terça-feira, 28 de maio de 2013

Lula: O necessário, o possível e o impossível

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz um balanço dos 10 anos de administração federal liderada pelo PT nesta entrevista concedida a Emir Sader e Pablo Gentili, disponibilizada pelo portal Carta Maior e que abre o livro '10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma' (Editora Boitempo, 2013). Leia a íntegra:

por Emir Sader e Pablo Gentili

Um livro sobre os 10 anos dos governos que transformaram profundamente o Brasil não poderia deixar de dar a palavra a seu principal protagonista, aquele sem o qual esse processo não teria sido possível e, menos ainda, ter logrado tamanho êxito. Luiz Inácio Lula da Silva é um político prático, intuitivo, que busca a resolução concreta dos problemas. Foi em boa medida graças a essa capacidade que se desenvolveu no país um complexo processo de articulação política que tornou viável a prioridade do social e a promoção de políticas igualitárias, a soberania externa e a recuperação do papel ativo do Estado na construção dos direitos cidadãos.

Esses avanços são analisados neste livro e interpretados por Lula na presente entrevista, realizada na sede do Instituto Lula, em São Paulo, em 14 de fevereiro de 2013. Traz contribuições para compreender uma década fundamental na história brasileira. Ajuda-nos a interpretar, pela visão de quem foi e continuará sendo uma das figuras mais destacadas da política mundial no século XXI, conjuntura de excepcional riqueza na luta pela construção de uma nação mais democrática e justa.

Que dados terá a sua disposição um historiador que pretenda analisar o governo Lula no futuro, além dos publicados pela mídia tradicional?
Quando faltava um ano, um ano e pouco para acabar o meu mandato, decidi que iria registrar em cartório tudo que o meu governo fez. No dia 15 de dezembro [de 2010], a Miriam Belchior, que coordenou esse processo, registrou em cartório todas as atividades do Ministério do Planejamento, da Economia, da Pesca, tudo. Por quê? Porque, eu queria contar um pouco a história deste país. Eu aí falei aos ministros: “Vão ter que registrar em cartório, porque, se vocês mentirem, não será para mim. Vocês estarão cometendo falsidade ideológica”. São seis volumes. Estão em letrinhas peque- nas. Está tudo muito bem-feitinho, tem a assinatura de todo mundo. Se você quer saber o que nós fizemos para combater a corrupção, está aí; o que nós fizemos na área da Educação, está aí; o que nós fizemos na área do transporte, está aí [...]. Dia 15 de dezembro nós fizemos um ato público (para lançar o balanço de governo). Está tudo na internet. Antes, a gente não conseguia encontrar a agenda do Sarney, do Collor, do Fernando Henrique Cardoso, do Itamar. Não se sabia o que eles faziam. Nós passamos a registrar a agenda. Eu lembro que um dia uma CPI mandou um ofício para o Gilberto Carvalho perguntando se eu tinha me encontrado com o presidente de um banco tal. Aí eu disse ao Gilberto: “Fala para eles procurarem na internet. Está lá minha agenda”. A gente passou a tornar pública a atividade do governo. Por que tinha que ser segredo de Estado? E eu falei: “Então nós vamos registrar, para ficar na história”. Quando uma universidade quiser pesquisar, vai saber como foi tratado o assunto. Foi um trabalho de cão fazer isso: exigir que os ministros cumprissem, pois há sempre uns mais organizados que outros. A exigência de registrar em cartório era para eles serem verdadeiros com eles mesmos.

Qual o balanço que o senhor faz dos anos de governo do PT e aliados?
Esses anos, se não foram os melhores, fazem parte do melhor período que este país viveu em muitos e muitos anos. Se formos analisar as carências que ainda existem, as necessidades vitais de um povo na maioria das vezes esquecido pelos governantes, vamos perceber que ainda falta muito a fazer para garantir a esse povo a total conquista da cidadania. Mas, se analisarmos o que foi feito, vamos perceber que outros países não conseguiram, em trinta anos, fazer o que nós conseguimos fazer em dez anos. Quebramos tabus e conceitos preestabelecidos por alguns economistas, por alguns sociólogos, por alguns historiadores. Algumas verdades foram por água abaixo. Primeiro, provamos que era plenamente possível crescer distribuindo renda, que não era preciso esperar crescer para distribuir. Segundo, provamos que era possível aumentar salário sem inflação. Nos últimos 10 anos, os trabalhadores organizados tiveram aumento real: [...] o salário-mínimo aumentou quase 74% e a inflação esteve controlada. Terceiro, durante essa década aumentamos o nosso comércio exterior e o nosso mercado interno sem que isso resultasse em conflito. Diziam antes que não era possível crescer concomitantemente mercado externo e mercado interno. Esses foram alguns tabus que nós quebramos. E, ao mesmo tempo, fizemos uma coisa que eu considero extremamente importante: provamos que pouco dinheiro na mão de muitos é distribuição de renda e que muito dinheiro na mão de poucos é concentração de renda.

A quebra desses tabus foi percebida pela sociedade?
Muita gente da classe média e rica acabou compreendendo. Aqueles que ironizavam o Programa Bolsa Família, [...] o aumento do crédito para a agricultura familiar, [...] o programa Luz pra todos e todas as outras políticas sociais, aqueles que ironizavam dizendo que era esmola, que era assistencialismo, perceberam que foram milhões de pessoas, cada uma com um pouquinho de dinheiro na mão, que começaram a dar estabilidade à economia brasileira, fazendo com que ela crescesse, gerasse mais emprego e renda. Esta é uma lógica que todo mundo deveria entender.
Existe algum lugar no mundo em que as pessoas vão produzir se não tiver consumo? Se isso acontecer, é porque a economia voltou-se para a exportação [e, nessa lógica,] o povo do país que se dane. Você pode fazer uma grande política de produção para exportação, mas nunca conseguirá, com isso, governar para mais de 35% da população, inclusive porque as fábricas sofisticadas geram menos empregos. Hoje, os postos de trabalho são gerados no setor de serviços e, mesmo assim, menos do que antes.
Precisamos ter em mente o seguinte: que país do mundo vai crescer se o seu povo não tiver poder de compra, se o povo não puder comprar aquilo que é produzido dentro do país? Do ponto de vista econômico, eu acho que marcamos uma nova trajetória na vida brasileira. A partir daí, foram dadas as condições para que as taxas de juros fossem colocadas em um patamar aceitável pela sociedade.

O senhor considera que cumpriu as promessas que fez ao povo brasileiro nas suas duas campanhas eleitorais?
No fim do primeiro mandato, pedi à Clara Ant para fazer um levantamento do programa de governo. Queria saber se o tínhamos cumprido. Nós mais do que cumprimos! E, no segundo mandato, nós mais do que cumprimos aquilo que já tínhamos cumprido no primeiro mandato.
Isso é importante: você faz um programa, estabelece metas e cumpre as metas. E as pessoas têm conhecimento disso. E qual o legado de tudo isso? é que o povo sentiu que participou do governo. As pessoas falavam: “Eu sou igual a esse cara” ou então “Esse cara está junto comigo”. E também pensam o mesmo de Dilma. [O brasileiro] começa a se sentir parte do projeto: ele sabe, ele contribui, ele dá a sua opinião, ele é contra, ele é a favor... As conferências nacionais foram a consagração disso. A gente não tinha orçamento participativo, não era possível fazer orçamento participativo na união. Então, nós resolvermos criar condições para o povo participar. Promovemos conferências municipais, estaduais e nacionais. Foi a forma mais fantástica de um presidente da República ouvir o que o povo tinha a dizer. Eu fui a 95% das convenções nacionais. Ficava duas ou três horas sentado no plenário ouvindo o povo falar mal, [...] contestar, [...] dizer que não estava bom ou estava bom e saía dali com um documento que servia de parâmetro para melhorar as coisas que estávamos fazendo.

Qual foi o grande legado dos 10 anos de seu governo?
nesses dez anos recuperamos o orgulho pessoal, o orgulho próprio, a autoestima. Conquistamos coisas que antes pareciam impossíveis. Passamos a ser mais respeitados no mundo: as pessoas não olham para o Brasil, hoje, e veem apenas criança de rua, Pelé e Carnaval. As pessoas sabem que este país tem governo, que este país tem polí- tica, que este país passou a ser tratado até às vezes como referência para muitas coisas que foram decididas no mundo.
Esse é um legado que vai marcar esses dez anos. E eu tenho convicção de que, com a continuidade da companheira Dilma no governo, isso vai ser definitivamente consagrado.
Parto do pressuposto de que chegaremos a 2016 como a quinta economia do mundo. Mas o mais importante é ter a clareza de que o objetivo maior não é o Brasil ser a quinta, ser a quarta economia do mundo. é importante que se melhore dia a dia a qualidade de vida do povo brasileiro, seja do ponto de vista dos salários, seja do ponto de vista da habitação, do ponto de vista do saneamento básico, do ponto de vista da qualidade de vida.
Esse foi o grande legado desses dez anos: nós nos descobrirmos para nós mesmos. Nós não somos mais tratados como cidadãos de segunda classe. Nós temos o direito hoje de andar de avião, de entrar num shopping e comprar coisas que todo mundo sempre quis comprar. E recuperamos o prazer, o gosto de ser brasileiro, o gosto de amar o nosso país.

Do que o senhor mais se orgulha no seu governo?
Eu sinto um orgulho – e nesse caso é um orgulho muito pessoal, até um pouco de vaidade –, que é o de passar para a história como o único presidente sem diplo-ma universitário, mas o que criou mais universidades neste país. Esse número eu dou sempre, que é um número muito exitoso e que vai ser muito difícil alguém superar: 14 universidades federais novas, 126 extensões universitárias, 214 escolas técnicas. Eu não estou contando esses dois anos agora porque eu não sei quantas foram feitas agora.
Ontem eu recebi uma carta de um cara, motorista de ônibus, que agradece não apenas a formação do filho dele, em Biomedicina, mas também sua formação em Direito. Os dois pelo Prouni8. Essas coisas aconteceram porque, na sua sabedoria, o povo conseguiu, depois de tanto medo, depois de tanto preconceito, testar um deles para governar este país.

