domingo, 27 de maio de 2012

O Homem do Castelo Alto

HAVIA uma semana que Mr. Childan aguardava ansiosamente o carteiro. Mas a valiosa encomenda proveniente dos Estados das Montanhas Rochosas ainda não chegara. Quando abriu a loja na sexta-feira cedo e viu apenas cartas na caixa do correio pensou logo: vou ter um freguês furioso.
Tirou uma xícara de chá instantâneo da máquina automática na parede, apanhou uma vassoura e pôs-se a varrer; em pouco tempo a frente da American Artistic Handcrafts Inc. estava pronta para o dia, limpinha, com a caixa cheia de troco, um vaso de margaridas frescas e o rádio tocando música de fundo. Lá fora na calçada passavam homens de negócios a caminho de seus escritórios em Montgomery Street. Ao longe, um bonde; Childan parou para observá-lo com prazer. Mulheres com seus longos e coloridos vestidos de seda... observou-as também. Então o telefone tocou. Voltou-se para atender.
― Sim ― disse uma voz conhecida, quando atendeu.
O coração de Childan ficou gelado.
― Aqui fala Mr. Tagomi. O meu cartaz de alistamento da Guerra de Secessão já chegou, senhor? Por favor, lembre-se; foi-me prometido para a semana passada.
A voz era exigente, breve, apenas polida, apenas mantendo a etiqueta.
― Não lhe dei um depósito, Mr. Childan, com aquela exigência? É para presente, sabe? Já tinha explicado. Um cliente.
― Pesquisas prolongadas ― começou Childan ― feitas às minhas próprias custas, Mr. Tagomi, referentes à encomenda prometida que, como o senhor sabe, origina-se fora desta região e é portanto...
Mas Tagomi interrompeu: ― Então não chegou.
― Não, Mr, Tagomi. Uma pausa glacial.
― Não posso mais esperar ― disse Tagomi.
― Sim, senhor.
Childan olhou com tristeza através da vitrine da loja, o dia quente brilhante e os edifícios comerciais de São Francisco.
― Um substituto, então. Que recomenda, Mr. Childan?
Tagomi propositalmente pronunciou mal o nome; era um insulto dentro da etiqueta que fez arderem as orelhas de Childan. Estava numa falsa posição, sua situação causava-lhe uma terrível mortificação. As aspirações, os medos e os tormentos de Robert Childan vieram à tona e ficaram expostos, inundando-o, paralisando sua língua. Gaguejou, com a mão crispada no telefone. O ar de sua loja cheirava a margaridas; a música continuava a tocar, mas ele sentiu como se estivesse mergulhando em algum mar distante.
― Bem... ― conseguiu murmurar. ― Batedeira de manteiga. Máquina de fazer sorvete de 1900.
Sua mente recusava-se a pensar. Como quando a gente se esquece; como quando a gente se engana. Ele tinha trinta e oito anos, recordava os dias anteriores à guerra, os outros tempos. Franklin D. Roosevelt e a Feira Mundial; o antigo mundo, muito melhor.
― Talvez pudesse levar vários artigos interessantes ao seu escritório? ― sussurrou.
Foi marcado um encontro para as duas horas. Preciso fechar a loja, pensou, enquanto desligava. Não havia escolha. Era preciso manter a boa-vontade desse gênero de clientes; os negócios dependiam deles.
Ali de pé, ainda trêmulo, percebeu que alguém ― um casal ― entrara na loja. Jovens, elegantes, bem vestidos. De aspecto agradável. Acalmou-se e caminhou, sem pressa, na direção deles, sorrindo. Estavam debruçados sobre o mostruário no balcão, e tinham escolhido um lindíssimo cinzeiro. Casados, adivinhou. Moram na Cidade das Neblinas Sinuosas, os novos apartamentos exclusivos no Skyline, com vista para Belmont.
― Alô ― disse, e sentiu-se melhor. Sorriram-lhe sem nenhuma superioridade, apenas com afabilidade. Seu mostruário ― que era realmente o que havia de melhor no gênero ali na Costa ― tinha impressionado; percebeu isso e ficou agradecido.
Eles compreenderam.
― Peças de fato excelentes, senhor ― disse o jovem.
Childan inclinou-se espontaneamente.
Os olhos deles, brilhantes não só pela ligação humana, mas ainda pelo prazer comum que sentiam ao ver os objetos de arte que ele vendia, por seus gostos e satisfações mútuos, fixaram-se nele; agradeciam-lhe por ter coisas como estas, que eles podiam ver, tocar, examinar, manusear talvez, até mesmo sem comprar. Sim, pensou, sabem em que espécie de loja estão; aqui não há bugigangas para turista, placas de sequóia onde se lia MUIR WOODS, MARIN COUNTY, P.S.A., coisinhas, aneizinhos ou cartões postais com a vista da Ponte. Especialmente os olhos da moça, grandes, escuros. Como seria fácil, pensou Childan, me apaixonar por uma garota assim. Que trágica seria então minha vida; como se já não estivesse bastante ruim. Esse cabelo preto na moda, as unhas pintadas, as orelhas furadas com os longos brincos de metal feitos a mão.
― Seus brincos ― murmurou. ― Comprados aqui, talvez?
― Não ― disse ela. ― Em minha terra.
Childan balançou a cabeça. Nada de arte americana contemporânea; apenas o passado poderia estar representado ali, numa loja como a dele.
― Vão ficar muito tempo aqui? ― perguntou. ― Na nossa São Francisco?
― Vou ficar aqui por tempo indeterminado ― disse o homem. ― Trabalho na Comissão de Inquérito para Planejamento do Nível de Vida das Áreas Sinistradas..
Seu rosto demonstrou orgulho. Não era militar. Não era um daqueles recrutas provincianos, mascadores de chicletes, com seus rostos de camponeses gananciosos, perambulando por Market Street, boquiabertos diante dos cabarés, dos filmes sexy, dos tiro-ao-alvo, das boates baratas com fotos de louras de meia-idade sustentando as tetas entre dedos enrugados, com um riso debochado nos lábios... os antros de jazz, que formavam a maior parte da baixa São Francisco, frágeis barracos de lata e de tábuas que surgiram das ruínas mesmo antes de cair a
última bomba. Não ― aquele jovem era da elite. Culto, educado, mais ainda que Mr. Tagomi, que afinal era um alto funcionário, com o posto de Adido Comercial para a Costa do Pacífico. Tagomi era um homem velho. Sua formação vinha do tempo do Gabinete de Guerra.
― Queriam objetos de arte popular tradicional americana para presente? ― perguntou Childan. ― Ou talvez para decorar seu novo apartamento aqui? Se fosse esta última hipótese... ― seu coração apressou-se.
― Acertou ― disse a moça. ― Estamos começando a decorá-lo. Estamos ainda um pouco indecisos. Acha que poderia ajudar-nos?
― Poderia passar em seu apartamento, sim ― disse Childan. ― Levarei várias malas com material e lá, no ambiente, posso sugerir coisas que lhes convenham. Esta é, naturalmente, a nossa especialidade.
Baixou os olhos para encobrir suas esperanças. Poderia ser um negócio de milhares de dólares.
― Estou para receber uma mesa da Nova Inglaterra, toda de madeira de encaixe, não tem um prego. De enorme beleza e valor. E um espelho da época da guerra de 1812. E também a arte aborígene: um grupo de tapetes de pêlo de cabra com tintura vegetal.
― Por mim ― disse o homem ― prefiro a arte das cidades.
― Pois não ― disse Childan ansiosamente. ― Ouça, senhor. Tenho um mural do período dos correios W. P. A., original, feito de madeira, em quatro partes, retratando Horace Greeley. Peça de colecionador, de valor inestimável.
― Ah! ― disse o homem, com os olhos escuros brilhando.
― E uma vitrola de 1920, transformada em bar.
― Ah!
― E, senhor, ouça: um retrato emoldurado e autografado de Jean Harlow.
O homem ficou com os olhos esbugalhados.
― Vamos marcar um encontro? ― perguntou Childan, aproveitando o momento psicológico certo.
Tirou do bolso interno do casaco a caneta e a caderneta.
― Anotarei seu nome e endereço, senhor e senhora. Mais tarde, quando o casal saiu da loja, Childan ficou de pé, mãos nas costas, olhando a rua. Feliz. Se todos os dias fossem assim... Mas era mais do que os negócios, era o sucesso de sua loja. Era a oportunidade de conhecer um jovem casal japonês socialmente, na base de uma aceitação dele como homem mais do que como um yank ou, na melhor das hipóteses, como um comerciante de objetos artísticos. Sim, esses jovens da geração em ascensão, que não se lembravam dos dias de antes da guerra, nem da própria guerra ― eram a esperança do mundo. Diferença de lugar nada significava para eles.
Isso acabará, pensou Childan. Algum dia. A própria idéia de lugar. Não mais governados e governantes, mas gente.
E contudo tremia de medo ao se imaginar batendo à porta deles. Examinou suas anotações. Os Kasouras. Se fosse recebido, sem dúvida lhe ofereceriam chá. Faria direito as coisas? Saberia como agir e falar no momento exato? Ou iria se desgraçar, como um idiota, com alguma gafe terrível?
O nome dela era Betty. Que compreensão em seu rosto, pensou. Os olhos delicados, sensíveis. Certamente, mesmo naquele pouco tempo na loja, percebera suas esperanças e derrotas.
Suas esperanças ― de repente ficou tonto. Que aspirações eram essas, beirando a loucura se não o suicídio? Mas não eram desconhecidas as relações entre japoneses e yanks, embora geralmente fossem entre um japonês e uma yank. Mas... estremeceu à idéia. E ela era casada. Afastou da cabeça esse desfile de pensamentos involuntários e pôs-se a abrir a correspondência matinal com toda atenção.
Suas mãos, descobriu, ainda estavam tremendo. E foi então que se lembrou do encontro com Mr. Tagomi às duas; diante da idéia, suas mãos deixaram de tremer e seu nervosismo transformou-se em decisão. Preciso encontrar alguma coisa aceitável, disse a si próprio. Onde? E como? O quê? Um telefonema. Fontes. Habilidade comercial. Desenterrar um Ford 1929 totalmente restaurado, com capota de tecido preto e tudo. Uma grande jogada para manter sempre a clientela.
Avião trimotor do correio aéreo, modelo original, encontrado num celeiro em Alabama, etc. Apresentar a cabeça mumificada de Mr. B. Bill, incluindo os cabelos brancos esvoaçantes; sensacional objeto americano. Firmar minha reputação nos mais altos círculos de connoisseurs do Pacífico, incluindo o arquipélago nipônico. Para inspirar-se, acendeu um cigarro de niarijuana da excelente marca Land-O-Smiles.

