar mais tempo. Vou me sentar quando estiver satisfeito comigo mesmo e pensar bastante. Posso resolver
fazer outra coisa e acabar descobrindo que o que realmente amo é fazer filmes. E sempre tive interesse em fazer meus experimentozinhos cinematográficos estranhos.

Foi o que você disse depois do primeiro Star Wars. Vou esperar sentado.
Ainda não tive chance [risos]. Eu poderia ter uma empresa de cinema de verdade, como Steven tem, soltando de três a quatro filmes por ano. E há a parte dos computadores, que são videogames, e a tecnologia dos videodiscos interativos; diferentes meios de se contar uma história usando processos educacionais e sistemas. Outras áreas são mais de pesquisa do que qualquer outra coisa, primariamente na psicologia social. Posso mudar de área completamente ou acabar virando um ex-workaholic, velejando ao redor do mundo.

No passado, você ressaltou a importância de cineastas regionais independentes para a saúde do cinema. Um amigo meu foi a uma recepção do American Film Institute e voltou com a decepcionante notícia de que todos esses jovens brilhantes que lá estavam só conseguiam falar sobre uma coisa: como conseguir um contrato em Hollywood.
[Sorrindo] Muita gente reclama que estudantes de cinema fazem isso. Acho que a força da indústria independente irá crescer conforme as entidades corporativas forem ficando cada vez mais entrincheiradas dentro do sistema de estúdio, porque os independentes estão mais perto do que está realmente acontecendo. Uma vez que você entra no ramo dos cineastas independentes, você se livra de contratos e vira mais uma coisa de sobrevivência. Sempre haverá um grupo que está interessado em dinheiro e poder, e haverá um grupo que se importa mais em fazer filmes, se importa com os personagens, em colocar a ideia para fora. Esses serão os que acabarão fazendo os filmes e ganhando dinheiro. Os outros se tornarão agentes ou chefes de estúdio.

Por essa visão, até que você se deu bem. Criou as histórias, ganhou o dinheiro e ainda tem o poder nas mãos.
É, e agora estou largando tudo. Não gosto de nada disso [risos].

por Paul Scanlon

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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Ói! TNT Rock & programa de rock

O mundinho “underground” sergipano nos trouxe duas surpresas nos últimos tempos: a primeira foi o surgimento da loja TNT Rock em Itabaiana, a primeira e, pelo menos que eu saiba, atualmente, única especializada em rock e “quitutes” alternativos do interior do estado – existe a Roots Rock & Cia. do camarada China, mas ela fica no Conjunto João Alves, em Nossa Senhora do Socorro, e Socorro não conta, é região metropolitana de Aracaju. A segunda foi o lançamento da “Ói”, primeira revista em quadrinhos produzida em Sergipe com uma proposta consistente e um planejamento de continuidade a médio e, quiçá, longo prazo. As duas apostas se cruzaram e se uniram no dia 02/02/2013, quando a Ói! foi lançada em Itabaiana. Lá mesmo, na TNT Rock.

A TNT, de cara, já impressiona pela fachada, bem cuidada e com um letreiro que chama a atenção. Por dentro, é um ambiente aconchegante, limpo e bem organizado, com um visual sóbrio e elegante, e as mercadorias são acondicionadas em prateleiras bem acabadas. Dá pra perceber que tudo ali foi feito no capricho, sem resquícios da improvisação que costuma reinar neste tipo de empreendimento. Mas o que salta aos olhos e faz coçar os bolsos, realmente, é o acervo posto à venda. Além de itens mais recomendados a colecionadores fanáticos dispostos a vender a alma para tê-los em seu acervo, como a caixa com a coleção completa do Pink Floyd em CD´s remasterizados acondicionados em digipack e a de LP´s dos Beatles em vinil, é possível encontrar CD´s e LP´s (isso mesmo, em vinil. E novos! Alguns ainda lacrados!) nacionais e importados a preços camaradas. Meu brother Andye Iore, por exemplo, comprou um CD duplo, edição comemorativa, do primeiro dos Dead Kennedys, “Fresh fruit for rotting vegettables”, no mesmo dia em que eu adquiri uma edição gringa de “kaleidoscope”, do Siouxsie and The Banshees, que, que eu saiba, nunca saiu no Brasil. Deixei por lá, porque dinheiro não é capim, outra edição especial comemorativa, do primeiro do Napalm Death, “Scum”, com um DVD de bônus. Isso pra não falar dos CD´s e DVD´s de bandas independentes do cenário local, livros, quadrinhos e memorabilia, e do quadro com o desenho original do mascote que o Marcatti fez para a loja – que não está a venda, evidentemente.

Um bom público compareceu ao lançamento da “Ói”, que foi um sucesso. Estive presente e adquiri lá o meu exemplar. Trata-se de uma edição caprichada, em formatinho, com capa colorida e miolo em papel couchê. No recheio, uma história longa e algumas curtas. Abre com “Roboy”, de Rodrigo Costa, uma divertida aventura ambientada em Aracaju que brinca com conceitos tradicionais dos animes e mangás japoneses adicionados a inusitadas pitadas de crítica social! Segue com “O cara do terno”, de Alan Clécio, e “The Noir Samurai Tango”, de Rodrigo Seixas, que estampa também a capa da revista. Nesta última, a narrativa é fluida e ágil, com uma boa noção de espaço e continuidade em cenas de luta muito bem desenhadas. Segundo o próprio autor, o argumento surgiu de uma “batida no liquidificador” de suas influencias – notadamente Frank Miller – com alguns elementos com os quais ele estava tendo contato na época, convalescendo de uma catapora: tango argentino, filmes “noir” e pornochanchada nacional. O resultado, portanto, não poderia deixar de ser, no mínimo,  original …

Depois de mais uma historinha curta, “cuidado com ele”, de Rodrigo Costa – nitidamente inspirada no horror clássico de títulos como “Calafrio” e “Mestres do Terror” – temos, para encerrar, “Destroços”, de Neco. É uma brincadeira com o mito do Super-Homem – não o de Nietsche, o de Jerry Siegel e Joe Schuster, (des)apropriado pela DC. Periga ser a que tem o melhor argumento e os melhores diálogos, de todo o material apresentado nesta promissora primeira edição.

