quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Necro, de volta ...

Black Sabbath é a principal influência e o novo disco da Necro, de Alagoas, já começa numa pegada “Hard” a la “Never say die”, com “Noite e dia” – que apresenta, também, as novidades mais perceptíveis em relação ao trabalho anterior: as letras em português e uma maior participação da guitarrista Lillian Lessa nos vocais – aqui, de apoio, mas em algumas faixas seguintes ela assume o vocal principal. Com um ótimo resultado! Banda boa é assim, tem talento sobrando ...

“Dark Redemption”, já conhecida – foi o primeiro single do álbum – vem na sequencia com mais um riff “sabbático” conduzindo a musica em toda a sua primeira parte. A letra é em inglês, mas o vocal é de Lillian. Um novo – e excelente – riff é apresentado na segunda parte, muito bem amarrada por solos de guitarra econômicos e precisos e com um refrão marcante.

“Creatures from the swamp”, a terceira faixa, já começa num clima mais sombrio, com uma bela linha de baixo logo acompanhada pela guitarra, que explode em mais um – isso mesmo, mais um! Que bom! – riff tipicamente “sabbático”. Novamente Lillian nos vocais, novamente mandando muito bem! A psicodelia dá as caras rapidamente no meio da musica, mas cede lugar a um solo de guitarra intercalado por um fraseado que deságua num excelente solo de ... bateria! Muito lindo ver uma banda nova incluir um solo de bateria em meio a uma gravação de um disco em pleno século XXI! Sem medo do "anacronismo"! Sem medo de ser feliz ...

O solo termina com – surpresa! – mais riffs diretamente inspirados na obra imortal de Sua Majestade "Antonio" Iommi, primeiro e único, e a musica segue até o final mesclando solos de guitarra e climas psicodélicos, com a providencial adição de teclados. Perfeita!

“Grito”, o segundo single, é cantada em perfeito português por Pedrinho, com uns backing vocais muito legais da Lillian. A terra natal é evocada na letra, que fala de canaviais – Alagoas é um dos maiores produtores nacionais de cana-de-açucar. E eis que na faixa seguinte, “17 Horas”, nos deparamos com a maior surpresa do disco: uma balada, belissimamente cantada por Lillian! O ritmo lento e naturalmente mais suave, no entanto, é intercalado com passagens mais rápidas e vigorosas, tudo amarrado por um arranjo rico, com cordas e teclados em perfeita sintonia.

A essa altura do campeonato torna-se evidente a grande evolução da banda em relação ao excelente disco anterior, “The Queen of Death” – o que é um feito e tanto! Mas há, também, uma linha de continuidade no trabalho do grupo, evidenciada pelo fato de que duas faixas, "Dark Redemption" e "Creatures from the swamp", são regravações do primeiro EP. E você ainda nem chegou ao fim da audição ...

O “grand finale” vem com “Mente profana”, que, apesar do título em português, é cantada em inglês. Mais climas psicodélicos pelo meio – de uma excelente composição, com bela melodia, grandes riffs e uma ótima introdução – cortesia do excelente baterista Thiago Alef - que, por sinal, entrega uma perfomance impressionante. Todos são ótimos, na verdade! Tudo é lindo, maravilhoso! “Necro” é sensacional! Minha “banda nova” favorita, ao lado – mas à frente – do Far From Alaska, de Natal, Rio Grande do Norte.

Estarão de volta a Sergipe neste final de semana para lançar o disco novo. Serão dois shows inusitados: tocarão no sábado em Itabaiana no bar do Eduardo “Insulto”, ao lado do Batalhão da Polícia Militar – na verdade será na casa do indivíduo, o que certamente garantirá, apesar do inevitável aperto, um clima mais aconchegante! Porque é sempre melhor assim, com todo mundo junto, em clima de confraternização ...

Já no domingo a situação se inverte, pois o show será ao ar livre, em mais uma edição do evento “Clandestino”. O clima de celebração, no entanto, está igualmente garantido, a julgar pelo que foi visto nas edições anteriores.  Dia 28, às 17 Horas - no crepúsculo, portanto. Horário pra lá de apropriado! O local é tradicionalmente informado via facebook apenas no dia marcado. Clique aqui para acessar a página – lembre-se que não é necessário estar conectado ao facebook para ter acesso às informações.