...


1

por Phillip K. Dick

Tradução de SYLVIA ESCOREL

Título original: The Man in the High Castle

SOBRE O AUTOR:

Três pontos dão a medida do talento de Philip K. Dick. O primeiro é um certo número de qualidades essenciais, como: capacidade de urdir uma intriga e desdobrá-la de maneira complexa, sem afetar a coesão da estrutura; faculdade de construir um ambiente; criação de um diálogo convincente e sempre pertinente; imaginação excepcionalmente desenvolvida. O segundo é a maneira quase alucinatória de dar detalhes referentes a qualquer mundo não real que ele resolvesse criar. O terceiro é a capacidade de retornar, tantas vezes quantas julgasse necessário, a um tema já abordado num livro anterior, que ele sentia não ter esgotado - e o resultado invariavelmente mostrava que tinha razão.

Seus principais temas cíclicos eram: o mundo vazio, ou seja, uma sociedade em que as pessoas importantes eram reduzidas a um número ínfimo; o exercício do poder, cujo conceito subjacente parecia ser a faculdade de agarrar a oportunidade no vôo, graças à determinação e à malícia; a ilusão substituindo a realidade, disseminada, aliás, em toda a sua obra; a alucinação provocada pela ingestão de drogas, criando mundos imaginários sem saída; a maleabilidade do universo exterior ― o desejo do homem de aceitar não uma "realidade" hipotética, no sentido kantiano do das Ding an sich, mas uma construção elaborada pelo efeito de idéias preconcebidas implantadas no seu cérebro; e, finalmente, o tema desenvolvido em The Man in the High Castle: nossa existência e o universo inteiro são manifestações de um substrato flutuante, uma cera virgem onde os humanos vão imprimir, por suas decisões e percepções, uma forma dotada de sentido só para eles.

Apaixonado por música, Dick empregou-se numa loja de discos e produziu um programa clássico na estação de rádio KSMO, de San Mateo, Califórnia. Estudou na Universidade daquele Estado, mas não terminou o curso porque "havia gente demais fumando e lendo o Daily Cal, o que não me permitia ouvir os professores". Começou a ler f.c. aos 12 anos em conseqüência de um engano: comprou Stirring Science Fiction em vez de Popular Science. Lia também Joyce, Kafka, Steinbeck, Proust, Dos Passos. Casou-se com Anne, que conheceu na loja de discos, comprou uma casa, começou a escrever e a vender f.c, largou o emprego na loja, continuou ouvindo Monteverdi e Buxtehude mas passava a maior parte do tempo lendo Ibsen e escrevendo. Adorava gatos.

(*) Philip Kendred Dick (1928-1982) era um alucinado. Daqueles típicos hippies drogados dos anos 60. Enxergava raios de luz rosa. Acreditava em reencarnações e em conspirações globais.

Acontece que o escritor, nascido em Chicago, mas californiano de formação, diferenciava-se da maioria dos paranóicos pelo teor da sua obra. Dick escreveu 36 romances  - alguns em quinze dias, durante delírios turbinados por anfetaminas - mais cinco historietas curtas, produzidas no início de sua carreira, entre 1952 e 1956. Tecnicamente, sua ficção-científica não se aproximava da classe de um Arthur C. Clarke, estava mais para um estilo bem folhetinesco. Mas Dick sobreviveu ao tempo e superou sua geração graças aos temas abordados em seus livros. Há quarenta anos, o escritor discutia ética e experiências genéticas, liberdades individuais e problemas de identidade, controle de mentes e demais interferências humanas na ordem natural das coisas. Era um visionário.

Muitas das experiências reais de Dick (foi abandonado pelo pai aos cinco anos de idade, assistiu à morte prematura das suas irmãs gêmeas recém-nascidas, além de casamentos desfeitos e problemas com drogas) serviram para construir uma personalidade pessimista. Em seus livros, o futuro sempre seria pior do que o tempo presente. A Los Angeles de Blade runner - O caçador de andróides (Blade runner, de Ridley Scott, 1982), fria, suja, escura e superpopulosa, era fiel ao pensamento do autor. O quarto imundo do cirurgião de olhos, exibido em Minority report, filmado por Steven Spilberg, provavelmente foi imaginado assim por Dick.

Nos livros, fica evidente o descrédito no governo, nas autoridades. Seu primeiro romance, Solar Lottery (1955), exibe um mundo comandado por lógica e números: os governantes mundiais são escolhidos numa sofisticada loteria. Por outro lado, há também a porção metafísica. No fim da carreira, Dick produziu textos autobiográficos fantasiosos, descreveu experiências com alienígenas e combates entre o Bem e o Mal, baseados em preceitos religiosos.

A consolidação veio somente depois da sua morte. Por mais que o trocadilho seja perigosíssimo, seus seguidores ostentam o orgulho de se denominarem dickheads. Veneram uma personagem folclórica, suspeita de ter sofrido de esquizofrenia, mas capaz de imaginar coisas que hoje se tornaram reais, como a clonagem e os Big Brothers da vida.

Adaptadas para o cinema, suas obras tornaram-se cult-movies. Os dois exemplos mais célebres, Blade runner e O vingador do futuro (Total recall, 1990), serviram para impulsionar as carreiras dos diretores Ridley Scott e Paul Verhoeven. Mas, se o reconhecimento é merecido, a fama já causa alguns problemas: com o tempo, adquirir o direito de seus textos tornou-se um investimento e tanto, quantia suficiente para inviabilizar inúmeros projetos cinematográficos.

* por Marcelo Hessel, a partir deste ponto.

Omelete

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Há 35 anos, direto do tùnel do tempo ...

Hoje fazem exatos 35 anos da estréia de "Guerra nas Estrelas", posteriormente rebatizado como "Star Wars Episódio IV - Uma nova esperança", nos cinemas. Eu assisti na época do lançamento na cidade onde morava, Itabaiana, interior de Sergipe. O predio onde ficava o cinema (Cine Santo Antonio) era alugado à igreja e, por conta disso, o pároco local, Monsenhor Mário, sempre fazia uma publicidadezinha básica para os filmes em cartaz ao final das missas. Fez para o filme de Lucas, nova febre mundial, numa "Missa das crianças" que eu frequentava (tinha seis anos) e, por conta disso, não parei de pentelhar minha irmã mais velha enquanto ela não me levou pra ver.

