O hímen e a sexualidade de Nossa Senhora
Por Bruno O. Barros
Publicado no site BOMPRABURRO em 30 de setembro de 2009
Hoje, dia 30 de Setembro, celebramos 4 anos da publicação dos cartuns de Maomé num jornal dinamarquês que ninguém sabia que existia até então. O mundo religioso resmungou numa celeuma sem fim durante meses, até que a Dinamarca pedisse desculpa pelo “erro”. Faz 4 anos, portanto, que o dia de hoje é oficialmente chamado de Dia Internacional da Blasfêmia. Pelo menos — como os negros, mulheres, índios e árvores — ganhamos um dia oficial. Um dia que serve para nos lembrar que a religião (seja ela qual for) não merece mais respeito que qualquer outro tipo de crença. Em outras palavras, Jesus Cristo merece tanto respeito quanto Papai Noel, o Coelhinho da Páscoa ou o Lobisomem. Crença é crença e nenhuma é melhor que a outra. Se é aceitável falarmos determinadas coisas a respeito da existência de seres extraterrestres, também o é a respeito do Jesus bíblico.
Então, passeando entre blogs que estão homenageando o dia de hoje, dei de cara com uma imagem hilária, mas que me fez refletir verdadeiramente sobre o assunto. Maria supostamente teria dado à luz Jesus, que na verdade nunca foi seu filho, já que Jesus é filho unicamente de Deus e Maria teria sido nada mais que o meio pelo qual Deus colocou Jesus na Terra; ou seja, uma tipo de barriga de aluguel que tornou-se mãe adotiva. É engraçado pensarmos na possibilidade de Deus ter precisado de Maria para tal, já que o Senhor tinha o poder de transformar barro em homem e costela em mulher sem precisar barriga alguma, e talvez tenha sido a dificuldade de explicar isso que levou a tradição cristã a elevar a figura de Maria a algo muito maior que seu papel nos evangelhos (bastante limitado) e supor que Deus escolheu conceber Jesus como um ser humano comum a fim de dar um significado ambíguo à sua existência (já que de comum Jesus não tinha nada; não é qualquer um que ressuscita os mortos) e depositar um fardo calculado ou profético nas costas de uma determinada Maria. De qualquer modo, não fujamos do tema. Não é a figura mítica de Jesus que questiono aqui (farei isso em outras ocasiões), mas a virgindade de Maria. E pra mostrar que esse é o tema central do post, vou até mudar de parágrafo.
Primeiro, é importante lembrarmos que tem muita gente por aí que se diz cristã, mas que relativiza a virgindade de Maria e esquece que fazer isso é questionar um dos pontos-chave do que faz Jesus ser especial: ele é filho de Deus, e só de Deus, e a maior prova material disso é que ele nasceu de uma mulher virgem. Eu não entendo cristãos do tipo “Tanto faz se Maria era virgem, não importa como Jesus nasceu”, quando, na verdade, o nascimento de Jesus é um dos pontos centrais do seu personagem. Para você acreditar em Jesus, é necessário acreditar na concepção virginal, caso contrário, você não acredita em Jesus, mas apenas num homem chamado Jesus que nasceu no Oriente Médio em algum momento entre 6 a.C. e 6 d.C., que profetizou algumas coisas bacanas, foi preso por formação de quadrilha e morto pelo exército romano. E só. O Jesus bíblico é outro. É o Jesus que dá origem à designação “cristão”, o Jesus que nasceu de uma virgem. “Tá certo, tá certo”, diz o cristão contemporâneo, “você me convenceu que Maria era virgem quando Jesus nasceu… mas ela pode ter perdido a virgindade depois, afinal ela era casada.” E eu respondo: Errado! A não ser que você não aceite Maria como a grande santa da Igreja Católica, ela morreu virgem e foi levada aos céus de corpo e alma. Inclusive, o fato de ter morrido virgem foi uma das características que conferiram à Maria o título de santa mãe de todas as santas. Ela, para o cristianismo, nasceu e morreu virgem. Virgem mesmo. Com selinho e tudo.
Acabamos, portanto, de entrar numa questão interessante. O que é virgindade? Maria era considerada virgem quando teve Jesus, mas essa era apenas uma virgindade médica? Afinal, tecnicamente falando, a mulher só perde a virgindade com o rompimento do hímen e por muitos e muitos anos essa foi a noção de virgindade corrente na sociedade. Não há muito tempo, os homens precisavam ver o sangue escorrendo da vagina da mulher na noite de núpcias. O sangue matava aquela pulga atrás da orelha, era a prova de que sua mulher era imaculada, que não havia sido tocada por mais ninguém. Aí eu fico me perguntando, os homens não pensavam por nenhum momento “Será que ela já chupou uma rola?” Segundo o grande Bill Clinton, sexo oral não é sexo e pronto. Alex de Castro, por outro lado, costuma relativizar a questão: lamber uma mulher de cima a baixo, sem penetrar nada, é sexo? Chupar o dedão do pé da sua companheira durante horas é sexo? Sexo anal é sexo? Afinal, o que é sexo para quem prega a virgindade de Maria? Na verdade, a pergunta é circular: o que é virgindade para quem prega a virgindade de Maria? É a virgindade médica, a do hímen, ou é a virgindade do dedão chupado?
Se, em algum momento, o carpinteiro José tivesse masturbado-a fazendo uso das mãos , ela ainda poderia conceber Jesus? E se algum amigo de José penetrasse-a no ânus enquanto ela fazia sexo oral no noivo, isso a desqualificaria como barriga de aluguel do filho do Senhor? São questões complexas. Ou devemos supor que Maria não tinha sexualidade, que ela não tinha desejos, que ela nunca se imaginou fazendo sexo com dois caras ou, pelo menos, com o seu marido fazendo sexo oral nela numa daquelas noites quentes do Oriente Médio? Se Maria não tinha sexualidade, não é de se estranhar que o personagem José suma logo após as primeiras páginas de cada um dos quatro evangelhos não-apócrifos.
O mais interessante é que se considerarmos que o cristianismo supõe uma Maria assexuada e tecnicamente virgem, fica difícil entender como o hímen manteve-se intacto mesmo após o nascimento do pequeno Jesus. Seria fisicamente impossível que Jesus atravessasse o hímen da mãe sem rompê-lo. “Mas para o Senhor, não há limites”, um cristão qualquer diria. A questão, porém, é que se Deus teria conscientemente submetido Jesus a um nascimento comum, porque diabos ele faria uso de seus grandes poderes para preservar o hímen de Maria? Imagine só, no momento em que Maria estava parindo, Deus tinha que fazer com que o corpo de Jesus ultrapassasse magicamente o hímen da mãe, sem feri-lo. Sim, parece uma tarefa fácil para o Deus bíblico, mas, ao mesmo tempo, soa contraditório ao seu suposto desejo de que Jesus passasse por tudo aquilo que um ser humano comum passaria.
Essas são questões pelas quais todos os cristão deveriam refletir antes de rezar pela Virgem antes de dormir.