Quando começou o governo, o senhor devia ter uma ideia do que ele seria. O que mudou daquela ideia inicial, o que se realizou e o que não se realizou, e por quê?
Tínhamos um programa e parecia que ele não estava andando. Eu lembro que o ministro Luiz Furlan, cada vez que tinha audiência, dizia: “Já estamos no governo há tantos dias, faltam só tantos dias para acabar e nós precisamos definir o que nós queremos que tenha acontecido no final do mandato. qual é a fotografia que nós queremos”. E eu falava: “Furlan, a fotografia está sendo tirada”. Não é possível ficar com pressa de obter resultados. Nós temos que provar, no final de um mandato, se nós fomos capazes de fazer aquilo que nos propusemos a fazer. Se a gente for trabalhar em função das manchetes dos jornais, a gente parece que faz tudo e termina não fazendo nada.
Então é o seguinte: eu plantei um pé de jabuticaba. Se esse pé nascer saudável, vai ter sempre alguém dizendo: “Mas, Lula, não está dando jabuticaba, está demorando”. Se for cortar o pé e plantar outra coisa, eu nunca vou ter jabuticaba. Então, eu tenho que acreditar que, se eu adubar corretamente, aquele pé vai dar jabuticaba de qualidade. E eu citava esses exemplos no governo... Soja tem que esperar 120 dias, o feijão tem que esperar 90 dias. Não adianta ficar repisando, “faz uma semana que eu plantei e não nasceu”. Tem que ter paciência. Eu acho que eu fui o presidente que mais pronunciei a palavra “paciência”, “paciência”... Senão você fica louco.
Tem gente na política que levanta de manhã, lê o jornal e quer dar resposta ao jornal. E daí não faz outra coisa. Eu não fui eleito para ficar o tempo todo dando res- posta a jornal. Eu fui eleito para governar um país. E isso me deu tranquilidade suficiente para ver que o programa de governo ia ser cumprido.

Quando o senhor perdeu a paciência?
Obviamente que nós tivemos problemas no começo. Você acha que é simples um metalúrgico sentar naquela cadeira na qual sentaram tantas outras personalidades, que via pela televisão, que achava que era mais importante do que eu... E o mesmo em relação a dormir no quarto em que dormiu tanta gente importante ou que, pelo menos à voz da opinião pública, são importantes. E eu ficava pensando: “Será que é verdade que eu estou aqui?”. No começo tinha muita ansiedade. “Será que nós vamos dar conta de fazer isso? Será que vai ser possível?”, eu me perguntava. Eu acho que nós fizemos. Com erro e com muita tensão, mas fizemos.
Até as coisas mais simples geravam tensão. Quando eu propus criar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, qual foi a reação do Congresso? [A interpretação] era de que nós queríamos criar um instrumento [de decisão] por fora do Congresso. Era uma opinião inclusive de muitos dos nossos [parlamentares]. Existia um processo de desconfiança muito grande, mas eu sabia que, para que o governo desse certo, eu precisava conquistar a confiança dos trabalhadores, mas também conquistar a confiança dos outros segmentos da sociedade. E isso exigia muita conversa, muito diálogo. E foi isso que nós fizemos.
Tivemos tropeços, é lógico. Muitos tropeços. O ano de 2005 foi muito complicado. quando saiu a denúncia, foi uma situação muito delicada. Se não tivéssemos cuidado, não iríamos discutir mais nada do futuro, só aquilo que a imprensa queria que a gente discutisse. um dia, eu cheguei em casa e disse: “Marisa, a partir de hoje, se a gente quiser governar este país, a gente não vai ver televisão, a gente não vai ver revista, a gente não vai ler jornal”. Eu passei a ter meia hora de conversa por dia com a assessoria de imprensa, para ver qual era o noticiário [...], mas eu não aceitava levantar de manhã, ligar a televisão e já ficar contaminado. Então eu acho que isso foi um dado muito importante.
Eu tinha uma equipe e criamos uma sala de situação, da qual participavam Dilma, Ciro [Gomes], Gilberto [Carvalho] e Márcio [Thomaz Bastos]. E era muito engraçado: eu chegava ao Palácio e eles estavam todos nervosos. E eu estava tranquilo e falava: “Vocês estão vendo? Vocês leem jornal... Vocês estão nervosos por quê?”.

Qual mandato foi mais difícil para o cumprimento das metas do governo, o primeiro ou o segundo?
O resultado foi auspicioso do ponto de vista da execução das coisas que nós que- ríamos fazer. Sabe, a imprensa queria que eu gerasse mais empregos em quatro anos do que os outros tinham gerado em 20 anos. Nós nunca falamos em criar 10 milhões de empregos. no nosso programa de governo estava escrito o seguinte: “O Brasil precisa criar 10 milhões de empregos”. Nunca falei que era eu que ia criar. O Brasil precisava disso para resolver o problema do desemprego. Pois bem, nós criamos, até agora, em 10 anos, quase 18 milhões de empregos formais, com carteira assinada.
Nós tomamos medidas erradas no começo. Eu lembro que chegamos a anunciar, na campanha ainda, o programa do primeiro emprego. Era uma ideia de o governo pagar para o empresário dar emprego. Concluímos que essas coisas fictícias não funcionam. Pode ficar muito bom no discurso, mas o patrão só vai contratar um trabalhador se precisar dele. Nem o Estado contrata se não precisa, por que o patrão, um empresário privado, iria contratar? Aí nós fizemos a lei, aprovamos a lei, mas percebemos que não ia dar certo aquilo. Então, o que podia dar certo? A teoria original: “Dê um pouco de recurso às camadas mais pobres da população que as coisas começam a acontecer”.
Foi isso. E aí o nosso programa foi cumprido, e as coisas que pareciam difíceis ficaram fáceis. Deus queira que os outros repitam, mas sinceramente o que nós fizemos de 2007 a 2010, ou seja, do dia 1o de janeiro de 2007 ao dia 31 de dezembro de 2010, é muito difícil de repetir. Isso porque a gente vinha com o aprendizado do primeiro mandato, todo mundo estava afiado. A Dilma tinha tomado conta da Casa Civil com muita competência e com o PAC as coisas começaram a acontecer. Era um PAC para a Educação, um PAC para Ciência e tecnologia... As coisas começaram a fluir com uma facilidade enorme. E ficou tudo mais fácil, embora os nossos companheiros da mídia ainda continuassem a nos tratar como inimigos.

Como o senhor avalia suas relações com a mídia?
Às vezes fico triste. A impressão que eu tenho é que o ódio que [os donos da mídia] têm do PT e a raiva que eles têm de mim se devem às coisas boas que nós fazemos, não às coisas ruins.
Talvez eles tenham raiva porque, durante o meu mandato, eu não fui jantar com nenhum deles, não fui à casa deles, não visitei nenhuma redação. Não era esse o papel de um presidente. Não só não fui jantar com eles como não fui jantar com ninguém. Não fui a casamento, não fui a aniversário, não fui a batizado. Nem em aniversário de companheiros meus fui. Recebi dezenas de convites de casamentos e não fui a nenhum, porque eu falava o seguinte: “O presidente não vai se expor”. Hoje, com o celular, ninguém pede licença para mais nada – para fotografar, para gravar.
Existe uma hipocrisia muito forte em relação à política. A classe política tem de reagir para ganhar respeito. Todo mundo pode beber, o político não pode. Todo mundo pode contar piada, o político não pode. O político tem que ser o ser perfeito que não existe, o ser perfeito que nem o cara que critica é. E nós aceitamos isso. Eu tenho dito nos meus debates, sobretudo para a juventude: “Olha, o político perfeito que vocês querem não está dentro de mim. Está dentro de vocês. Então, levantem e vão fazer política. Vão ser candidatos, vão organizar um partido”.
Aquelas três promessas do meu discurso de posse – “primeiro, eu vou fazer o necessário, depois eu vou fazer o possível e, quando menos imaginar, estarei fazendo o impossível” – deram certo. E a coisa sagrada de tudo isso: não ter medo de conversar com o povo. Quando você tem 92% de aprovação nas pesquisas de opinião pública, não precisa conversar com o povo. Você tem que conversar com o povo quando a porca está entortando o rabo, quando está sendo acusado, achincalhado. Na hora que você conversa com o povo, e que você fala olhando no olho das pessoas, elas sabem distinguir o que é mentira e o que é a verdade e quem está com quem nessa história.

Por que seu governo provocou tanta reação da elite e da mídia? A reação das oposições aos governos do PT não é desproporcional, tendo em vista os resultados que foram apresentados?
Em 1979, eu era possivelmente a única unanimidade nacional no movimento sindical, quando surgiu a bandeira de luta pela liberdade de organização política. E eu lembro que, pela primeira vez num comício lá em São Bernardo do Campo, num comício com o PMDB, eu falei na criação do Partido dos trabalhadores. Mas para as pessoas que estavam em cima do palanque, a liberdade política não era pra criar outros partidos. Era pra consagrar o PMDB, o partido em que todos nós um dia estivemos juntos contra o regime militar. E quando nós nascemos, o que diziam de nós? “não é possível ter um partido com as características do PT, um partido criado por trabalhadores, dirigido por trabalhadores. Isso não é real, isso não está escrito em nenhum lugar do mundo. Como é que vão agora esses metalúrgicos aqui do ABC, esses bancários, esses químicos, criar um partido?” E nós criamos o partido. Depois eles achavam que nós não passaríamos de uma coisa pequenininha, bonita e radical. E nós não nascemos para sermos bonitos, nem radicais. Nós nascemos para ganhar o poder.

Mas vocês nasceram radicais...
O PT era muito rígido, e foi essa rigidez que lhe permitiu chegar aonde chegou. Só que, quando um partido cresce muito, entra gente de todas as espécies. Ou seja, quando você define que vai criar um partido democrático e de massa, pode entrar no partido um cordeiro e pode entrar uma onça, mas o partido chega ao poder.
Então, a nossa chegada ao poder foi vista por eles não como uma alternância de poder benéfica à democracia, não como uma coisa normal: houve uma disputa, ganhou quem ganhou, leva quem ganhou, governa quem ganhou e fim de papo. Não é isso? Eles não viram assim. Quer dizer, eu era um indesejado que cheguei lá. Sabe aquele cara que é convidado para uma festa, e o anfitrião nem tinha convidado direito. Fala assim: “Se você quiser, passa lá”. E você passa e o cara fala: “Esse cara acreditou?”. Então, nós passamos na festa, e o que é mais grave, acertamos.
E depois, tentaram usar o episódio do mensalão para acabar com o PT e, obviamente, acabar com o meu governo. Na época, tinha gente que dizia: “O PT morreu, o PT acabou”. Passaram-se seis anos e quem acabou foram eles. O DEM nem sei se existe mais. O PSDB está tentando ressuscitar o jovem Fernando Henrique Cardoso porque não criou lideranças, não promoveu lideranças. Isso deve aumentar a bronca que eles têm da gente – que, aliás, não é recíproca.

O senhor não tem raiva da oposição?
Eu não tenho raiva deles e não guardo mágoas. O que eu guardo é o seguinte: eles nunca ganharam tanto dinheiro na vida como ganharam no meu governo. Nem as emissoras de televisão, que estavam quase todas quebradas; os jornais, quase todos quebrados quando assumi o governo. As empresas e os bancos também nunca ganharam tanto, mas os trabalhadores também ganharam. Agora, obviamente que eu tenho clareza que o trabalhador só pode ganhar se a empresa for bem. Eu não conheço, na história da humanidade, um momento em que a empresa vai mal e que os trabalhadores conseguem conquistar alguma coisa a não ser o desemprego.

