Num determinado trecho de "1984" de George Orwell, o personagem Winston Smith fica maravilhado ao ter em mãos o proibidissimo livro do inimigo numero 1 do Estado comandado pelo Grande Irmão, Goldstein (numa clara referencia a Stalin e Leon Trotsky). Ao lê-lo, Smith constata que "os melhores livros são aqueles que traduzem idéias que nós, no fundo, já sabíamos, mas não tínhamos capacidade para articulá-las de forma clara e objetiva". Meu "livro de cabeceira" atualmente, "Deus, um delirio", de Richard Dawkins, se encaixa perfeitamente neste perfil. Graças a ele, voltei a ser um "ateu militante", atitude que tinha abandonado por pura falta de saco para discutir idéias irracionais. Mas concordo com o autor de que a situação está ficando dramática, e torna-se necessário que os ateus "saiam do armário" para combater a atual onde de ataques fundamentalistas. Nesse quesito, ele presta um grande serviço, pois seu texto é bastante fluente e acessível. Não fosse pelo assunto espinhoso, que forçosamente encontrará resistencia entre as camadas populares e veiculos de midia de massa, Richard Dawkins poderia ser considerado um legítimo sucessor de Carl Sagan na árdua tarefa de popularização da ciência.
Você pode baixar o livro aqui, mas ler em papel é muito mais gostoso. Sentir o cheiro, a textura, o volume nas mãos ...
Agradeço imensamente a meu amigo de longa data Reinaldo por ter me dado esta oportunidade ao me emprestar seu exemplar.
Abaixo, um pouco do que tem sido dito a respeito de livro e de seu autor:
Num tempo de guerras e ataques terroristas com motivações religiosas, o movimento pró-ateísmo ganha força no mundo todo. E seu líder intelectual é o respeitado biólogo Richard Dawkins, eleito um dos três intelectuais mais importantes do mundo (junto com Umberto Eco e Noam Chomsky) pela revista inglesa Prospect. Autor de vários clássicos nas áreas de ciência e filosofia, ele sempre atestou a irracionalidade de acreditar em Deus e os terríveis danos que a crença já causou à sociedade. Agora, neste Deus, um delírio, ele concentra exclusivamente no assunto seu intelecto afiado e mostra como a religião alimenta a guerra, fomenta o fanatismo e doutrina as crianças.
O objetivo principal deste texto mordaz é provocar: provocar os religiosos convictos, mas principalmente provocar os que são religiosos "por inércia", levando-os a pensar racionalmente e trocar sua "crença" pelo "orgulho ateu" e pela ciência.
Dawkins despreza a idéia de que a religião mereça respeito especial, mesmo se moderada, e compara a educação religiosa de crianças ao abuso infantil. Para ele, falar de "criança católica" ou "criança muçulmana" é como falar de "criança neoliberal" - não faz sentido.
O biólogo usa seu conceito de memes (idéias que agem como os genes) e o darwinismo para propor explicações à tendência da humanidade de acreditar num ser superior. E desmonta um a um, com base na teoria das probabilidades, os argumentos que defendem a existência de Deus (ou Alá, ou qualquer tipo de ente sobrenatural), dedicando especial atenção ao "design inteligente", tentativa criacionista de harmonizar ciência e religião.
Mas, se é agressivo para expressar sua indignação com o que considera um dos males mais preocupantes da atualidade, Dawkins refuta o negativismo. Ser ateu não é incompatível com bons princípios morais e com a apreciação da beleza do mundo. A própria palavra "Deus" ganha o seu aval na ressalva do "Deus einsteiniano", e o maravilhamento com o universo e com a vida, já manifestado em seus outros livros, encerra a argumentação numa nota de otimismo e esperança.
"Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem." - Richard Dawkins
"Em Deus, um delírio, a debilidade intelectual da crença religiosa é desnudada sem piedade, assim como os crimes cometidos em nome dela." - The Times
"Este livro é um apelo declarado para que não nos acovardemos mais." - The Guardian
"Richard Dawkins é nosso ateu mais brilhante." - The Spetactor
Tradução:Fernanda Ravagnani
Richard Dawkins
Nasceu em Nairóbi, Quênia, em 1941, e cresceu na Inglaterra. Formou-se pela Universidade de Oxford e deu aulas de zoologia na Universidade da Califórnia em Berkeley. Em 1995, também em Oxford, ocupou a cátedra de Compreensão Pública da Ciência, então recém-criada. Recebeu inúmeras homenagens e honrarias, incluindo o prêmio da Royal Society of Literature em 1987, o premio Michael Faraday em 1990, o premio Cosmos Internacional para Realizações nas Ciências Humanas em 1997 e o premio Shakespeare em 2005. Publicou O gene egoísta (1989, Itatiaia/Edusp) e O rio que saía do Éden (1996, Rocco).
O aitolá dos ateus
Richard Dawkins é o líder de uma nova cruzada, desta vez contra Deus
Texto: Barbara Axt para a Revista Superinteressante, Edição 242, agosto de 2007
João reza todos os dias a uma chaleira de porcelana que está no céu, em órbita entre a Terra e Marte. Ele só namora moças que também acreditam na Chaleira e nunca usa camisetas verdes, pois isso é uma grande ofensa à Toda-Poderosa.
Renato, vizinho de João, acredita que o mundo foi criado por um gigantesco monstro voador feito de espaguete. Todo mês se encontra com um grupo de espagueteiros para cantar músicas sobre como o Monstro é bacana. Um belo dia, depois do café-da-manhã (sem pão, pois sua religião proíbe comidas feitas com farinha), Renato veste uma camiseta verde e sai para trabalhar.
Ao encontrar com ele, João fica muito chateado com sua roupa. Renato fica meio sem graça, afinal ele não é um seguidor da Grande Chaleira, e sim do Monstro de Espaguete. Mas promete que vai usar sua camiseta verde menos vezes.
Parece loucura? É mais ou menos assim que o zoólogo Richard Dawkins vê o mundo, com pessoas seguindo reli¬giões cegamente, obedecendo a regras sem sentido e acreditando em deuses e milagres sem ter evidência nenhuma.
Para expor esse ponto de vista o cientista inglês, professor de compreensão pública da ciência na Universidade de Oxford, publicou no final de 2006 “ Deus, um Delírio”. O livro, que chega este mês às livrarias brasileiras, é um grande manifesto ateu – mas, ironicamente, acabou se tornando um presente de Natal bem popular em países de língua inglesa. Nele,¬ Daw¬kins afirma que as religiões não são só coisas sem sentido, como monstros de espaguete voadores. Elas também são altamente prejudiciais à sociedade.