Numa entrevista feita lá mesmo na TNT e que você confere abaixo, em vídeo, e em outra que foi ao ar sábado passado no programa de rock – cujo set list, excepcionalmente, não disponibilizarei, porque foi feito de forma improvisada, usando os arquivos do servidor da radio, já que eu, estupidamente, esqueci o pendrive com a programação inédita – eles nos contaram, passo a passo, os percalços pelos quais passaram para ver seu sonho tornado realidade. Começando pela boa recepção do número zero, que teve duas tiragens de 100 exemplares cada vendidas rapidamente, e passando pela peregrinação às gráficas da cidade, totalmente despreparadas e desinformadas do que seria o produto a ser contratado – numa delas foi-lhes perguntado, acreditem, o que era uma revista em quadrinhos! Em outra, foi-lhes proposto que o material fosse impresso em papel plastificado, o que resultaria num calhamaço que certamente teria que ser grampeado em regime de impacto industrial!

Se disseram também bastante satisfeitos com o resultado final, impresso na Gráfica e Editora J. Andrade (não é mechandising, é informação), e com a recepção do público. A revistinha está vendendo bem, apesar da distribuição naturalmente precária. Para tentar solucionar o problema, procuraram parcerias nas livrarias da cidade. Numa delas, local, foram solenemente ignorados. Noutra, filial de uma grande rede nacional, tiveram boa acolhida, ficando quase certa a distribuição da segunda edição – dependendo da tiragem, nacionalmente! A conferir …

A “Ói” pode ser encontrada, em Aracaju, na “Coxinharia”, que fica na Avenida Pedro Paes de Azevedo, 809. Já a TNT Rock fica na Rua Professor Hilário de Melo Rezende, nos fundos do Colégio Murilo Braga, em Itabaiana. Via internet, entre em contato através do site da editora dos caras, a Darcel comic - http://darcelcomics.blogspot.com.br/. O programa de rock, você sabe, vai ao ar todo sábado às 19H pela freqüência 104,9 FM em Aracaju e região. Pode ser ouvido ao vivo via internet em www.ideastek.net/aperipefm

por Adelvan










quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

PT, 33 Anos

"No voto, o PT ainda se manterá forte por alguns anos", afirma o professor da USP Lincoln Secco, autor de A História do PT (Ateliê Editorial). Ele faz, porém, um alerta: se quiser se manter no poder, o partido terá de se recuperar do desgaste ideológico.

Qual PT completou 33 anos? O que ficou do PT do Colégio Sion? O PT teve o mérito de combinar uma tradição clássica da esquerda com os novos valores de 1968. O restante da esquerda demorou para incorporar efetivamente a defesa das mulheres, negros e homossexuais, por exemplo. O PT aplicou as cotas nas suas direções internas antes de usá-las em seus governos. O que ele abandonou foi o radicalismo verbal dos seus anos primaveris e a aversão às alianças com os partidos fisiológicos.

Isso significa que o PT de antigamente jamais apoiaria a eleição de dois peemedebistas às presidências da Câmara e do Senado? Sem dúvida. Ele faria como o PSOL faz hoje: lançaria um anticandidato.

O PT ainda é um partido de esquerda? Esquerda e direita são conceitos relacionais. Só há dois blocos políticos relevantes no Brasil e, certamente, o PT está mais à esquerda do que o bloco liderado pelo PSDB.

Existe o risco de, como aconteceu na Europa com a saída do poder dos partidos social-democrata, uma direita ainda mais conservadora emergir no Brasil? O PT é um típico partido social-democrata, mas condensou em pouco tempo o processo de moderação que a Social Democracia viveu em um século. O desencantamento chegou mais rápido no PT. No entanto, a extrema direita no Brasil só terá chance de ameaçar o PT se as condições internacionais lhe permitirem atuar fora da legalidade. No voto, o PT ainda se manterá forte por alguns anos.

Acredita que Lula possa voltar a disputar a Presidência em 2014? Lula é um patrimônio do PT e de grande parte da sociedade brasileira. Ele poderia ganhar as eleições, mas só seria candidato se o governo Dilma vivesse uma crise. Como isso não está no horizonte politico, eu creio que ele será o maior cabo eleitoral de Dilma.

Qual o peso de Lula hoje dentro do PT? E o de Dilma? Obviamente o peso de Dilma cresceu por causa de sua condição como presidente. Mas ninguém duvida que a última palavra no PT será sempre de Lula. Depois da vitória de Fernando Haddad em São Paulo ele ganhou ainda mais confiança do partido.

O PT ainda pode empunhar um discurso ético após a condenação de figuras históricas no julgamento do mensalão? O PT se considera o grande vitorioso nas ultimas eleições, mas ideologicamente ele foi derrotado. Em 1989 aconteceu o contrário: o PT teve uma derrota eleitoral, mas uma vitória moral. Isso foi tão importante que mesmo com a queda do Muro de Berlin, a diminuição da base de sindicatos importantes da CUT nos anos seguintes e o esvaziamento militante das ruas, o PT continuou agregando as esperanças de mudancismo. Agora, não mais.

Por quê? Porque o PT não tem mais uma mensagem de esperança como tinha em 1989 e em menor medida em 2002. Ele não projeta o novo, apenas gasta um patrimônio já constituído. O fato de que depois de sete anos o partido ainda esteja na defensiva no caso do mensalão revela que ele tem sido ideologicamente derrotado. A oposição conseguiu colar no PT a marca da corrupção.

