por Adelvan Kenobi
A vida, às vezes, pode ser surpreendente. Eu nunca sequer cogitei a possibilidade de um dia ver um show do New York Dolls, pelo simples motivo de que nunca achei que fosse possível. A banda, proto-punk pioneira e que influenciou o nascimento de toda aquela movimentação, sempre me pareceu coisa do passado, até porque torna-se difícil imaginar que aqueles caras possam, depois de passar por tudo o que passaram, voltar um dia à ativa – muito embora criaturas como keith Richards estejam por aí até hoje, e eu sinceramente não creio que seja apenas pelo dinheiro. Mas eis que numa determinada noite já do século XXI a banda não apenas retorna, como retorna em grande estilo, com uma apresentação ao vivo lançada em CD e DVD com direito a um pomposo “Morrissey apresenta” na capa. E pra coroar, lança um disco de musicas inéditas – elogiado (merecidamente) pela critica, diga-se de passagem.
Até aí tudo bem. A Historia tinha tudo para ser mais uma daquelas que a gente vê à distancia – quem mora em Aracaju ou em qualquer outro canto “periférico” do planeta está acostumado em ver as coisas à distancia. Mas eis que anuncia-se a presença do NY Dolls no Abril pro rock 2008. Ali do lado, em Recife. Evidentemente que decidi no ato que iria, antes mesmo de saber que teríamos, de “bônus”, nada menos que a lendária banda de Hard core e reggae novaiorquina Bad Brains – isso sem falar dos brasileiros Mukeka di rato, Zumbis do Espaço (dos quais gosto muito e nunca tinha visto ao vivo) e os pernambucanos do Vamoz! (estes figurinhas fáceis por aqui, mas ok).
Felicidade garantida, expectativa nas alturas, armo o já tradicional esquema de “racha” de gasolina com amigos de longa data de Itabaiana (só a velha guarda do rock ceboleiro!) e lá vamos nós, do mangue ao mangue. Chegamos, nos hospedamos e partimos para mais uma empreitada rock and roll – com direito a uma passadinha no shopping Tacaruna, do lado do Chevrolet Hall, para adquirir os quilinhos de alimento que nos garantiriam ingressos a módicos 30 reais !!! Deus salve o patrocínio da Petrobras e paulistas, morram de inveja com seus ingressos caríssimos para ver uma ou duas bandas.
É amigos, o Abril pro rock este ano mudou-se para o Chevrolet Hall. Eu, que das 16 edições estive presente a mais de 10, louvo mais esta mudança – sou do tempo em que o Festival acontecia no simpático porém mambembe Circo Maluco Beleza, ao ar livre – depois mudou-se para o Centro de Convenções, em Olinda, antes de pousar numa das casas de show mais prestigiadas da cidade. Mas como quem ta no rock é pra se fuder, como dizia Irmã Dulce (Assim falaram os Retrofoguetes), fazia um calor infernal no recinto. Ou o ar-condicionado estava com defeito, ou era insuficiente, ou alguém decidiu que roqueiros não mereciam tamanho luxo, o que é mais provável. Em todo caso, a mudança foi para melhor – nada pode ser pior do que a terrível acústica cheia de ecos do centro de convenções.
O Chevrolet Hall para nós, aracajuanos, parece um Espaço Emes vitaminado e ampliado. Para o Abril, o palco principal foi circundado por dois minúsculos palcos secundários, um dos quais ocupado por uma banda local quando entramos – ninguém soube me informar quem eram, mas imagino que fossem o tal Project 666. Bom show, Hardcore, mas nada demais. Fizeram um bom aquecimento para um dos verdadeiros “godfathers” do estilo no Brasil, o Mukeka di Rato, que logo deu o ar de sua graça no palco principal – grande, porém não gigantesco, o que é uma qualidade. Por incrível que pareça, não gostei do show, apesar de ser fã da banda e da mesma contar de volta nos vocais com o veterano Sandro. E o show foi ruim justamente por causa dele – não sei qual o motivo, ou se foi impressão minha, mas o mesmo não parecia estar muito disposto não – até arriscou uma de suas tradicionais ironias, oferecendo a apresentação a um mito da musica brega nacional cujo nome não lembro (acho que era Adelino Nascimento) que tinha acabado de morrer, mas sei lá, me pareceu meio forçado. Além do mais, Sandro declamava as letras ao invés de berrar, o que diminuía muito o impacto das mesmas. Acabaram o show, burocraticamente, e deram espaço ao Zumbis do Espaço no outro palco secundário – o que acho injusto, pois aquela era a primeira vez que a banda tocava não apenas no APR, mas em Recife, e por isso tinham um séqüito de seguidores fiéis esperando pela ocasião de vê-los ao vivo. Mais uma vez foi decepcionante, mas neste caso não por culpa da banda, e sim pelo som, terrível. Mal se conseguia ouvir os voais de Tor. Apesar disso, o pouco publico presente participou ativamente e pareceu se divertir.
