domingo, 28 de julho de 2013

Hey, Ho, Let´s go – to read some books and other stuffs ...

One, two, three, four: “Commando” é a autobiografia de Johnny Ramone. Mostra de forma rápida, objetiva e suscinta, exatamente como se fosse uma música do Ramones,  sua trajetória de vida, suas preferências musicais e políticas e as conseqüências das escolhas que fez. Escolheu manter a banda na ativa e para isso comandou com mãos de ferro o séquito de desajustados que o redeava – sem perceber que ele também era, a seu modo, um desajustado. É assim que eu, pessoalmente, encaro um punk de direita anticomunista e fã de Ronald Reagan.

Fala dos primeiros shows, da primeira (e única) apresentação numa arena ao lado de ícones do Hard rock e do Heavy metal, quando foram hostilizados pela platéia, das tretas de rua, das gravações dos discos – com destaque para as já antológicas e conturbadas sessões de “end of the century” comandadas por Phil Spector - e de como se sentia um peixe fora dagua sempre que precisava sair dos seus amados Estados Unidos, “the land of the free and the home of the braves”.

Apesar de tudo, de todas as discordâncias que tenho quanto ao “american way of life” de Johnny, adorei a leitura e a recomendo vivamente a todos os fãs dos Ramones. Não precisamos todos pensar igual, afinal – muito pelo contrário, é saudável que pensemos de forma diferente e tenhamos a liberdade e a oportunidade de expressar nossos sentimentos.

Além do mais, a edição é primorosa: capa dura e miolo em papel couchê ricamente ilustrado com fotos e memobrabília.

COMMANDO – A autobiografia de Johnny Ramone

Excelente.

No México, entre admiradores norte-americanos
“TROTSKI – 1879-1921 - O profeta armado”, de Isaac Deutscher - “Vou ficar sabendo até a cor das cuecas que ele usava”, foi o que pensei ao empilhar os três volumes, com cerca de 600 páginas cada, da nova edição (de 2005) da megabiografia de Trotski cometida pelo jornalista e historiador judeu-polonês Isaac Deutscher na Inglaterra entre 1954 e 1963. E é por aí mesmo. A narrativa é detalhista e através dela ficamos sabendo, por exemplo, que o primeiro contato de Lev Davidovich Bronstein (seu nome de batismo) com o marxismo foi através de uma garota, única “intrusa” no “clube do bolinha” que ele mantinha para debater questões políticas durante a adolescência. O enfoque em seus anos de formação intelectual, nos quais rompe com a classe em que nasceu – seu pai era um grande proprietário de terras - ao tomar consciência das injustiças do mundo, é seguido pela descrição detalhada de uma de suas fugas espetaculares do exílio na Sibéria; sua liderança como presidente do Soviete de Petrogrado na Revolução de 1905, espécie de ensaio para 1917; seus infindáveis embates ideológicos com Lênin e com os companheiros das duas facções do Partido Operário Social-Democrata Russo, a Bolchevique e a menchevique, bem como os momentos dramáticos da guerra civil que se seguiu à revolução, quando, dentre outras façanhas, ele cavalgou em meio ao front para levantar a moral de seus comandados. A vida do biografado é riquíssima e a verve do autor é saborosa e de fácil digestão, o que faz com que o calhamaço, a princípio intimidador, seja devorado num piscar de olhos e nos deixe com gosto de “quero mais” – e felizmente há mais, já que a obra, como citado, é distribuída em 3 volumes.

O Comandante
A se destacar, também, a objetividade e a sinceridade do autor no retrato do biografado, não se furtando a revelar suas idiossincrasias, fruto, principalmente, de seu grande orgulho – muitas vezes resvalando na arrogância – intelectual. Esta característica faz com que, muitas vezes, se recuse a admitir seus erros, ao passo em que ataca impiedosamente os equívocos alheios. Tudo isso vai fermentando o caldeirão no qual Trotski será imolado, injustamente condenado apesar dos inúmeros acertos e do fato incontestável de que foi, ao lado de Lênin, o grande artífice da vitória em outubro de 1917, bem como da consolidação da revolução, ao criar, do nada, o poderoso Exército Vermelho, que chegou a reunir em suas fileiras cerca de 6 milhões de combatentes e derrotou 14 exércitos armados pelas potências capitalistas. Uma excelente pedida para quem quer ir além das falsificações grosseiras produzidas pelos stalinistas após a implantação do culto à personalidade, que transformou Lênin numa espécie de semideus infalível (e ele falhou, muitas vezes, como no episódio da tentativa de tomada da Polônia durante a Guerra Civil) e Trotski num eterno sabotador “menchevique” – no livro ficamos inclusive sabendo que ele, apesar de ter sido por quase toda a sua vida identificado como membro de tal grupo, estava muito mais para um pensador independente, empenhado durante muito tempo na união das duas facções do partido.