Mas a defesa da cúpula do PT contra o julgamento do Supremo Tribunal Federal e essa "marca da corrupção" foram tímidas até agora... Pessoalmente acho que José Dirceu deveria ser absolvido porque nenhuma Justiça é justa quando é seletiva e condena sem provas. Este sentimento perpassa também a base petista. Já a direção do PT comete um erro grave: ou ela defende os condenados, o que ela dificilmente fará, ou os esquece. O que não é possível é silenciar sobre o julgamento e, depois, permitir que José Genoino assuma o mandato. Expulsar Delúbio Soares e admiti-lo novamente. O Estatuto do PT prevê expulsão de condenados com sentença transitada em julgado. Foi uma medida tomada de afogadilho depois dos escândalos de 2005. Mas o PT não vai cumprir este artigo depois que o STF publicar o acórdão. Então por que assumiu esta impropriedade?

O senhor disse certa vez que escândalos como mensalão não iriam prejudicar a história do PT, mas sim o futuro do partido. Por quê? Por mais que o partido se mantenha forte eleitoralmente, no longo prazo ele é julgado como produtor de valores. O discurso socialista o PT já abandonou, o da ética lhe foi tirado. Seus novos eleitores passarão a ter novas exigências, além das demandas sociais que já foram atendidas.

E qual será o futuro do PT? Como historiador eu só posso fazer projeções duvidosas. Se a atual tendência de desgaste ideológico se confirmar, o PT continuará sendo uma agremiação com votos, mas pode perder a liderança, seja para o PSB ou mesmo para a oposição. Ele ficaria cada vez mais parecido com o PMDB. Outro cenário seria a renovação geracional rápida das lideranças, o que já vem acontecendo graças ao próprio mensalão. Só que ela teria que vir acompanhada de um acerto de contas decidido com aqueles episódios de 2005, seja assumindo tudo o que foi feito em nome da legitimidade do legado do governo Lula, seja abandonando de vez seus velhos dirigentes e redefinindo-se como agremiação supostamente republicana e de centro.

O PT comemora este ano também dez anos no poder. Qual a estratégia para não perder a Presidência em 2014? Conquistar a tão falada classe média? O PT não precisa mudar a estratégia, pois ela deu certo até agora. O que acontecia em São Paulo? Ele tinha o voto da periferia, mas no resto do Brasil os mais pobres se dividiam e apoiavam majoritariamente a direita. O modelo paulistano se espraiou pelo País. Hoje, o PT tem forte apoio entre os mais pobres. Não que ele não queira a classe média, mas pode viver sem ela por enquanto. O que ele não pode perder é a nova classe trabalhadora que ele ajudou a integrar no mercado.

O sr. acredita que ascensão de muitos brasileiros à classe média pode prejudicar o PT, especialmente se crise financeira se agravar? Não. O eleitorado do PT foi conquistado por políticas sociais que vão se manter. E o PT sempre tem um plano B: Lula.

Tirar o governo de São Paulo das mãos do PSDB em 2014 é considerado prioridade de Lula. O que isso vai significar para o partido? Será a mais difícil batalha do PT depois da conquista da presidência. Se por um lado há amplo desgaste do PSDB pelo tempo que já tem no governo, o que favorece o PT, por outro não há uma tradição de acomodação do ideário petista com o pensamento dominante no interior paulista, que tem prioridades diferentes das politicas sociais petistas. O PT poderia buscar incorporar valores que agradam a um imenso eleitorado de um mundo corporativo que só existe em São Paulo em grandes dimensões. Mas a cúpula do PT paulista já deu provas de que dificilmente faz isso: ela prefere culpar os eleitores, chamando-os de naturalmente reacionários. E é por isso que Lula ignorou o PT local e impôs Fernando Haddad, um candidato palatável para a classe média.

Por que a oposição está tendo tanta dificuldade em lançar um nome forte à Presidência para 2014? A oposição precisa de duas coisas: um novo nome e um discurso. Se ela insistir no discurso que seus intelectuais tem produzido, continuará agredindo os eleitores que ela precisa conquistar. Ir além da ética seria o caminho, mas ela inverteu os papéis do passado. Quando o PT fazia este discurso ético, elegia bons deputados e perdia eleições para o executivo. Só que o PT tinha também uma história, uma base militante. Enfim, tinha outros discursos possíveis. A oposição ainda não tem. Só que os recursos humanos e materiais com os quais ela pode contar não são nada desprezíveis e não é impossível pavimentar um caminho supostamente moderno, calcado em valores de mercado, mas sem desprezar o que socialmente já foi conquistado pelo PT. A oposição não sabe, mas as políticas sociais do PT só são "revolucionárias" porque a direita não as incorpora. Não há nada de radical em i mesmo no programa Bolsa Família. Ele não ataca o grande capital.

Fonte: Estadão

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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Parabéns, Silvio Campos ...

No exato momento em que a Karne Krua começou a ligar os equipamentos para começar seu show, com cerca de uma hora e meia de atraso, já na madrugada da primeira noite da 19ª edição do Palco do Rock, em Salvador, começou a chover. Temi pelo pior: que nossos heróis do underground sergipano tocassem para ninguém, já que tinha havido uma verdadeira debandada de camisas pretas depois da apresentação mais esperada da noite, do Headhunter DC. Ledo engano! Podem dizer o que quiser do publico “roqueiro” baiano, mas de timidez, apatia e falta de ânimo, eles não sofrem não. Foi só soarem os primeiros acordes que uma revoada de seres vestidos de preto, a maioria ainda naquela flor da idade em que a empolgação é a tônica, embalada pelo frescor dos hormônios em ebulição, surgiu meio que do nada – dos arredores, do camping, das dunas, de todos os lados, enfim – e se posicionou em frente ao palco para mais alguns bons minutos de rock tocado no talo! Não foi nenhuma multidão, evidentemente, pelo avançado da hora e pela revoada pós-culto da morte supracitada. Mas os relativamente poucos que estavam lá, resistentes, parecem ter curtido o que viram e ouviram. E muito.

