segunda-feira, 30 de abril de 2012

20 Anos depois ...

Paradoxo: enquanto o sonho ruía para os headbangers que fizeram a infeliz escolha de ir ao megalomaníaco e malfadado Metal Open Air em São Luiz do Maranhão, Paulo André, em Olinda, comemorava o recorde de público da noite de sexta, dia 20 de abril de 2012, no Abril pro rock: 15.000 pessoas lotaram o Chevrolet Hall para ver, principalmente, a volta do Los Hermanos.  Para o dia seguinte ele nos disse, resignado, em um encontro informal na porta da pousada em que estávamos hospedados, que esperava 5.000 almas no máximo – era a média de público na chamada “noite das camisas pretas”. Estava enganado. Cerca de 7.000 “rockeros locos” (como diria o pessoal do Brujeria) compareceram para conferir aquela que foi, provavelmente, a noite mais pesada e ensandecida de toda a história do evento, que completava 20 anos.

Cheguei cedo porque não queria perder Leptospirose nem Test. Não perdi, e não me arrependi: o Test, uma dupla jazzy/grind de São Paulo que ficou célebre por tocar na rua na porta de shows de bandas como DRI e Slayer, tocou no chão. Ficou difícil de ver, mas deu pra curtir – e muito! Excelente perfomance de João “Kombi” e, principalmente, do baterista, Thiago Barata. Entre caras (feias) e bocas (escancaradas) e descidas de madeira na pele dos bumbos e caixas, um som híbrido, pesado, rápido e alucinante porém com passagens lentas e climáticas, beirando o experimentalismo. O publico reagiu muito bem, agitando ao ponto de quase impossibilitar a apresentação.

Já o Leptospirose tocou bem mais tarde, num dos palcos – na verdade um dividido em dois. Antes deles, Hellbenders, de Goiânia. Fazem aquele “stoner” rock garageiro já característico da capital de Goiás, com bons riffs, ritmo cadenciado (às vezes lembrava o Helmet) e vocais gritados vociferando letras em inglês. Mas mesmo assim ficaram deslocadas naquela noite quase que inteiramente dedicada aos extremos do rock. Não colaborou, também, o visível nervosismo dos caras, que parecem não estar acostumados a encarar públicos daquele tamanho. Se tivesse que dar uma nota de zero a dez, tascava-lhes um 6,5.

Nota 9,9689 (a la Igor Matheus) para o Leptospirose. Hardcore rápido, curto e grosso, muito original e bem humorado. Quique Brown é uma figura impar, com seus cabelos encaracolados emoldurados por um boné colorido e engraçado e seu bigodinho de cafajeste que só não o deixa com cara de cafajeste porque ele não é um cafajeste. Muito pelo contrário, é um cara muitíssimo gente boa, e você não precisa conviver com ele pra saber disso, basta observar sua postura no palco, sempre muito vibrante e comunicativa. Interviu de forma bem humorada até quando chamou a atenção de um dos seguranças que, segundo ele, estava agredindo o público. “Amigo, sossega aí, deixa a molecada se divertir. Os caras trabalharam a semana inteira, isso aqui é a novelinha deles. Aliás, deixa eu apresentar a banda: eu sou a Eva Wilma, aquela é a Gloria Meneses e lá atrás, o Tarcisio Meira. Nós somos o Leptospirose” – ele disse (isso ou algo muito parecido). Antológico.

Mas veja bem: comunicação, no caso, é figura de linguagem. Na verdade Quique parece ter um um olhar bastante próprio e diferenciado sobre o mundo e por isso seu discurso (assim como suas letras) é carregado de nonsense. Ele geralmente fala umas coisas meio sem sentido, aumenta o volume da guitarra para produzir microfonia e, por cima do ruído, anuncia o nome da próxima música, que geralmente não faz sentido também. Foi assim com “Aqua Mad Max”, em que ele lembrou que quando chove em Recife tudo fica alagado (ok, isso faz sentido), "Em maio todo mundo janta pipoca na minha cidade" (essa tem um clipe fantástico, veja aqui), "mula poney" (what?), "Um dia realmente feliz em nossas vidas será aquele em que receberemos uma notificação de nossa empresa favorita nos convidando para ir a um hotel ( com a gente pagando é claro)"  e “O instrumental dessa musica vai para o I Shot Cyrus e a letra que se foda pra quem é, nem vale a pena tocar nesse assunto”, dedicada a um cara lá que eu não sei quem é nem entendi a explicação que ele deu, mas segundo relatos de pessoas com o ouvido menos danificdo, foi para o Boka, do Ratos de Porão - e do I Shot Cyrus.