A raquítica quantidade de publico, por sinal, foi o ponto fraco de todo o evento. A princípio pensei que as pessoas fossem aparecer à medida que a noite fosse avançando, mas não foi o que aconteceu não – o publico foi pequeno, o que é extremamente lamentável. Em todo caso, estávamos lá para conferir a antológica primeira apresentação do Bad Brains em solo brasileiro. Sensacional, energético, visceral, emocionante e acima de tudo verdadeiro. O vocalista Israel Joseph substituiu muito bem o lendário (e ao que consta, excêntrico) HR, vocalista original da banda, e o show fluiu como todos esperavam, uma sucessão de clássicos do hardcore intercalados por pérolas “reggae” e “ragga”, numa simbiose inusitada que, pelo menos com essa perfeição, só o Bad Brains é capaz de produzir. Primeiro show “para lavar a alma” da noite. Aproveitei a apresentação da banda seguinte, Vamoz! (que já conheço de longa data de shows aqui mesmo em Aracaju) para dar uma passeada pelos tradicionais stands e rever figuras de outros estados que costumo encontrar somente no Festival, como Fernando (ex-Káfila), do Piauí, e Frizzo, do Fóssil, de Fortaleza. Desta vez tive o prazer de me deparar também com outras criaturas vindas de rincões ainda mais distante que há anos não tinha a oportunidade de rever. Este é o outro ponto positivo de festivais como o Abril pro rock, servir como ponto de encontro para pessoas que moram distante e que para lá convergem atraídos pelos shows.
E eis que começa a grande atração do Festival – na minha humilde opinião, evidentemente. Confesso que, macaco velho que sou, não estava lá tão empolgado quanto deveria – até o inicio da apresentação. Quando ouvi aquela voz tão característica de David Johansen se sobressaindo por sobre uma avalanche de riffs clássicos e matadores, aquele tradicional arrepio percorreu a espinha – o arrepio de quem de repente se dá conta de que está diante de um momento histórico. Já na segunda musica emendaram com um cover inusitado – “Piece of My Heart”, imortalizada na voz de Janis Joplin e brilantemente adaptada ao estilo da banda. A platéia estava ganha. O que se seguiu foi a esperada sucessão de clássicos do rock executados com vontade e entrega, o que é importante – e principalmente da parte do guitarrista remanescente da formação original, Sylvain Sylvain. Ele praticamente carregou o show nos ombros, com uma empolgação impressionante para sua idade e histórico. David Johansem, por sua vez, não parecia estar tão bem, esquelético e deixando tranparecer uma barriga não muito volumosa porém bizarra por baixo da “baby look” que usava, mas segurou muito bem os vocais, sem gandes arroubos entusiásticos mas também sem deixar a peteca cair. Tocaram por aproximadamente uma hora e meie e saíram praticamente sob protestos de Sylvain Sylvain, que ao final de tudo, já depois do bis, ainda vai ao microfone e ajuda a levantar um coro da platéia para depois emendar que “se vocês pedirem com mais vontade a gente volta novamente e toca até amanhecer”. Impressionante, mas não foi o que aconteceu: a casa acendeu as luzes e deu a primeira noite por encerrada.