Por que isso não se traduz num relato favorável aos governos Lula e Dilma pela mídia?
Este país está dando certo, mas não se vê isso na imprensa brasileira. É inacreditável. Uma vez o Mário Soares veio ao Brasil fazer uma entrevista comigo13. E ele chegou aqui com o Le Monde, com Der Spiegel, com o Financial Times e mais várias outras revistas e jornais internacionais e falou: “Lula, eu estou enlouquecido. Eu venho de um continente em que todas as matérias só falam bem do Brasil, enaltecem o Brasil. quando eu chego ao Brasil, eu leio a imprensa brasileira e ela diz que o Brasil acabou, nada dá certo neste país”. Até hoje é assim. Se você quiser se informar corretamente, você tem um ou outro colunista e um jornal de economia, que eu não vou citar o nome, que têm coisas razoáveis. Das revistas, sobra a Carta Capital para você ler alguma coisa interessante. E o restante é a apologia do fim do mundo.

Existe um projeto político por trás desse comportamento da mídia?
Olha, mesmo que nós não tivéssemos competência – e temos muita, e a Dilma tem bastante – esse país só pode dar certo, porque é um país que tem 360 milhões de hectares de reserva florestal; um país que tem 12% da água doce do mundo; um país que tem oito mil quilômetros de costa marítima; um país que tem o pré-sal; um país que tem esse povo ávido por melhorar de vida não tem por que dar errado. É só o governo estimular. É só o governo dar oportunidade para essa gente e essa gente cresce.
Como nunca fizeram isso antes, eles ficam muito nervosos, muito irritados, e aí eles fazem o papel do partido político, porque os partidos nos quais eles acreditavam estão quase exauridos. Pega uma pesquisa para você ver a diferença do PT e dos outros. Eu fico imaginando o ódio que ficaram de mim depois da apuração aqui de São Paulo14, porque todos eles estavam preparados para dizer: “Lula derrotado”. E, quando o Haddad ganhou, eles não sabiam o que falar.
Uma parte da mídia passou a querer substituir os partidos políticos. Ou seja, o debate que deveria ser feito no Parlamento, entre os partidos, e pela sociedade, está sendo monopolizado pela mídia. Está sendo feito somente pelas redações e, dentro delas, por poucos colunistas, todos eles partidários que tentam fingir que não são políticos, que são imparciais. Isso é ruim, é muito ruim.

A negação da política pela imprensa é um ato político?
Tentar negar a política é um desastre, e esse é um erro que pode ser cometido tanto pela direita quanto pela esquerda. Tentar negar a política não deu certo em nenhum lugar do mundo. O que vem depois é pior. Feliz da nação que tem como interlocutores instituições fortes, sejam elas partidos, sindicatos, igrejas ou movimentos sociais. Quanto mais fortes as instituições e os movimentos sociais, mais tranquilidade de que a democracia estará garantida. E é isso que eles não compreendem.

Um governo do PT teria as mesmas características, se o senhor tivesse vencido as eleições anteriores?
Não! Quando eu agradeço a Deus por não ter ganhado em 1989 e ficar 12 anos na espera, não é porque eu gosto de perder. Nunca vi ninguém agradecer a Deus porque perde. é porque possivelmente esses 12 anos de espera tenham sido o tempo necessário para o aprendizado do PT, para que o partido exercesse a sua competência, adquirisse experiência na administração pública. Nós ganhamos prefeituras importantes e governos importantes. Quando cheguei ao governo, tinha uma base do PT mais calejada. Tinha aliados mais calejados.

Mas o senhor resistiu a se candidatar depois da segunda derrota...
De fato, eu relutava muito à terceira candidatura, em 1998, e à quarta candidatura, em 2002, se fosse para fazer a mesma coisa. Eu já tinha obtido três vezes 30% dos votos no primeiro turno, tinha ido três vezes ao segundo turno e todas às vezes eu fui o segundo colocado. Em todas as eleições presidenciais, de 1989, 1994 e 1998, eu fui candidato. Então, quando eu fui disputar a quarta eleição, eu falei: “não posso fazer a mesma coisa. nós temos que fazer alguma coisa. temos que dar um sinal diferente para a sociedade”.
Aí aconteceu uma coisa que foi o dedo de Deus, viu? Vocês não acreditam em Deus, mas eu acredito muito. Pois bem, tinha uma festa de cinquenta anos de vida empresarial do José Alencar em Minas Gerais. Eu tinha sido convidado e não queria ir. O José Dirceu era o presidente e eu era o presidente de honra do PT. Falei: “Eu não vou, o que eu vou fazer na festa do José Alencar? O que eu vou fazer lá? não tenho nada a ver com o José Alencar.” O José Dirceu, então, disse: “Vamos lá, porque ele é um parceirão, ele é senador, vamos lá”. Acabei concordando.
Cheguei lá e estavam presentes vários governadores, ministros, muitos senadores. Aí veio o assessor do José Alencar e pediu que eu falasse, mas eu não quis. “quem tem que falar é o José Dirceu, que é o presidente do partido. Eu não vou falar.” E fiquei lá. Aí discursou muita gente, e por último o zé Alencar. Ele contou toda a história dele e, quando ele terminou de falar, eu falei: “Zé, acabei de encontrar o meu vice. é esse cara aqui”.

O senhor não o conhecia até então?
Eu não o conhecia, mas pensei: “é desse cara que eu preciso”. Daí, na semana seguinte, ele foi derrotado na disputa pela Presidência do Senado. Ele só teve um voto, o dele próprio. Então fui a Brasília conversar com ele. Conversei com ele e acertamos que ele seria meu vice, e para isso teria que sair do PMDB. Ele topou sair do PMDB.
Quando fizemos a festa do lançamento da candidatura no Anhembi, um grupo de pessoas tentou vaiar o José Alencar. Ele tinha um discurso por escrito, mas ele deixou o discurso de lado e falou: “Com menos idade do que vocês que estão me vaiando, eu já dormia num banco de praça para ganhar meu pão de cada dia”. Aí ele calou o pessoal e passou a ganhar o PT. O zé Alencar passou a ser chamado pelo PT para debater em tudo quanto é lugar.
Depois nós fizemos a Carta ao Povo Brasileiro, que foi um documento muito necessário. Eu era contra. Aliás, eu era radicalmente contra a carta porque ela dizia coisas que eu não queria falar, mas hoje eu reconheço que ela foi extremamente importante. Então, era preciso tentar construir alianças. é importante lembrar que, no primeiro turno, nós não tivemos apoio do PMDB. Não tivemos apoio de quase nenhum partido no primeiro turno. Então nós falamos sozinhos. Aquela eleição, a de 2002, eu jamais, em qualquer momento, achei que fosse perder. Eu estava seguro que a eleição era minha. Eu lembro que, quando eu cheguei para a apuração do primeiro turno, estava todo mundo nervoso: Duda Mendonça e Zé Dirceu na televisão, com o computador... não conseguimos ganhar no primeiro turno. Eu falei: “Gente, olha, a vitória apenas foi adiada por quarenta dias. Vamos ganhar essas eleições”. Eu tinha mesmo essa convicção.
Então, na campanha para o segundo turno, se estabeleceram as conversas com os outros partidos políticos. Nós, obviamente, tínhamos uma preocupação com a governabilidade. Por mais puros que quiséssemos ser, tínhamos a clareza de que, para aprovar alguma coisa no Congresso, tínhamos que ter pelo menos 50% mais um dos votos, tanto na Câmara como no Senado. Era preciso construir essa maioria, senão você não governa. O PMDB não ficou conosco no primeiro momento, ficou contra. Uma parte do PMDB esteve favorável à gente. Aí tivemos outros partidos intermediários que fizeram aliança conosco.

O senhor estruturou uma estratégia de alianças que tornou possível que setores que vinham de outra origem legitimassem políticas progressistas. Mas isso não foi necessariamente compreendido e não houve um discurso para justificar a política de alianças. Qual a lógica dessa estratégia?
É engraçado: quando a direita fazia articulação, estava tudo bem. Quando o ACM articulava para apoiar Fernando Henrique Cardoso, a imprensa o via como gênio, o gênio da política, o gênio que constrói. Quando éramos nós, a imprensa dizia: “Onde é que já se viu o PT conversar com essa gente?”. Mas nós conversamos. Nós tínhamos aprendido a fazer política e que, quando você faz uma política de coalizão, os aliados têm que participar do governo. É assim em qualquer democracia do mundo. E vai continuar a ser assim. Enquanto não tiver uma reforma política no Brasil, vai ser assim: quem ganhar, quem quiser governar, vai ter que conversar com o Congresso, vai ter que conversar com a Câmara, vai ter que conversar com o Senado, vai ter que conversar com o movimento sindical, vai ter que conversar com os empresários. É assim que se governa.
Aí nós tivemos um momento muito importante de diálogo com todos os setores sociais. Eu tive uma relação extraordinária, do catador de papel aos bancos, aos empresários. Eu mantive uma relação civilizada com todos os segmentos da sociedade. Nunca deixei de falar em nenhum discurso: “Eu governo para todos, mas o meu olhar preferencial é para a parte mais pobre da sociedade brasileira”. Portanto, todo mundo tem claro isso. Eu sei de onde eu vim e sei para onde eu vou depois de deixar a Presidência.
Isso permitiu que a gente tivesse uma relação, eu diria, sincera, com os partidos e os setores sociais. E que os partidos tivessem um papel importante no sucesso do governo. Não acho que devesse ser diferente. E é bom que a gente tenha problema para resolver, porque quanto mais problema você tem mais você exerce a democracia. E quanto mais você resolve, mais forte você fica.