Curtiram muito porque foi um show muito bom, sem firulas nem frescuras, com um ritmo perfeito, som no talo, excelentes composições novas seguidas de verdadeiros clássicos praticamente emendadas uma à outra. Muito provavelmente por respeito à banda que ainda iria se apresentar, num horário pra lá de ingrato – consideração que alguns que tocaram antes não tiveram o bom senso de demonstrar – Silvio falou pouco, o que, se por um lado privou a garotada soteropolitana de alguns esclarecimentos sobre o que estava por trás do rolo compressor que comprimia seus ouvidos, por outro deixou a apresentação mais enxuta, o que, em se tratando de Hard Core, é perfeito. Curto e grosso, pero sin perder La ternura jamás - o velho “sub” fez questão de agradecer, enfaticamente, os que permaneceram até ali e iriam ficar até o final. Fecharam a parte que lhes cabia com chave de ouro: “inanição”. Perfeito!

Praticamente ninguém sabia, e ele não disse nada, mas passadas as 12 badaladas “notúrnicas”, como diria Bento Carneiro, o Vampiro Brasileiro, Silvio Campos, para mim o eterno Sylvio “suburbano”, pioneiro do rock independente subterrâneo nas terras do cacique Serigy, estava completando, oficialmente, 49 aninhos de vida. Muito bem vividos. E comemorou da melhor maneira possível: cometendo mais um show de Hard Core matador, do alto de sua mais do que comprovada competência e entrega à frente de uma banda precisa e devastadora, referencia do estilo no Brasil e, porque não dizer, no mundo! Eu também não sabia. Chegando agora em casa, ao ser avisado pelo Facebook, o maior dedo-duro da face da terra, espantei o cansaço da viagem e resolvi fazer hoje mesmo este texto, para que o mesmo servisse como um pequeno porém sincero presente de aniversário para este grande amigo, grande figura, grande ser humano. Parabéns pra você, Silvio Campos. Muitas felicidades, muitos anos de vida.

A primeira noite da edição de 2013 do Palco do Rock, que acontece todo ano no Coqueiral de Piatã, na Orla de Salvador, em pleno Carnaval, se encerrou com o thrash metal “modernoso” com forte presença feminina da banda Autopse, de Maceió. Apesar da perceptível influencia do malfadado “nu metal”, esta excrescência estilística nascida no final da década de 1990, quando o rock dava seus últimos suspiros de criatividade, eles têm algumas boas composições, e melhor: cantadas em bom português. A vocalista, Daniela Serafim, tem um vocal gutural poderoso, mas ainda parece um tanto quanto insegura quanto à sua posição de “Frontwoman”. Já a banda é precisa e muito competente e tocou com os instrumentos bem equalizados e com as guitarras no talo, como deve ser. Destaque para Janaína Melo, a baterista, que teve direito, inclusive, a um pequeno solo – e arrasou!

Antes da Karne tocou a Estamos em Eso, punk rock/Hard Core da Argentina. Bons riffs de guitarra. Boa presença de palco. Antes deles, a Headhunter DC, certamente uma das melhores bandas de Death Metal do Brasil. Foi o ponto alto da noite, um verdadeiro culto executado com impressionante competência e profissionalismo pelo 4 cavaleiros do apocalipse comandados por um quinto elemento materializado na figura magnética de Sergio Balloff. Na platéia, um verdadeiro mar de “camisas pretas” saudando-os com os braços erguidos. Bonito.

Em ordem inversa, se apresentaram ainda o Desgraciado, de São Paulo – Hard Core “grosso” exalando “atitude” e testosterona por todos os poros – Irmão Carlos e o Catado, local – espécie de mangue beat do criolo doido cheio de percussão, passos de dança robóticos desengonçados, músicas próprias sem brilho e covers oportunistas – Blessed in fire, também local – Heavy metal “tradicional”, daqueles bem gritados, solados e dedilhados – Pâncreas – uma espécie de Camisa de Vênus do Século XXI. Desnecessário – e Cidadão Dissidente, de Feira de Santana – que eu não vi.

Vale notar que o Palco do Rock aparentemente deixou de ser o que eu chamava de “o maior festival de porralouquice da face da terra”. Isto porque antes era, litralmente, uma loucura: por todos os lados gente fantasiada de morte, de Eddie do Iron Maiden e todo tipo de bizarrice possível e imaginável. Se a banda que estivesse no palco fosse punk, era obrigada a tocar um cover do Nirvana. Se fosse mais puxada para o metal, tinha que tocar – adivinha! - Iron Maiden. Se não tocasse, recebia uma chuva de areia e cascalho e tinha que, frequentemente, interromper sua apresentação pelo palco ter sido invadido. Presenciei isso uma vez com a Pólux, do Rio de Janeiro – antiga banda de Bianca Jordão, do Leela: elas só conseguiram continuar sua apresentação depois de improvisar uma versão tosca de alguma musica do Nirvana.

Agora, tirando uma ou outra máscara de gás aqui ou ali – que eu imagino que tenha algum misterioso efeito decorativo, já que nunca ouvi falar de nenhuma explosão de bombas de gás lacrimogênico em nenhuma das edições do evento que justificassem tamanha precaução – estava tudo relativamente normal, como já tinha sido na última vez em que compareci, em 2010, para ver o Korzus.

Valeu a viagem. Foi uma boa noite de carnaval. E de quebra conheci a mais nova obra faraônica do Governo de Sergipe, a Ponte Gilberto Amado, que supostamente aumentará vertiginosamente o fluxo turístico no litoral do estado ao diminuir em meros 30 km a distancia entre Salvador e Aracaju ...

por Adelvan

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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Desagradável ...