Na verdade continuei pentelhando ela durante a projeção e depois, já que o filme era legendado e eu ainda não sabia ler. Não entendia: aquela mulher com o cabelo esquisito era uma princesa? Então porque ela vestia umas roupas tão sem graça? Apesar da confusão gerada em minha cabecinha infantil por certas opções estéticas que, mais tarde, se mostrariam geniais, o ritmo frenético dos combates e fugas, a figura sombria de Darth Vader, o maior vilão da história da sétima arte, e, principalmente, o design impressionante e inovador das naves, robôs e seres alienígenas me fisgou completamente. Comprei o álbum de figurinhas e fiquei obcecado por tudo o que dissesse respeito àquele universo, que eu só fui saber que tinha se desdobrado em outras mídias e o filme era, agora, uma trilogia, alguns anos depois, ao ler os quadrinhos de Star Wars na revistinha do Hulk e assitir "O Retorno do Jedi" no mesmo cinema - a segunda e melhor parte da saga passou batida pra mim na época, não sei muito bem porque. Não deve ter sido exibida em Itabaiana ou, mais provável, eu estava por demais distraído com as turbulências da passagem da infancia para a adolescencia para ter percebido ...

By the way: Não, a moça da foto ao lado não é minha irmã mais velha. É Megan Fox. E é, também, uma prova de que a saga de Lucas atravessa gerações e continua fascinando - e lucrando, evidentemente.

Adelvan 







quarta-feira, 23 de maio de 2012

rip Tony DeZuñiga

Tony DeZuñiga, ilustrador de histórias em quadrinhos filipino, foi um dos criadores de Jonah Hex, pistoleiro "casca gorssa" de rosto deformado e um dos personagens mais legais do chamado "segundo escalão" da megaeditora DC Comics. Faleceu na madrugada do dia 11 de maio último. Ele estava internado em estado grave depois de ter sofrido um derrame no mês passado, o que causou uma série de complicações em seu estado de saúde.

DeZuñiga nasceu em 1941 e foi o primeiro artista das Filipinas a trabalhar na indústria de quadrinhos norte-americana. Seus trabalhos mais conhecidos foram feitos para a DC Comics, na qual cocriou os personagens Jonah Hex (com John Albano) e Orquídea Negra (com Sheldon Mayer). Ele começou sua carreira aos 16 anos, como letrista da revista semanal Liwayway, e foi trabalhando lá que conheceu Albano. Em 1962, mudou-se para os Estados Unidos para estudar design gráfico na cidade de Nova York, e quando voltou para as Filipinas trabalhou com publicidade e começou a ilustrar quadrinhos no país. No final da década de 1960, voltou para Nova York e estreou no mercado dos comics arte-finalizando o lápis de Ric Estrada para a revista Girl's Love Stories, da DC. Sua estreia como desenhista aconteceu com uma história de terror, em House of Mystery #188, em 1970. A criação de Jonah Hex foi em 1972, para a revista All-Star Western #10. No ano seguinte, em Adventure Comics #428, estreou sua outra criação, a Orquídea Negra. Seu talento ocasionou uma invasão de artistas filipinos nos quadrinhos norte-americanos durante a década de 1970. Ele também trabalhou para a Marvel, na qual desenhou personagens como X-Men, Homem-Aranha, Thor, Homem de Ferro, Conan e até uma história baseada em Star Wars. Foram 18 anos trabalhando para as duas grandes editoras dos Estados Unidos. Mais tarde, entrou para o mercado de videogames, fazendo design visual para jogos da Sega durante uma década. O último trabalho dele com Jonah Hex foi para a graphic novel Jonah Hex: No Way Back, lançada em 2010 para coincidir com a estreia do filme do personagem.

Descanse em paz.










Torturou os pais na frente dos filhos e hoje vive tranquilo, em liberdade.

Gostou da manchete estilo Notícias Populares? É que eu realmente queria que você soubesse a história de César e Maria Amélia Teles. Era um jovem casal, vinte e poucos anos, e já com dois filhos, Janaína e Edson. Eram os anos mais difíceis da ditadura militar, que enfrentavam. César era integrante do Partido Comunista Brasileiro. Cuidava da gráfica clandestina do partido. O casal foi preso. Os dois foram torturados. Na frente das crianças, que tinham quatro e cinco anos. Maria Amélia ouviu: "seus filhos também estão sendo torturados. A esta hora, sua Janaína já está no caixãozinho."

Mentira. Mais uma crueldade. O líder da tortura foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Vive livre e tranquilo. Foi beneficiado pela Lei da Anistia. A família Teles processa Ustra. O Tribunal de Justiça de São Paulo adiou ontem o recurso de Ustra contra sua sentença, na qual foi reconhecido como torturador. A decisão é inédita e importante. Responsabiliza um militar por sua ações durante a ditadura. Não adianta mais só dizer que estava seguindo ordens, enfrentando os terroristas, ou que a Lei da Anistia tudo apagou.

O que quer a família Teles, indenização? Nem um centavo. Só a responsabilização civil de Ustra. Punição pelo que fez o comandante do Doi-Codi em São Paulo, onde morreram mais de quarenta pessoas em decorrência de torturas. "Ninguém propôs a lei da anistia para anistiar os torturadores, só o Supremo Tribunal Federal resolveu achar isso. A lei tem que ser interpretada corretamente", disse César, hoje com 67 anos, ao Valor Econômico.

Ustra tinha tudo para sair na boa. Ainda tem, mas ficou mais difícil. O advogado dos Teles, que virou o jogo ontem, é Fábio Konder Comparato, um dos mais eminentes juristas brasileiros. "O Tribunal de Justiça não pode se recusar a reconhecer a responsabilidade civil do mais notório torturador da ditadura".

Viro a página do jornal. Durante o não-depoimento de Carlinhos Cachoeira na CPI que tem seu nome, seu advogado, Márcio Thomaz Bastos, recebe elogios de parlamentares de partidos vários. Todo bandido tem direito à melhor defesa que puder pagar, sei - mas mesmo se o dinheiro veio do crime e dos cofres públicos? Mais ainda. Estamos no Brasil. O sorriso irônico de Cachoeira ecoando no de Bastos diz mais do que sou capaz.

Tenho pouca fé na Comissão da Verdade e menos ainda no Judiciário brasileiro, para não falar do Executivo, Legislativo, e mesmo do Quarto Poder. O que significa dizer: tenho pouca fé nos brasileiros. Sabemos onde vivem os monstros. Do passado e presente. Se permanecem impunes e atuantes, é por nossa impotência institucional, nossa decisão coletiva, minha vergonha.

Mas alguns de nós, tantos anos atrás, decidiram ser César e Maria Amélia, e outros Ustra. E, hoje, uns escolhem ser Márcio Thomaz Bastos e, outros, Fábio Konder Comparato.

por André Forastieri

no Blog






terça-feira, 22 de maio de 2012

O Evangelho segundo Jesus Cristo

Já que muitos empreenderam compor uma narração dos factos que entre nós se consumaram, como no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da Palavra, resolvi eu também, depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem, expor-tos por escrito e pela sua ordem, ilustre Teófilo, a fim de que reconheças a solidez da doutrina em que foste instruído.
Lucas, 1, 1-4