A negociação é a pré-condição para a solidez do governo?
Tem político – essa é uma coisa que você, Emir, como cientista político, não pode esquecer –, tem político dentro do Congresso que pensa o seguinte: governo bom é aquele fraco, porque no governo fraco a gente manda, a gente impõe.
Uma vez, o ACM pediu uma conversa comigo, e eu tinha muita cisma dele. Eu falei: “Márcio [Thomaz Bastos], para conversar com ele, eu tenho que ter testemunha. Só se você estiver presente”. E o Márcio marcou uma reunião.
Eu fui conversar com o ACM e ele queria que o PT o apoiasse para a Presidência do Senado. Aí ele falava: “Lula, é o seguinte: eu mando. tem muito senador que ajudei a arrumar dinheiro para campanha. na mesa do Fernando Henrique Cardoso, quando eu dou um murro, ele fica com medo. Então, se você me apoiar, todo projeto que você quiser, eu faço passar no Congresso nacional”. Aí eu respondi: “ACM, eu sempre achei que os presidentes das instituições devessem ser as pessoas mais fortes. Eu não tenho dúvida que você pode ser um bom presidente. Agora, eu não tenho como explicar, para minha consciência, o PT apoiando o Toninho Malvadeza”. Era esse o apelido dele. “Então, não me peça o impossível, o que eu não posso fazer”.
Então, o que muitos políticos desejam? Um governo fraco, um governo debilitado, porque aí a pressão aumenta, as exigências aumentam. Quando o governo está bem, fica muito mais fácil governar. Mas, mesmo assim, quando o governo está bem, não deve afrontar o Congresso nacional. O governo tem que entender que o exercício da democracia é a convivência na diversidade. Eu dizia que democracia não é um pacto de silêncio. Democracia é uma sociedade em movimentação por várias coisas, e nós temos que saber lidar com isso.
nós aprendemos a construir as alianças necessárias. Hoje isso está nas cidades, nos estados. Se não for assim, a gente não governa. E muitas vezes, sozinho, você tem mais dificuldade. Você lembra o que aconteceu quando o Sarney foi presidente? Em 1986, o PMDB fez a maioria da Constituinte e teve 23 governos estaduais. Pergunta para o Sarney se ele teve facilidade em governar o país com a maioria no Congresso. Não teve. Esse jogo da democracia, de você ter que conversar com forças diferentes, de elas brigarem entre si, às vezes ajuda mais o governo do que se você tiver trezentos com a mesma bandeirola.
Qual é o meu medo? O meu medo é que se passe a menosprezar o exercício da democracia e se comece a aplicar a ditadura de um partido sobre os demais. Não gosto muito da palavra hegemonia, sabe. O exercício da hegemonia na política é muito ruim. Mesmo quando você tem numericamente a maioria, é importante que, humildemente, você exerça a democracia. é isso que consolida as instituições de um país e foi isso que eu exercitei durante o meu mandato, e que a Dilma está exercitando agora com muita competência.

Além das políticas econômicas e sociais, a política externa da última década fez com que o Brasil alcançasse reconhecimento mundial. Como o senhor avalia a política externa do governo, particularmente no que diz respeito ao processo de integração latino-americana que se intensificou de forma muito significativa?
Eu às vezes ficava imaginando quando é que a grande mídia brasileira iria reconhecer que nossa política externa foi um trabalho benéfico para o Brasil. Entretanto, quanto mais a gente trabalhava, mais eles ouviam embaixadores que eram contra a nossa política. Era inacreditável, porque eles poderiam convidar o ministro para falar, poderiam convidar o secretário do Itamaraty... não. Era sempre alguém contra a política externa que falava.
Sinceramente, eu acho que nós fizemos uma revolução na política externa brasileira. Houve uma combinação da capacidade, da competência de trabalho do Itamaraty, sobretudo do ministro Celso Amorim, com uma disposição política nossa de fazer as coisas acontecerem. Se política externa a gente pudesse fazer por fax e por e-mail, a Hillary Clinton não teria viajado tanto, o [Henry] Kissinger também não. Tem gente que acha que política externa se faz por telefone, mas a relação humana produz uma química entre as pessoas. Você tem que conversar, tem que pegar na mão da pessoa, tem que abraçar a pessoa. Tem que olhar no olho da pessoa. é isso que faz a coisa se diferenciar na relação humana.
Em janeiro de 2003, fui a Davos. Eu saí do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre e fui a Davos.

Que fez dez anos agora...
Quando voltava de lá, eu falei para o Celso Amorim: “Celso, nós temos condições de mudar a geopolítica comercial e a política do mundo. não é possível que, no mundo, com tantos países, só se ouça falar de Europa – de Europa em termos, porque Europa era Alemanha, França e Inglaterra, não era Europa –, da China, da índia e dos Estados unidos. não é possível”.
Bem, aí nós estabelecemos uma política externa. Primeiro: mais agressividade comercial. Nós não temos que ficar esperando as pessoas virem comprar. Nós temos que sair para vender. Vocês estão lembrados que, na campanha, eu falava: “Eu vou querer um ministro das Relações Exteriores que seja um mascate, um cara que faça como um desses vendedores aqui em São Paulo, aquele que vai de casa em casa bater palma, com a sacolinha de pano. Se em uma não querem comprar, vai a outra casa”. Então o Brasil tem que ser assim. Por isso é que eu viajei tanto.

Foram quantos países?
Eu viajei pra mais de noventa países. Eu viajei toda a América do Sul, toda a América Latina e o Caribe. Eu viajei para dezenas de países africanos e asiáticos, e também para outros países. qual é o dado concreto? O dado concreto é que eu sentia que tinha um espaço.
Eu fui convidado para a reunião do G8 em Evian, na França, em junho de 2003.
Estavam lá [George W.] Bush, [Jacques] Chirac, Tony Blair, [Junichiro] Koizumi, o príncipe da Arábia Saudita [Abdullah Bin Abdul Aziz Al-Saud], o Silvio Berlusconi, o [Gerhard] Schröder, o [Vicente] Fox e eu.
E me colocaram numa sala sem intérprete, só com aquele radinho de ouvido. E logo de cara me colocaram para falar. Quase que eu falo: “O que vou dizer aqui?”... E eu comecei a perceber... O que eu comecei a perceber? que eu era o único diferente naquela sala, que eu era o único que tinha tido uma experiência que os outros não tinham tido. Eu era o único que já tinha morado em lugar que deu enchente, eu era o único que tinha perdido o emprego, eu era o único que tinha ficado 27 anos no chão de fábrica, eu era o único que tinha passado pelo movimento sindical. Aí eu pensei: “tenho é que falar da minha experiência para esses caras”.
E eu tive uma sorte... Todos eles me trataram dignamente. A relação do Bush comigo foi muito boa, a relação do Chirac comigo foi excelente, a relação com o Gordon Brown foi muito boa – do Tony Blair antes, depois do Gordon Brown –, a relação dos alemães comigo foi muito boa.
E eu tinha uma coisa na cabeça. Eu aprendi com a minha mãe que, se você quiser ser respeitado, você tem que se respeitar. Não espere que ninguém te trate com seriedade se você não for sério. Então, eu tinha essa coisa na cabeça: “Esses caras vão me respeitar”...
O Brasil também era visto como coisa folclórica no exterior. A gente estava numa situação em que os homens da equipe econômica iam todo ano ao Fundo Monetário Internacional pedir dinheiro para poder resolver o fundo de caixa. No tempo do nosso amigo Delfim... O Delfim até hoje ironiza... Assinava contrato e depois não cumpria. Eu não gostava das duas coisas. Primeiro: palavra é palavra. Segundo: eu não vou ficar pedindo dinheiro para fechar caixa.
Essas duas coisas que eu aprendi com uma mulher que era analfabeta – a lição de que ninguém respeita quem não se respeita e não fique devendo favor a ninguém –, é que me fizeram tomar algumas atitudes. Quando nós aumentamos o superávit primário para 4,25%, muita gente do PT queria me matar. Também na reforma da Previdência – surgiu até o PSOL de um racha do PT por conta disso e, depois, com as denúncias de corrupção.

E a relação com o Fundo Monetário Internacional?
Eu tinha uma obsessão. A mesma obsessão que eu tinha de não pagar aluguel: eu tinha de acabar com o FMI, de não ter dívida com o FMI. Quando eu casei, falei para a Marisa: “nós vamos morar um ano de aluguel, depois vamos comprar uma casa”. Deu um pouco mais, um ano e seis meses, comprei uma casinha. Comprei a casinha com vidros todos quebrados – a molecada da escola quebrava tudo –, o portão todo quebrado. Quando eu comprei a casa, no dia seguinte um cara a invadiu, levou a mulher para dentro, os filhos, não queria sair da minha casa. Deu muito trabalho para ele sair. Mas eu queria a minha casa. Então, quando eu casei a primeira vez, falei para a Lourdes: “Olha, nós vamos trabalhar um ano e vamos comprar nossa casinha”. Comprei uma casinha numa pirambeira, no Parque Bristol. Era uma pirambeira de barro que, quando chovia, para ir trabalhar, tinha que colocar galocha. Mas era a minha casa.
E eu não queria dever ao FMI. Então, eu tomei essas atitudes. E Horst Köhler, que era presidente do FMI, foi muito respeitoso comigo. Uma coisa que eu senti foi que, quando você age com seriedade, as pessoas passam a torcer para as coisas acontecerem. Eu dizia para todo mundo: “não peçam que a gente faça mais sacrifício do que esse povo já fez, não peçam”. Mas eu garantia que o acordo que saísse eu honraria e faria o que deveria ser feito no país. O ajuste fiscal que nós fizemos em 2004, pouca gente teria coragem de fazer e nós fizemos. O que aconteceu: um ano depois, eu estava de- volvendo o dinheiro do empréstimo para o FMI e um ano e meio depois nós já tínhamos quase 100 bilhões de dólares de reservas. Esta também era uma coisa que eu tinha obsessão: era preciso ter um dinheiro em caixa para ganhar mais flexibilidade. Nós fizemos uma festa quando alcançamos 100 bilhões de dólares de exportação. Colocamos até um contêiner lá na frente do Ministério.

Os tabus foram quebrados à direita e à esquerda? Como se sentia com isso?
O caminho que nós tomamos estava dando certo: apertar aquilo que você tem que apertar e flexibilizar o que é importante. Nós criamos o Programa Bolsa Família em 2003, num ano em que a gente não tinha condição de fazer nada. Em 2004, eu não tive coragem de vir a São Paulo no 1o de maio. O [Luiz] Marinho estava num caminhão, na avenida Paulista, e me ligou: “Lula, vem pra cá, nós vamos fazer uma festa pra você”. Eu disse: “não vou, Marinho, não vou, sabe por quê? Porque eu não estou bem comigo mesmo”. “Mas, por que você não vem?” “Marinho, eu não vou porque nós demos zero por cento de aumento para o salário-mínimo, porque nós não podemos aumentar o salário-mínimo.” Aí ele disse: “Mas aqui não vai ter problema”. “Marinho, não é por vocês, é por mim, eu não estou bem comigo, eu não vou participar do 1o de maio.” Eu estava arrasado. Eu cheguei a pensar: não vale a pena chegar a presidente e não poder dar aumento de salário-mínimo.
E possivelmente tenha sido essa atitude que tenha permitido a gente a dar mais nos anos seguintes. Nós criamos a normatização, e as coisas começaram a funcionar. Tudo que foi plantado foi nascendo no tempo certo, na hora certa.
Tivemos problemas com os companheiros, e não foi fácil. É muito difícil tirar gente do governo. O momento mais difícil é quando você tem que chamar alguém e falar: “Companheiro, olha, lamentavelmente eu vou precisar do cargo e você vai ter que sair”. É uma experiência muito complicada. Numa empresa é fácil, porque o dono da empresa não conhece o empregado. é um cara de terceiro escalão que manda em- bora, que contrata. Um funcionário de um ministério, tudo bem, mas um ministro? É o presidente que chama, o presidente que tira.
Foram oito anos que permitiram que a gente, ao concluir, pudesse dar de presente ao Brasil a eleição da primeira mulher presidenta. Essa foi outra coisa muito difícil de fazer. Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: “Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus”. E eu: “Companheiros, é preciso surpreender a nação com uma novidade. Fazer a mesmice, todo mundo faz. Agora vamos surpreender o Brasil com a novidade”.