               Tem gente que parece ter vindo ao mundo pra confundir, incomodar, nadar contra a maré, ser “do contra”. É o caso dos caras da Gangrena Gasosa, a primeira e única banda de Saravá Metal do universo. Confundiram, por exemplo, Jello Biafra, dos Dead Kennedys, que não entendeu a ironia dos caras na contracapa de seu segundo disco, “smells like a tenda espírita” – havia uma brincadeira com marcas famosas e o punk-mor achou que fosse apoio comercial. Confundiram também as entidades do terreiro que ficava próximo ao Garage, onde sempre faziam shows nos anos 1990. Ou os telespectadores do Programa do Jô, para o qual deram uma entrevista antológica numa época em que era impensável uma banda vinda do underground pré-internet, movido a fanzines xerocados e demos em fita cassete, ter tamanha atenção de um baluarte da grande mídia.

               O mesmo Jello Biafra comentou uma vez que a proposta da banda era interessante, mas que seria perfeita caso eles conseguissem conciliar no próprio som, e não em vinhetas, o metal com as influências dos ritmos africanos. Ele se referia às fitas demo e ao primeiro disco, o ainda tosco, musicalmente falando – porque conceitualmente eles sempre foram e sempre serão toscos – “Welcome to terreiro”. Pois bem: aconteceu! Depois de um grande salto evolutivo no segundo disco, o já citado “smells”, e no EP subseqüente, 666 – lançado no dia 06/06/2006, “El dia de la bestia” – a fusão se materializou de forma perfeita no novo “artefato” (para usar uma denominação comum entre as hostes do metal negro), “se Deus é 10, Satanás é 666”. Trata-se de uma sessão de culto ao esporro gravada por Tuta e Diogo Macedo no EmeStudios, com mixagem e masterização a cargo de Rodrigão Duarte no estúdio DuBrou’. Nas percussões, Elijan Rodrigues e Anjo Caldas, percussionista de Elba Ramalho e da banda Catapulta. A incorporação definitiva da percussão ao som da banda, por sinal, foi decisiva para que o ebó ficasse, finalmente, completo.

               Para comemorar o feito e divulgar o disco eles têm feito shows memoráveis, como o que aconteceu no festival Goiânia Noise, o do Domination Rio Extreme Festival e o do Circo Voador, com o Ratos de Porão. Em junho de 2010 ficaram em primeiro lugar na seletiva do festival "candango" Porão do Rock, também no Circo Voador, com uma unanimidade pouco vista entre jurados e público, após uma disputa com bandas de peso do cenário carioca. Por conta disso, em setembro de 2010 a Gangrena se apresentou no palco principal do festival, em Brasília, e foi reconhecida como uma das melhores apresentações da noite. O mesmo aconteceu pouco tempo depois, em Minas Gerais, no Festival Roça N’ Roll de julho de 2011, no qual fizeram uma apresentação furiosa e foram apontados pelo público e pela crítica como a maior surpresa do evento.

               A consagração desta nova fase, depois de inúmeras turbulências e trocas de formação, acontecerá em breve com o lançamento do DVD “Desagradável”. O disquinho virá com um documentário que passará a limpo toda a trajetória dos malditos e com a íntegra de uma apresentação gravada em São Paulo, no “Inferno” (onde mais?), na noite do dia 03 de dezembro de 2011. O show foi captado com câmeras full HD e iluminação profissional que, unidas à cenografia do palco, resultou numa sucessão de imagens macabras que englobam todo o universo sombrio da Macumba, criando assim um ambiente perfeito para o registro de uma performance única onde as entidades da Gangrena interagiram ao vivo com efeitos especiais do mestre André Kapel Furman, conhecido por sua participação na produção do último filme de Zé do Caixão, “A encarnação do Demônio”. Rolou também uma participação especialíssima do Jão, guitarrista do Ratos de Porão, relembrando seus tempos de “crooner” e caracterizado como pai de Santo para fazer os vocais em "Benzer até Morrer/Kurimba Ruim", versão gangrenada de dois clássicos dos mestres do Hard Core tupiniquim. Nada mais justo, já que é público e notório que a Gangrena nasceu única e exclusivamente, a principio, com o intuito de, um dia, abrir um show do Ratos de Porão.

               Já o documentário, produzido pelos mesmos (ir)responsáveis pelo já clássico "GUIDABLE - A Verdadeira História do Ratos de Porão", a Black Vomit, abrangerá todos os 22 anos de trajetória da banda. Será uma seleta reunião do povo que agitou a cena underground da década de 90 do século passado pra cá. Estarão presentes todas as lendas, destrinchadas e expostas num despacho que vai revelar as passagens mais "vergonha alheia" da história do rock nacional. Jello Biafra, Jão & João Gordo, BNegão, Marcelo D2, Anjo Caldas, Dado Villa Lobos, Rafael Ramos, Fábio do Garage, Marcos Bragatto, Tom Leão, Pedro Só, Adílson Pereira, Larry Antha e os ex-integrantes (mais de 15 !), dentre outros, recordarão os lamentáveis momentos pelos quais os macumbeiros do Sarava Metal passaram em suas vidas. Além disso, Imagens de arquivo, fotos e vídeos comprovarão, de uma vez por todas e para todo o sempre, que santo se casa também faz milagre. 

VICE: Então, como foi que vocês se conhecerem e rolou a ideia de fazer o documentário?
Angelo Arede (Zé Pelintra): O Chorão, que era o vocalista na época, entrou em contato com o Fernando Rick porque ele é um fã muito fervoroso do Ratos de Porão. Ele viu o documentário Guidable, ficou impressionado e escreveu uma carta.
Fernando Rick (Black Vomit): Eu fui surpreendido por um e-mail, que, se imprimisse, daria umas dez páginas, comentando take a take do documentário. E eu nem recebi o e-mail diretamente, era a produtora que filtrava as mensagens, e ela me passou. No meio da carta ele até comentava que havia formado uma banda pra abrir pro Ratos de Porão. No final, assinava, “Chorão, Gangrena Gasosa”. Na hora eu pensei: Caralho, o cara do Gangrena! A gente tem que fazer alguma coisa juntos. Aí eu entrei em contato com o Angelo e falei: “Velho, vamos fazer um trampo juntos e tal"...