Com a mulher e o filho - e um cachorro.
Ainda de acordo com o livro, ao fim da guerra civil, com o país destroçado mas numa época em que a discussão e as discordâncias ainda não haviam sido sufocadas no interior do partido, ele lança algumas de suas propostas mais ousadas: a Militarização do Trabalho e a incorporação dos sindicatos à engrenagem do estado, como resposta radical à situação econômica desesperadora, marcada pela desorganização da produção e consequente desabastecimento; ou a flexibilização da economia, com o objetivo de desemperrar a produção - alternativa à rejeição da primeira proposta, considerada excessivamente autoritária. Ambas foram rejeitadas, o que faz com que ele "jogue a toalha" e vá cuidar de um setor especifico e importantíssimo, no caso, a recuperação das linhas de trem, no qual acaba implantando a militarização com excelentes resultados. 

O partido continua reunido e precisa decidir o que fazer. E cria a NEP (Nova Política Econômica), uma iniciativa estratégica que permitiu, temporariamente, a volta do comércio privado, com o objetivo de retomar a produção – basicamente as mesmas medidas propostas por Trotski anteriormente, mas que foram historicamente creditada ao gênio estratégico de Lênin. Posteriormente, várias das políticas aplicadas por Stalin em seus primeiros anos de governo foram descaradamente inspiradas nas idéias de Trotski. Pesa a favor deste, nesse caso, o fato de que suas soluções autoritárias foram concebidas num ambiente de desesperada luta pela sobrevivência do novo estado russo, cercado e isolado do mundo, e não tinham, a principio, a intenção de durar mais do que fosse necessário. Com Stalin, foram radicalizadas e transformadas em dogmas que serviram como base para a fundação de um estado totalitário. A pergunta que não quer calar – teria sido realmente tão diferente caso Trotski tivesse vencido a queda de braço com Stalin? – ficará eternamente sem resposta, já que, no final das contas, a revolução mundial, tão esperada e fundamental para a salvação da Rússia soviética, não aconteceu, o que fez com que a situação de isolamento do regime bolchevique se perpetuasse.

Este enfoque, certamente polêmico, embora embasado em ampla pesquisa e documentação, fez com que a biografia de Deutscher fosse injustamente questionada quanto à sua credibilidade, pois estaria excessivamente embebida na experiência pessoal do autor com o trotskismo, no qual militou de forma crítica, discordando de decisões importantes como a fundação da IV Internacional. Pesa também o fato de que ele não teve acesso a documentos importantes descobertos posteriormente, especialmente os que a Universidade de Harvard abriu apenas em 1980 e os que estavam de posse de Leon Sedov, seu filho, tidos como definitivamente perdidos mas descobertos pelo também historiador Pierre Broué em 1985. Broué escreveu uma nova biografia na qual  não só corrige supostos erros e imprecisões, mas se opõe a Deutscher no plano do julgamento político. Deutscher foi membro do grupo polonês da oposição trotskista, mas teve divergências com Trotski, às quais ele se refere en passant, no volume final da sua trilogia. Broué o acusa de "acertar contas" com Trotski, ao preço de certas concessões na leitura dos fatos. Em todo caso, a trilogia de Deutscher ainda é reconhecida como a principal obra já escrita sobre o líder comunista.

Por último: o termo “profeta”, utilizado nos títulos dos três volumes da obra, se refere à notável capacidade de Trotski em antecipar certos rumos que a história tomaria. Sua mais célebre “profecia” (ênfase nas aspas) se referia ao processo do "substituísmo" (a organização do partido substitui o partido, o comitê central substitui a organização do partido, o chefe substitui o comitê central), que se confirmou e gerou o stalinismo, a partir de decisões tomadas no bojo da teoria – e da “práxis” – leninista.

Excelente.

Tem como não se apaixonar?
“Jogos Vorazes”, de Suzanne Collins – Me surpreendi com a adaptação para o cinema desta aventura supostamente adolescente que se passa numa distopia futurista. Tanto que resolvi também ler os livros, algo que só faço quando acho que vale a pena mesmo. A verdade é que fiquei enamorado da personagem principal, Katniss Everdeen, vivida no cinema por Jennifer Lawrence ...

O livro tem boas idéias e promove uma eficiente reciclagem, reembalada para a juventude atual, de alguns conceitos já mostrados em clássicos do gênero (ficção científica distópica), além de funcionar, com sua narrativa aventuresca e cheia de suspense, como um ótimo passatempo. Isso porque consegue fazer com que nos identifiquemos com os personagens e torçamos por eles.