E aqui você ouve – e baixa – o disco.

IMPERDÍVEL !!!

A

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terça-feira, 9 de setembro de 2014

Max & Igor, juntos e ao vivo ...

Demorou 23 anos, desde que os vi no Rock In Rio II, no Maracanã, lançando o disco “Arise”, mas aconteceu domingo, dia 7 de setembro, em Salvador, meu reencontro com os irmãos Cavalera juntos num palco. Já vi Sepultura algumas vezes desde então – uma delas aqui mesmo em Aracaju, ainda com Igor na bateria – mas é diferente. Não gosto de Sepultura com Derrick Green. Do meu ponto de vista, ver um show do Cavalera Conspiracy é, hoje em dia, o mais próximo que você pode chegar da experiência do Sepultura na formação clássica.

Chegamos no horário marcado no site apenas pra saber que o show havia sido adiado para duas horas depois. Má noticia, já que a idéia seria voltar para Aracaju ainda naquela noite de domingo, por conta de compromissos na segunda pela manhã, mas normal. Coisas do rock. Casa cheia, público razoável – cerca de 500 “cabeças”. Entramos a tempo de ver parte do show da banda de abertura, Capadócia. Competente.

Não teria despencado linha verde afora se o show tivesse sido do Soulfly, devo confessar, mas também não concordo com a opinião de minha querida amiga Maíra Ezequiel de que Max sem Igor não é nada. Ele é tosco pra cacete, rosna, não canta, toca guitarra de maneira primitiva – o que se reflete em suas composições, evidentemente – mas foda-se: o cara é foda. Emana uma aura meio inexplicável que faz com que você se identifique instantaneamente com sua energia e atitude. Deve ser o que chamam por aí de “carisma” ...

E foi essa aura que dominou o ambiente assim que ele adentrou o palco da casa de shows “The Hall”, na Pituba – no mesmo estilo mas bem melhor, mais espaçosa e elegante do que a “nossa” Infinity Club, onde uma semana antes eu havia visto o Krisiun. A catarse já havia se iniciado alguns segundos antes, quando a silhueta de Igor ficou visível por trás da bateria, mas Max é o “frontman”, é ele que “levanta a massa”.

Sem muitas delongas, tome paulada no pé do ouvido: “Inflikted”, primeiro “single” deles, abre os trabalhos em grande estilo, já que é uma boa musica. Segue ok com “warlord”, mas o bicho começa realmente a pegar quando rola a introdução de “Beneath the remains”, clássico do Sepultura, nos alto-falantes. E quando eu falo em “bicho pegando”, em termos de Salvador, é porque lá o bicho pega MESMO: “pogo” – ou “slam dancing”, “clube da luta”, o que seja – violentíssimo, SEMPRE! A “roda” lá é pros fortes mesmo, nada da “ciranda cirandinha” que se costuma ver no Recife, por exemplo. Bonito de ver a cena, apreciada de uma distancia segura por mim – a idade somada a duas cirurgias no cotovelo e quase um ano de fisioterapia por conta dessa “brincadeirinha” deixaram marcas ...

O set list é espertamente distribuído entre coisas mais antigas, do Sepultura – sempre as mais aclamadas, claro, e com razão, clássico é clássico – e novas, do Cavalera. Com duas exceções: “Orgasmatron”, do Motorhead – só um trecho, de improviso – e “Wasting Away”, do Nailbomb – ambas tocadas de modo desleixado, mas com uma energia bruta contagiante. Idem para a novíssima “Bonzai Kamikaze”, que eu curti muito na versão de estúdio mas ao vivo ficou quase irreconhecível, uma merda. Os grandes destaques da noite, pra mim, foram “refuse/resist” e “Territory”, que não por acaso fazem parte do repertório de meu disco favorito, “Chaos AD”. “Roots Bloody Roots” também foi foda – pensei que Max fosse mencionar o clipe, gravado na Bahia ...

por Maíra Ezequiel
Não foi um show perfeito, mas foi muito bom. Max demonstrava um certo cansaço e é nítida a falta que Andreas kisser faz, mas teria valido a pena o esforço apenas para ver o segundo melhor baterista de Heavy Metal do mundo em ação. Puta que pariu, caralho, o cara é muito bom! E ainda é bonito, o “fi-da-peste”! Chega a ser engraçado o contraste dele com Max, mais evidente no final do show, quando os dois agradecem ao público abraçados no palco – um super em forma, de cabelo cortado e figurino sóbrio, o outro gordo, detonado, com imensos dreadlocks podres e o velho conhecido figurino “camuflado” em tons de cinza. Mas acima de tudo, muito bom ver a bonita amizade e a cumplicidade que os une, do tipo que consegue se comunicar com uma simples troca de olhar.