Engraçado que vocês tenham montado a banda na época pensando em abrir pro Ratos e eles também tenham indiretamente colocado vocês em contato com a Black Vomit...
Angelo: 
Pois é, cara, o link é sempre o Ratos, porque tem aquele negócio de banda às vezes falar que não tem influência… Porra nenhuma! A banda foi feita por causa do Ratos de Porão mesmo, pra abrir pra eles. O projeto do documentário já vem se desenrolando desde 2010, quando começamos a organizar a parada. Nesse meio tempo aconteceu um monte de coisas, deu tempo até de o Chorão sair da banda.

Por conta desse lance de vocês mexerem com macumba, é louco ver o documentário e perceber como vocês se tornaram ímãs de situações malucas, lendas, ataques...
Tem muita lenda em torno da Gangrena… Tem lenda de falar que o Paulão, antigo vocalista que fez uma participação no show comemorativo do Circo Voador, tinha morrido. Na verdade, ele não morreu, apenas sofreu um atentado [risos]. E atribuem umas coisas à nossa passagem pelos palcos, tipo fechamento de casas de show depois de terem aberto espaço pra gente tocar. A recorrência dos fatos acaba fazendo com que muitos acreditem que trazemos maldição.
Gê Vasconcelos (Pombagira Maria Mulambo): Falaram até que o Chorão saiu porque estava com AIDS...
Angelo: A criação da Gangrena se deu numa época e num contexto em que o Rio de Janeiro fervilhava de bandas na cena underground, e dali saíam as histórias reais, aumentadas, e as lendas mais loucas. As lendas, o que aconteceu e o que não aconteceu, nada disso importa tanto... O que importa é que, naquela época de suruba musical no Brasil, de forrócore e manguebeat e Mamonas Assassinas, só a gente se meteu com temáticas macabras. Fomos originais porque isso é uma coisa que nego nem copia porque tem medo, né… A gente achou que não tinha medo também… Todo mundo passou por situações tensas de piscar o cu. Ainda hoje em dia já deixamos de tocar em vários festivais porque o pessoal acha que a gente mexe com uma energia muito pesada.
Rocco (Omolu): A gente foi banido de festival de banda de Black Metal, mermão! De show com Krisium e RDP no line-up, banda que invoca o diabo e tem medo da Gangrena Gasosa.
Angelo: É que quando o cara ouve as palavras SA-TA-NÁS, Pomba Gira, Exú Tranca Rua, é diferente... Você tem a moral de mexer com o Exu?
Minoru Murakami (Exu Caveira): Mas pra macumba, na real, nem tem esse negócio de Satanás. Macumba não tem essa coisa definida de bem e mal. Ela age, na verdade, com as duas forças, tanto é que o Exu faz o que você quer…
Angelo: Nós inclusive não pudemos realizar a turnê europeia agora no final de 2012 porque… Apertem os cintos, o produtor sumiu! Estava tudo certo, todo mundo com o passaporte na mão… Era o mesmo cara que tinha feito a nossa primeira turnê, que até aparece dando entrevista no documentário — ele, por sorte, esteve de passagem no Rio de Janeiro enquanto gravávamos, fazendo o backline do Jello Biafra. E o Jello Biafra também tem uma história com a Gangrena, entendeu? Enfim, daí o cara se empolgou, lembrou daquela época, quis armar a turnê, só que a três meses da data, ele sumiu do mapa.
Rocco: A gente não sabe se o cara também morreu por maldição…
Angelo: Nada, eu fui pesquisar lá no Facebook, não morreu, não! [Risos] Já o cachorro dele morreu, não sei se ele entrou numa depressão, ficou preocupado e resolveu não mexer com essa porra de maldição pensando que era um sinal...

Vocês meteram o bedelho na produção do documentário e das entrevistas?
É engraçado, cara, as histórias vão se montando. Foram os participantes dessa época toda, com seus depoimentos, que deram o formato. E o Fernando Rick foi muito feliz na edição, no ritmo que ele impôs, que pega todo o clima do começo da banda, da evolução musical. As histórias já são loucas por si só, o lance é saber contar – e ele soube. E estamos lançando numa época boa, são 23 anos de banda, entrando numa nova fase.

Qual era o problema da vida de vocês antes de formar a Gangrena Gasosa?
Já era o rock e o metal. A Gangrena Gasosa nasceu da fusão da banda Ódio com o Vermes da Lepra [risos]. É verdade… Aí colocaram Gangrena Gasosa pra ficar mais leve, os outros nomes eram muito pesados…
Rocco: Eu era fã da Gangrena. Cheguei a pular o muro do Circo Voador pra ver os caras abrindo pro Ratos de Porão, quando tinha 15 anos.
Angelo: Eu também era fã. É aquele tal negócio, galera do subúrbio, tudo fervilhando, a cena do Garage com as ideias estourando.
Rocco: No subúrbio a cena era muito mais prolífica do que na Zona Sul, era muito forte, tinha muita gente, muitas bandas, a galera se encontrava…
Angelo: Eu fazia parte de um grupo de death metal/splatter, que era o Erosive Exhumation. Tinha o Imperial Death, o Turíbulo, banda de trash. Turíbulo é aquele incenso que o padre usa lá, aquela parada, sabe?
Rocco: Sem falar no Pussy Violator, que depois virou só Violator. Isso em 1990.
Angelo: Então a Gangrena era um apanhado das pessoas que cercavam a banda, só tinha os mais loucos, os mais politicamente incorretos.
Fernando: Lá no Rio não rolava a segregação de estilos que tinha em São Paulo. Tinha metal, tinha Funk Fuckers, depois Planet Hemp, e lá, até hoje, isso é a coisa mais normal do mundo, até o Rogério Skylab tocava junto. Era rap com metal, pop-rock, rockabilly... Isso em São Paulo era impossível de acontecer.
Angelo: Pra gente, isso facilitou porque nós transitamos no meio de qualquer doidão. Aqui em São Paulo a gente toca com banda de new metal. A galera do new metal não tem por que não gostar do som, aí vai junto.