A noite seguinte seria uma verdadeira maratona, só que desta vez bem mais eclética. Chegamos cedo por acharmos que a Rockassetes se apresentaria no início, e não queríamos perder a segunda banda sergipana a tocar no festival ( a primeira foi o Lacertae, nos anos 90) . Mas o que vimos foram duas bandas pra lá de “meia-boca”, uma de João Pessoa, que entrou no cast através de um concurso, e outra de Recife. A terceira foi a potiguar Barbiekill. Bizarro. “Electro”, eco do sucesso do CSS e bonde do rolê, provavelmente. Só que muito sem noção e de muito mau gosto, com um vocalista ridículo que acha que é carismático e engraçado mas que consegue ser apenas ... ridículo. A noite seria longa, e estava apenas começando. Para nossa surpresa, os Rockassetes não deram o ar da graça – bom pra eles, que acabaram tocando num horário excelente, lá pelo meio do evento, com um publico considerável (e bem maior que na noite anterior) já presente. Quase estragam essa excelente oportunidade, ao incluírem no set músicas mais longas e com grandes passagens instrumentais, o que não é aconselhável para apresentações com tempo tão reduzido e que, por conta disso, precisa ser enxuta. Mas conseguiram dar seu recado e reverter o jogo a tempo de evitar a dispersão do publico.
O Autoramas foi a primeira banda a se apresentar no palco principal e fizeram, provavelmente, o melhor show da noite. Foi uma apresentação típica, com aquele rock and roll preciso cheio de influencias de surf music e rockabilly e coreografias robóticas meticulosamente executadas pro Gabriel e pela nova baixista gatinha – é impressionante, até parece que o Gabriel tem um estoque de baixistas gatinhas “rockers” guardadas e pré-programadas num deposito prontas para serem acionadas assim que a titular abandona (ou é explusa) (d)o posto. Foram seguidos pelos pernambucanos do Sweet Funny Adans. Grande banda. Seguem a linha “guitar/indie” versão anos 2000, ora lembrando Strokes, ora Interpol – mas sabem compor e executar suas composições, o que realmente importa. Jogo ganho. Para eles e também para Wander Wildner, que veio em nova fase e pareceu agradar bastante o publico, que se concentrou em massa para assisti-lo e ovaciona-lo. Eu, particularmente, não gostei das músicas novas, e achei que os novos e grandiloquentes arranjos, cheios de acordeões e violinos e isso e aquilo, não caíram bem para as antigas que são, por natureza, minimalistas. Mas as pessoas gostaram e Wander merece ser amado porque é um grande “perfomer” e uma gande pessoa, e é isso que importa.
Seguiu-se a isso um verdadeiro buraco negro na programação do festival. Apresentou-se num dos palcos secundários Victor Araújo, um pianista pernambucano virtuoso, jovem e consagrado, porém absolutamente deslocado. Assim como deslocado foi o show de Céu, que sucedeu o tal pianista, no palco principal. Na seqüência tivemos Violins, de Goiânia, com seu som cerebral e reflexivo, e é a vez de Júpiter Maçã ocupar a grande arena. Totalmente chapado ! Absolutamente chapado – mas chapado MESMO, a ponto de não conseguir fazer o show. Ficou lá, se arrastando e fazendo gestos obscenos pelo palco e balbuciando as canções enquanto a banda se esforçava para acompanhar seu ritmo – lento, quase parando. Musicalmente não foi bom, mas foi bem rock and roll. Ele é Júpiter Maçã, Flavio Basso, dos lendários Cascavelletes. Ele pode.
A partir daí o cansaço me pegou e eu fiquei zumbizando pelo recinto esperando apenas para ver o show da Pata de Elefante, da qual sou fã. Lembro que tocaram Superguidis e Datsuns, da Nova Zelândia – dizem que foi muito bom, mas eu não tinha mais condições de avaliar, prostrado que estava no chão imundo tentando descansar um pouco. Consegui resistir para ver a Pata que foi a penúltima a se apresentar, num show minúsculo e apressado que não fez jus à qualidade técnica e ao talento de seus componentes. Lamentável, mas a madrugada já era avançada e Lobão ainda iria subir ao palco com os 500.000 violões de seu show acústico. Deve ser sido no mínimo interessante, mas não fiquei pra ver não.
E foi isso. Ano que vem tem mais - espero.