Fim de festa, volta pra casa tranqüila madrugada adentro.

Valeu, Salvador!

Quero mais!

A.

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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Silvas diferentes ...

The Smiths
Há uma ideia no Brasil de que os pobres são todos iguais. É uma visão de senso comum, mas que assinala a análise também de intelectuais. Ela explica a afirmação de que Luiz Inácio Lula da Silva e Marina Silva têm biografias parecidas – e a de que Marina teria sido a sucessora mais natural de Lula, não fossem as divergências que a levaram a deixar o Ministério do Meio Ambiente e depois o PT. Para chegar ao poder num país desigual como o Brasil, Lula e Marina fizeram uma travessia impressionante, uma espécie de jornada de herói. Mas as semelhanças acabam aí. Há enormes diferenças entre a trajetória de um filho de sertanejo que fez o caminho de São Paulo e se tornou operário e depois líder sindical, na região mais industrializada do país, e a trajetória de uma filha de seringueiro, seringueira ela também, na floresta amazônica, que iniciou sua carreira política em um estado como o Acre. Para alcançar a riqueza desse momento histórico do Brasil é preciso compreender que os Silva são diferentes.

Lula e Marina são ambos filhos do Brasil, mas de Brasis bem diversos. E é exatamente por causa de diferenças fundamentais de visões de mundo que, a certa altura, Marina não encontrou mais lugar no projeto do “lulismo”, usando a expressão do cientista político André Singer. A explicação para que a inserção de milhões de brasileiros, no governo Lula, tenha se dado pela via do consumo, é complexa. Mas pelo menos uma parte dela pode ser encontrada no desejo de Lula. No que significa para um operário ascender na escala social. Casa melhorada, roupa boa, geladeira nova e cheia, TV de tela plana, um carro na garagem.

Lula não encarna o sertanejo com uma relação íntima com o sertão, entendido aqui como natureza e cultura. Mas o movimento de transição de um mundo decodificado como passado, para um outro que é futuro. Ele é filho de uma família retirante que queria primeiro fugir da fome, depois subir na vida pelo ingresso na fábrica, pela via do “progresso” e da industrialização. Vencer na vida no mundo do Outro, apropriando-se dele e tornando-o seu pelo acesso aos seus signos. É esse universo de sentidos que ele compreende e com o qual dialoga, talvez como nenhum outro político da história do país. E é para estes pobres que seu governo significou inclusão social.

Marina, não. Ela se cria na floresta e é moldada por ela. Seu pai, migrante nordestino, tinha naquela região amazônica um ponto de chegada. Mesmo quanto a família tentava sair, era para o seringal que acabavam voltando. A iniciação política de Marina se dá nos “empates”, uma tática de resistência na qual homens, mulheres e crianças se dão as mãos para fazer uma corrente em torno da área ameaçada e impedir o seu desmatamento – e, com ele, sua expulsão daquele mundo. O mentor de Marina é Chico Mendes e a luta ali, naquele momento, é expressão de uma relação profunda com a mata, na qual um não se reconhece sem o outro. É uma luta por permanência, não por partida.

O conhecimento que funda Marina, analfabeta até os 16 anos, está contido nessa cultura em que é preciso saber a vocação de cada pé de pau para dominar a tecnologia complexa que permite a sobrevivência, na qual a terra não é mercadoria, mas vida. Sua capacidade de fazer a ponte entre esse saber, transmitido de geração em geração pela oralidade, com a palavra escrita, os livros e a produção acadêmica, é um dos capítulos mais bonitos da sua biografia. Marina só vai chegar ao centro-sul aos 36 anos de idade, já como senadora. Seu movimento pelo mapa se dá com o objetivo de levar ao coração do poder político o universo de sentidos do mundo que deixou não como passado, mas para que possa ser futuro. Se para Lula a possibilidade de ascender está na inclusão no mundo do Outro, para Marina o Outro é aquele que se experencia para alcançar a si mesmo.