Pelas minhas contas, já passaram 15 integrantes pela formação, é isso?
Não é todo mundo que aguenta o baque. Tem esse negócio de entra-e-sai na Gangrena, mas é igual time de futebol. Antigamente tava todo mundo louco o tempo todo, tensão, a gente não trocava uma ideia de boa que nem tá rolando aqui.

E essa coesão que você cita vai surpreender a gente com alguma novidade boa a caminho?
Depois do Desagradável e dos shows promocionais, vamos lançar o próximo álbum, no começo de 2014, e já temos várias músicas sendo trabalhadas.

Esse nome que vocês deram ao filme é resposta a algum desafeto específico?
A gente é a peça mais torta do negócio, até quem é doidão, quem é revoltado, que se acha diferente, fica incomodado com a Gangrena. Daí o nome do filme, Desagradável.

Vocês conseguiram encher o saco até do pessoal da contracultura, tipo aquele quadrinho que gerou acusações de sexismo.
Veja essa história do quadrinho do Allan Sieber, que ilustrou nosso encarte. Quando fizemos a nossa primeira turnê na Europa, o negócio rolou no circuito punk, que na verdade não era o nosso circuito. Mas acabamos nos apresentando como uma banda de hardcore que puxava pro metal. Mas o Smells Like a Tenda Espírita era muito hardcore. Então eles achavam que era uma banda punk, normal. Até mesmo porque, nesse disco, a percussão não estava tão na cara como está agora. A gente foi lá tocar e o pessoal curtiu pra caramba, só que tem uns loucos que sempre gravitam em torno da Gangrena, e um deles é o Allan Sieber. Ele fez uma história em quadrinho e, na hora que a gente viu, era óbvio que tinha que ir pro encarte do CD! A história trazia a mulher de um astro do rock, famoso, e o cara não queria comer a mulher… Não sei por qual coincidência, o nome desse artista era Lulu. Aí acabou que a mulher andava pela rua quando veio e Exu Tranca Rua e enrabou ela. Ela foi toda estropiada no médico, que fez um fist-fuck nela pra pegar uma amostra, tirou um pedaço do cu da mulher, botou num microscópio e falou: “Ih, filha, cê tá fudida, pegou gangrena gasosa no cu!”. Foi o bastante pra essa galera da Europa, do circuito punk, vir com aquela coisa de “não ao sexismo”. Mas como você vai explicar pro cara que aquilo é quadrinho de gente louca?! Daí o negócio foi encarado de uma forma que acabamos cercados por feministas em um dos shows, elas olharam o CD e vieram questionar. Isso foi em maio de 2001. Já nos lugares de metal nós fomos recebidos com mais naturalidade. Dava pra vender o CD com encarte. A gente chegava e perguntava, e quando o show era num point mais punk, tirávamos o encarte. Chegamos a ser perseguidos por um monte de ativistas, fugimos pra dentro do camarim e cada um se armou com o que pôde – pedestal, estante de bateria – esperando a hora do hadouken. Tínhamos até uma arma de defesa especial, um porrete de alta precisão, o nosso amigo PAP.
Gê: O percussionista na época levou um porrete, que ganhou o nome de PAP, porrete de alta performance.
Angelo: Isso, alta performance! Na alfândega, o cara perguntava e ele dizia que era de percussão.

E aquela fita do Fábio, dono do clube Garage? No documentário ele conta uns acontecimentos bizarros pra cima dele por ter sido o mentor da Gangrena. Até a morte dele parece que foi prevista por uma entidade, né?
Minoru: 
O Fábio, do Garage, na verdade já estava doente há muitos anos. Ele era diabético, perdeu a visão por conta disso. Ele não se cuidava, perdeu um pedaço do pé. Então ele já vinha de uma certa decadência.
Fernando: Não ameniza, não! Segundo o Exu que apareceu pra ele, ele começou a ficar doente por ter dado apoio pra Gangrena!
Rocco: Vai ver que o cara estava doidão de Big Mac.
Angelo: Eu acho o seguinte, o Fábio viveu intensamente do jeito que ele quis e pagou o preço que desejou pagar.
Minoru: Pagou com a diabetes, ele bebia refrigerante pra cacete…
Rocco: Na véspera da internação, ele foi no McDonald’s e comprou os três maiores sanduíches que tinha, com vários acompanhamentos, e disse: “É a minha despedida, vou me internar amanhã”.

Esse maluco merecia um documentário só com a história dele!
Angelo: 
Certamente, mas já está sendo feito aí... O Fábio era o pai de todas as bandas do Rio. Não existia uma banda que ele não tivesse empurrado, de Planet Hemp a Los Hermanos e Matanza, todas foram apadrinhadas por ele. O Fábio deixava qualquer banda tocar.
Rocco: Não só o nosso, mas o primeiro show de todo mundo na cidade foi no Garage. Era a casa mais conceituada, todo mundo que formava uma banda almejava tocar lá.
Minoru: Nem era a mais conceituada! Era a única!
Angelo: O Fábio marcava show de power metal já na virada de 1970 pra 80. Ele discotecava no Caverna...

Como era a cena carioca antes da geração de bandas do Garage?
Angelo: 
Antes do Fábio e da cena dos anos 1990, o que tinha eram umas bandas tipo o Azul Limão, Taurus. Isso é uma fase que não é contemporânea nossa. Agora, o underground no Rio de Janeiro, se não fosse pela iniciativa do Fábio, não teria sido a mesma coisa, a cidade estaria ouvindo só pagode hoje.
Rocco: As pessoas começavam a frequentar o lugar pra curtir som, ouvir vinil. O barato era baixar no Garage pra ver o novo VHS do Slayer. O Kreator, quando veio a primeira vez, foi ele quem trouxe, na quadra da Estácio, a escola de samba.