Aventuras despretensiosas podem render boa literatura – que o digam clássicos como “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson, e “Robinson Crusoé”, de Daniel Defoe. Não sei se é o caso aqui, mas eu curti. E me diverti.

Bom.

Não, não tem ...
“Em Chamas”, de Suzanne Collins – A continuação de Jogos Vorazes acompanha as desventuras de Katniss Everdeen e Peeta Mellark depois dos eventos descritos no primeiro livro. Mantém o ritmo aventuresco e desenvolve algumas das boas idéias apresentadas na primeira parte, mas não consegue escapar de uma desagradável sensação de reciclagem oportunista ...

Razoável.

“A Outra História do Mensalão – As contradições de um julgamento político”, de Paulo Moreira Leite – Coletânea de artigos publicados pelo jornalista Paulo Moreira Leite, então articulista da revista Época, que no calor dos acontecimentos conseguiu ir além da cobertura viciada e ideologicamente contaminada da grande mídia, expondo as contradições do que ele define, explicitamente, como “um julgamento político”.

Como literatura, é razoável: o texto é fluido e elegante, mas justamente por ser uma coletânea de artigos publicados à medida que os acontecimentos se sucediam torna-se repetitivo nas recapitulações, necessárias aos leitores da coluna/blog online, mas dispensáveis no livro. Quanto ao conteúdo, o autor conclui, basicamente, que a compra de votos que o PT teria feito não foi comprovada com casos concretos; que o desvio de recursos públicos não foi verificado pelas auditorias contábeis; que os empréstimos do PT assinados por José Genoino foram considerados autênticos pela Polícia Federal; que as centenas de páginas do inquérito da Polícia Federal não apontam José Dirceu como chefe de nada, muito menos de alguma quadrilha criminosa; que as sentenças foram no mínimo exageradas e que os acusados tiveram reduzido seu direito à defesa. Não nega o óbvio: houve crime, a utilização de caixa dois na campanha eleitoral. Apenas contesta a tese amplamente aceita da compra de votos, conhecida como “mensalão”, e os métodos adotados pelo tribunal para fundamentar as condenações, baseados na controversa tese do “domínio do fato”.

Para ser lido e passado adiante, na tentativa de furar o bloqueio do pensamento único hegemônico dos Merval Pereiras da vida ...

Muito bom.

“PUNK – Anarquia planetária e a cena brasileira”, de Silvio Essinger – Começando por enfocar a vida de Darby Crash, vocalista do Germs, de Los Angeles, e passando pelos principais tópicos do estilo, o jornalista Silvio Essinger traçou este que é, provavelmente, o principal documento escrito sobre o punk rock no Brasil.

O Capítulo 2, dedicado aos Sex Pistols, é uma pérola de síntese, com tudo o que você precisa saber sobre a grande banda inglesa. A partir dali, o livro prossegue traçando um panorama vivo e enxuto do desenvolvimento do estilo através do mundo, até chegar ao Brasil, na página 81 – de 206. A partir de uma análise a princípio correta mas um tanto quanto ingênua sobre a situação política do país na época, fim do regime militar, vai contando a história do punk por aqui, desde a contestadora vanguarda paulistana da MPB, apontada como precursora do movimento, até o final dos anos 1990, quando o estilo se abre a novas possibilidades estéticas com o chamado “forrócore” dos Raimundos – e, internacionalmente, com o “Digital Hard Core” do Atari Teenage Riot. Tudo isso passando, evidentemente, pelo auge do movimento em São Paulo, com suas tretas entre gangues, pela cena de Brasília, de onde surgiram grandes nomes do rock brasileiro safra anos 1980, e por um interessante enfoque na semi-esquecida cena carioca, resgatando nomes como o de “Tatu”, vocalista dos pioneiros do “Coquetel Molotov”. Por fim, o mais importante: não esquece o que acontecia no restante do país, indo inclusive além dos “arrozes de festa” Replicantes, no RS, e Camisa de Vênus, na Bahia, ao citar os pioneiros Devotos do Ódio e Câmbio Negro HC, de Pernambuco, Karne Krua (Sergipe) e Discarga Violenta (RN). Faltou falar dos Delinqüentes, de Belém do Pará, mas ok, ninguém é perfeito ...  

Nevermind the bollocks
Apesar do texto muitas vezes deslumbrado e ingênuo, numa tentativa aparentemente  forçada de identificação do autor com o universo retratado, é uma boa introdução ao assunto e uma espécie de “versão estendida” do clássico “O Que é punk”, de Antonio Bivar. Especialmente importante para um país como o Brasil, que ainda engatinha na publicação de livros dedicados à música em geral e ao rock and roll em particular.