Quod scripsi, scripsi.
Pilatos

O sol mostra-se num dos cantos superiores do rectângulo, o que se encontra à esquerda de quem olha, representando, o astro-rei, uma cabeça de homem donde jorram raios de aguda luz e sinuosas labaredas, tal uma rosa-dos-ventos indecisa sobre a direcção dos lugares para onde quer apontar, e essa cabeça tem um rosto que chora, crispado de uma dor que não remite, lançando pela boca aberta um grito que não poderemos ouvir, pois nenhuma destas coisas é real, o que temos diante de nós é papel e tinta, mais nada. Por baixo do sol vemos um homem nu atado a um tronco de árvore, cingidos os rins por um pano que lhe cobre as partes a que chamamos pudendas ou vergonhosas, e os pés tem-nos assentes no que resta de um ramo lateral cortado, porém, por maior firmeza, para que não resvalem desse suporte natural, dois pregos os mantêm, cravados fundo. Pela expressão da cara, que é de inspirado sofrimento, e pela direcção do olhar, erguido para o alto, deve de ser o Bom Ladrão. O cabelo, todo aos caracóis, é outro indício que não engana, sabendo-se que anjos e arcanjos assim o usam, e o criminoso arrependido, pelas mostras, já está no caminho de ascender ao mundo das celestiais criaturas. Não será possível averiguar se este tronco ainda é uma árvore, apenas adaptada, por mutilação selectiva, a instrumento de suplício, mas continuando a alimentar-se da terra pelas raízes, porquanto toda a parte inferior dela está tapada por um homem de barba comprida, vestido de ricas, folgadas e abundantes roupas, que, tendo embora levantada a cabeça, não é para o céu que olha. Esta postura solene, este triste semblante, só podem ser de José de Arimateia, que Simão de Cirene, sem dúvida outra hipótese possível, após o trabalho a que o tinham forçado, ajudando o condenado no transporte do patíbulo, conforme os protocolos destas execuções, fora à sua vida, muito mais preocupado com as consequências do atraso para um negócio que trazia aprazado do que com as mortais aflições do infeliz que iam crucificar. Ora, este José de Arimateia é aquele bondoso e abastado homem que ofereceu os préstimos de um túmulo seu para nele ser depositado o corpo principal, mas a generosidade não lhe servirá de muito na hora das santificações, sequer das beatificações, pois não tem, a envolver-lhe a cabeça, mais do que o turbante com que sai à rua todos os dias, ao contrário desta mulher que aqui vemos em plano próximo, de cabelos-soltos sobre o dorso curvo e dobrado, mas toucada com a glória suprema duma auréola, no seu caso recortada como um bordado doméstico. De certeza que a mulher ajoelhada se chama Maria, pois de antemão sabíamos que todas quantas aqui vieram juntar-se usam esse nome, apenas uma delas, por ser ademais Madalena, se distingue onomasticamente das outras, ora, qualquer observador, se conhecedor bastante dos factos elementares da vida, jurará, à primeira vista, que a mencionada Madalena é esta precisamente, porquanto só uma pessoa como ela, de dissoluto passado, teria ousado apresentar-se, na hora trágica, com um decote tão aberto, e um corpete de tal maneira justo que lhe faz subir e altear a redondez dos seios, razão por que, inevitavelmente, está atraindo e retendo a mirada sôfrega dos homens que passam, com grave dano das almas, assim arrastadas à perdição pelo infame corpo. É, porém, de compungida tristeza a expressão do seu rosto, e o abandono do corpo não exprime senão a dor de uma alma, é certo que escondida por carnes tentadoras, mas que é nosso dever ter em conta, falamos da alma, claro está, esta mulher poderia até estar inteiramente nua, se em tal preparo tivessem escolhido representá-la, que ainda assim haveríamos de demonstrar-lhe respeito e homenagem. Maria Madalena, se ela é, ampara, e parece que vai beijar, num gesto de compaixão intraduzível por palavras, a mão doutra mulher, esta sim, caída por terra, como desamparada de forças ou ferida de morte. O seu nome também é Maria, segunda na ordem de apresentação, mas, sem dúvida, primeiríssima na importância, se algo significa o lugar central que ocupa na região inferior da composição. Tirando o rosto lacrimoso e as mãos desfalecidas, nada se lhe alcança a ver do corpo, coberto pelas pregas múltiplas do manto e da túnica, cingida na cintura por um cordão cuja aspereza se adivinha. É mais idosa do que a outra Maria, e esta é uma boa razão, provavelmente, mas não a única, para que a sua auréola tenha um desenho mais complexo, assim, pelo menos, se acharia autorizado a pensar quem, não dispondo de informações precisas acerca das precedências, patentes e hierarquias em vigor neste mundo, estivesse obrigado a formular uma opinião. Porém, tendo em conta o grau de divulgação, operada por artes maiores e menores, destas iconografias, só um habitante doutro planeta, supondo que nele não se houvesse repetido alguma vez, ou mesmo estreado, este drama, só esse em verdade inimaginável ser ignoraria que a afligida mulher é a viúva de um carpinteiro chamado José e mãe de numerosos filhos e filhas, embora só um deles, por imperativos do destino ou de quem o governa, tenha vindo a prosperar, em vida mediocremente, mas maiormente depois da morte. Reclinada sobre o seu lado esquerdo, Maria, mãe de Jesus, esse mesmo a quem acabamos de aludir, apoia o antebraço na coxa de uma outra mulher, também ajoelhada, também Maria de seu nome, e afinal, apesar de não lhe podermos ver nem fantasiar o decote, talvez verdadeira Madalena. Tal como a primeira desta trindade de mulheres, mostra os longos cabelos soltos, caídos pelas costas, mas estes têm todo o ar de serem louros, se não foi pura casualidade a diferença do traço, mais leve neste caso e deixando espaços vazios no sentido das madeixas, o que, obviamente, serviu ao gravador para aclarar o tom geral da cabeleira representada. Com tais razões não pretendemos afirmar que Maria Madalena tivesse sido, de facto, loura, apenas nos estamos conformando com a corrente de opinião maioritária que insiste em ver nas louras, tanto as de natureza como as de tinta, os mais eficazes instrumentos de pecado e perdição. Tendo sido Maria Madalena, como é geralmente sabido, tão pecadora mulher, perdida como as que mais o foram, teria também de ser loura para não desmentir as convicções, em bem e em mal adquiridas, de metade do género humano. Não é, porém, por parecer esta terceira Maria, em comparação com a outra, mais clara na tez e no tom do cabelo, que insinuamos e propomos, contra as arrasadoras evidências de um decote profundo e de um peito que se exibe, ser ela a Madalena. Outra prova, esta fortíssima, robustece e afirma a identificação, e vem a ser que a dita mulher, ainda que um pouco amparando, com distraída mão, a extenuada mãe de Jesus, levanta, sim, para o alto o olhar, e este olhar, que é de autêntico e arrebatado amor, ascende com tal força que parece levar consigo o corpo todo, todo o seu ser carnal, como uma irradiante auréola capaz de fazer empalidecer o halo que já lhe está rodeando a cabeça e reduzindo pensamentos e emoções. Apenas uma mulher que tivesse amado tanto quanto imaginamos que Maria Madalena amou poderia olhar desta maneira, com o que, derradeiramente, fica feita a prova de ser ela esta, só esta, e nenhuma outra, excluída portanto a que ao lado se encontra, Maria quarta, de pé, meio levantadas as mãos, em piedosa demonstração, mas de olhar vago, fazendo companhia, neste lado da gravura, a um homem novo, pouco mais que adolescente, que de modo amaneirado a perna esquerda flecte, assim, pelo joelho, enquanto a mão direita, aberta, exibe, numa atitude afectada e teatral, o grupo de mulheres a quem coube representar, no chão, a acção dramática. Este personagem, tão novinho, com o seu cabelo aos cachos e o lábio trémulo, é João. Tal como José de Arimateia, também esconde com o corpo o pé desta outra árvore que, lá em cima, no lugar dos ninhos, levanta ao ar um segundo homem nu, atado e pregado como o primeiro, mas este é de cabelos lisos, deixa pender a cabeça para olhar, se ainda pode, o chão, e a sua cara, magra e esquálida, dá pena, ao contrário do ladrão do outro lado, que mesmo no transe final, de sofrimento agónico, ainda tem valor para mostrar-nos um rosto que facilmente imaginamos rubicundo, corria-lhe bem a vida quando roubava, não obstante a falta que fazem as cores aqui. Magro, de cabelos lisos, de cabeça caída para a terra que o há-de comer, duas vezes condenado, à morte e ao inferno, este mísero despojo só pode ser o Mau Ladrão, rectíssimo homem afinal, a quem sobrou consciência para não fingir acreditar, a coberto de leis divinas e humanas, que um minuto de arrependimento basta para resgatar uma vida inteira de maldade ou uma simples hora de fraqueza. Por cima dele, também chorando e clamando como o sol que em frente está, vemos a lua em figura de mulher, com uma incongruente argola a enfeitar-lhe a orelha, licença que nenhum artista ou poeta se terá permitido antes e é duvidoso que se tenha permitido depois, apesar do exemplo. Este sol e esta lua iluminam por igual a terra, mas a luz ambiente é circular, sem sombras, por isso pode ser tão nitidamente visto o que está no horizonte, ao fundo, torres e muralhas, uma ponte levadiça sobre um fosso onde brilha água, umas empenas góticas, e lá por trás, no testo duma última colina, as asas paradas de um moinho. Cá mais perto, pela ilusão da perspectiva, quatro cavaleiros de elmo, lança e armadura fazem voltear as montadas em alardes de alta escola, mas os seus gestos sugerem que chegaram ao fim da exibição, estão saudando, por assim dizer, um público invisível. A mesma impressão de final de festa é dada por aquele soldado de infantaria que já dá um passo para retirar-se, levando, suspenso da mão direita, o que, a esta distância, parece um pano, mas que também pode ser manto ou túnica, enquanto dois outros militares dão sinais de imitação e despeito, se é possível, de tão longe, decifrar nos minúsculos rostos um sentimento, como de quem jogou e perdeu. Por cima destas vulgaridades de milícia e de cidade muralhada pairam quatro anjos, sendo dois dos de corpo inteiro, que choram, e protestam, e se lastimam, não assim um deles, de perfil grave, absorto no trabalho de recolher numa taça, até à última gota, o jorro de sangue que sai do lado direito do Crucificado. Neste lugar, a que chamam Gólgota, muitos são os que tiveram o mesmo destino fatal e outros muitos o virão a ter, mas este homem, nu, cravado de pés e mãos numa cruz, filho de José e de Maria, Jesus de seu nome, é o único a quem o futuro concederá a honra da maiúscula inicial, os mais nunca passarão de crucificados menores. É ele, finalmente, este para quem apenas olham José de Arimateia e Maria Madalena, este que faz chorar o sol e a lua, este que ainda agora louvou o Bom Ladrão e desprezou o Mau, por não compreender que não há nenhuma diferença entre um e outro, ou, se diferença há, não é essa, pois o Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro. Tem por cima da cabeça, resplandecente de mil raios, mais do que, juntos, o sol e a lua, um cartaz escrito em romanas letras que o proclamam Rei dos Judeus, e, cingindo-a, uma dolorosa coroa de espinhos, como a levam, e não sabem, mesmo quando não sangram para fora do corpo, aqueles homens a quem não se permite que sejam reis em suas próprias pessoas. Não goza Jesus de um descanso para os pés, como o têm os ladrões, todo o peso do seu corpo estaria suspenso das mãos pregadas no madeiro se não fosse restar-lhe ainda alguma vida, a bastante para o manter erecto sobre os joelhos retesados, mas que cedo se lhe acabará, a vida, continuando o sangue a saltar-lhe da ferida do peito, como já foi dito. Entre as duas cunhas que firmam a cruz a prumo, como ela introduzidas numa escura fenda do chão, ferida da terra não mais incurável que qualquer sepultura de homem, está um crânio, e também uma tíbia e uma omoplata, mas o crânio é que nos importa, porque é isso o que Gólgota significa, crânio, não parece ser uma palavra o mesmo que a outra, mas alguma diferença lhes notaríamos se em vez de escrever crânio e Gólgota escrevêssemos gólgota e Crânio. Não se sabe quem aqui pôs estes restos e com que fim o teria feito, se é apenas um irónico e macabro aviso aos infelizes supliciados sobre o seu estado futuro, antes de se tornarem em terra, pó e coisa nenhuma. Mas também há quem afirme que este é o próprio crânio de Adão, subido do negrume profundo das camadas geológicas arcaicas, e agora, porque a elas não pode voltar, condenado eternamente a ter diante dos olhos a terra, seu único paraíso possível e para sempre perdido. Lá atrás, no mesmo campo onde os cavaleiros executam um último volteio, um homem afasta-se, virando ainda a cabeça para este lado. Leva na mão esquerda um balde e uma cana na mão direita. Na extremidade da cana deve haver uma esponja, é difícil ver daqui, e o balde, quase apostaríamos, contém água com vinagre. Este homem, um dia, e depois para sempre, será vítima de uma calúnia, a de, por malícia ou escárnio, ter dado vinagre a Jesus ao pedir ele água, quando o certo foi ter-lhe dado da mistura que traz, vinagre e água, refresco dos mais soberanos para matar a sede, como ao tempo se sabia e praticava. Vai-se embora, não fica até ao fim, fez o que podia para aliviar as securas mortais dos três condenados, e não fez diferença entre Jesus e os Ladrões, pela simples razão de que tudo isto são coisas da terra, que vão ficar na terra, e delas se faz a única história possível.