Não se trata de dizer que Lula é melhor do que Marina – ou Marina melhor do que Lula. Apenas assinalar que Lula e Marina, os fenômenos políticos mais interessantes da história recente do país, carregam experiências diferentes de brasilidades. Às vezes, as necessidades imediatas da disputa eleitoral borram as nuances mais fascinantes. Se a ascensão de Lula ao poder já produziu no Brasil, só pelo fato em si, uma enorme mudança simbólica, a de Marina ainda é potência e incógnita. A incógnita aqui não colocada como um defeito, mas como possibilidade.

É bastante claro por que Dilma Rousseff, uma mulher urbana, de classe média, com tendência desenvolvimentista, tenha sido, para Lula e o conjunto de valores que o constitui, uma opção muito mais lógica como sucessora. Dilma é alguém com quem Lula tem muito mais afinidades do que Marina, apesar das evidentes diferenças entre eles. É nos sucessivos embates com Dilma, quando esta era ministra de Minas e Energia e depois ministra-chefe da Casa Civil, e Marina ministra do Meio Ambiente, que a ex-seringueira vai perdendo espaço dentro do governo do ex-operário e, em seguida, do Partido dos Trabalhadores. É óbvio que as opções de Lula e do PT se devem a questões de ordem política e econômica, a maioria delas bem pragmáticas, mas não se pode nem se deve esquecer a influência do universo de sentidos que forma o homem e do lugar a partir do qual ele enxerga o país. Para ser objetivo é necessário jamais perder de vista as subjetividades.

A partir do final do segundo mandato de Lula, algumas das lideranças históricas dos movimentos sociais na Amazônia, como por exemplo Antonia Melo e o bispo Don Erwin Kräutler, ambos do Xingu, começam a perceber que o ser/estar no mundo dos povos da floresta, se antes pelo menos em tese tinham lugar no governo, já não têm mais espaço. E, a partir de Dilma Rousseff, nem mesmo interlocução. Para eles, a hidrelétrica de Belo Monte tornou-se a prova definitiva de que o projeto para a Amazônia de Lula e de Dilma guardava semelhanças com o da ditadura civil-militar: a floresta seguia sendo um corpo para exploração, e os povos da floresta um entrave a um tipo de desenvolvimento que nega sua existência e seu modo de vida. Nesse olhar, a Amazônia, para virar futuro, precisa tornar-se passado.

Lula – e Dilma ainda menos do que ele – pouco entendem dessas outras formas – e é importante assinalar que elas tampouco são homogêneas – de perceber o Brasil e de viver no Brasil. Mas, talvez mais grave do que não compreender outras maneiras de ser brasileiro é não achar que é preciso compreender. Compartilham essa ignorância com uma parte significativa da população, para a qual a Amazônia é longe demais em múltiplos sentidos, o que torna mais fácil perpetuar os crimes contra povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Assim como continuar ignorando, apesar dos sinais inequívocos que já marcam a vida cotidiana, que a mudança climática e as questões socioambientais nela implicadas são, senão o maior, um enorme desafio para qualquer governante desse tempo. Para essa parcela da população, o sonho de todo índio ou ribeirinho é ser pobre na periferia de uma cidade grande. E a pauta socioambiental é coisa de idealistas, sonhadores ou “ecochatos”, incapazes que são de perceber tanto a crise do planeta quanto o fato de que questões como saneamento básico, escassez de água e proliferação da dengue são socioambientais.

Em 2011, quando se começava a implantar o canteiro de Belo Monte, na região de Altamira, no Pará, passei um dia com o chefe de uma das famílias que seriam obrigadas a deixar a terra onde viviam para a construção da maior obra do governo. A certa altura, ele abraçou uma castanheira e desandou a chorar. Tentava me explicar por que ele não podia ser – sem ser ali. Ou a impossibilidade de habitar um mundo sem aquela árvore específica. De repente, o choro estancou e sua voz se encheu de raiva. Ele disse: “Fico revoltado quando Dilma diz que somos pobres. Por que ela pensa que somos pobres? De onde ela tira isso? Essa é a maior mentira”.