O Brasil mudou nesses dez anos. E o senhor, também mudou?
Uma das coisas boas da velhice é você tirar proveito do que a vida te ensina, em vez de ficar lamentando que está velho. A vida me ensinou muito. Criar um partido nas condições que nós criamos foi muito difícil. Agora que o partido é grande, tudo fica fácil, mas eu viajava esse país para fazer assembleia com três pessoas, com quatro pessoas, com cinco pessoas. Saía daqui de São Paulo para o Acre pra fazer reunião com dez pessoas, para convencer o Chico Mendes a entrar no PT, para convencer o João Maia – aquele que recebeu dinheiro para votar na eleição do Fernando Henrique Cardoso e era advogado da Contag – para entrar no PT. Era muito difícil fazer caravana, viajar ao nordeste, pegar ônibus, ficar uma semana andando, fazendo comício ao meio-dia, com um sol desgraçado, explicando o que era o PT para que as pessoas quisessem se filiar.
Eu mudei. Mudei porque eu aprendi muito, a vida me ensinou demais, mas eu continuo com os mesmos ideais. Só tem sentido governar se você conseguir fazer com que as pessoas mais necessitadas consigam evoluir de vida. As pessoas precisam somente de oportunidade. Tendo oportunidade, todo mundo pode ser igual. Pode ter um mais inteligente que o outro, mas não tem ninguém burro. As pessoas só precisam de uma chance. E nós começamos a fazer isso. Não é que o trabalho esteja terminado, não. Ou seja, você não muda gerações de equívocos em apenas uma geração. Precisa de um tempo para você fazer. O caminho está correto e está bem.

E o PT mudou?
Existem dois PTs. Um é o PT congressual, parlamentar, o PT dos dirigentes. E outra coisa é o PT da base. Eu diria que 90% da base do PT continua igualzinha ao que era em 1980. Ela continua querendo um partido que não faça aliança política, mas ao mesmo tempo sabe que, para ganhar, tem que fazer acordos políticos. É uma base muito exigente, muito solidária e ainda desconhecida de parte da elite brasileira que conhece o PT superficialmente. O PT é muito forte no movimento social. O PT é muito forte no interior deste país. E nem sempre essa fortaleza se apresenta na quantidade de votos.
E tem o PT eleitoreiro. E, hoje, ou nós fazemos uma reforma política e mudamos a lógica da política, ou a política vai virar mais pervertida do que já foi em qualquer outro momento. é preciso que as pessoas compreendam que não só a gente deveria ter financiamento público de campanha, como deveria ser crime inafiançável ter dinheiro privado nas campanhas; que você precisa fazer o voto por lista, para que a briga se dê internamente no partido. Você pode fazer um modelo misto – um voto pode ser para a lista, o outro para o candidato. O que não dá é para continuar do jeito que está. Sinceramente, não dá para continuar do jeito que está.

Por quê?
A eleição está ficando uma coisa muito complicada pro Brasil. no mundo inteiro. no Brasil, se o PT não reagir a isso, poucos partidos estarão dispostos a reagir. Então o PT precisa reagir e tentar colocar em discussão a reforma política. Eu tentei, quando presidente, falar de uma Constituinte exclusiva, que é o caminho: eleger pessoas que só vão fazer a reforma política, que vão lá [para o Congresso], mudam o jogo e depois vão embora. E daí se convocam eleições para o Congresso. O que não dá é pra continuar assim.
Às vezes tenho a impressão que partido político é um negócio, quando, na verdade, deveria ser um item extremamente importante para a sociedade. A sociedade tem que acreditar no partido, tem que participar dos partidos.

O PT não mudou necessariamente para melhor?
O PT mudou porque aprendeu a convivência democrática da diversidade; mas, em muitos momentos, o PT cometeu os mesmos desvios que criticava como coisas totalmente equivocadas nos outros partidos políticos. E esse é o jogo eleitoral que está colocado: se o político não tiver dinheiro, não pode ser candidato, não tem como se eleger. Se não tiver dinheiro para pagar a televisão, ele não faz uma campanha.
Enquanto você é pequeno, ninguém questiona isso. Você começa a ser questionado quando vira alternativa de poder. Então, o PT precisa saber disso. O PT, quanto mais forte ele for, mais sério ele tem que ser. Eu não quero ter nenhum preconceito contra ninguém, mas eu acho que o PT precisa voltar a acreditar em valores que a gente acreditava e que foram banalizados por conta da disputa eleitoral. é o tipo de legado que a gente tem que deixar para nossos filhos, nossos netos. é provar que é possível fazer política com seriedade. Você pode fazer o jogo político, pode fazer aliança política, pode fazer coalizão política, mas não precisa estabelecer uma relação promíscua para fazer política. O PT precisa voltar urgentemente a ter isso como uma tarefa dele e como exercício prático da democracia. Não tem de voltar a ser sectário como era no começo.
Eu lembro que companheiros meus perderam seu emprego numa metalúrgica, montaram um bar, mas quiseram entrar no sindicato e não puderam. “Você não pode entrar porque é patrão”, diziam. O coitado do cara tinha só um bar! A coitada da minha sogra, a mãe do marido da Marisa, a mãe do primeiro marido da Marisa (eu sou o único cara que tive três sogras na vida e uma que não era minha sogra; era sogra da minha mulher, por conta do ex-marido dela, que eu adotei como sogra), a coitada tinha um fusquinha 1966 que era herança do marido. E ela ganhava acho que 600 – naquele tempo era como se fosse um salário-mínimo de hoje – de aposentadoria, mas gostava de andar bem-vestida. Ela chegava à reunião do PT e o pessoal falava: “Já veio a burguesa do Lula”.
Tinha um candidato a vereador que queria dinheiro para a campanha e eu falei: “Olha, eu não vou pedir dinheiro para a campanha. Se você quiser, eu te apresento algumas pessoas”. Daí ele disse: “não, mas eu não quero conversar com empresário”. Falei: “Então você quer que um favelado dê dinheiro para a tua campanha?”. Eu já fiz campanha de cofrinho. Eu já fiz campanha de macacão em palanque. Na campanha de 1982, a gente ia ao palanque, antes que eu falasse, fazia propaganda das camisas, dos bótons, de tudo que a gente vendia. E a gente vendia na hora e arrecadava o dinheiro para pagar as despesas daquele comício.

Acabou o sectarismo e acabou a campanha militante?
Sim, esse tempo acabou, não existe mais. hoje, uma campanha na televisão custa muito caro, as pessoas não querem mais trabalhar por idealismo. As pessoas querem salário. Por quê? Porque cada vereador, cada deputado tem em seu gabinete cinco, seis, dez, quinze, vinte pessoas trabalhando. O cara do bairro fala: “Por que eu vou trabalhar de graça? Eu também quero o meu”. Então, vai ficando tudo cada vez mais difícil e eu diria até mais banal.
Meus três filhos mais velhos foram criados dormindo nas calçadas de Santo André, São Bernardo, São Paulo, São Caetano, Mauá, organizando esse partido. Era gente na rua fazendo um carrinho de som com uma corneta, convencendo as pessoas a assistirem ao PT, e a Marisa e outras mulheres vendendo camiseta. Elas faziam na hora as camisetas e vendiam. Era difícil, mas era uma coisa bonita. Era uma coisa muito bonita e muito honrosa de fazer. Isso diminuiu muito, sobretudo nos grandes centros urbanos. E o PT tem o compromisso de tentar restabelecer um pouco dessa coisa da política brasileira. E, diga-se de passagem, Rui Falcão tem feito um trabalho excepcional.

Qual o papel da burocracia na administração? Nesse sentido, tem a história da ponte da comunidade quilombola, que o senhor tentou resolver ainda no governo Mário Covas...
Eu fui visitar em 1993 uma comunidade quilombola [em São Paulo] e vi crianças indo de barco para a escola num rio muito caudaloso. O Mário Covas era o governador e eu fui até ele pedir que construísse uma ponte, uma pinguela, qualquer coisa, para que as crianças não tivessem mais que atravessar o rio para ir à escola. Em 2003, eu assumi a Presidência e a ponte ainda não existia. E aí eu falei: “Eu quero uma ponte”. Então, contratamos o exército para ficar mais barato, mas ainda assim essa ponte levou oito anos para ser construída. Agora está pronta.
A burocracia é um problema. Primeiro, nós temos que levar em conta que a burocracia é competente na defesa dos seus interesses. Ela pode não ser competente na defesa dos interesses de quem está no governo, mas na defesa dos interesses da burocracia ela é competente.
Eu fiz uma analogia que é o seguinte: o governo é um trem. A burocracia é a estação. Então, de tempos em tempos, vem um trem, vem outro, o do PT buzinando mais, soltando mais fumaça, mas a estação está lá, sempre. Os burocratas estão lá. Tem o cara que vende bilhete, o cara que assina não sei o quê, o cara que fica olhando. Eles estão lá. O trem vai embora. Aí vem outro trem, buzina menos, faz menos barulho, gasta menos energia. A máquina está lá. Quer dizer, a máquina não muda. O trem muda. Toda hora passa uma máquina nova e a estação está lá.
O que faz um funcionário público? O governante toma algumas decisões e o que acontece com um funcionário burocrata que está lá há 25 anos? Principalmente agora, com todo esse sistema de denúncias? O funcionário fala: “Esse cara vem dizer que eu tenho que fazer isso? Esse cara só tem quatro anos no governo e eu já tenho 25. Se eu fizer uma coisa errada, vou ser processado, vou ter que contratar advogado e meus bens ficarão indisponíveis; e, quando eu for embora, ninguém nem vai se lembrar de mim. não vou fazer coisa nenhuma. Vou deixar aí. O tempo passa logo”.

Como vencer essa barreira?
No governo, criamos uma coisa chamada toyotismo. Era um gabinete em que colocávamos todo mundo envolvido num determinado assunto. Vamos supor, nós íamos discutir a ponte do rio Madeira, então, era chamado o ministro dos transportes, o ministro do Meio Ambiente, o Iphan, a Funai, o ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento, a Advocacia Geral da união. Era chamado todo mundo que tinha alguma coisa a ver, direta ou indiretamente, com aquela obra, para que todo mundo dissesse, na sua área, como é que estava o andamento. Se eu chamasse só o ministro do transporte e me colocasse de acordo com ele, quem tinha que conversar com a Fazenda era ele sozinho. E o ministro da Fazenda dava um chá de cadeira nele de três meses. Ele tinha que conversar com o Planejamento, ele tinha que conversar com o Iphan, ou seja, ele tinha que fazer uma trajetória de conversar com um por um, quando todos poderiam estar numa mesa. E a gente dava prazo: “Em quinze dias queremos uma solução, em vinte dias queremos uma solução”. E ainda assim as coisas demoravam... Imagina se não fizesse isso.