“Meu grande sonho é a completa destruição de todas as religiões do mundo”, dispara, com sua voz tranqüila, depois de dois minutos de entrevista. A Super conversou com o cientista em sua confortável casa de tijolinhos na cidade inglesa de Oxford onde, sentado no sofá e vestido como um perfeito inglês, de paletó, camisa social e colete de lã, ele completou o raciocínio: “Mas eu sei que isso é ambicioso demais. Na verdade, eu quero atingir as pessoas que estão em cima do muro. Pensando no assunto, talvez elas percebam que não são religiosas”.
Radical ateu
Dawkins é considerado um dos mais importantes intelectuais do mundo e um dos mais famosos divulgadores de assuntos científicos. Ele já publicou 8 livros, que venderam centenas de milhares de cópias e foram traduzidos em mais de 25 línguas, começando pelo best seller “O Gene Egoísta”, de 1976. O livro revolucionou a área de biologia evolutiva ao explicar a Teoria da Evolução de Darwin pelo ponto de vista dos genes. De acordo com sua perspectiva, a seleção natural não favorece os organismos mais adaptados à sobrevivência, mas, sim, os genes mais eficientes em se multiplicar. Depois que Darwin provou que os seres humanos não foram criados à imagem e semelhança de Deus – eles evoluíram a partir de animais mais simples –, Dawkins tirou os animais, as plantas e os seres vivos em geral do papel de protagonistas da evolução, afirmando que nós não passamos de máquinas de sobrevivência projetadas pelos genes. Agora volta sua bateria para Deus.
A maior parte das religiões afirma que estamos sendo acompanhados de perto por um ser superior e que isso dá sentido à nossa vida. Uma imagem tão confortante quanto sem sentido, na opinião de Dawkins. “Existe um propósito na nossa existência, que é a propagação do DNA. Pode não parecer muito nobre, porque não é o tipo de objetivo que as pessoas procuram”, explicou em uma entrevista à BBC.
Criado em um lar anglicano, Dawkins descobriu que era ateu aos 17 anos, quando se convenceu de que a Teoria da Evolução de Darwin explicava o mundo muito melhor do que qualquer religião. Mas, só agora, aos 65 anos, decidiu se dedicar de corpo e alma (ops!) a uma cruzada pela ciência e contra o obscurantismo. Seu objetivo é combater o poder crescente das religiões como forças absolutas e inquestionáveis – cita como exemplos o fundamentalismo islâmico e o que ele chama de talibã cristão nos EUA. “Supostamente os EUA são um Estado desvinculado de religião, mas George W. Bush está levando o país na direção de uma teocracia, dizendo que fala com Deus e que Deus lhe disse para invadir o Iraque”, afirma. Para combater esse tipo de atitude, criou a Fundação Richard Dawkins para a Razão e a Ciência, que “tem como objetivo defender a ciência contra os ataques da ignorância organizada”, definição que inclui tanto os defensores do ensino de criacionismo quanto as pseudociências (astrologia, homeopatia, ufologia etc.). A fundação pretende financiar pesquisas sobre a psicologia das crenças, apoiar a educação científica e ajudar a divulgação de idéias racionais.
Ele é o primeiro a reconhecer que suas opiniões são polêmicas. “Se você colocar meu nome no Google, vai encontrar um equilíbrio: há coisas muito negativas escritas por gente religiosa e coisas muito positivas escritas por gente não religiosa”, se diverte. Ocorre que até entre os ateus existe gente que discorda de suas idéias, como o físico brasileiro Marcelo Gleiser. “Acho que o Dawkins escreveu um livro provocativo para polarizar ainda mais as tensões entre ciência e religião, o que é inútil”, reclama. “As pessoas se sentem ameaçadas pela ciência, achando que ela vai ‘matar’ os deuses. É essa distorção que os cientistas devem combater, e não a fé. A ciência não quer roubar Deus de ninguém”, diz Marcelo.
Bem, não é bem isso que Richard Dawkins pensa. Ele discorda radicalmente da posição liberal de ateus como o paleontólogo Stephen Jay Gould, que afirmava que religião e ciência são assuntos que não se misturam e podem coexistir em paz, cada um ocupando partes diferentes da vida (e da mente) humana. Para Dawkins, isso não passa de duplipensamento, a técnica descrita por George Orwell no livro 1984: acreditar em duas coisas conflitantes ao mesmo tempo. No caso, o Gênesis e a Teoria do Big-Bang.
Em sua opinião, essa posição conciliadora mais atrapalha do que ajuda. Quem não se opõe abertamente às religiões ajuda, com sua omissão, a fortalecer o poder que elas já têm. Ainda assim ele nega que seja um radical: “As pessoas acham isso porque já se acostumaram a falar de religião sempre pisando em ovos”, argumenta. “É possível questionar e discordar de alguém sobre economia, esporte ou qualquer outro assunto. Quando se trata de religião, é proibido falar qualquer coisa.”
Em termos: as religiões vêm, sim, sendo questionadas em vários livros sobre ateísmo lançados recentemente. Dawkins faz parte desse movimento, ao lado de pensadores como os americanos Daniel Dennett (autor de Quebrando o Encanto) e Sam Harris (autor de O Fim da Fé). Em sua casa é possível ver várias dessas obras, que são citadas em Deus, um Delírio, pelas estantes, em cima das mesas e até mesmo no banheiro.
Movimento dos sem-deus
O cientista compara a situação dos ateus hoje em dia com a dos homossexuais nos anos 50. Para mostrar o preconceito contra as pessoas sem religião, ele cita uma pesquisa feita pelo Instituto Gallup em 1999. Segundo o levantamento, 95% dos americanos votariam em uma mulher para presidente, 92% em um negro ou judeu e 79% em um homossexual. Mas apenas 49% colocariam um ateu na Casa Branca. “Enquanto o número de judeus nos EUA é muito menor do que o de ateus, eles são muito mais poderosos, pois foram capazes de se organizar e criar lobbies políticos para defender seus interesses”, diz Dawkins. “Os ateus americanos, que são entre 20 milhões e 30 milhões, não fazem isso.”
Na verdade, é difícil até mesmo perceber que a quantidade é tão grande, porque muitos deles evitam manifestar publicamente sua ausência de crenças. “Muita gente veio me agradecer por ter escrito o que elas não tinham coragem de dizer”, se anima Dawkins. “Apesar de não ter escrito o livro pensando nessa conseqüência, agora eu acho que talvez a melhor coisa que ele pode fazer pelas pessoas é encorajá-las a sair do armário.”
Ao que parece, a porta do armário foi arrombada: uma pesquisa feita em 2006 pela companhia Harris Interactive mostra que menos da metade dos ingleses, dos alemães e dos espanhóis crêem em Deus ou em algum tipo de ser supremo. Na França, são apenas 27% da população. No Brasil os números ainda são bem diferentes, mas dá para perceber que alguma coisa está ocorrendo (apesar de o questionário do IBGE não incluir a opção “ateu”). No censo de 1991, o número de pessoas que disse não ter religião foi de 4,7%. Já em 2000 esse percentual foi de 7,4%.