Bom

“A Ira de Nasi”, de Mauro Beting e Alexandre Petillo – Primeiro livro que leio inteiramente na livraria, sem precisar comprá-lo. Leitura fluida e prazerosa, passa ligeiramente pela infância do biografado para então se ater ao que realmente interessa: o efervescente cenário artístico do underground paulistano do início dos anos 1980. Nasi estava lá e foi um de seus protagonistas. Transou com garotas punks de cicatriz na cara, fez shows antológicos, gravou discos que se tornaram clássicos e brigou. Muito.

O livro prossegue anos 90/2000 adentro acompanhando os altos e baixos da carreira do Ira!, ao mesmo tempo em que narra histórias surreais vividas pelo vocalista, como da vez em que ele se envolveu com uma garota cuja família se dedicava a um complô novelesco de proporções apocalípticas com o objetivo de colocar a mão em sua herança.  

Impressionante.

“Cumbuca” # 1&2, diversos – A Editora do Diário Oficial do Governo do Estado de Sergipe acaba de lançar uma belíssima revista dedicada à cultura. Publicada em papel de alta qualidade e com uma diagramação que convida à leitura, traz um interessantíssimo mix de temas produzido por um belo plantel de colaboradores. Por exemplo: Sonia Maria Oliveira enfoca as obras de arte dos túmulos do Cemitério Santa Isabel; Luiz Antonio Barreto reflete sobre Aracaju entre obras de Tintiliano; eu dou uma geral no rock sergipano, “esse desconhecido”; Mário Jorge, cultuado poeta marginal dos anos setenta, comparece em texto de Laila Thaise; Aglaé Fontes fala do Mamulengo de Cheiroso e Luciano Correia da carreira Cult do filme “Sargento Getulio”, filmado em Sergipe há 30 anos com Lima Duarte, magistral, no papel principal. Tudo isso no número um. A segunda edição já se destaca pela capa, uma belíssima foto da Festa do Lambe-Sujo e Caboclinho clicada por Arthur Leite. Dentro, questões sobre a emancipação política de Sergipe, por Terezinha Oliva; “Sergipanidade, um conceito em construção”, mais um texto póstumo de Luiz Antonio Barreto; “Cultura contemporânea em questão”, por Luiz Eduardo Oliveira; uma ótima entrevista com o The Baggios “cometida” por Adolfo Sá; poesias de Maria Cristina Gama; Surf em Sergipe, por Grace Melo; protestantismo em Sergipe, por Ester Fraga Vilas Boas, e uma boa crônica de Amaral Cavalcante transformada em quadrinhos (fracos) por Edson Lima.

Uma grande iniciativa que merece todo o nosso apoio. Pra mim, particularmente, chega a ser um marco: Diletante inveterado que sou, esta foi nada menos que a primeira vez que recebi um cachê por algo que escrevi! Um marco pessoal ...

O único ponto negativo é o preço de capa, relativamente “salgado” ...

Muito boa.

“Se a vida fosse como a internet”,  de Pablo Carranza – Pablo Carranza é um competentíssimo cartunista sergipano que vem se destacando a olhos vistos nacionalmente com tiras divertidas desenhadas num traço elegante livremente inspirado no estilo de Alan Sieber. Nessa coletânea ele brinca com situações corriqueiras do mundo virtual imaginando-as transpostas para a “vida real”. Destaque para a última HQ, que mostra a indignação de uma Clarice Lispector desperta do além fula da vida com a profusão de citações falsas a ela atribuídas.

Leitura rápida, prazerosa e descompromissada.

Excelente.

“Liberty Meadows”, de Frank Cho – Passou injustamente batido por aqui o lançamento, via HQM, de uma caprichada edição nacional (com direito a “formatão” e sobrecapa) das sensacionais tiras do quadrinhista Frank Cho. Tudo se passa num fantasioso santuário para animais onde apenas os humanos, mais especificamente a psiquiatra veterinária Brandy Carter e seu desajeitado eterno pretendente Frank Mellish, são retratados de forma realista, inclusive nos desenhos. Todo o resto é insano e cartunesco.

Imperdível.

“Silas Verdugo, o Homem do patuá – Parte 1 – Sob o signo da Besta-Fera”, de Eduardo Cárdenas – Brilhante homenagem do excelente desenhista sergipano Eduardo Cárdenas a um personagem obscuro das HQs de terror brasileiras dos anos 1970, quando era publicado na clássica revista “Spektro”. Foi publicado apenas na internet, em formato PDF, e você pode conferir a primeira parte clicando aqui.