A noite ainda tem muito para durar. A candeia de azeite, dependurada de um prego ao lado da porta, está acesa, mas a chama, como uma pequena amêndoa luminosa pairando, mal consegue, trémula, instável, suster a massa escura que a rodeia e enche de cima a baixo a casa, até aos últimos recantos, lá onde as trevas, de tão espessas, parecem ter-se tornado sólidas. José acordou em sobressalto, como se alguém, bruscamente, o tivesse sacudido pelo ombro, mas teria sido ilusão de um sonho logo desvanecido, que nesta casa só ele vive, e a mulher, que não se mexeu, e dorme. Não é seu costume despertar assim a meio da noite, em geral não acorda antes de a larga frincha da porta começar a emergir do escuro, cinzenta e fria. Inúmeras vezes pensara que deveria tapá-la, nada mais fácil para um carpinteiro, ajustar e pregar uma simples régua de madeira que sobrasse duma obra, porém, a tal ponto se tinha habituado a encontrar na sua frente, mal abria os olhos, aquela vara vertical de luz, anunciadora do dia, que acabara por imaginar, sem ligar ao absurdo da ideia, que, faltando ela, poderia não ser capaz de sair das trevas do sono, as do seu corpo e as do mundo. A frincha da porta fazia parte da casa, como as paredes ou o tecto, como o forno ou o chão de terra apisoada. Em voz baixa, para não acordar a mulher, que continuava a dormir, pronunciou a primeira bênção do dia, aquela que sempre deve ser dita quando se regressa do misterioso país do sono, Graças te dou, Senhor, nosso Deus, rei do universo, que pelo poder da tua misericórdia, assim me restituis, viva e constante, a minha alma. Talvez por não se encontrar igualmente desperto em cada um dos seus cinco sentidos, se é que, então, nesta época de que vimos falando, não estavam as pessoas ainda a aprender alguns deles ou, pelo contrário, a perder outros que hoje nos seriam úteis, José olhava-se a si mesmo como se fosse acompanhando, a distância, a lenta ocupação do seu corpo por uma alma que aos poucos estivesse regressando, igual a fios de água que, avançando sinuosos pelos caminhos das regueiras, penetrassem a terra até às mais fundas raízes, transportando a seiva, depois, pelo interior dos caules e das folhas. E por ver quão trabalhoso era este regresso, olhando a mulher, a seu lado, teve um pensamento que o perturbou, que ela, ali adormecida, era verdadeiramente um corpo sem alma, que a alma não está presente no corpo que dorme, ou então não faz sentido que agradeçamos todos os dias a Deus por todos os dias no-la restituir quando acordamos, e nesta altura uma voz dentro de si perguntou, O que é que em nós sonha o que sonhamos, Porventura os sonhos são as lembranças que a alma tem do corpo, pensou a seguir, e isto era uma resposta. Maria moveu-se, acaso a alma dela estaria ali por perto, já dentro de casa, mas no fim não despertou, apenas andaria em afãs de sonho, e, tendo soltado um suspiro fundo, entrecortado como um soluço, chegou-se para o marido, num movimento sinuoso, porém inconsciente, que jamais ousaria quando acordada. José puxou o lençol grosso e áspero para os ombros e aconchegou melhor o corpo na esteira, sem se afastar. Sentiu que o calor da mulher, carregado de odores, como de uma arca fechada onde tivessem secado ervas, lhe ia penetrando pouco a pouco o tecido da túnica, juntando-se ao calor do seu próprio corpo. Depois, deixando descer devagar as pálpebras, esquecido já de pensamentos, desprendido da alma, abandonou-se ao sono que voltava.

Só tornou a acordar quando o galo cantou. A frincha da porta deixava passar uma cor grisalha e imprecisa, de aguada suja. O tempo, usando de paciência, contentara-se com esperar que se cansassem as forças da noite e agora estava a preparar o campo para a manhã chegar ao mundo, como ontem e sempre, em verdade não estamos naqueles dias fabulosos em que o sol, a quem já tanto devíamos, levou a sua benevolência ao ponto de deter, sobre Gabaon, a sua viagem, assim dando a Josué tempo de vencer, com todos os vagares, os cinco reis que lhe cercavam a cidade. José sentou-se na esteira, afastou o lençol, e nesse momento o galo cantou segunda vez, lembrando-lhe que se encontrava em falta de uma bênção, aquela que se deve à parte de méritos que ao galo coube quando da distribuição que deles fez o Criador pelas suas criaturas, Louvado sejas tu, Senhor, nosso Deus, rei do universo, que deste ao galo inteligência para distinguir o dia da noite, isto disse José, e o galo cantou terceira vez. Era costume, ao primeiro sinal destas alvoradas, responderem-se uns aos outros os galos da vizinhança, mas hoje ficaram calados, como se para eles a noite ainda não tivesse terminado ou mal tivesse começado. José, perplexo, olhou o vulto da mulher, estranhando-lhe o sono pesado, ela que o mais ligeiro ruído fazia despertar, como um pássaro. Era como se uma força exterior, descendo, ou pairando, sobre Maria, lhe comprimisse o corpo contra o solo, porém não tanto que a imobilizasse por completo, notava-se mesmo, apesar da penumbra, que a percorriam súbitos estremecimentos, como a água de um tanque tocada pelo vento. Estará mal, pensou, mas eis que um sinal de urgência o distraiu da preocupação incipiente, uma instante necessidade de urinar, também ela muito fora do costume, que estas satisfações, na sua pessoa, habitualmente manifestavam-se mais tarde, e nunca tão vivamente. Levantou-se, cauteloso, para evitar que a mulher desse pelo que ia fazer, pois escrito está que por todos os modos se deve preservar o respeito de um homem, só quando de todo em todo não for possível, e, tendo aberto devagar a porta que rangia, saiu para o pátio. Era a hora em que o crepúsculo matutino cobre de cinzento as cores do mundo. Encaminhou-se para um alpendre baixo, que era a barraca do jumento, e aí se aliviou, escutando, com uma satisfação meio consciente, o ruído forte do jacto de urina sobre a palha que cobria o chão. O burro voltou a cabeça, fazendo brilhar no escuro os olhos salientes, depois sacudiu com força as orelhas peludas e tornou a meter o focinho na manjedoura, a tentear os restos da ração com os beiços grossos e sensíveis. José aproximou-se da talha das abluções, inclinou-a, fez correr a água sobre as mãos, e depois, enquanto as enxugava na própria túnica, louvou a Deus por, em sua sabedoria infinita, ter formado e criado no homem os orifícios e vasos que lhe são necessários à vida, que se um deles se fechasse ou abrisse, não devendo, certa teria o homem a sua morte. Olhou José o céu, e em seu coração pasmou.