Para Richard Dawkins, a pior coisa das religiões é a idéia de fé. A simples idéia de acreditar em algo que não pode ser provado é capaz de tirá-lo do sério – o que significa, para um britânico tão educado, levantar uma das sobrancelhas. “Fé é algo em que você acredita sem evidência. Pior: quanto mais absurdo o artigo de fé, mais virtuoso é o fato de se acreditar nele.” Dawkins crê que a aceitação de dogmas pode levar a sérios problemas. “Disputas entre crenças incompatíveis não podem ser resolvidas com argumentos racionais”, disse à revista online americana Salon. “Cientistas discordam entre si usando fatos e evidências para decidir quem está certo. Mas é impossível argumentar racionalmente se você simplesmente sabe que o seu livro sagrado contém a verdade absoluta dita por Deus, e a pessoa do outro lado pensa a mesma coisa sobre o próprio livro. Não surpreende que, ao longo da história, fanáticos religiosos tenham lançado mão de torturas, execuções, cruzadas, jihads e guerras santas.”
O teólogo e químico Alistair McGrath, que também é professor em Oxford, está lançando um livro em resposta a Deus, um Delírio, com o título de The Dawkins Delusion (“O Delírio de Dawkins”, sem tradução para o português). McGrath, um ex-ateu que se tornou religioso, acha que o colega apresenta as religiões de uma forma injusta. “Dawkins defende seus argumentos representando o cristianismo da pior maneira possível.” E provoca: “Concordo com Dawkins que é muito perigoso acreditar em alguma coisa sem investigar por conta própria. Mas acho que essa atitude de checar por si mesmo deve ser usada tanto para as religiões quanto para o próprio ateísmo”. Ainda que um consenso não esteja à vista, os dois têm opiniões muito parecidas em assuntos fundamentais: ambos apóiam a separação entre Estado e religião e são contra o ensino de criacionismo nas escolas, entre outras coisas.
“Acredito que é possível ter uma atitude crítica em relação às religiões. Eu costumo perguntar a alguns amigos muçulmanos onde no Alcorão está escrito que a violência, especialmente o terrorismo, é encorajada. E ninguém me responde, porque não existem esses trechos que legitimam a violência”, observa McGrath. “É essencial questionar o porquê das coisas, afinal a capacidade de fazer perguntas é muito importante para tornar o mundo um lugar mais seguro.” Uma opinião que não poderia gerar nenhuma reclamação do próprio Dawkins.
O plano assassino
Quando perguntado como poderíamos acabar com as religiões do mundo, a resposta de Richard Daw¬kins é bem clara: dando uma boa educação a todo mundo. Ele explica que o número de pessoas praticantes de religiões entre os mais educados é menor do que entre os menos educados. E cita uma pesquisa publicada pela revista Nature, mostrando que, entre os cientistas da Academia de Ciências dos EUA, mais de 90% são ateus ou agnósticos e apenas 7% acreditam em Deus.
“É importante ensinar que pensar é uma coisa boa, virtuosa. Todas as crianças deveriam ser estimuladas a pensar. E elas também não deveriam seguir automaticamente a religião de seus pais”, afirma. Ele acredita que as crianças deveriam crescer conhecendo um pouco de cada religião, inclusive sabendo que é possível não escolher nenhuma. E depois de crescidas escolherem que caminho tomar. “Não se deve atribuir automaticamente a religião dos pais a uma criança. Expressões como ‘criança católica’ ou ‘criança muçulmana’ deveriam nos dar arrepios. Ninguém fala em crianças marxistas ou neoliberais, por que com as religiões deveria ser diferente?”
Ou seja, o cruzado antideus é na verdade um defensor do conhecimento e da liberdade de escolha – além de um inveterado polemista. Radicalismos à parte, seu discurso prega que uma dose de bom senso melhoraria muito a situação. O ponto nevrálgico da causa de Dawkins é a adoção de uma separação real entre Estado e religião – isso significa a exclusão dos dogmas e pressões de religiosos na implementação de leis que regulam assuntos como aborto e homossexualismo, por exemplo.
Mas, no final das contas, se todo mundo tivesse acesso à educação, não se deixasse levar por fundamentalismos religiosos nem se metesse na maneira como os outros vivem sua própria vida, talvez não fizesse mais a mínima diferença se uma pessoa acredita em Maomé, numa chaleira sagrada, num monstro de espaguete ou em nada.
ATEÍSMO PARA PRINCIPIANTES
Como boa parte do pensamento ocidental, o ateísmo tem suas raízes na Grécia antiga. Mais exatamente nos filósofos materialistas, que só acreditavam na existência daquilo que pudesse ser percebido pelos sentidos (visão, olfato, tato etc.). O primeiro ateu célebre da história foi o filósofo Epicuro, que afirmou não acreditar na existência de Deus nem na vida após a morte. Séculos depois, suas idéias foram difundidas em Roma pelo poeta Lucrécio. A discussão morreu depois da queda do Império Romano, já que na Idade Média questionar a existência de Deus era suficiente para levar uma pessoa para a fogueira. O assunto voltou a público lá pelo século 16, quando surgiu o conceito de deísmo – a crença em um Deus, mas não em uma religião. Foi a deixa para que as pessoas começassem a questionar as religiões. Textos da Antiguidade Clássica foram resgatados e alguns filósofos, como Thomas Hobbes, foram preparando o terreno para o crescimento do ateísmo como o conhecemos hoje.
Esse novo pensamento possibilitou o surgimento dos Estados laicos (em que governo e religião são separados), como o francês. No final do século 19, havia uma crença disseminada de que um dia a ciência explicaria tudo no mundo e ninguém mais precisaria de religião. O filósofo alemão Nietzsche disse “Deus está morto”. Hoje já sabemos que matar Deus não é tão fácil e que as verdades científicas não fazem necessariamente as pessoas deixar de lado suas idéias religiosas. Apesar disso, o que não falta é gente tentando juntar ciência e religião “na marra”, como os defensores do design inteligente, que nada mais é do que o velho criacionismo vestido de ciência.
Deus, um Delírio
Richard Dawkins, Companhia das Letras, 2007.
O Fim da Fé
Sam Harris, Tinta da China, Portugal, 2007.
Quebrando o Encanto
Daniel Dennett, Globo, 2006.
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Do Site Jornal da ciência
JC e-mail 2777, de 30 de Maio de 2005.
Richard Dawkins: “A conquista de Darwin é universal e atemporal”
O zoólogo britânico diz que “um visitante extraterrestre certamente teria mais interesse em discutir as idéias de Darwin do que as de pensadores como Freud ou Marx, cujo trabalho é de interesse mais limitado, paroquial, "terreno"
Jerônimo Teixeira escreve para a revista “Veja”:
No início do ano, o zoólogo britânico Richard Dawkins, de 64 anos, visitou o arquipélago equatoriano de Galápagos, no Oceano Pacífico.