Muito bom

“Camelot 3000”, de Mike W. Barr e Brian Bolland – Um daqueles clássicos que valem a pena ser revisitados periodicamente. Me remete diretamente aos meus 15 anos, quando lia as histórias avulsas no mix da revista “Superamigos”. Marcou época, especialmente pela arte magistral de Bolland, mas também pela engenhosa trama repleta de situações inusitadas – e ousadas - saídas da mente de W. Barr. Relendo tudo assim, de uma vez só, e numa idade mais madura, percebemos como a série cresceu à medida em que era produzida – os capítulos finais são bem mais rebuscados, politicamente, inclusive, que os primeiros.

Clássico.

“Ataques Registrados – O Guia de sobrevivência a zumbis”, de Max Brooks e Ibrain Roberson – Interessante adaptação para os quadrinhos da célebre obra de Max Brooks, um dos responsáveis pela nova onda de zumbis que toma conta do mundo. Faz um inventivo apanhado imaginário de registros históricos de ataques zumbis através do tempo e ao longo da história, de 60.000 AC a 1992 DC, passando pelo tempo do império romano, dos grandes descobrimentos, pela remota Sibéria de 1583, pelo Japão feudal, Caribe, Norte da áfrica dominada pela França – um dos melhores episódios, envolvendo um cerco à Legião Estrangeira no meio do deserto – pela Rússia soviética e, finalmente, o Parque nacional Joshua Tree, nos Estados Unidos contemporâneo.

O bom ilustrador, Ibraim Roberson, é brasileiro

Bom.

“Os Mortos-Vivos” # 9, 10 e 11 – de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn – Depois do clímax com a batalha contra os homens do Governador, a série de Robert Kirkman experimenta um promissor recomeço e, incrivelmente, não deixa a peteca cair: a qualidade continua “top”, tanto nos roteiros quanto no enredo e na arte. As edições 9 e 10 são boas, especialmente a décima, que mostra o retorno de Rick e seu filho Carl à cidade em que moravam, quando resolvem conferir o que teria acontecido a Morgan e Duane, as primeiras pessoas que Rick encontrou quando saiu do coma no início da série. O encontro, como era de se esperar – os roteiros de Kirkman não deixam muito espaço para grandes esperanças – não é muito agradável ...

Mas a grande surpresa está reservada para a décima primeira edição, que começa com um dilema moral insolúvel resolvido de forma surpreendente por um personagem insuspeito e termina numa orgia de violência da qual os sobreviventes irão custar a se recuperar, psicologicamente. Isso se um dia conseguirem, porque o bagulho desta vez foi, realmente, punk.

Interessante notar como, em “Os Mortos-Vivos/The Walking Dead”, o verdadeiro terror está no comportamento dos vivos diante de situações-limite advindas da destruição do verniz civilizatório. Assustador – porque real!

Imperdível.

“Antes de Watchmen – Coruja”, de J. Michael Straczynski, Andy Kubert e Joe Kubert – Alan Moore pediu para que os fãs mantivessem distancia, mas eu sou teimoso – e curioso – então comprei e li. Uma história razoável muito bem desenhada. E é só. Realmente, não chega aos pés da obra original – nem eu sequer cogitei que chegaria.

“Antes de Watchmen – Espectral”, de Darwin Cooke e Amanda Conner – Começa bem, com as desventuras de uma típica adolescente com sede de liberdade tentando se desvencilhar das garras de uma mãe controladora, mas depois fica meio bobo, com uma trama passada na São Francisco dos anos 1960. Sexo, drogas, rock and roll, gírias fora de moda e um vilão meio equivocado com um plano ridículo - ele quer usar ácido lisérgico para induzir a juventude ao consumismo desenfreado! Ousa na abordagem da liberação sexual, oferecendo um interessante contraste entre o tema e a forma meio ingênua como é apresentada, especialmente por conta dos desenhos detalhistas e elegantes mas com um tom infanto-juvenil de Amanda Conner.

Valem como curiosidade. 

“Fábulas”, de Bill Willingham – Mais uma série que recomeça depois de um clímax apoteótico – e segue bem sua jornada. Na décima terceira edição do encadernado acontece um brilhante e divertidíssimo crossover com a revista derivada do João das Fábulas em que todos – inclusive o revisor e suas deliciosas filhas – têm que se unir contra uma ameaça maior.

Excelente.

“João das Fábulas”, de Bill Willlingham – Seguem divertidíssimas as aventuras de João das Lorotas e seus amigos, no mínimo, esquisitos – destaques para a “Falácia Patética” e para o boizinho azul que vive divagando. O último encadernado, “O Grande livro da guerra”, é especialmente imperdível – porque coloca João como um improvável general comandando a resistência ao ataque do Queimador de livros e porque prepara o terreno para o sensacional crossover com a revista original.