José Saramago

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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Grande Concerto Sinfônico

Um Teatro Tobias Barreto lotado recebeu na última quarta-feira, dia 16 de maio de 2012, o CORUFS – Coral da Universidade Federal de Sergipe, a OSUFS – Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Sergipe, e a OSVC – Orquestra Sinfônica Vale do Cotinguiba, para uma noite de comemoração alusiva aos 44 anos da UFS. Era o Grande Concerto Sinfônico, também chamado de “Rock Sinfônico”, parte do projeto UFS Cultura. Já tinha lido a respeito do evento no Facebook, mas me instiguei mesmo para ver depois de ouvir uma excelente entrevista com o maestro Ion Bressan no programa Mural, de Ricardo Gama e Isabela Raposo.

Seriam cerca de 300 músicos reunidos para a noite, o que provocou um verdadeiro congestionamento no palco. Nada muito grave: no final todo mundo se acomodou, o maestro se postou em seu tablado e a grande noite começou com a abertura da opereta “A Cavalaria ligeira”, de F. Suppé. Bela melodia, uma daquelas que todo mundo reconhece aos primeiros acordes. Por ali já deu pra notar a competência dos músicos envolvidos na empreitada ...

O segundo número foi um muito bem arranjado “pout-pourrit” de Aberturas clássicas que começou, como não poderia deixar de ser, com o pra lá de famoso som do destino batendo à nossa porta, o “tchan-tchan-tchan-tchan” da 5ª. Sinfonia de Ludwig Van Beethoven – na minha modestíssima opinião, o maior compositor que já pisou sobre a face da terra. Ok, pau a pau com Mozart, digamos assim, mas por uma questão de gosto pessoal, eu prefiro Beethoven. Não consigo lembrar quais foram as outras obras cujos trechos foram executados, mas lembro bem que os acordes da 5ª. pontuavam todo o número, “amarrando” a execução. Excelente.

A terceira peça foi, compreensivelmente, a mais ovacionada da noite: “A Marcha imperial”, de John Willians, nada menos que a música-tema do maior vilão da História da sétima arte: Darth Vader, de Star Wars (ou "Guerra nas Estrelas", como chamou o maestro, denunciando sua idade). Bressan falou na entrevista para o radio que chegou-se a cogitar que ele a executasse devidamente paramentado como o Lorde Sith, mas não encontraram uma fantasia adequada. Uma pena, teria sido ótimo! Perdão, teria sido ainda melhor, porque ótimo, foi.

Para o quarto número do programa o maestro pede um pouco de paciência da platéia para que um novo instrumento seja posicionado no palco. Tratava-se de uma máquina de escrever, objeto de museu, observou ele, provavelmente desconhecido de boa parte das pessoas presentes no recinto. Rodrigo Santos “tocou” a máquina (devidamente “afinado” ali na hora, sob o riso de todos), auxiliado por mais dois músicos que reproduziam o sino e o som que a dita cuja faz quando é preciso passar para uma nova linha. Era “The Typewritter”, de L. Anderson, escrita para ser executada por orquestra e máquina de escrever. Excelente composição, “redondinha” e divertida. Não conhecia ...

Já para “Floresta do Amazonas”, de Heitor Villa Lobos, o número seguinte, faz-se necessária a presença do Coral da UFS, que adentra o palco sob efusivos aplausos. O maestro, sempre bastante comunicativo e didático, nos explica que não há uma letra propriamente dita no canto daquele coral, apenas uma reprodução honomatopéica do que o compositor entendia ser alguns cantos indígenas. Muito bonito.

Numa determinada altura do espetáculo, que prosseguiu com o Coro dos Soldados da ópera “Fausto”, de Gounod, e a belíssima “Dies Irae” da “Missa Requien” de Mozart, o maestro foge ao protocolo para saudar o “magnífico” (acho este título meio ridículo, mas ok, quem sou eu para questionar este tipo de formalidade) reitor da UFS, Josué Modesto, e o empresário proprietário da empresa de Pisos e Revestimentos Escurial, patrocinadora do evento e, principalmente, da Orquestra do Vale do Cotinguiba – segundo ele, dois verdadeiros visionários, sem os quais nada daquilo seria possível. Para ilustrar o que estava dizendo, solicitou que viessem à frente do palco os dois mais jovens músicos da orquestra, dois gurizinhos que não deveriam ter mais que 4, 5 anos de idade, ressaltando que a maior dificuldade, no caso, não era ensiná-los a tocar violino, mas achar ternos que coubessem em seus diminutos corpos. Foram todos merecidamente ovacionados.

O oitavo número era um dos mais aguardados por mim: “O Bom, o mau e o feio”, que o genial Enio Morricone, um dos maiores compositores de trilhas sonoras para o cinema de todos os tempos, compôs para o filme homônimo do igualmente genial diretor Sergio Leone. Sou fã incondicional de ambos e adorei a versão, com detalhes muito bem sacados no arranjo para adaptar a melodia à formatação das orquestras e do coro.

Depois do Coro dos Ferreiros da ópera “Il Trovatore”, de Verdi, chegou a hora do momento “rock” propriamente dito, com a subida ao palco do guitarrista César Ribeiro, velho conhecido dos que freqüentavam shows do estilo na década de 90 do século passado, quando atuava com sua banda Samantha, para acompanhar a orquestra na execução de 4 momentos do musical “Jesus Christ Superstar”, de Andrew Lloyd Weber: “João 19:41”, “Overture” (Abertura), “Hosana” e “The last Super”. Os arranjos, também excelentes, eram mais uma vez do maestro Ion Bressan, que ressaltou que César estava tocando uma guitarra fabricada pelo conhecido luthier local Elifas Santana e que a mesma seria leiloada em prol do GACC – Grupo de Apoio à Criança com Câncer. O ganhador receberia o prêmio das mãos do célebre guitarrista Armandinho, cliente fiel de Elifas. Para contribuir e participar do sorteio, entre em contato com Danilo Barreto através do telefone (79) 3042-9171.

Encerrando os trabalhos, “Smoke on the water”, do Deep Purple, tocada por César e pela orquestra e cantada pelo coro e pela solista Vanessa Lockhart. Não foi ruim, evidentemente, mas acabou sendo o momento mais fraco da noite: a guitarra estava com o volume muito baixo e ficou um tanto quanto apagada e a pronuncia em inglês da solista deixou um pouco a desejar ...

Foi tão boa a noite que achei até curta demais – deu tempo, inclusive, de pegar a última sessão de “Os Vingadores” no cinema. Para mim, ignorante que sou do que acontece no mundo da música erudita, especialmente em nosso pequeno estado, foi extremamente gratificante conhecer o talento de pessoas tão dedicadas e competentes. Estão todos de parabéns, especialmente o maestro Ion Bressan, de quem já sou, assumidamente, um fã.

Que venha mais! Muito mais!

por Adelvan “Kenobi”

Mopho: Entrevista para o programa de rock

Mopho, de Maceió, Alagoas, é uma das melhores bandas de rock de todos os tempos. Ponto. Ano passado eles lançaram seu terceiro disco, volume 3. Abaixo, uma entrevista respondida pelo baterista, Hélio Pisca. Dois pontos:

programa de rock – Já faz um tempinho desde o lançamento do vol. 3 – como tem sido a repercussão do disco para vocês, ta dentro do esperado, superou ou frustrou as expectativas ? Ou não tinham expectativas ?