Aquele homem quase nada tinha de bens materiais, nem os desejava. Sequer os conhecia e, se conhecesse, não teriam lugar no seu cotidiano. Seu conceito de pobreza e de riqueza era totalmente outro, incompreensível para os fazedores de política do momento. E taxarem-no de pobre, no discurso de Brasília, o ofendia, porque se considerava rico. Não como um discurso bonito e um tanto abstrato, mas porque era de fato como rico que se enxergava, na medida em que a floresta lhe dava tudo o que precisava. Não só no nível concreto, mas também no simbólico. Para ele, a vida que ali tinha era boa.

Me parece que esses ricos e esses pobres Lula – e Dilma menos ainda – jamais conseguiram, ou mesmo quiseram, entender. Embora, como já foi dito, Lula tenha compreendido e dialogado com outros pobres – e com outros ricos. Quando Marina Silva afirma, no primeiro debate entre candidatos à presidência, na Rede Bandeirantes, que o líder seringueiro Chico Mendes, assassinado por sua resistência, era elite, é a partir dessa outra visão de mundo que ela também fala.

Essa ponte entre os vários Brasis, ainda inédita no comando da nação, Marina é a mais apta a fazer. Se de fato o fará, não há nenhuma garantia. Nem Lula foi um operário na presidência, nem Marina é hoje uma seringueira, ambos acrescidos e transformados por outras experiências vividas no curso de trajetórias bem extraordinárias. Mas, assim como Lula levou pela primeira vez ao poder uma visão de mundo muito diversa dos que antes haviam ocupado o Planalto, Marina poderá, caso for eleita, ser a primeira a carregar para o centro das decisões a experiência de quem vive na floresta e a compreensão de que o futuro pode não existir se essa experiência não for incluída no projeto de país. Nesse sentido, ela é muito mais século 21 do que sua principal rival na disputa pela presidência.

Uma curiosidade. Na campanha de 2002, quando Lula se elegeu pela primeira vez presidente, depois de outras três tentativas, havia um encantamento com sua presença vestida em ternos de grife nos salões de parte do PIB paulistano. Recebido pelo casal Eleonora (psicanalista) e Ivo Rosset (empresário, dono da Valisere, entre outras marcas), amigos de Marta Suplicy, Lula era uma espécie de operário que havia chegado ao paraíso. No poder, sua mulher, Marisa Letícia, logo fez plásticas, aplicou botox, mudou o figurino e adotou Wanderley Nunes, um dos cabeleireiros da moda. Muito antes, ainda em 1979, quando despontava como líder sindical nas greves do ABC paulista, Lula assim respondeu aos ataques por ter ido jantar no Gallery, a boate dos ricos e famosos da época, a convite da revista Manchete: “Eu quero que todo operário ganhe o suficiente para frequentar o Gallery”. Desde essa época ele já repetia que “pobre gosta de se vestir bem”.

Marina, a “seringueira, empregada doméstica e negra”, circula de outro modo nos salões paulistanos. Suas roupas são sóbrias, com detalhes étnicos, como a usada na entrevista do Jornal Nacional. Os adereços usam materiais naturais, como sementes da Amazônia, o batom é feito por ela mesmo, com suco de beterraba, já que tem alergia a produtos industrializados. O cabelo é um coque. Marina é vista como chique e moderna, dona de seu próprio estilo, em especial por um tipo de rico que vê na ostentação uma vulgaridade. Sua principal interlocutora nesse mundo é a socióloga Maria Alice Setúbal, mais conhecida como Neca Setúbal, acionista do Banco Itaú, mas também fundadora do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), uma das organizações mais respeitadas na área educacional. Se Lula era “pop”, Marina é “cool”. Vale a pena prestar atenção em como são decodificados aqueles que até há pouco tinham outro lugar nessa geografia para, de novo, não perder as nuances.

É preciso ter cautela com os fundamentalismos. Quem acusa Marina de ser “fundamentalista” está pasteurizando diferenças. Marina não é uma fundamentalista ambiental, como a acusam setores do agronegócio. Para uma parte do movimento socioambiental, o defeito de Marina é justamente ser menos radical do que os desafios do momento histórico exigem. O “desenvolvimento sustentável” que ela defende, para muita gente respeitável é apenas um conceito vazio, palatável para conversas bem comportadas, mas que oculta contradições profundas.