Atualmente são sete negos na banda. Num esquema independente, às vezes pesa...
Rocco:
As pessoas cobram muito que a gente toque fora do Rio. Pelas redes sociais, a gente tem pedidos de pessoas de Pernambuco, do Sul, de Manaus. Aqui em São Paulo tem um bom público também.
Angelo: Dois produtores do Macapá entraram em contato com a gente, mas parece que quando eles veem que são sete integrantes, sete passagens, mais o som…

Os apetrechos pra fazer aquele tradicional despacho no palco, cenografia...
Tem essa parte que não pode ficar sem a devida atenção, né… Nós precisamos comprar os materiais de macumba, os alguidares. No show o pessoal precisa tomar aquele banho de farinha com pipoca, galinha, tem os efeitos especiais.
Rocco: Além do visual todo, tem o lance da cenografia que as pessoas cobram. As pessoas vão ao show da Gangrena pra receber o despacho, comer o frango no palco, tomar a cachaça!

Mas vocês tiveram uma fase Lick it Up, né? De tentar desencanar do visual e da encenação e focar só no som...
Angelo: 
Foi importante também essa fase Lick it Up, sem o visual e a macumba, pra focar na música, reciclar. Porque você chega num ponto em que as ideias mudam e você quer mostrar outras coisas. De toda forma, eu sempre fui contra.
Rocco: Na minha opinião, esse período foi legal pra mostrar que a gente não era uma banda reduzida ao visual. Sem visual, tem pressão também! O grupo tinha que se livrar do estereótipo.

O Dado Villa-Lobos ter gongado o disco de vocês ali, prontinho pra ser lançado, foi um tiro no pé, fala aí?
Angelo: 
Depois do Welcome To Terreiro, que é de 1992, veio a fase em que eu entrei na banda, em 94, quando gravamos Cambonos From Hell, a demo tape. Nossa, a gente achava que tinha um contrato firmado com uma subsidiária da EMI – no caso, era a Rock It! do Dado. Eu não participei da reunião, mas o que o Chorão e o Vladimir disseram foi que eles chegaram lá empolgados pra mostrar pro Dado e o cara vetou na lata. Ele conta a versão dele no documentário, mas os caras disseram que ele simplesmente falou: “Cara, eu não lanço death metal”.

Porra, mas quando ele lançou o disco de estreia já não era death metal? O que ele achou que era?
Antes ele considerava punk rock, um quas, quas, quas, um sonzinho alegrinho. Tanto é que o Welcome to Terreiro virou clássico pelo valor histórico, mas a guitarra é quas, quas, quas [risos].
[Nessa hora os caras começaram a rir muito do termo “quas, quas, quas” e começam a cantar “Trem das Onze”, fazendo barulho e falando ao mesmo tempo por alguns minutos…]
Gê: …Eu nunca ouvi alguém falar isso!
Angelo: Retomando… Foi uma fase de muito ódio, muita raiva, sabe como é? Apertamos o botão do foda-se. E acabou funcionando, porque saiu o Smells Like a Tenda Espírita que é um clássico também, né, cara. Um ótimo disco. No Welcome o que rolou foi que a banda teve que aceitar vender um álbum sem guitarra! Transformaram a obra no que eles queriam. Enquanto, na verdade, o que queríamos fazer nessa época já era algo na linha do Smells. Os caras da Rock It! viraram as costas, acabou o esculacho, acabou a brincadeira, atropelamos com despacho e timbalada de caveira.

A ideia “Gangrena Gasosa” eu sempre achei genial, pelo contexto geral do conceito, da proposta, independente de religião. Eu desde o começo pensava nisso como uma ideia pra ser melhor aproveitada.
Angelo: Mas esse é o mote, evoluir artisticamente. A formação já teve cinco, depois teve seis, agora somos em sete. Meu sonho é botar umas 30 pessoas fazendo esporro no palco. Vai rolar um show comemorativo ainda, com vários negos no palco, no lançamento do DVD, todos os integrantes importantes estarão: Sid, Paulão, Elijan, Chorão.
Angelo: Inclusive eu e o Magrão, um dos bateristas que passaram pela banda, compositor das linhas de bateria do Smells e de muitas letras, pensamos em fazer uma revista em quadrinhos com as histórias. Tipo Contos da Cripta, mas aí traria histórias do Curupira, da Mula Sem Cabeça. Só que isso é um projeto que demanda tempo e um dinheiro que não temos agora. Musicalmente a ideia é ampliar, tem que ter vários percussionistas, evoluir muito mais o conceito. Pensa bem, não tem troço mais pesado do que você ir num ensaio de escola de samba, aquilo é uma porrada! Imagina isso no hardcore, trinta pessoas tocando, guitarra pesada! No Circo Voador já rolou uma experiência boa com quatro vocalistas, os dois originais e nós.
Gê: Que inclusive disseram que nunca mais tocariam juntos, e tocaram.
Rocco: É, falaram que iam sair na porrada se encontrassem, que ia sair tiro, que ia pegar a peixeira. Chegou na hora todo mundo se abraçou, berrou pra caralho junto, a plenos pulmões, amarradões: “Vamos fazer de novo! Quando é o próximo?”.

Ouvi dizer que vai rolar um projeto acústico também. É pra valer?
Angelo: 
O projeto do acústico é pra valer, nós vamos fazer, vai sair uma coisa ousada e queremos que fique mais pesado do que as versões elétricas. Isso aí é mais pra frente, na sequência do Desagradável.

De música pronta que vai entrar nesse álbum prometido pra 2014, o que já tem?
De som novo que dá pra adiantar, tem “Vem Nariz”, que já tocamos em show; “Terno do Zé”, que fez parte do curta-metragem premiado de mesmo nome; “Trabalho para 20 comer”; “Jogo do Bicho”; “Carnossauros Pride”, sobre o orgulho de quem come carne; “Você Analisa”, no sentido anal do termo... Umas coisas legais.

Ouça o Gangrena Gasosa aqui.

Texto/Introdução por Adelvan Kenobi
Entrevista por Eduardo Ribeiro
VICE