Estava seguindo os passos da excursão científica realizada em 1835 por seu herói intelectual – o naturalista inglês Charles Darwin, autor de “A Origem das Espécies”, obra que se tornou a base da biologia moderna ao lançar, em 1859, a idéia de que a vida evoluía por meio da seleção natural.
Autor de verdadeiros clássicos da divulgação científica como “O Gene Egoísta” e “O Relojoeiro Cego”, Dawkins é – ao lado do paleontólogo americano Stephen Jay Gould, que morreu de câncer em 2002 – um dos maiores propagandistas do darwinismo.
Seu novo livro, “O Capelão do Diabo”, que está sendo lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é uma coletânea de ensaios que dá uma boa amostra de sua paixão pela ciência – e de sua oposição à religião, tema de uma das seções mais incendiárias do livro. Por telefone, de seu escritório na Universidade de Oxford, onde leciona, o zoólogo concedeu a seguinte entrevista a “Veja”.
Veja – Passados quase 150 anos desde a publicação de A Origem das Espécies, qual a força do pensamento de Charles Darwin?
Dawkins – A conquista de Darwin é universal e atemporal. Os processos evolutivos descritos por ele devem acontecer em qualquer lugar do universo onde porventura exista vida. Em um dos ensaios de ‘O Capelão do Diabo’, afirmo que um visitante extraterrestre certamente teria mais interesse em discutir as idéias de Darwin do que as de pensadores como Freud ou Marx – a quem ele já foi comparado –, cujo trabalho é de interesse mais limitado, paroquial, "terreno". Quando releio Darwin, sempre me surpreendo com quão moderno ele soa. Considerando que suas concepções de genética estavam erradas, é impressionante como ele conseguiu acertar em todo o resto. Com um princípio básico, a seleção natural, o darwinismo é capaz de explicar uma enorme variedade de fenômenos complexos. É uma teoria muito elegante.
Veja – Pode-se dizer que o darwinismo é hoje uma teoria bem compreendida e assimilada?
Dawkins – Infelizmente, não. As pessoas pensam que o darwinismo é uma teoria do acaso, quando é na verdade a teoria que nos permite escapar ao acaso na biologia. Darwin não diz que organismos tão formidavelmente complexos quanto aqueles que vemos sobre a Terra surgiram de maneira fortuita. A seleção natural não opera cegamente: de geração em geração, ela preserva os genes que trazem vantagens e elimina aqueles que trazem desvantagens aos organismos. É assim, dessa forma gradual, que a evolução acontece. Muitos argumentam que a beleza e a complexidade da vida só podem significar que por trás dela há um projeto deliberado, um "desenho inteligente" feito por Deus. Não é assim: a alternativa para o acaso não é um "projeto", mas a seleção natural.
Veja – Hoje há um embate entre evolucionistas como o senhor e os criacionistas. Por que o senhor considera inaceitável a idéia de que a vida foi criada por Deus?
Dawkins – Postular a existência de um Deus que criou a vida é o tipo de idéia que só complica as coisas. É um raciocínio contraprodutivo, pois traz a necessidade adicional de explicar a existência desse ser. A partir de elementos muito simples, a seleção natural mostra como e por que a natureza abriga a imensa complexidade, a imensa variedade dos seres vivos existentes. Esse é o poder desse conceito. Com ou sem um ser divino no início de tudo, a seleção natural ainda teria a mesma capacidade de explicar o funcionamento da natureza.
Veja – Por que o senhor chama a religião de "vírus da mente"?
Dawkins – Isso está relacionado à idéia de meme, que lancei em 1976 no meu livro O Gene Egoísta. Cunhei o termo – que já foi incorporado pelo dicionário Oxford – em analogia com gene. Assim como os genes são unidades auto-replicadoras que passam de uma geração a outra, também os memes seriam capazes de replicar a si mesmos e passar de uma mente para a outra. Esse conceito é útil se explica por que uma idéia em particular se disseminou. Um meme pode ser uma idéia científica, uma melodia, um poema, e nesse caso ele se dissemina por seus méritos. A religião seria um memeplexo, isto é, um conjunto de memes que costumam florescer na presença uns dos outros, tal como acontece com certos complexos de genes. Mas, ao contrário dos bons memes, a religião não se dissemina porque é útil. Ela salta de uma mente para outra como uma infecção, ou como um vírus de computador, que só se propaga porque traz embutida uma instrução codificada: "Espalhe-me".
Veja – O senhor já observou que a ciência pode ser "religiosa, no sentido não sobrenatural da palavra". Poderia explicar essa expressão?
Dawkins – Eu não estava falando da religião que acredita em um Deus que ouve nossas preces. Einstein considerava-se religioso, embora não acreditasse em nenhum plano sobrenatural. Ele só usava a palavra "religião" para definir seu sentimento de espanto e mistério diante do universo. Eu empreguei a palavra no mesmo sentido em um ensaio, mas isso talvez não seja recomendável. Há muita gente ansiosa por deturpar formulações como essa. Muitos gostariam de trazer pessoas como Einstein para o bloco dos crentes, ao qual ele certamente não pertencia.
Veja – Um cientista não pode ser religioso?
Dawkins – Pode, e muitos cientistas são. Mas eu não consigo entender suas razões. Talvez seja um tipo de cérebro repartido: eles mantêm suas crenças religiosas em um nicho, e a ciência em outro. Tenho dificuldade em simpatizar com isso. Se eu mantivesse crenças contraditórias, tentaria refletir sobre o tema até me decidir por um lado ou outro.
Veja – O senhor afirma que evolucionistas não deveriam participar de debates públicos com partidários do criacionismo. Por quê?
Dawkins – Essa é uma proposta minha e do paleontologista americano Stephen Jay Gould. Pretendíamos escrever um texto conjunto sobre o tema, mas Gould morreu antes de revisar o esboço que apresentei a ele. Os criacionistas buscam esse debate para conquistar um verniz de respeitabilidade intelectual. Eles não têm esperança de "vencer" a discussão: querem apenas ser reconhecidos no mesmo palanque ocupado por um cientista de verdade. Por isso devemos evitar esses encontros.
Veja – Essa recusa não passaria a idéia de que os darwinistas são arrogantes ou temem o debate?
Dawkins – Talvez sim. É muito difícil lidar com esse problema. Gould e eu podemos estar errados, mas essa é a posição que tomamos, e, no momento, eu ainda a sustento. Talvez, para evitar o perigo de conferir status demais ao criacionismo, o ideal seria que apenas estudantes de pós-graduação ou mesmo de graduação participassem desse tipo de debate. Eles estariam tão capacitados quanto eu para refutar os criacionistas, cuja argumentação não é tão refinada assim.
Veja – A espécie humana não teria uma necessidade natural de religião?