Pisca: Nós não havíamos criado expectativa com relação à repercussão, na verdade, quando lançamos o primeiro disco também não tínhamos essa expectativa. O que acontece é que ficamos tão concentrados na produção de um disco que nos satisfaça que acabamos esquecendo até da divulgação. O Bocão é o que fica mais ligado nessa parte.

pdrock  – E em termos técnicos e artísticos, de composição, arranjos e produção, vocês ficaram satisfeitos com o novo disco? Como vocês vêem este disco em relação aos outros 2 – e às demos ?

Pisca: Este disco teve uma pré-produção mais rápida que a dos dois anteriores. Tudo foi feito em 4 dias. Nós apresentamos as músicas uns para os outros no primeiro dia. Nesse mesmo dia começamos a ensaiar, e foi assim até o querto dia. No quinto fomos até um estúdio e já “matamos” todas as baterias e baixos. Lembro que tudo começou numa segunda e finalizamos a primeira etapa numa sexta. Ou seja, a base de tudo estava pronta, não dava pra mudar muita coisa. Os outros instrumentos e vozes foram gravados em horários vagos nos estúdios de amigos. É um disco que nos agrada bastante.

pdrock – Por onde tocaram desde o lançamento do disco? Quais os melhores shows, e por onde planejam tocar ainda divulgando o lançamento ?

Pisca: Nós fizemos o show de lançamento em Maceió, no Teatro Deodoro. Fizemos também um show em Curitiba, que foi muito bom. Alguns pocket shows. Estamos com planos de fazer vários shows pelo sudeste. Várias pessoas que curtem o nosso som tem mandado mensagens através de redes sociais, e através de vídeos do youtube, perguntando quando faremos shows em São Paulo, Rio, Vitória/ES (que é uma cidade que nunca tocamos), Salvador ... vamos fazer o maior número de shows possível, porque funcionamos melhor no palco. Vamos nos organizar pra tentar levar este novo show para outras capitais.

pdrock – Quantas vezes, exatamente, o Mopho já tocou em Sergipe? E quais foram as impressões deixadas em vocês por estes shows ?

Pisca: O Mopho já fez show em Aracaju, mas eu não estava nesta formação.

pdrock – Mopho formou-se em Maceió, mas as sementes da banda estão em Arapiraca (um conhecido meu, Ranildo, que morava lá, sempre me falava de vocês e de como eram talentosos já naquela época). Conte um pouco dessas origens: como vocês conheceram o rock and roll, e como era a relação de vocês com a cidade em que moravam? Havia uma “cena” rock por lá?

Pisca: Eu conheci o João quando ele já estava morando em Maceió. Eu tocava numa banda de blues chamada Água Mineral. Vi ele tocando em outra banda de blues, e achei ele um grande guitarrista e vocalista. Então chamei ele pra tocar conosco. Ele nos mostrou algumas canções dele e nós começamos a trabalhar nelas. A banda era um quinteto e se transformou num trio: Eu, João e o baixista Alessandro Arú (hoje baixista do Messias Elétrico). O João tocava numa banda cover dos Beatles – onde o Bocão era o baixista –  antes de sair de Arapiraca para morar em Maceió.

pdrock – E como foram os primeiros anos da banda em Maceió, como eram os shows, a “cena”, principalmente se comparada a hoje – melhorou ?

Pisca: O cenário musical em Maceió naquela época estava fervendo. Tinha um monte de bandas querendo fazer as próprias música. Mas havia uma grande influência do Manguebit, que nós adorávamos também, mas não tinha nada haver com o nosso som. Lembro que uma vez alguém comentou que nós “mofaríamos” se continuassem tocando Led Zeppelin, Deep Purple, Mutantes e todas essas coisas velhas que gostamos. Esse foi um dos motivos pra colocarmos o nome Mopho, o outro foi que o João tinha ouvido um disco do U2 que tinha uma música chamada “Mofo”.

pdrock – Calanca, proprietário da legendária Baratos Afins, foi uma espécie de “padrinho” de vocês no primeiro e segundo disco (me corrijam se eu estiver errado quanto a isto). Sabem dizer se ele ouviu este novo disco? Emitiu algum tipo de opinião a respeito?

Pisca: O Calanca continua sendo um grande amigo nosso. Como eu moro em São Paulo, de vez em quando eu faço uma visita a ele. Mas depois do lançamento do disco eu ainda não conversei com ele não.

pdrock – Qual a relação da banda com as novas tecnologias – acreditam ainda no conceito de álbum lançado em mídia física ou acham que o futuro é mesmo digital e “virtual”? O que o Mopho planeja para o futuro neste sentido – haverá um Vol. 4 ?

Pisca: Nós acreditamos, principalmente, no poder da canção. Acreditamos que uma boa canção soa linda quando tocada com apenas um violão ou piano, ou o que for, mas tocada da maneira mais simples. Pode parecer um ponto de vista velho e ultrapassado, mas é por onde começamos a compor. Depois colocamos tudo aquilo que achamos legal. O formato na qual onde esta canção vai ser divulgada, comercializada, distribuída, não importa muito pra nós. Mas adoramos um bom disco de vinil.

pdrock – Vocês, como músicos/artistas, dedicam-se, hoje, exclusivamente ao Mopho ou há projetos paralelos ? Se sim, fale-nos do que se trata.

Pisca: Eu moro em São Paulo e trabalho num estúdio. Atualmente tenho vários projetos como músico, um dele com minha esposa que é flautista e pianista. Tocamos muita música brasileira e cubana (pois ela é de Cuba). Mas minha prioridade é o Mopho.

pdrock – Espaço aberto para as considerações finais e para falar algo que considerem importante e sobre o qual não foram questionados.

Pisca: Queremos fazer um grande show em Aracaju! Estamos devendo isto pra uma turma muito boa que conhecemos lá e para todos que curtem a banda.

Adelvan perguntou
Pisca respondeu

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Avião ...

E moto, carro, cachorro, criança, banda de rock tocando, pessoas passando na frente da câmera e entrevistados pouco a vontade ao serem filmados. Assistir aos “Erros de gravação” do DVD “Fanzineiros do Século Passado - Capítulo 2: O fanzine a serviço do rock, os fanzineiros deste século e os estímulos para a produção impressa” nos dá uma idéia das dificuldades passadas por Marcio Sno para concluir sua obra. E olha que é uma trilogia, ainda falta a terceira parte ...

Nunca tive problemas com a palavra “amador”. Porra, vem de “amar”. Amadores devem amar o que fazem, já que, justamente por não serem profissionais, não trabalham em troca de remuneração. O problema é que associou-se esta simpática palavra a algo feito às pressas, sem dedicação ou esmero – “nas coxas”, pra ficar num termo mais chulo e popular. Mas não precisa ser assim, e o filme do Sno é um grande exemplo disto. Salta aos olhos que não foi feito por profissionais: é gritante a disparidade de qualidade entre imagens e a deficiência na captação de som de alguns (muitos) trechos. Isto não o torna, no entanto, menos atraente, e muito menos menos importante. Pelo contrário: confere ao trabalho um certo charme alternativo que se confunde com o próprio objeto abordado, o universo dos fanzines e da chamada “imprensa alternativa” em geral. 

O capricho aparece já na apresentação do DVD, que vem embalado por um belíssimo livreto que é, por si só, um fanzine xerocado. Ótima cópia, por sinal. Valoriza o trabalho dos colaboradores - uma coisa que me irritava muito nos meus tempos de correspondência era quando eu recebia um material de qualidade com uma cópia sofrível. Na capa, Henry Jaepelt, e no miolo textos explicativos assinados por Cecilia Fidelli e pelo próprio Sno (os não assinados acredito que sejam dele) emoldurados por ilustrações de Marcatti, cópias de páginas de zines diversos e tirinhas produzidas por Pedro de Luna e Maria Jaepelt.

O disco é personalizado e vem num  envelope dentro do “zine”. Ao colocá-lo no DVD player, sugiro diminuir primeiro o volume da televisão, especialmente se você estiver vendo de madrugada com a mulher dormindo no quarto ao lado, porque os riffs toscos do primeiro disco da Gangrena Gasosa, que servem de trilha para o menu, explodirão nos alto-falantes. Na tela aparecerá a imagem da capa numa reprodução nítida em fundo colorido com os itens a serem escolhidos: além do documentário em si, os extras trazem a primeira parte do filme, o treiler e os já citados erros de gravação – 17 minutos hilários onde se destaca a luta de entrevistador e entrevistados contra, principalmente, o barulho dos aviões e uma simpática dobermam que insiste em se fazer ouvir até, finalmente, dar as caras no canto da tela ...