Sem isso, seria uma tarefa quase impossível concluir obras?
Sim, pelo menos no mesmo mandato. Por exemplo, eu sou presidente e discuto e decido uma coisa com um ministro, que anunciamos para a imprensa. Aí o ministro sai do meu gabinete, vai ter que conversar com o Guido Mantega33. Aí o Guido vai marcar audiência quando puder. Ele conversa com o Guido, acerta tudo, mas vai ter que passar pelo Planejamento. Aí vai ao Planejamento. “Olha, mas tem um problema no Iphan.” Vai ter que ir ao Iphan. Depois, surge um problema no Meio Ambiente. Ali está com um problema sério, não vai passar, tem que ir ao Ministério do Meio Ambiente. Aí o ministério fala: “não é comigo, é com o Ibama”. Vai ao Ibama. E quando tudo dá certo, vem a licitação, vai ao Ministério Público. Quando tudo dá certo, uma empresa perde e entra com uma ação contra a outra. E pronto. Passou o mandato e você não fez as coisas. é muito complicado. Hoje, nenhum governante faz um projeto grande, licita e conclui a obra num mandato de quatro anos. Não é possível.

Isso também coloca o desafio de formar o quadro da gestão governamental?
Planejamento. Não existia uma sala de planejamento de projetos estratégicos no país.
Isso acabou no governo Collor. Ele acabou com o Geipot, por exemplo, que tinha mais ou menos esse formato. Foi apenas no PAC que nós colocamos dinheiro pra fazer projeto. O Brasil tinha desmontado as empresas estatais que faziam planejamento. Fazia vinte anos que não se fazia projeto neste país.
Também é preciso mudar a lei de licitação. Se eu contar, parece piada. Pergunta para o então ministro da Saúde, [José Gomes] temporão, quantos anos demorou para aprovar a compra de um kit dentário para crianças em leilão eletrônico. Um kit bucal! Como não se pode estabelecer num leilão referência de qualidade, aparece qualquer tipo de coisa e qualquer um que perde entra com processo, suspende, é um negócio maluco. E quantas canetas esferográficas que não funcionam são compradas num leilão? Quanta coisa é comprada? Quantas empresas ganham licitação e desistem da obra três, quatro meses depois, porque não têm fôlego para fazer? O critério não pode ser o menor preço. A gente aprende desde que nasceu: o barato sai caro. É preciso que se coloquem os cérebros para pensar. O Paulo Bernardo tentou fazer uma mudança, não sei se está no Congresso. Alguma coisa tem que ser feita para agilizar a administração pública deste país.
Então, fica mais fácil fazer concessão. A iniciativa privada faz o que bem entende, sem 90% dos empecilhos que tem o governo. Aí passa essa ideia que apenas na má- quina pública tem corrupção. Vai fiscalizar a máquina da iniciativa privada para ver como é. Há equívocos que precisam ser esclarecidos.

O senhor se frustrou por não ter reformado o Estado?
Nós começamos o governo com uma coisa importante, que foi a Reforma da Previdência no setor público. Muita gente foi contra, muita gente boa até ficou contra, mas, convenhamos, mesmo na nossa casa a gente não consegue viver, se tiver que gastar o mesmo para um filho que está na ativa e para o outro que está inativo.
Na máquina pública, há situações em que você tem mais aposentados do que ativos. E, ao dar um aumento real para quem está na ativa, você é obrigado a dar o mesmo aumento real para o inativo, quando você deveria dar reposição salarial para os aposentados e aumento real para quem trabalha. Mas vai dizer isso...
Não é possível continuar assim. Nós mudamos a lei, mas não é fácil. Nós tentamos fazer a Reforma trabalhista. Criamos uma comissão de trabalho, onde estavam a CUT, a Força Sindical e os empresários. Eles sempre chegam quase próximos a um acordo, mas não se acertam. Eu dizia para eles: “Vocês tratem de se acertar, porque não é o governo que vai fazer, não. ninguém precisa ganhar 100%, mas se coloquem de acordo e construam alguma coisa”.
Eu penso que é plenamente possível fazer mais coisas para reformar o Estado. Mas não é a reforma que a elite brasileira quer que se faça, o tal Estado mínimo. Quem quer melhorar a educação, precisa colocar mais professor, mais funcionário. Não tem como melhorar a educação sem contratar, a não ser que você queira melhorar apenas para uma pequena elite. Mas se você quiser levar a universidade para todo mundo, levar escola técnica para todo mundo, tem que contratar mais professores, mais funcionários. Se você quiser melhorar a saúde, tem que ter mais médicos. Onde você vai demitir para cortar gastos, como os chamados neoliberais querem? Se você quiser ter uma Polícia Federal mais eficiente, vai ter que contratar mais gente. Se você quiser ter a Receita Federal mais eficaz, vai ter que contratar. Existem postos na fronteira do Brasil que não têm gente. Eu falava com o Guido: “Está precisando colocar gente lá”. O Guido falava: “Mas não tem funcionário”. Então, a máquina será mais eficiente quanto mais gente eficiente e gente para ocupar todos os postos tivermos, senão ela não vai a lugar nenhum.
Mas faço uma ressalva: eu também me surpreendi com a qualidade das pessoas que estão na administração pública. Gente muito competente e que muitas vezes vai embora, porque ganha pouco. O salário é muito pequeno. Teve um aumento agora, mas não teve aumento para o pessoal mais qualificado. E sem eles, a máquina não funciona.

O que o senhor lamenta dessa última década?
Se tem um cidadão que não pode reclamar dos últimos dez anos, sou eu.

Um livro sobre os 10 anos dos governos que transformaram profundamente o Brasil não poderia deixar de dar a palavra a seu principal protagonista, aquele sem o qual esse processo não teria sido possível e, menos ainda, ter logrado tamanho êxito. Luiz Inácio Lula da Silva é um político prático, intuitivo, que busca a resolução concreta dos problemas. Foi em boa medida graças a essa capacidade que se desenvolveu no país um complexo processo de articulação política que tornou viável a prioridade do social e a promoção de políticas igualitárias, a soberania externa e a recuperação do papel ativo do Estado na construção dos direitos cidadãos.
Esses avanços são analisados neste livro e interpretados por Lula na presente entrevista, realizada na sede do Instituto Lula, em São Paulo, em 14 de fevereiro de 2013. Traz contribuições para compreender uma década fundamental na história brasileira. Ajuda-nos a interpretar, pela visão de quem foi e continuará sendo uma das figuras mais destacadas da política mundial no século XXI, conjuntura de excepcional riqueza na luta pela construção de uma nação mais democrática e justa.
Que dados terá a sua disposição um historiador que pretenda analisar o governo Lula no futuro, além dos publicados pela mídia tradicional?
Quando faltava um ano, um ano e pouco para acabar o meu mandato, decidi que iria registrar em cartório tudo que o meu governo fez. No dia 15 de dezembro [de 2010], a Miriam Belchior, que coordenou esse processo, registrou em cartório todas as atividades do Ministério do Planejamento, da Economia, da Pesca, tudo. Por quê? Porque, eu queria contar um pouco a história deste país. Eu aí falei aos ministros: “Vão ter que registrar em cartório, porque, se vocês mentirem, não será para mim. Vocês estarão cometendo falsidade ideológica”. São seis volumes. Estão em letrinhas peque- nas. Está tudo muito bem-feitinho, tem a assinatura de todo mundo. Se você quer saber o que nós fizemos para combater a corrupção, está aí; o que nós fizemos na área da Educação, está aí; o que nós fizemos na área do transporte, está aí [...]. Dia 15 de dezembro nós fizemos um ato público (para lançar o balanço de governo). Está tudo na internet. Antes, a gente não conseguia encontrar a agenda do Sarney, do Collor, do Fernando Henrique Cardoso, do Itamar. Não se sabia o que eles faziam. Nós passamos a registrar a agenda. Eu lembro que um dia uma CPI mandou um ofício para o Gilberto Carvalho perguntando se eu tinha me encontrado com o presidente de um banco tal. Aí eu disse ao Gilberto: “Fala para eles procurarem na internet. Está lá minha agenda”. A gente passou a tornar pública a atividade do governo. Por que tinha que ser segredo de Estado? E eu falei: “Então nós vamos registrar, para ficar na história”. Quando uma universidade quiser pesquisar, vai saber como foi tratado o assunto. Foi um trabalho de cão fazer isso: exigir que os ministros cumprissem, pois há sempre uns mais organizados que outros. A exigência de registrar em cartório era para eles serem verdadeiros com eles mesmos.
Qual o balanço que o senhor faz dos anos de governo do PT e aliados?
Esses anos, se não foram os melhores, fazem parte do melhor período que este país viveu em muitos e muitos anos. Se formos analisar as carências que ainda existem, as necessidades vitais de um povo na maioria das vezes esquecido pelos governantes, vamos perceber que ainda falta muito a fazer para garantir a esse povo a total conquista da cidadania. Mas, se analisarmos o que foi feito, vamos perceber que outros países não conseguiram, em trinta anos, fazer o que nós consegu




#

Perfil do Neonazista Brasileiro

Aos 15 anos, fui ameaçada por um skinhead que estudava no mesmo colégio que eu. Recebi um recado dizendo que, se eu não tirasse o bóton antinazi da minha mochila, ele iria rasgá-la no meio do pátio e me pegar na porrada. Convicta dos meus princípios punks na época, achei que não deveria tirá-lo. Passei a ser fuzilada pelo olhar do moleque nos intervalos. Depois, fiquei preocupada e acabei jogando o tal bóton no lixo. Estávamos no final de mais uma temporada escolar. Coincidência ou não, no ano seguinte o cara caiu exatamente na minha sala. Excluídos do rolê das pessoas normais, acabamos nos aproximando por conta da forçação de barra dos professores que insistem para que os alunos façam trabalhos em dupla. Lembro de interrogá-lo o dia todo, tentando dirimir minhas dúvidas sobre o tipo de merda que ele tinha na cabeça. Toda semana ele aparecia com um hematoma novo e sempre escrevia na mesa que “cearenses eram ratos”.  Anos depois, nos reencontramos e ele estava se formando como policial militar. Uma memória indelével.