Dawkins – Não creio que seja uma necessidade universal. Se a demanda é por reverência e espanto diante da vida e do universo, a ciência pode satisfazê-la. Se a demanda é por conforto diante da morte, então talvez a ciência não possa satisfazê-la. Seja como for, reconhecer que existam necessidades pessoais ou coletivas atendidas pela religião não equivale a dizer, de maneira nenhuma, que exista verdade nas concepções religiosas.
Veja – O senhor acredita que algum dia a humanidade possa viver sem religião?
Dawkins – Não por um longo tempo. E eu jamais proporia qualquer forma de proibição à atividade religiosa. A resposta está na atividade à qual me dedico: a educação. Quanto mais educação houver, mais teremos discussões racionais e pensamento inteligente, e mais difícil será para a religião sobreviver.
Veja – Há beleza na ciência?
Dawkins – A verdade é bela em si mesma. E existe uma elegância própria do conhecimento. Einstein comovia-se com a beleza das equações. Além disso, os fenômenos que biólogos ou astrônomos estudam – árvores, pássaros, estrelas – são belos em si mesmos. Lidar com eles é lidar com o belo.
Veja – Quando se discute bioética, a questão da clonagem humana é sempre levantada. Seria mesmo o problema mais importante hoje?
Dawkins – Não, não é um problema tão importante. As pessoas se opõem a essa idéia por razões variadas. Todas as tecnologias reprodutivas envolvem a morte de embriões, e há um preconceito religioso contra isso. Há quem reaja com nojo diante da idéia de clonagem humana. Imaginam, digamos, centenas de Saddam Hussein marchando no mesmo passo, o que de fato é uma perspectiva aterrorizante. Mas ela está calcada em idéias falsas como, por exemplo, a de que um clone não teria personalidade individual. Geneticamente, gêmeos idênticos são clones um do outro – e têm, como bem sabemos, personalidades independentes. Há muita mistificação sobre esse tema.
Veja – O senhor acredita que esse tipo de clonagem vá ocorrer?
Dawkins – Não com a tecnologia que temos hoje, que produziu a ovelha Dolly, um único clone, ao custo de muitos embriões perdidos. De qualquer forma, a criação de um clone humano nunca foi proposta seriamente. Propõe-se, isso sim, a clonagem de células-tronco, para propósitos médicos. As únicas objeções a isso, repito, têm motivação religiosa, e são estúpidas.
Veja – Devem-se impor limites ao conhecimento científico?
Dawkins – Questões sobre o que é certo ou errado não comportam verdades absolutas. São matéria de julgamento e ponderação. A ciência não pode decidir sobre esses problemas – pode apenas demonstrar incoerências nas posições que tomamos. A decisão, por exemplo, de proibir ou não o desenvolvimento de armas biológicas não é um problema científico. É algo que tem de ser discutido pela sociedade em geral – políticos, juristas, cidadãos.
Veja – O senhor já demonstrou entusiasmo pela idéia de que um dia talvez seja possível reconstituir geneticamente o elo perdido entre o ser humano e os outros primatas. Como seria isso?
Dawkins – O geneticista sul-africano Sydney Brenner propôs que um dia talvez possamos, a partir do genoma do homem e do chimpanzé, fazer uma projeção retrospectiva até nossos antepassados. Uma espécie de "média" entre os dois genomas seria próxima do ancestral comum de homens e chimpanzés, que viveu em torno de 6 milhões de anos atrás. Com esse código genético em mãos, talvez a tecnologia embriológica do futuro seja capaz de criar esse ser vivo, um espécime do nosso antepassado comum, o elo perdido. Teríamos vivo, respirando na nossa frente, um ser que é intermediário entre o homem e outra espécie animal. Um experimento desse tipo seria um duro golpe contra a arrogância humana. Isso poderia mudar o antropocentrismo da nossa ética e da nossa moral. Hoje, todos os intermediários estão extintos, o que fomenta a idéia falsa de que ocupamos um espaço à parte na natureza. A biologia atual não vê o homem como o pináculo da evolução. O darwinismo não faz valorações desse tipo. Quando um darwinista fala em um animal "melhor" quer dizer apenas melhor em reproduzir-se, em passar adiante sua carga de genes.
Veja – O senhor tem escrito muitos artigos criticando o presidente americano George W. Bush. Faz isso como cientista ou como cidadão?
Dawkins – Existem cientistas cujo interesse em política é tão dominante que acaba colorindo suas pesquisas, inclusive as mais técnicas. Creio que esse tipo de mistura não é aconselhável. Digamos que me pronuncio como um cidadão com um nível elevado de conhecimento científico. Bush não tem nenhum interesse em ciência, a não ser na medida em que ela possa ser usada para fins militares, e é uma ameaça ao meio ambiente, pela recusa em assinar o Protocolo de Kioto. O mundo seria um lugar melhor sem ele.
Veja – O senhor recentemente esteve em Galápagos, onde Darwin fez muitas observações que embasaram sua teoria. Ainda é um local privilegiado para observar a evolução?
Dawkins – Sim. As ilhas são muito novas, têm só 3 ou 4 milhões de anos, e nesse tempo limitado houve nelas uma diversificação de espécies fabulosa. É impressionante como os animais lá são pouco ariscos. Talvez porque tenha havido muito pouca predação, você pode caminhar até muito próximo deles. E eles não fogem. É como estar em um imenso zoológico a céu aberto, sem jaulas. Muito pouco mudou desde a época em que o jovem Darwin esteve lá, em 1835, perguntando-se exatamente sobre o "mistério dos mistérios" que era o surgimento de novas espécies. Embora o triunfo de Darwin pudesse ter sido gestado em qualquer lugar do universo, ele foi fruto de uma viagem de cinco anos ao redor do planeta, na qual Galápagos foi uma das escalas mais importantes.
(Veja, 1º/6)
segunda-feira, 25 de maio de 2009
sábado, 16 de maio de 2009
A Eterna Maldição do Cacique Serigy
Aperipê e Serigy eram os principais caciques das terras indígenas onde posteriormente foi criada a capitania de Sergipe D,El Rey. Derrotado este último, reza a lenda que ele lançou sobre seus algozes uma maldição que dizia que nesta terra nenhum fruto, de qualquer espécie, vingaria. Há quem diga que a praga é real e perdura até hoje. Alguns amigos meus fizeram um filme tendo como base esta lenda. Será lançado dia 20/5/2009, às 19:30h, na Sociedade Semear. Compareça, é de graça.