Um grande problema da primeira parte foi resolvido de forma elegante por Sno: à medida que os personagens vão se manifestando, muito do que é dito é ilustrado na tela com legendas (em fontes bonitas e legíveis) e imagens (muito bem diagramadas). Enriqueceu muito o resultado final, visualmente falando. Já os conceitos e tópicos abordados, por sua vez, aparecem um tanto quanto fragmentados pela edição ágil porém excessivamente picotada, na maior parte do tempo. Este aspecto melhora no final, quando o filme passa a enfocar algumas experiências específicas, como a Ugra (que não se sabe bem o que  é, se uma editora, um blog ou um fanzine, ou tudo ao mesmo tempo agora – o mais provável), o Zinescópio (este sim, definitivamente um blog, dedicado a disponibilizar scanners de fanzines originalmente publicados em impressos de papel) e a Livraria HQ Mix.

Personagens mais ou menos famosos e semi-anônimos desfilam nos 60 minutos de filme falando principalmente de São Paulo (normal, lembro que, quando eu estava “na ativa”, cerca de 60% da correspondência que recebia vinha de lá), mas também de Londres, do Canadá, Rio de janeiro, Rio Grande do Sul e Paraíba. O autor não viajou até lá para gravar as imagens, elas foram captadas e enviadas poramigos e colaboradores, o que resulta numa ligeiramente desconfortável diferença de som e imagem que faz você ora ver tudo nitidamente, ora não ver quase nada, como no caso das entrevistas com Wander Wildner, BNegão e Bacalhau do Autoramas, que foram feitas com iluminação precária no Backstage de algum show. Além disso, terá que regular o volume da TV a todo momento - especialmente se estiver na condição de não poder perturbar o sono de alguém, como no meu caso.

No final das contas o saldo é pra lá de positivo e já é, definitivamente, um marco no que se refere ao registro do que se propõe a registrar. Não é completo porque o tema é por demais amplo e difícil de ser avaliado por nível de importância – alguns dos personagens retratados, por exemplo, me eram totalmente desconhecidos ou conhecia apenas vagamente de nome, mas parecem ter atuado de forma decisiva no cenário de um modo geral. Nem tudo chegava a mim, afinal. Não chega, nem poderia chegar.

Mas confesso que o que mais me emocionou, de tudo, foi a dedicatória que encerra a exibição: além da merecidíssima porém mais que esperada citação ao grande Redson, do Cólera, são lembrados também Joacy Jamys, um verdadeiro baluarte do cenário alternativo nacional, falecido há 5 anos, e, aí sim, para minha surpresa, o meu grande amigo de fé, irmão e camarada Marcos OF, do Rio de Janeiro. Surpresa porque ele era um cara discreto que não fazia muito alarde do que fazia e, que eu saiba, publicou apenas duas edições de seu simpático fanzine “Meleka Korroziva” no início da cada vez mais distante década de 1990 do século passado. Se foi de forma abrupta e inesperada, ainda muito jovem – tinha a minha idade, 40 e poucos anos. Fiquei muito feliz em ver que não foi esquecido ...

A primeira tiragem do DVD, de 200 cópias, está esgotada, mas eu imagino que se muita gente começar a pentelhar o Sno requisitando sua parte que lhe cabe nesse minifúndio ele vai acabar cedendo e imprimindo mais algumas unidades. Comece agora, mandando um e-mail para marciosno@gmail.com, clicando em  Márcio Sno para mandar um recado via facebbok ou acessando o blog http://marciosno.blogspot.com


Para assitir On line, clique aqui.

por Adelvan





Clube do jazz, por Pablo Carranza

Assim como o programa de rock, o programa Clube do Jazz, que vai ao ar todas as quartas, sempre às 20:00, pela 104,9 FM em Aracaju, está fazendo 5 anos. Para comemorar a data, recebeu um presentaçõ de um talentoso ouvinte: uma HQ produzida por Pablo Carranza, que reproduzo abaixo. clique nas imagens para ampliar.

http://programaclubedojazz.wordpress.com/

http://pablocarranza.com.br/





segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ação entre amigos

Um grupo de camaradas meus, capitaneados pelo cineasta e artista plástico Marcelo Roque Belarmino, tem se dedicado, já há alguns anos, a produzir uma série de curta-metragens bem interessantes sobre o folclore sergipano. O primeiro, “As Aventuras de Seu Euclides: Parafusos”, de 2007, tinha um roteiro um tanto quanto truncado e uma realização beirando o amadorismo, com destaque apenas para os caprichados cenários pintados por Jamson Madureira. Ainda assim, era uma realização acima da média no sofrível cenário audiovisual sergipano.

No segundo, no entanto, houve um salto de qualidade. Chama-se “As Aventuras de Seu Euclides: Chegança” e conta com uma impressionante cenografia que incluiu a construção de uma caravela em miniatura para contar a história de marinheiros da época do descobrimento do Brasil às voltas com tempestades, calmarias, contrabando e brigas entre si e contra os mouros infiéis seguidores de Maomé. Foi rodado aqui mesmo onde escrevo estas linhas, num galpão à época abandonado nos fundos da empresa de minha família (orgulho-me disto, apesar de algumas complicações ocorridas e do fato de eu, pessoalmente, ter contribuído pouco, admito, para a realização) e tornou-se um verdadeiro marco na produção local.

Pois bem: Amanhã será lançada a terceira parte da série, "Lambe Sujo e Caboclinhos”. Reproduzo, abaixo, um texto sobre o assunto assinado pela jornalista Suyene Correia e publicado originalmente em seu Blog, o Bangalô Cult. Mais uma da Escarro Napalm Unauthorized reproductions inc. ...

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O diretor Marcelo Roque Belarmino lança, amanhã, às 20h, no Teatro Atheneu, seu terceiro curta de animação: “As Aventuras de Seu Euclides Lambe Sujo e Caboclinhos”. Não será a primeira vez, contudo, que o público (seja infantil ou adulto) dedicará alguns minutos de suas vidas para se deliciar com os causos de Seu Euclides.
Tendo feito sucesso local e nacionalmente (marcando presença em alguns festivais de cinema), “As Aventuras de Seu Euclides Parafusos” (2007) e “As Aventuras de Seu Euclides Chegança” (2008) tornou-se um marco na história da produção audiovisual sergipana, não só pela escolha do gênero (praticamente inexplorado) mas, sobretudo, pela concepção técnica.

Com uma equipe de cinema amadora, que foi se profissionalizando ao longo do tempo, Marcelo Roque conseguiu “tirar leite de pedra”, arriscando-se num campo da animação, onde graças à habilidade e competência do artista Anselmo Seixas (criador dos bonecos esponjosos que são os personagens das aventuras), conseguiu um resultado acima da média para os padrões de produções audiovisuais locais.

A cada episódio, uma aula de cultura popular para os baixinhos e altinhos que muito ignoram a formação de nosso rico universo folclórico. Nas primeiras aventuras, separadas por um espaço de dois anos, o velho e simpático Euclides debruça-se sobre a formação dos Parafusos e da Chegança.

Nessa nova aventura, Seu Euclides e Dourada estão voltando da pescaria quando são surpreendidos por dois Lambesujos pedindo ‘ioio’. O Jeguinho dá um susto neles e Seu Euclides conta a história do tempo da escravidão na cidade sergipana de Laranjeiras, onde surgiu uma rivalidade entre os índios Caboclinhos e os negros Lambesujos. Os negros estão fugindo para o Quilombo e o Senhor de Engenho precisa da ajuda dos índios para destruir o quilombo e recuperar seus escravos.

Patrocinado pelo Programa BNB de Cultura 2011, com verba girando em torno de R$ 40 mil, o curta “As Aventuras de Seu Euclides Lambesujo e Caboclinhos” foi realizado com equipamentos da produtora WG e, tecnicamente falando, o resultado é superior aos filmes anteriores. Outro ponto que deve ser ressaltado é a direção de fotografia, feita por Damien Chemin, que contou com equipamentos da Quanta (paga em parte como prêmio recebido no Curta-SE 10).

“Esse é o ultimo episódio dessa forma de produção individual, já que é muito trabalhoso produzir assim, onde perde-se na uniformidade dos episódios, pois a produção e a tecnologia de softwares e equipamentos fica logo obsoleta. A ideia agora é fazer uma minissérie com seis episódios, já pensado para a TV”, explica o diretor Marcelo Roque, que também assina o roteiro e a montagem do filme.

Depois da première de amanhã, no Teatro Atheneu, ocorrerão sessões de lançamento na cidade de Laranjeiras, no SESC/centro e no Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira, para discussões e avaliações do público para com a obra.