Excelente.

“The Boys”, de Garth Ennis – o insano escritor escocês tem uma produção irregular com piques de qualidade – e insanidade. É o caso da série “The Boys”, que narra as desventuras de uma equipe “turbinada” por um soro que lhes dá superpoderes temporários que eles usam para disciplinar super-heróis dementes, amorais e indecentes. Diversão, sexo e violência a dar com o pau. O primeiro encadernado, “O Nome do jogo”, é sensacional, digno do que de melhor já foi produzido por Ennis – e isso inclui nada menos que “Preacher”, uma de minhas séries favoritas de todos os tempos. Já o segundo, “Mandando ver”, é “apenas” bom.

Muito bom.


“Ex Machina”, de Brian K. Vaughan – Terminou muito bem, em termos de qualidade da trama, a saga de Mitchell Hundred, o prefeito super-herói de Nova York. Uma grande surpresa aguarda quem acompanhar a série até o final. Uma surpresa que porá em cheque uma série de noções sobre o que é, afinal, certo, e o que é errado, neste terreno eternamente pantanoso da política. Faz pensar, e isso é bom.

Perturbador.

“Y, O Último Homem”, de Brian K. Vaughan – Está quase chegando ao fim, aqui neste fim de mundo – as revistas com distribuição setorizada estão chegando cada dia mais atrasadas por aqui – quando chegam! - a saga de Yorick Brown, o último homem. Tem mantido o pique, o que me dá esperanças de que o final não será decepcionante.

Muito bom.

“Frankenstein, Agente da S.O.M.B.R.A.”, de Jeff Lemire – Interessante reinserção do clássico personagem de Mary Shelley no universo dos quadrinhos de super-heróis. Tem algumas boas – e bizarras – idéias, mas se perde no roteiro confuso.

Dispense.

“Sweet Tooth – Depois do apocalipse”, de Jeff Lemire – Já aqui, num trabalho evidentemente mais autoral, Lemire se sai bem com uma trama que não inova, mas é muito bem conduzida e prende a atenção do leitor. É a história de um menino mutante que vive numa reserva isolada do mundo com seu pai – neste ponto a trama lembra bastante a do filme “A Vila”, de  M. Night Shyamalan. Aos poucos, ele vai tendo que descobrir – porque é descoberto – os prazeres e perigos do mundo ao lado de um cara durão de moral duvidosa.

Muito bom.

“X-O Manowar”, de Robert Venditti – Venderam este aqui como a mais nova renovação dos quadrinhos de super-heróis, mas o que eu vi foi mais do mesmo, feito com competência mas sem brilhantismo. Lembra o início da Image. O mix se completa com “Harbinger”, que tem um argumento ainda mais banal – a velha história de jovens com poderes psíquicos perseguidos por poderosas organizações secretas com objetivos obscuros.

Próxima, por favor ...

“Vertigo”, diversos – Evitei falar da revista mensal da Vertigo porque minha leitura dela vive atrasada. Mas posso dizer que gosto bastante de “Escalpo”, uma série que se passa numa reserva indígena decadente do oeste dos Estados unidos. E só, praticamente. “Vikings” era muito ruim, ainda bem que foi descontinuada. “Hellblazer” é irregular, assim como “Casa dos Mistérios” e “Vampiro Americano”. Já “Joe, o Bárbaro”, tem roteiro confuso, mas desenhos muito acima da média.

Na verdade nem sei porque compro a revista todo mês. Deve ser a mística do selo. A linha Vertigo passou tantos anos sendo publicada de forma capenga no Brasil que eu simplesmente não consigo ver uma revista deles na banca e não comprar ...

Razoável.

“Dark”, diversos – Na mais recente das inúmeras reformulações caça-níqueis do Universo DC os caras tiveram a controversa idéia de jogar alguns dos personagens que habitavam o selo Vertigo na continuidade “normal” da editora, o que significa, no mínimo, alguma interação com ícones pop como Batman e o Super-Homem. O resultado é irregular, mas bastante satisfatório em alguns momentos. Especialmente nas histórias do Homem animal, com roteiros criativos que beiram o grotesco e desenhos brilhantes. O mix se completa com o Monstro do Pântano, que se alterna entre boas idéias e pastiches dispensáveis; “Ressurreição”, que tem uma premissa interessante – muito embora a luta entre o céu e o inferno remeta diretamente às histórias do Spawn – mas se perdeu completamente nas últimas edições, com argumentos pra lá de sofríveis; Liga da Justiça Dark, uma improvável equipe de super-heróis com poderes sobrenaturais, que também começou bem mas descambou para o quebra-quebra sem sentido presente na esmagadora maioria das histórias do estilo; e, por fim, “Eu, o Vampiro”, que fez o caminho inverso – começou sem dizer a que veio mas deu uma melhorada, muito embora ainda tenha um longo caminho a percorrer antes de ser considerada uma série, pelo menos, razoável.