Tentando entender os neonazistas brasileiros contemporâneos, conversei com a antropóloga Adriana Dias, doutoranda da UNICAMP que há 11 anos se dedica ao tema. Depois de se deparar com o fato de haver neonazistas na terra do Lampião, a antropóloga pegou gosto pelo assunto e resolveu partir para a pesquisa acadêmica. Ela fez um mapeamento do neonazismo no Brasil, estudando como esses grupos se mobilizam na internet. Segundo sua pesquisa, existem 150 mil simpatizantes por aqui. Não divulgamos fotos da Adriana porque ela já recebeu ameaças de morte. Então, leia a entrevista abaixo para entender como ela chegou a esses números e que diabos essas pessoas fazem desta sujidade que chamamos de vida. 

VICE: Algum fator específico faz um jovem se sentir atraído pelos pensamentos neonazistas?
Adriana Dias: O jovem brasileiro que é atraído por esse grupo é aquele que tem algum problema familiar e de relacionamento. Tanto é que a grande maioria das famílias, quando descobre que tem um filho neonazista, diz: “Nossa, eu jamais imaginei”. Muitas vezes as famílias mal sabem que o adolescente tinha a tatuagem de uma suástica nas costas, por exemplo. São jovens que têm graves problemas familiares e de sociabilização, e eles procuram nesses grupos a resposta a por que eles não dão certo na vida. Nos grupos, é dito que eles não dão certo porque alguém já ocupou o lugar que seria deles. Isso é uma grande preocupação da antropologia. O neonazista acredita que existe um lugar natural para a raça branca que é a liderança sobre as outras raças. A mídia, segundo o neonazista, é toda judaica, pois construiu um perfil de um negro quase herói no Brasil – porque ele vence no esporte, na música. Então é preciso destruir o judeu e o negro — é preciso eliminar a ameaça nordestina para que o natural, que seria o lugar do jovem ariano, se recupere. É uma paranoia construída atrás da outra. 

De acordo com suas pesquisas, qual é a média de adeptos por aqui?
Depende do que vamos chamar de adeptos. Eu faço muita diferença entre dois grupos: o primeiro é aquele que lê material neonazista com frequência, que é o simpatizante. Esse é neonazista. Ele está contaminado. Ou seja, ele baixa mais de 100 arquivos de 10 a 100 mega. Ninguém baixa mais de 100 arquivos com textos sobre a importância da raça, sobre como construir bombas, sobre a inferioridade dos negros, a não ser que esteja fazendo uma pesquisa. E não tem quase ninguém pesquisando o tema. Então, quem baixa esse material com certeza é simpatizante. São 150 mil pessoas baixando esse volume de material no Brasil, o que é um número muito assustador. E você vai ter 10% disso que são os líderes realmente. São pessoas que fazem passeatas, que saem na pancadaria, que exigem que os outros façam pancadaria, que ameaçam pessoas, que volta e meia fazem proselitismo na rede e que tentam, de alguma forma, coordenar o restante dos grupos. E tem os 10% desses 10% que são as pessoas que já passaram todos os limites possíveis e de quem a polícia já está atrás.

Dentro desses números, você sabe dizer se eles têm curso superior, trabalham?
Temos três perfis antropológicos. Não dá para trabalhar com um perfil só. Tem o perfil de liderança, que é o cara entre 25 e 30 anos com nível superior completo, muitas vezes pós-graduado, razoavelmente bem sucedido na vida, que está a fim de coordenar os grupos menores. Tem o jovem, entre 18 e 25 anos, que é o prosélito. E tem o perfil feminino, que é muito diferente dos outros dois porque os grupos femininos são construídos para apoiar os grupos masculinos, no sentido de providenciar formas financeiras, dar apoio emocional. É um grupo totalmente à parte. Até porque a mulher não é vista como líder intelectual, mas como um aparelho reprodutor. Mulher, para eles, é uma coisa mínima. 

O maior número de neonazistas ainda predomina na região sul do país?
Lá os grupos são mais densos. Os maiores crimes aconteceram lá, mas não necessariamente entre descendentes de alemães. A pesquisa demonstra que o estado de maior concentração é Santa Catarina, depois Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e Minas Gerais. 

Quando o punk começou a ganhar adeptos no país, os nazistas eram os caras que iam às ruas dar porrada. A internet mudou o comportamento deles?
Na verdade, a internet intensificou esse comportamento na medida em que ela permite que as pessoas troquem muita informação entre si sem que a gente consiga localizar esses que vão às ruas para bater. O número de crimes homofóbicos no Brasil está absurdo, mas eles não são considerados como crimes de ódio. São tidos como lesão corporal, tentativa de homicídio ou como homicídio já realizado. Não tem como separar do crime comum o crime que teve demanda racial, demanda de ódio de um nordestino, de gays.

E qual é o tipo de ação deles na internet? O que eles fazem?
Eles disponibilizam informações. Vejo crianças de oito anos de idade citando Hitler nas redes sociais. Do tipo: “Quero ser rebelde, então vou citar Hitler”. Isso é extremamente preocupante. 

E qual é o tipo de ação deles fora da internet?

 Normalmente, eles têm rituais de iniciação que envolvem agressões físicas. Mas eles também têm reuniões de treinamento paramilitares, reuniões de ideologia, eles produzem material. Existem vários zines neonazistas publicados no Brasil por esses grupos. Obviamente, eles se reúnem para produzir. 

Qual é a maior discordância entre os grupos brasileiros?
Aqui no Brasil, a maior discordância é para ver quem manda. O que rolou em 2009, no Paraná, era isso. Lideranças neonazistas brigando para ver quem mandava mais; se era o Barollo, filiado ao PSDB aqui em São Paulo, ou se era o Bernardo, de Minas Gerais. 

O cara que foi assassinado junto com a namorada?
Exatamente, em 2009. Então, assim, essa é a grande discussão deles. Quem manda mais, qual é o plano para tomar o poder no país. E muitos neonazistas hoje estão entrando para o Partido Arena. 

Que partido é esse?
Um partido novo que aceita alguns grupos nacional-socialistas. Se você vir o vídeo da fundadora do partido no YouTube, vai notar que ela assume que está aceitando nacional-socialistas no partido. 

Existe uma distinção forte de ideias? Por exemplo: aqueles que não gostam de negros, mas toleram nordestinos, ou coisas do tipo?
Alguns grupos aceitam mulatos, principalmente em São Paulo. No sul do país é mais difícil. Eles permitem a participação de mulatos, mas é para colocá-los nas linhas de frente, para eles serem presos. É uma estratégia muito clara. Até para depois eles poderem dizer que não são racistas. É uma estratégia muito bem pensada, inclusive. 

por  Débora Lopes 
Vice

Siga a Débora Lopes no Twitter: @deboralopes
Mais sobre neonazistas:
O Triunfo da Vontade: Ser Nazista no Lugar Errado
SP: As Ruas Não Estão Olhando
Por Dentro do Schwarze Schar
Escapando do Passado Neonazista

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Nem guitarra rosa nem som vagabundo

“O som tá uma merda porque é meu. Eu alugo. Desculpem o atraso” – assim começou e esse foi o tom da apresentação da Tody´s Trouble band no Saloon, sábado passado. Detalhe: o ex-gordinho estava lindo, com uma camisa de mangas compridas estilosa, suspensórios e gravatinha borboleta. Escudado pelos comparsas Demétrio na guitarra (não era rosa) e o excelente Romão na bateria, fez um grande show, sem grandes problemas – só satisfação. Que o diga Isabela Raposo, que não parava de dançar.

O Saloon é um novo espaço que vem abrindo suas portas para as bandas alternativas de Aracaju – aqui não cabe tergiversação, pois qualquer banda que fuja do figurino reggae/arrocha/mamãe eu vou tocar num evento de Fabiano Oliveira, em Aracaju, é, definitivamente, ALTERNATIVA. Montou um esquema que tem dado certo: é semi-aberto – a maioria do povo fica na rua, mas há pequenos espaços cobertos no próprio bar e numa marquise de uma oficina ao lado, para o caso de chuva – e não cobra nada, nem ingresso nem “couvert”. Você só paga pela bebida, e é a bebida, imagino, que paga tudo, inclusive os cachês – quero crer que eles existam, por menor que sejam – das bandas. Dá certo porque com bebida o povo não regula: consome! E dando certo atrai, inclusive, garotas bonitas. Haviam várias delas lá. Algumas, inclusive, perfeitamente vestidas no clima da noite, estilo pin ups dos anos cinqüenta.

A Tody´s Trouble Band é, provavelmente, a melhor coisa que aconteceu no cenário alternativo da cidade nos últimos tempos. E é lindo assistir ao surgimento de uma banda nova e tão boa assim, quase que do nada, e vê-la evoluir a cada apresentação. Estão afiadíssimos e com um repertório impecável que mescla excelentes composições próprias – que já estão se tornando pequenos hits da cena local – com versões bastante pessoais de clássicos que vão de “Bicho de sete cabeças” a “Beber até morrer”, dos Ratos de Porão. Tudo executado com muita empolgação, animação e pequenas doses de ironia “non sense” ao longo do percurso.

O grande momento da noite, a meu ver, foi a execução de um clássico absoluto da musica instrumental que eu nunca mais havia ouvido e de cujo nome/autoria não conseguia me lembrar. Perguntei a Tody e ele responde que era “O milionário”, dos Incríveis - na verdade uma versão para "The Millionaire", da banda inglesa (de Manchester!) The Dakotas. Mas a lista de momentos antológicos foi longa, tanto que fui vencido pelo cansaço e nem fiquei até o final - isso depois de uma hora e cacetada, já partindo para as duas horas de som ininterrupto.

No caminho para casa, com um grau de satisfação que só uma boa noite de bom rock and roll - ou de sexo - pode proporcionar, me vieram à mente algumas reflexões: estávamos num bairro periférico da capital do menor estado de um país do terceiro mundo, mas estávamos nos divertindo com uma banda de rock sensacional que, falo sem medo de me equivocar, não fica nada a dever e é, inclusive, bastante superior a boa parte do que é incensado pela imprensa “especializada”. Então foda-se o complexo de vira-latas! Existe vida diferente e inteligente para além dos “caos” e “infernos” do Baixo Augusta! Sem querer desmerecer a opção da verdadeira legião de conhecidos meus que têm abandonado o barco supostamente amaldiçoado por um cacique rancoroso, fico por aqui mesmo, e fico feliz. Cada um tem seu caminho a seguir, mas eu ainda acredito na máxima de um velho poeta que li uma vez mas não lembro quem era: o sentimento mais provinciano que existe é o desejo de sair da província”.

+ AQUI

A.