Marina tampouco é uma fundamentalista evangélica. Dizer isso é acreditar que Marco Feliciano, o deputado-pastor que barbarizou a comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, e Marina Silva são iguais. É confundir denominações religiosas que estão sob o mesmo guarda-chuva, mas que guardam diferenças bastante substantivas entre si. Compreender o Brasil evangélico, em toda a sua complexidade, é um desafio dessa época.

A quem interessa chamar Marina Silva de fundamentalista? A muitos, em especial a lideranças ruralistas, no que se refere à discussão socioambiental, e aos religiosos de fato fundamentalistas, no que diz respeito a questões como aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao fazê-lo, rebaixam o debate, na tática mais do que conhecida, e forçam mudanças que beneficiam seus interesses e fortalecem seu lugar de representantes de seus respectivos públicos.

Isso não significa que o eleitor deva deixar de prestar – grande – atenção ao fato de Marina Silva ter posição contrária às pesquisas com células-tronco embrionárias, já ter se declarado “pessoalmente não favorável” ao casamento gay, ter defendido na eleição de 2010 um plebiscito para o aborto e, principalmente, ter cometido na semana passada o ato lamentável, para dizer o mínimo, de voltar atrás no seu programa de governo, um dia depois de tê-lo lançado, no que se refere às políticas para a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).

Com Marina Silva com chances de ganhar, o que se desenha para o Brasil é uma eleição muito mais desafiadora e complexa. É legítimo afirmar que seu discurso é “difuso”, assim como a “nova política” que diz encarnar pode ter ecos de um passado perigoso. Mas é preciso perceber que esta é a sua força nas urnas, não sua fraqueza. A tal “pauta difusa”, uma das fragilidades que setores da sociedade e da mídia viram nas manifestações de junho de 2013, mobilizou multidões. Marina atua nas redes sociais há muito e sabe escutá-las. Circula por elas desenvolta, enquanto outros as frequentam apenas em épocas eleitorais ou em momentos estratégicos, fazendo uma paródia digital das tradicionais visitas de políticos às favelas para as quais não voltam depois, tão à vontade em um e outro lugar quanto bagres num shopping.

“Amadora” e “aventureira” é como Marina têm sido chamada por seus opositores. “Improviso” é outra palavra escolhida para atacar seu discurso. Sem entrar nem em juízos de valor nem na adequação ou não desses termos à Marina Silva, vale a pena lembrar a quem os esgrime, na tentativa de provocar rejeição à candidata, que eles deixaram de ser ofensas há algum tempo, para se transformar em virtudes. A “indefinição”, outra palavra usada para atacá-la, parece ter sido até agora a opção de parte dos eleitores, para os quais a “definição” de outros candidatos é sentida como insuportável. Tudo indica que, de várias maneiras, este é um momento em que, para muitos, os pontos de interrogação soam como possibilidades – e o risco parece ter se tornado uma alternativa melhor do que certezas que preferem rejeitar.

O que isso significa? A chance de começar a desvendar os tantos sentidos dessa eleição fascinante é devolver a complexidade aos protagonistas. Compreender, por exemplo, qual Silva é Marina

por Eliane Brum - escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum

Fonte: El país

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O Triunfo da vontade de potência ...

por Marcelinho Hora
“Sem música, a vida seria um erro”, disse o filósofo. A noite de sábado, 30 de agosto de 2014, me fez lembrar esta sentença. Foi mais do que um show de Heavy Metal, foi uma celebração da vida – por mais contraditório que isso possa parecer, já que o estilo dominante antende por Death Metal, o “metal da morte”. Mas nem tanto. A morte, afinal, faz parte do processo ...

Sou um fã tardio do Krisiun: conheço-os desde o primeiro compacto, tosquissimo, que comprei num pacote que adquiri para revender na minha loja, nos anos 90, das mãos de Nelson, da Rothness, que chegou com um fusca abarrotado de disquinhos de vinil na casa de minha tia em Cidade Ademar, São Paulo. Desde lá venho acompanhando com atenção e admiração a trajetória da banda, sempre evoluindo em técnica e projeção, inclusive internacional. Chegaram próximo à perfeição dentro do que se propõem a fazer, a meu ver, nos dois últimos álbuns, “southern storm” e “The Great execution”, quando as composições ganharam uma maior dinâmica e ficaram mais “quebradas”, menos “retas” – era o que me incomodava, até então. A partir daí, quanto mais eu vejo – e ouço – mais gosto.