Eu assisti com exclusividade (ou não – não sei ao certo, mas tanto faz) a referida fita e gostei bastante. Esteticamente remete ao cinema marginal e ao cinema novo, de modo geral – o que quer dizer que tem CARA de cinema, e isso é muito bom – aliás, o material publicitário também tem “cara” de cinema, e é bem legal. A fotografia, talvez por conta da temática e dos cenários parecidos, me lembrou “Macunaíma”. Os diálogos são afiados e bem colocados – muito embora a dublagem seja totalmente fora de sincronia, segundo Alessandro “Cabelo”, propositadamente. Devo ressaltar que Estranho está muito bem no papel do Cacique, numa interpretação intensa e despojada. Incorporou. E é surpreendentemente bem-humorado, o filme – num dos treilers o narrador pomposamente fala que é uma aventura repleta de AÇÃO (e passam cenas de ação), SUSPENSE (cena de suspense), AMOR (e somos brindados com uma imagem em que uma mulher indigena de pernas para cima recebe estocadas do branco invasor). Um dos diálogos também é especialmente hilário – nele o Cacique Serigy faz um questionamento ao pajé e recebe uma longa e elaborada digressão filosófica como resposta, que replica com um “não entendi nada do que você quis dizer, pajé, mas acho que concordo”. Enfim, é um filme muito interessante, com imagens fortes produzidas por gente que demonstra em cada “frame” que sabe o que está fazendo, têm referencias e sabe como usá-las. Têm “know how”, como dizem os “gringos”.
Por Adelvan kenobi
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publicado originalmente no site overmundo
por Lu Almeida
O curta-metragem sobre lenda indígena sergipana mais famosa vai ser apresentado em sua primeira exibição pública, na quarta-feira, dia 20 de maio, às 19h30 no auditório da Sociedade Semear. Os realizadores Alessandro Santana, Bruno Monteiro e Mauro Luciano escreveram, produziram e filmaram um curta com duração de 14'59'', quatro meses de produção e orçamento de pouco mais de R$ 30,00. Segundo Alessandro Santana “ é um filme eminentemente político que trata da formação do passado e da contemporaneidade da nossa terra de uma forma crítica e alegórica. É um filme político pela sua natureza”.
E se precariedade é uma característica do Brasil , a falta de recurso dá margem para criatividade. Com esse espírito, oito amigos se reuniram e fizeram “um filme humano, principalmente, ou até, no seu sarcasmo” como explica Mauro Luciano. Para Hernany Donato, interpretando Cristóvão (o homem-branco), existia uma vontade muito grande de fazer algo relacionado à produção cultural daqui do Estado. "Isso precisava remeter a um certo mal-estar coletivo. Precisávamos colocar em prática nossas idéias e bons devaneios. Eis que surge a figura insistente e lúcida do Cacique Serigy", finaliza o ator.
Você confere a história completa entre o encontro do colonizador e a resistência do índio tupinambá na avant-première. O treiler pode ser visto no Youtube.
SINOPSE
Um homem em pleno contato com a natureza se vê ameaçado por uma estranha embarcação. Depois que ela aportou, nada mais foi paz no seu jardim das delícias. Um filme eletrizante que traz à tona a estória de um mito. O mito de uma tribo qualquer brasileira que se prostra diante do canto embriagante e conveniente de invasores. Muito embora imerso nesse contexto de inanição de desejos mais concretos, aflora nas brenhas deste solo as forças da natureza personificadas na figura densa do cacique Serigy, esbravejador de uma tradição contrária às tradições, esta ao mesmo tempo que se esmaga, camufla-se nas estruturas desgastadas de povos quaisquer às nossas vistas, no lugar sem dono, desértico em atitudes, só ele, o cacique para nos dar essa idéia.
FICHA TÉCNICA
Dados: Ficção, 14:59 minutos, Colorido, Stereo.
Elenco: Andrezza Poconé, Estranho, Fred Leão e Hernany Donato.
Roteiro e Direção: Alessandro Santana, Bruno Monteiro e Mauro Luciano.
Produção: Bruno Monteiro e Alessandro Santana.
Fotografia: Bruno Monteiro.
Still: Anderson Bruno.
Edição: Alessandro Santana.
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Entrevista com os realizadores do filme
Luciana Almeida, para o overmundo
Os realizadores Alessandro Santana, Bruno Monteiro e Mauro Luciano escreveram, produziram e filmaram a “A eterna maldição do Cacique Serigy” ao lema do diretor Rogério Sganzerla: "quando a gente não pode nada, a gente se avacalha e se esculhamba”. O curta com duração de 14'59'', quatro meses de produção e orçamento de pouco mais de R$ 30,00 promete ser tímido só em números. Parece até mentira, mas cinema de invenção também é feito em Sergipe. Confira, abaixo, a entrevista com Alessandro Santana e Mauro Luciano onde falam sobre sobre cinema, política e ação cultural (não necessariamente nessa mesma ordem).
Luciana Almeida - Como foi fazer o curta-metragem?
Mauro Luciano - Na minha opinião foi um fardo em se tratando de uma produção executiva, mas por outro lado uma experiência revigoradora por conta da união da equipe. Não é a história de cair na mesmice de reclamar de falta de dinheiro pra se fazer filmes, ou de falta de atenção por parte de instituições públicas que se dizem prestar serviço ao audiovisual. A questão é em se fazer um filme de qualidade sem recurso técnico algum. Muita gente tem feito isso - inclusive em Aracaju, um lugar muito atrasado no campo do audiovisual. Dá pra ver no youtube, algumas das experiências neste curso. Mas a forma do filme evidencia uma ingenuidade que, de certa maneira, é reflexo dessa incipiente produção provinciana e "quase" miserável. Então a idéia inicial foi essa: fazer um manifesto em forma de audiovisual contra a parquice da arte audiovisual do local (ainda que o filme possa ser visto como nacional também, já que a situação da miséria cultural no Brasil ainda é generalizada).
Alessandro Santana - Fazer esse curta foi um tipo diferente de experiência pra mim, pois nunca tinha trabalhado como diretor de ficção, nunca tinha trabalhado com não atores (nem atores)... Sempre acreditei e tive simpatia pela lenda da maldição. Me uni com mais alguns amigos que também são simpáticos à idéia do indígena em questão e, em 4 meses escrevemos o roteiro, gravamos e finalizamos o curta. Participei de todos os processos (roteiro, produção, e pós produção) e digo: é estressante. Crianças, não tentem fazer isso em casa.
Luciana Almeida - Qual a importância do curta-metragem? Enquanto percebemos uma produção cinematográfica cada vez menos politizada, o "Cacique" segue no sentido contrário?
Alessandro Santana - O curta não tem importância nenhuma. É só mais uma produção audiovisual. Se ele se tornará importante, só a história dirá e mesmo assim eu sei que não vou ganhar nada com isso (além da inimizade de pessoas que por ventura se sintam atingidas pelo humor ácido do filme). Sim, ele é um filme eminentemente político que trata da formação do passado e da contemporaneidade da nossa terra de uma forma crítica e alegórica. É um filme político pela sua natureza. Se eu fosse marxista diria que era “um filme sobre luta de classes”, mas também não é deste tipo de política que estamos tratando. É algo bem maior que isso, que perdura nos séculos e essa História está mais pra terror que pra amor.