#

sexta-feira, 10 de maio de 2013

O terrorismo do capitalismo

Foto: Taslima Akhter / Divulgação.
Vivemos um tempo estranho. Um pastor maluco que acha que os negros são um povo amaldiçoado e que ser gay é uma espécie de doença contagiosa preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos deputados. E pessoas outrora "rebeldes" (mesmo que alguns, assumidamente, sem causa), como Roger,do Ultrage a Rigor, e Lobão, não têm o menor constragimento em fazer as mais absurdas e reacionárias declarações em público, como a de que a "ditabranda" (definição da Folha de São Paulo) apenas arrancou umas unhazinhas de terroristas bebedores de sangue que pretendiam implantar, eles sim, uma verdadeira ditadura (a do proletariado) no Brasil. Dentre eles, a atual presidente, Dilma Roussef.

Enquanto isso, em Bangladesh, o terrorismo patrocinado indiretamente pelo capitalismo segue fazendo vítimas. Trabalhadores da industria têxtil morreram soterrados entre etiquetas das grifes de grandes companhias multinacionais da moda, que estão transferindo para lá sua produção para aproveitar a mão de obra barata. A mídia noticiou a tragédia, que já contabiliza mais de 1.000 vítimas fatais, mas de forma bem menos intensa e comovida do que a explosão da bomba que matou 3 nos Estados Unidos, por exemplo.

Mais números para engrossar as estatísticas do "Livro negro do capitalismo", escrito em contraponto ao "Livro negro do comunismo". (wikipedia) Antagonicamente à obra O Livro Negro do Comunismo, O Livro Negro do Capitalismo não pretende apenas mostrar, como também quantificar as vítimas do sistema econômico em questão. O livro é composto por uma série de tópicos independentes, encomendados a distintos escritores, aos quais foram concedidas cartas brancas para escreverem sobre qualquer aspecto do capitalismo. Os tópicos abordados vão desde o tráfico de escravos africanos até a era financeira da globalização. Uma nota fornece uma "incompleta" lista de vítimas do século XX que Gilles Perrault atribui ao sistema capitalista. A lista - que inclui as guerras motivadas por interesses capitalistas - conta com um número estimado de 58 milhões de mortos na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais, além de mortes nas várias guerras coloniais, repressões, conflitos étnicos, e algumas vítimas de fome ou desnutrição, que leva a lista incompleta a uma soma de 100 milhões de mortes atribuídas ao capitalismo no Século XX.

(Rius) Sobre a foto acima: A fotógrafa e ativista bengalesa Taslima Akhter percorria os escombros do prédio em situação irregular que desabou em Savar, nos subúrbios de Daca, capital de Bangladesh, no dia 24 de abril, quando se deparou com o casal da foto acima. Desde então, essa foto a assombra. Não exatamente pelo que a imagem mostra à primeira vista, mas pelo que só é possível sentir quando se sabe o contexto que envolve a tragédia ocorrida em uma fábrica de roupas e cujo número de mortos já se aproxima de mil.

Em um texto publicado dia 8 no site da revista americana Time, Akhter afirmou que o que a aterroriza nessa imagem é, na verdade, sua capacidade de dizer o que muitas vezes é ignorado em acontecimentos dessa natureza em Bangladesh: o fato de que os operários que trabalham sob as péssimas condições oferecidas pela indústria têxtil do país não são apenas números. São seres humanos cujas vidas valem tanto quanto as de qualquer outra pessoa.

Não por acaso a Time classificou a foto tirada por Akhter como a "mais perturbadora" da tragédia em Bangladesh, a mais representativa de uma cobertura fotográfica marcada por imagens fortes, como é possível observar na galeria dispónível ao final desse texto.O site Terra entrou em contato com Akhter, que cedeu a imagem do "Abraço Final". Abaixo, a tradução do texto publicado na Time.
Eu venho fazendo muitas peguntas a respeito do casal que morreu abraçado após o colapso. Eu tentei desesperadamente, mas ainda não achei nenhuma pista a respeito deles. Eu não sei quem são ou qual a relação eles tinham.

Eu passei o dia inteiro do desabamento no local, assistindo aos trabalhadores serem retirados das ruínas. Eu lembro do olhar aterrorizado dos familiares - eu estava exausta mental e fisicamente. Por volta das 2h, encontrei um casal abraçado nos escombros. A parte inferior dos seus corpos estava enterrada sob o concreto. O sangue que saía dos olhos do homem corria como se fosse uma lágrima. Quando os vi, não pude acreditar. Era como se eu os conhecesse - eles pareciam ser muito próximos a mim. Eu vi quem eles foram em seus últimos momentos, quando, juntos, tentaram salvar um ao outro – salvar suas vidas amadas.

Cada vez que eu olho para essa foto, me sinto desconfortável - ela me assombra. É como se eles estivessem me dizendo, nós não somos um número - não somos apenas trabalho barato e vidas baratas. Nós somos humanos como você. Nossa vida é preciosa como a sua, e nossos sonhos são preciosos também.

Eles são testemunhas nessa história cruel. O número de mortos agora passa de 750 (nesta quinta-feira, já chega a quase 1000). Que situação desagradável nós estamos, onde humanos são tratados apenas como números.


Essa foto me assombra todo o tempo. Se as pessoas responsáveis não receberem a punição merecida, nós veremos esse tipo de tragédia de novo. Não haverá consolo para esses sentimentos horríveis. Cercada de corpos, eu senti uma imensa pressão e dor nas duas últimas semanas. Como testemunha dessa crueldade, tenho necessidade de compartilhar essa dor com todos. Por isso eu quero que essa foto seja vista.

Roupas de grife a custo baixo

Bangladesh é o país com salários mais baratos na indústria da roupa e por isso empresas de todo o mundo, incluindo da China, estão transferindo parte de sua produção ao país asiático, de acordo com a Campanha Roupa Limpa.

As companhias internacionais Primark, El Corte Inglês, Bon Marché, Joe Fresh e Benetton confirmaram produzir em alguma das empresas locais implicadas no acidente, e outras como a Mango tinham feito pedidos de prova nas oficinas.

Bangladesh se transformou no destino favorito para as grandes companhias de moda, desbancando a China e o Vietnã. O motivo é que seus salários estão entre os mais baixos do mundo. A indústria têxtil representa 80% das exportações do país asiático, e emprega quatro milhões de trabalhadores.

Os proprietários das quase 5.000 fábricas existentes formam uma poderosa elite que financia os dirigentes políticos e ocupa cadeiras no parlamento. Não é por acaso que o proprietário do edifício derrubado, que violava todas as normas de construção, foi um membro importante do partido no poder.

É certo que muitas das grandes companhias ocidentais que operam em Bangladesh assinaram acordos com os provedores para garantir as condições laborais dos trabalhadores. Nisso está sua reputação. Mas é óbvio que o sistema falha. Para ampliar seus benefícios, os fabricantes locais costumam subcontratar outras empresas ilegais que não cumprem as condições mínimas de trabalho.

http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2013/05/07/tragedia-de-bangladesh-e-a-maior-da-historia-superando-500-mortes-de-seul.htm 

(Wikipedia) O Bangladesh (etimologicamente, A Nação Bengali) é um país asiático rodeado quase por inteiro pela Índia, excepto a sudeste, onde tem uma pequena fronteira terrestre com Myanmar, e a sul, onde tem litoral no Golfo de Bengala. O país está listado entre as economias "Próximos Onze". A capital é Daca.

Bangladesh conquistou sua independência do Paquistão em 1971, depois da guerra civil de nove meses entre o Paquistão Ocidental e o Paquistão Oriental. De 1947 a 1971, a região onde hoje é Bangladesh foi o Paquistão Oriental. Mais da metade da população do Paquistão morava lá.

O nordeste da Índia tem fronteiras com Bangladesh em três lados. Muitos dos aspectos físicos e culturais de Bangladesh são partilhados com Bengala Ocidental, um estado da Índia vizinho ao país. Na verdade, Bangladesh e Bengala Ocidental formam uma região da Ásia conhecida como Bengala. Bangladesh é, às vezes, chamado de Bengala Oriental. O nome Bangladesh significa "nação de Bengala".

Bangladesh é o oitavo país do mundo em número de habitantes - cerca de 150 milhões em 2012. O rápido crescimento populacional trouxe um sério problema de superpopulação. Bangladesh é um pouco maior do que o estado brasileiro do Amapá, mas o número de habitantes é, aproximadamente, 220 vezes maior. Seus habitantes são chamados bengaleses ou bengalis.

Há muito tempo a região é caracterizada por uma grande pobreza. A maior parte de seus habitantes é composta de agricultores pobres que se esforçam para tirar seu sustento de pequenos lotes de terra. Muitos trabalhadores das cidades ganham apenas alguns centavos por dia. Cerca de 52,1% da população com mais de 15 anos não sabe ler nem escrever. 85% da população é composta de muçulmanos. A quase totalidade dos restantes compostas de hindus. Daca, a capital e maior cidade do país, é considerada uma das maiores cidades do mundo (em termos de população), tendo mais de sete milhões de habitantes residindo dentro de seus limites e mais de cinco milhões nas cidades e povoados periféricos.

Existe vida vegetal em abundância no clima quente e úmido de Bangladesh. A maior parte do país é composta por planícies baixas, fertilizadas pelas enchentes dos rios e cursos d'água que as cruzam. Os rios, durante a época das cheias, depositam solo fértil ao longo de suas margens. Mas muitas dessas enchentes também causam grande destruição nos vilarejos rurais.

A região atualmente conhecida por Bangladesh foi governada, em diversos períodos da sua história, por hindus, muçulmanos e budistas. Tornou-se parte do Império Britânico quando o Reino Unido, em 1858, assumiu o controle da Índia. Os sangrentos conflitos entre hindus e muçulmanos provocaram a divisão da Índia em duas nações — isso em 1947, quando a Índia se tornou independente. O Paquistão — formado pelo Paquistão Ocidental e Paquistão Oriental — foi criado a partir das regiões nordeste e noroeste. A maioria da população nas duas áreas é composta de muçulmanos.

Muitas diferenças, tanto culturais como econômicas, dividiam os habitantes do Paquistão ocidental e oriental. Em 1971 essas diferenças resultaram numa guerra civil e no estabelecimento do Paquistão oriental como uma nação independente — Bangladesh

#





quarta-feira, 8 de maio de 2013

ok, vou ...

Estupidamente caro! Mas vou. É a minha banda de rock favorita de todos os tempos, forever and ever, amem.

****************************************************************************
ATENÇÃO: Para os shows do Black Sabbath no Brasil a entrega/postagem dos ingressos comprados pelo telefone e pela internet será iniciada em 06 de junho, mesma data em que os ingressos estarão disponíveis para retirada.


Esse email não é válido como ingresso.

Seu cadastro em nosso site é: XXXXXXXX


Evento: Black Sabbath
Data: DOM 18:00 13-OUT-2013
Local:  Praça da Apoteose

R. Marques de Sapucaí, s/n - Centro

Rio de Janeiro RJ 20210-072
Setor xxxxx