Curioso que tanto a Liga da Justiça Dark, cuja trama é sofrível, quanto Homem Animal, que é bem legal, são escritas pela mesma pessoa – Jeff Lemire.

Irregular

A.

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domingo, 7 de julho de 2013

DILASCERANTE!

Mopho
Sabe aquele momento em que não dá pra segurar e você se pega com os olhos marejados e tomado pela emoção em público, no meio de um show, por causa de uma música? Aconteceu comigo sexta-feira passada, no CHE. O Mopho estava no palco e, com requintes de crueldade, dilacerou nossos corações ao emendar duas de suas mais emocionantes composições: “A Carta”, do primeiro disco, e “Quanto vale um pensamento seu”, do último. Foi foda. As letras me remeteram diretamente à distancia de uma pessoa muito querida e eu não consegui me conter. Espero que ninguém tenha notado, porque eu “tenho que manter a minha fama de mau” ...

Aquele foi apenas um dos pontos altos de uma apresentação perfeita. Durante cerca de duas horas, os alagoanos mataram a saudade do público sergipano com um desfile de grandes canções, algumas delas já verdadeiros clássicos do rock nacional, como “O Amor é Feito de Plástico”, “A Música Que Fiz Pra Você”, “Uma leitura mineral incrível” e “Não mande flores” – esta última com um belo riff de guitarra que remete diretamente ao Led Zeppelin.

Plástico Lunar
A Mopho, no palco, é uma banda concentrada e avessa a grandes firulas ou arroubos perfomáticos. Impõem-se apenas pela qualidade de sua música e pelo nível técnico de seus componentes. Só que na sexta passada a entrega foi tanta que eles se agigantaram de forma impressionante em relação às outras apresentações que eu já havia visto – em Recife, no Abril pro rock, no Rock Sertão, em Nossa Senhora da Glória, e aqui mesmo, em Aracaju. Foi, de longe, o melhor show que vi deles e um dos melhores que já presenciei em toda a minha vida. Em formação “quase original”, estão afiadíssimos. O novo baixista é um monstro! Toca muito. Hélio Pisca (bateria) é perfeito no acompanhamento, assim como Marco Túlio (violões de 6 e 12 cordas e guitarra) e Leonardo Luiz (teclado) – este, de tão concentrado em suas funções, parecia um membro do Kraftwerk! Total “Die Mensch-Maschine“ ...

Necronomicon
Quem mais impressiona, no entanto, é realmente João Paulo, o front-man. Contido, econômico, mas como toca! E como canta! Levando-se em conta que ele é, também, um dos principais compositores, o cara é tão talentoso que beira a genialidade. E tem uma pegada personalíssima, firme porém classuda, na guitarra, qualidade que fica ainda mais evidente quando a banda resolve entregar de bônus para a platéia uma sequencia de covers matadora para encerrar a noite. Começaram resgatando uma pérola setentista, da época em que cantores brasileiros se dedicavam a compor baladas em inglês - "We say goodbye", de Dave McLean - e emendaram com clássicos do rock do naipe de Jimi Hendrix, Led Zeppelin, The Doors e Black Sabbath. Nem precisava: o público já estava pra lá de ganho e tinha acompanhado com devoção todo o repertório autoral. Foi apenas uma pequena catarse para lavar a alma e completar aquela noite perfeita.

pessoas
Perfeita porque, além da mopho, se apresentaram a Plástico Lunar e os também alagoanos da Necronomicon. A Plástico veio acompanhada de seu antigo guitarrista, Rafael Costelo, e de Julico, da Baggios, também ex-integrante. Fez a festa do gargarejo com outra sequencia de composições que já podem constar tranquilamente entre os anais do cancioneiro roqueiro tupiniquim. E Julico faz a diferença: vai ser difícil pros caras substituí-lo à altura! Mas boto fé que conseguem. São talentosos o bastante para isso. Destaque para Odara, aniversariando ...