Mauro Luciano - Não acho que o filme siga contra a maré. O filme é humano, principalmente, ou até, no seu sarcasmo. Contra a maré é fazer filme pra ganhar dinheiro às custas de verba pública. Assim deveria ser visto por todos - e assim é ético. Um ponto dele que me incomodou é o ressentimento ao falar desse assunto, como se eu, Cabelo e Bruno tivéssemos raiva da produção artística de Sergipe. Bem, dá pra ver de outra maneira - é uma tentativa de crítica ao status quo de uma estética do irracional, e de um primitivismo sem raiz alguma em conceitos. Um espontaneísmo idiota que toma conta de gente que se chama de artista e intelectual (se é que essas máscaras ainda existem, na sociedade de consumo desenfreado e ávida por surrealismos pops midiáticos). Acho que nesse ponto que o filme é político também - ao impôr uma reflexão a quem assiste. Além, claro, da revigoração de uma lenda que dá um contorno ao imaginário radical de Sergipe. Até Antônio Cândido já falou desse radicalismo em personagens públicos de Sergipe. E não é por acaso, também, que partidos de esquerda ditem novas formas de gestão pública no Estado. No entanto, o radicalismo virou só fachada, perdeu o vigor (como, por exemplo, um partido comunista estar na frente com propostas evidentemente liberais, denotando uma farra de ornintorrincos, tal como Chico de Alencar deu o nome a esse novo político que bota ovos e mama, ao mesmo tempo). É uma lástima que, se vista com ressentimento, fica inaudível. Por isso é melhor ver o filme sobre uma maldição do Serigy como violento e bobo, igual a uns filmes B que vão surgindo aos montes - mas com a diferença da mensagem (militante, até) significativa que ele traz nas entrelinhas.
Luciana Almeida - Quais são as influências/referências no “Cacique”? Glauber Rocha? A idéia da produtora "Faz o que pode" lembra Sganzerla & Bressane também...
Alessandro Santana - Definitivamente temos influência de tudo aquilo com o que convivemos. Cinematograficamente falando, você está correta: temos referências no cinema novo e no cinema marginal como um modo brasileiro de ver e contar a estória, assumindo a precariedade e fazer o que é NECESSÁRIO fazer, além do que, nós três que dirigimos esta obra gostamos da estética do Glauber e do anti-cinema da BelAir, mas, por incrível que pareça, uma das minhas maiores influências foi a música sergipana. Esse barato de exaltar o ‘quase-nada’ me deixa perplexo.
Mauro Luciano - Glauber foi uma moldagem necessária, porque ele tentou inventar um cinema feito no Brasil, e com especificidades do Brasil. Ou seja, o subdesenvolvimento cultural posto em primeiro plano da forma artística, como maneira de se integrar a uma vanguarda. Mas aí vem a história de Ferreira Gullar, no livro Vanguarda e Subdesenvolvimento. O buraco fica mais embaixo, nesse debate sobre uma fórmula pobre mostrada às elites socialistas mundiais. Sem contar que Glauber Rocha foi o único, até agora, que comunicou de maneira profunda na sua alegoria, os problemas dessa ex-colônia portuguesa (ou européia). Eu acho que, até no inconsciente indígena, o Serigy tem uma força nordestina que é própria de um tipo de arte popular, que insistem em chamar de vanguardista. A rememoração de Bressane ou Sganzerla, da BelAir e dos filmes super 8, como figuras autorais desse subdesenvolvimento posto à tona, é também uma homenagem a dois artistas ainda incompreendidos por 99,9% dos espectadores de cinema e TV. Mais especificamente Sganzerla, desde o Bandido, fez esse link com a arte e o popular. Então - como fazer uma experimentação ter ares de cultura popular? Essas são as influências - de artistas que brincavam e brigavam por imagens relevantes.
Luciana Almeida – Uma característica do curta-metragem é a questão da precariedade. Essa característica já é um fato superado na história da arte. Não é o orçamento de um projeto artístico que mede seu valor. Quais foram as condições de produção e como isso interferiu no aspecto estético-narrativo? Podemos falar sobre uma estética do precário? Segundo Helio Oiticica "da adversidade vivemos", isso se encaixa no processo de feitura do curta de vocês também?
Mauro Luciano - Como te falei anteriormente, o curta não passou por um processo longo de produção, muito menos de discussão, elaboração. Nem mesmo teve iluminação, captação de som ambiente, preparação exaustiva de atores, roteiro - nada disso. Foi uma camerazinha amadora digital num tripé e uma idéia na cabeça, se é pra ser generoso com a vontade de se fazer do Cinema Novo. Isso entra como atributo estético? Acho que pode entrar, na medida em que todos que participaram do projeto estavam cientes de que não iriam ganhar dinheiro com aquilo, e nem mesmo sabiam no que ia dar em resultado - imagine-se entrando numa produção desse tipo... É algo que se chamaria no jargão de "fazer por amor à arte", se a arte não estivesse no caixão faz tempo. Então o filme foi feito "por amor ao escracho", já que é a única maneira de provocar algum rebuliço na burrice generalizada. E, convenhamos, se até o funk carioca tem sido visto com outros olhos pela crítica, por que não uma produção audiovisual tosca violenta como o filme do “Cacique” não seria?
Alessandro Santana - A precariedade é uma característica do Brasil e não acredito que num país subdesenvolvido como o nosso, a falta de recurso seja motivo para a não-produção. As nossas condições de produção foram mínimas para que se pudesse ter o resultado final necessário da obra. A gente fez o que pode dentro dos nossos limites, assumindo a precariedade da produção, fazendo claquete de fundo de gaveta e tocando adiante a produção, sem essa de esperar por iniciativas públicas para produzir. Se a imagem não tem alta definição, ou se isso ou aquilo está fora do padrão técnico esperado pela questão de precariedade de equipamentos, é isso aí mesmo o que podíamos fazer para não cair no ostracismo da não produção: Contente-se com o que está aí na tela. É o que tem e sem maquiagem. Acho que essa questão de precariedade cai mais pro lado estético do que pro narrativo, entretanto algumas questões da narrativa tiveram que ser adaptadas às nossas condições técnicas para que a sequência ou o plano pudesse dar a conotação ou resultado imagético esperado para o objetivo final. Enquanto vemos filmes lindos e vazios como uma publicidade de margarina que lhe vende um dia saudável em 30 segundos, temos filmes ‘feios’ que podem te despertar um questionamento. A partir daí, só depende do espectador. Existem os que pensam. Também existem os que só olham e falam, mas que nunca fizeram absolutamente nada além de olhar. A opinião desses não me vale de nada. Se “da adversidade vivemos” é porque “toda unanimidade é burra”. Não fiz o filme para ser adverso. Fiz por necessidade neste exato momento da minha vida, neste lugar que não explode nem se implode.
Luciana Almeida - A “Maldição do Cacique” não deixa de ser uma alegoria sobre nossas limitações? Afinal, o personagem do cacique é um anti-herói?