O show de sábado, beneficiado pelo ambiente pequeno, que traz a banda para mais perto do público, e pela qualidade do som, cristalino, foi perfeito. Comecei vendo de trás, na tranqüilidade, mas só senti mesmo a pulsação da coisa quando resolvi adentrar a arena em que se transformou a frente do palco – lá atrás o volume estava chegando um pouco baixo. O choque dos corpos em transe conduzido pelos “blast beats” em ritmo de britadeira do baterista Max amplifica a intensidade da musica, conduzida com uma precisão impressionante pelo trio. Outro nível, definitivamente – anos e anos de turnês ao redor do mundo fazem toda a diferença, sempre!

Sei que vai soar injusto, mas não vou conseguir destacar nenhuma composição própria da banda, pelo motivo descrito acima: sempre os acompanhei um pouco à distancia. Muito por conta disso, mas também fazendo justiça ao que de fato aconteceu – clássico é clássico, afinal – devo dizer que o ápice, o momento da grande catarse, foi quando eles tocaram a mais devastadora versão de “Black Metal”, do Venon, que eu jamais imaginei um dia ter a oportunidade de ouvir. Chega a ser constrangedora a comparação com a gravação original. Ali, naquela palhetada precisa e vigorosa de Moyses, o potencial daquele riff antológico se apresenta em toda a sua glória. Impossível não erguer os punhos e gritar triunfante “lay down your souls to the gods rock 'n roll”. SALVE OS DEUSES DO INFERNO KRONOS, MANTAS E ABADDON! Aquele momento em que você desce do alto de seus quarenta e alguns anos de idade e volta, repentinamente, à adolescência, nos anos 1980 ...

Tocaram ainda “No Class”, do Motorhead, e encerraram o show com menos de duas horas de apresentação, mas em grande estilo, com direito à faixa título do primeiro álbum, “Black Force Domain”, e um “stage dive” do vocalista/baixista Alex Camargo, como que comprovando o que ele dizia a todo momento, entre uma música e outra, sempre que o público fazia coro gritando o nome da banda: que aquela era uma noite especial e que ele nunca iria esquecer. Foi, certamente, a melhor das três passagens do Krisiun por aqui – a última havia acontecido no Gonzagão e a primeira foi há muito tempo atrás, numa galáxia muito distante – o Vasco Esporte Clube, na região do mercado central, com produção da saudosa Destruction productions e sonorização by “Paquito” – “Tá CD!!!”.

O público também prestigiou não em tão grande número mas com entusiasmo as bandas locais de abertura, Sign of Hate e [maua]. A primeira tem, por sinal, no Krisiun uma de suas principais influências. Para a apresentação de sábado contaram com o reforço de seu excelente ex-vocalista, infelizmente apenas numa participação especial – uma pena, pensei que ele havia voltado à banda. Já a [maua] faz um som híbrido, cheio de “groove” e influenciado pelo chamado “nu metal”. Têm na competência de seus músicos e no carisma de seu vocalista, Ericão, suas principais virtudes. Estão sempre evoluindo, apesar das constantes mudanças de formação. Merecem, NO MÍNIMO, o respeito de todos, mesmo daqueles com um gosto musical mais ortodoxo ...

Vale mencionar, também, que o show aconteceu num tradicional “pico” da “playboyzada” local, o “Infinity club”, antiga Boate do Augustu´s – e várias outras denominações. É a boate de “Fabieira Olivano”, decano das micaretas e patrono da diluição cultural. Nunca havia ido lá. Nada de muito impressionante. Me chamou a atenção, apenas, a falta de saídas de emergência sinalizadas. “Vivendo e não aprendendo”, como dizia o Ira! Que nunca haja ninguém morrendo, é o que se espera, depois do que aconteceu na Boate Kiss, mas fazer o que, diante do eterno descaso dos responsáveis e da negligencia de quem deveria fiscalizar ...

Em todo o caso, foi antológico ver aquele evento acontecendo ali.

O mundo, realmente, dá voltas ...

A

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