Já a Necronomicon chegou de mansinho, como quem não quer nada, e sapecou uma surra de riffs de guitarra poderosos e levadas de bateria e baixo desconcertantes no ouvido dos que chegaram cedo para prestigiá-los. Não se arrependeram, a julgar pelo assédio que sofreram depois de sua apresentação: a toda hora vinha alguém parabenizálos, merecidamente, pela perfomance arrasadora. Seu som, calcado no que de melhor foi feito em termos de rock "pesado" nos anos 1970, é ao mesmo tempo simples e elaborado, cheio de variações de andamento e arroubos vocais improvisados. Com direito, inclusive, a um sensacional solo de bateria, aclamado por todos. E uma música nova, executada pela primeira vez naquela noite. Já é uma grande banda, com um grande potencial a ser ainda explorado, tendo em vista que, se comparada à mopho e à plástico, têm um longo caminho a trilhar ...

A vinda da Necronomicon foi uma iniciativa do programa de rock. Agradecemos a todos que acreditaram e prestigiaram o show de abertura. Eles estarão de volta em agosto, quando têm uma apresentação marcada para o dia 17, em Itabaiana.

NÃO PERCA !!!!

a.


quinta-feira, 4 de julho de 2013

A Arte de Apollonia Saintclair

Apollonia Saintclair é apenas um pseudônimo para uma artista ou um artista que prefere não revelar sua identidade, mas, independente disso, não podemos deixar de notar seu talento. Os desenhos são sempre em preto e branco, o que permite realçar as sombras e a silhueta feminina, que é sempre retratada nas obras. Apollonia Saintclair já é um dos maiores nomes quando se fala de desenhos eróticos, ainda que seja uma artista muito recente, ela conquistou popularidade em 2012 postando sua arte na sua página do  Tumblr.

Os desenhos trazem consigo muito da cultura pop, do trash e dos conceitos de sagrado. Em seu Tumblr é possível ver várias freiras sendo personagens de cenas quentes. O pouco que sabemos a seu respeito vem da recente entrevista que deu à jornalista parisiense Adeline Wessang. Suas influências declaradas são Milo ManaraMoebiusDa Vinci e Caravaggio, entre outros.

Suas obras não se reduzem à simples representação pictórica do corpo feminino: muitos de seus desenhos sugerem histórias nas quais as imagens retratadas por Apollonia são “capturas” de momentos sensuais.
“A criação é uma tentativa de descrever o indescritível: tentar conferir uma forma tangível a uma intuição abstrata.”
Isso foi o que disse Apollonia na entrevista. A imaginação necessária para isso viria da leitura de autores como Jorge Luis Borges, H.P.Lovecraft, Richard Matheson, Gustave Flaubert, Frank Herbert, Henry Miller e Anaïs Nin.
“Tinta é meu sangue, desenho para meu próprio bem e para meu prazer.
[...]
Residente de longa data do velho mundo, divido meu tempo entre a cozinha e meu estúdio.”

O que nos faz imaginar se não estamos, na verdade, diante de um nerd gordinho, esperto o suficiente para saber o apelo que há na ideia de uma mulher que reproduz com precisão o imaginário erótico masculino. Mas isso importa?
A escolha por criar apenas obras em preto-e-branco, como afirmou, origina-se não só da influência dos quadrinhos em sua vida, mas, também, de uma decisão bastante inteligente:
“Para aprender, devemos reduzir o leque de possibilidades.”
Além disso, “preto-e-branco é um nível adicional de abstração que me permite concentrar nos fundamentos do desenho, como silhueta, sombras, geometria, etc.” Mas, em termos de transgressão, Apollonia vais mais longe e aproveita-se do anonimato para brincar com a religiosidade ocidental. Talvez não seja por acaso que seu pseudônimo faça alusão a Guillaume Apollinaire, poeta e escritor francês que, em 1907, publicou o romance erótico Les Onze Mille Verges (As Onze Mil Virgens). O título satiriza a lenda das virgens que teriam acompanhado o martírio de Santa Úrsula, e a obra relata aventuras sexuais escabrosas em que rola sadismo, masoquismo, escatofilia, pedofilia, vampirismo, masturbação e sexo grupal.

“Uma das minhas histórias favoritas de Lovecraft chama-se precisamente “O Indizível”, afirmou Apollonia na entrevista concedida à Adeline Wessang. Ela refere-se ao conto “The Unnamable“, publicado em 1925 pelo autor americano. “Ao longo da história”, continua a artista, “o narrador de Lovecraft fala, com certo deleite, sobre um horror inominável, sem jamais conseguir, mesmo quando o horror acaba por realmente se materializar, descrevê-lo em palavras.” Apesar dessa sua fonte inspiração, muito dificilmente será horror o que nós sentiremos ao ver as obras de Apollonia Saintclair.

por Victor Lisboa e Marina Milhomem

Fontes: Zupi & papo de homem