Alessandro Santana - Sim, o filme é uma alegoria, mas não sobre nossas limitações. Já se deu conta que o mito da maldição do cacique é uma coisa que paira na esfera político-cultural? O personagem Serigy pode ser um anti-herói ou até um semi-herói, pois Herói mesmo é Cristóvão de Barros. Ganhou até nome de santo, nome de cidade, nome de praça... Quando Sergipe se tornou Sergipe, foi uma tentativa de se redimir perante o cacique, mas a maldição já tinha colado e nunca mais ele largou o aerostato.
Mauro Luciano - A maldição do Cacique é uma lenda. Nem tudo o que se escreve faz parte da história - existe, também, uma história oral, que é passada de geração a geração. Na idade média acontecia assim, porque ninguém sabia escrever, só a padraiada entocada nas igrejas. Hoje, a história oral é a história não oficial - a que não aceitam como a tradição porque ainda é contada por gente que não sabe ler nem escrever. Não acho que Sergipe tenha nascido, assim como a Bahia, como Fortaleza, ou mesmo a Paraíba (esse Estado sim, com uma evidente simbologia de luta, vista na bandeira) como se vê nos livros - uma terra linda com palmeiras e sabiás. Claro que o Nordeste é lindo pros europeus, mas no momento de criação dessa região a história foi de apropriação de terras, invasão, roubo, latrocínio, genocídio e estupros. Diferente do que aconteceu na parte Sul do país, que houve uma colonização na melhor acepção da palavra. Até hoje, no Nordeste, a violência é ainda latente, e ela desce até, mais ou menos, às periferias do Sudeste. É a velha história da modernização imposta de um modo conservador ( só pra elites), o que gera e gerou uma periferia marginalizada de pessoas do tipo do cacique - que é uma alegoria clara da periferia que vem desde a suposição de um revolucionário do bando de lampião como o corisco de Glauber, um latino-americano indisposto e tosco, e assim foi aceito em todas as mesas chiques que apareceu. Resumindo - não se trata de uma narrativa convencional - e por isso acho que o Serigy fica parecendo um herói, mas nem tanto -, mas sim de uma lenda oral de um povo marginalizado ( de uma história dos vencidos, como diria Walter Benjamin) transposta pras telas.
Luciana Almeida - No filme "O Bandido da Luz Vermelha" de Sganzerla há célebre frase: "quando a gente não pode nada a gente se avacalha e se esculhamba". A lucidez possível é o riso paródico dentro do “Cacique”?
Alessandro Santana - As graçinhas nas entrelinhas estão lá. A lucidez e o riso estão com o espectador.
Mauro Luciano - Lucidez rima com iluminismo. Acho que todo mundo da equipe era a-luno(a). Não que eu ache que precisasse de um professor pra toda a turma - pelo contrário. Como o filme foi feito sem iluminação, melhor não ter lucidez nenhuma.
Luciana Almeida - E a satirização ... ela surge pelo desencanto? Há um certo desencanto dessa geração? O Cacique Serigy é um símbolo desse sentimento?
Mauro Luciano - O desencanto é característica da modernidade. Vi em Lefebvre que só a ironia é que domina algum tipo de mensagem codificada com o encantamento antigo, e isso o velho feio Sócrates, e o inimigo bonito dele, Nietzsche, tambem diziam. Mas aí é que tá - Sócrates moderno? Nietzsche irônico? É o que diz Lefebvre. A geração desencantada, no caso, é uma geração violentada, usurpada, alienada e toscamente armada. E nisso há razão, há iluminação - mas de outro tipo. Talvez romantizada. Mas eu prefiro achar que é anti-utópica, ainda que revoltada. O Serigy apareceu na hora certa pra mostrar um grito que em vários lugares da américa latina roubada até hoje pelas grandes aristocracias burguesas do mundo deveria ser ouvido. Pra os grã-finos do Banco Mundial ou da ONU ouvissem não só a diplomacia de conversas a sete chaves em ONGs entocadas, mas a indignação de marginais que hoje estão se organizando no crime. Faltou uma bomba atômica na cidade, no fim do filme.
Alessandro Santana - A satirização, no meu caso, já é o que podemos chamar de estilo de vida. Admito: faço parte dos citados na bíblia como ‘a roda dos escarnecedores’. Não perco oportunidade de fazer uma galhofa, e como sergipano, nascido em Aracaju, me sinto com todo o direito de dizer (ao meu jeito) o que eu acho sobre o lugar onde nasci e vivo. Desencanto com este lugar, não tenho porque nunca me encantei com nada por aqui. O filme na verdade é o símbolo de um sentimento de quem se sente roubado por uma pessoa que nunca viu na vida com a conivência dos seus semelhantes, enquanto todos fazem vistas grossas ou reclamam, mas não fazem nada a respeito. Nem um curta-metragem
segunda-feira, 4 de maio de 2009
Parque dos Falcões
A aproximadamente 45 Km de Aracaju, localizado aos pés da Serra de Itabaina-SE, ao lado do Parque Nacional de Reserva Natural, o Instituto Parque dos Falcões foi construído através do trabalho e esforço de dois sonhadores, José Percílio e Alexandre Correia, e de alguns admiradores e colaboradores.
Alexandre tornou-se "cúmplice" de Percílio no ano de 1999, mas a história do Instituto começou ainda na infância do fundador. Aos 7 anos, Percílio ganhou um ovo de Carcará (Caracara plancus), e depois de 28 dias sendo chocado por uma galinha, nasceu Tito, seu primeiro grande amigo. (Ano de 1984). Hoje, Tito tem 25 anos e o Instituto cuida de mais de 300 aves, entre gaviões, falcões, corujas, socós-boi, pombos, etc.
Já conhecido por muitos turistas, estudantes, biólogos, e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, o Instituto é um dos únicos locais do país com autorização do IBAMA para a criação dessas aves em cativeiro. (Ano de 1990). Com o objetivo de salvar e proteger as espécies de aves de rapina que habitam o céu brasileiro, o Instituto Parque dos Falcões tornou-se uma referência no manejo, reprodução e reabilitação desses animais, acumulando um grande conhecimento sobre o seu comportamento. Todos os meses, o Instituto recebe através do IBAMA, da Polícia Ambiental e do Corpo de Bombeiros, aves maltratadas, machucadas ou mutiladas pela ação humana, que parece satisfazer-se com o sofrimento desses e de muitos outros animais.
O Instituto Parque dos Falcões está aberto ao público todos os dias da semana. Para chegar ao centro conservacionista siga de Aracaju em direção à Itabaiana. Depois de passar pelo município de Areia Branca (km-34), percorra aproximadamente 9 km. No lado direito, há uma placa indicativa sobre o Instituto. Entre por essa estrada (única parte do trajeto não asfaltado) e percorra mais 2,5 km. É indispensável agendar previamente a sua visita.
Saiba mais clicando aqui.
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