Muito bom o show da Lepto. Mas a verdadeira destruição sonora da noite viria a seguir, num clima totalmente oposto: sério, pesado e compenetrado. O olhar do vocalista da Cripple Bastards, Giulio The Bastard, é assustador, e sua postura de palco, sempre erguendo o microfone com as duas mãos acima da cabeça, ajuda a criar a impressão de que o mundo está prestes a desabar a qualquer momento. E desaba, várias vezes. E quando desaba ele apenas estica um dos braços, torce a cabeça para o lado e vocifera no microfone. O publico acompanhou de perto a insanidade produzida no palco, o que eu pude comprovar pessoalmente ao cismar de chegar o mais próximo possível da grade de proteção e, para isso, ter que atravessar uma roda de pogo bem mais violenta qua a tradicional “ciranda cirandinha vamos todos cirandar” que costuma vigorar por lá e ser esmagado contra uma parede humana. Foram os cinco minutos mais intensos da noite pra mim, que logo em seguida bati em retirada, quase sem ar – sou asmático.

Me chamou a atenção no show da Cripple Bastards que Giulio apresentou a banda em inglês. Não entendi. Mas entendi quando ele avisou que a próxima seria Ratos de Porão. Eles estavam lá para comemorar os 30 anos da banda e 20 do LP “Anarkophobia” – também não entendi, é de 1990! Mas FODA-SE, vamos nessa! Por conta deste enfoque em seu disco mais “metaleiro”, foi uma apresentação diferente, com musicas que eles não costumam tocar em shows, a exemplo de “Morte ao rei” e “sofrer”, que na época foi “hit” mas hoje em dia está meio esquecida. O Gordo estava, como sempre, com o capeta no corpo, e já foi logo disparando impropérios contra a produção do Metal Open Air do Maranhão, falando que eles “têm que ir pra cadeia, devem ter embolsado a grana e ainda fuderam com a história de 30 anos que nós fizemos com os gringos”. No meio do show, ele reclama por várias vezes de um suposto excesso de reverb que persistia apesar de seus apelos. Quando foi informado que era por conta da acústica da casa falou “que se foda então” e tome mais cacete no pé do ouvido, agora já com músicas mais conhecidas como “Aids, Pop, Repressão”, “Beber Até Morrer” e “Crucificados pelo Sistema”.

Num dado momento, o Gordo pergunta ao público o que eles queriam ouvir. Não deu pra entender a resposta, mas nem precisava: “Commando”, do Ramones. Deduzi (e acertei) que a seguinte seria outra que eles tocam sempre, “Work for never”, do Extreme Noise Terror, mas fui surpreendido com outra igualmente clássica d“os mais punks do mundo”, segundo o gordo: “Bullshit propaganda”. Dobradinha do ENT num show do RDP, nada mal. Excelente, eu diria. Quase tão bom quanto o que eu tinha visto deles dois anos antes, no mesmo Abril pro rock, que eu considero o melhor show do Ratos que eu já vi na vida – e olha que vi muitos!

Duas bandas gringas fechariam a noite, mas as cortinas demoravam a se abrir. Uma voz anuncia nos alto-falantes que, por conta de um atraso no vôo, Exodus e Brujeria teriam que passar o som lá mesmo, no meio do evento. E aí foram os chatíssimos sons de baquetas martelando peles de bateria e irritantes testes de guitarra e microfone. Não demorou muito, no entanto: sem nenhum aviso (as bandas normalmente eram apresentadas no telão, entre anúncios dos patrocinadores), as cortinas se abriram e lá estavam eles, os “pendejos cabrones marijuanos locos de México”, com os braços direitos cruzados acima do peito e em posição de sentido. Esperava ver a cabeleira de Bozo de Shane Embury, do Napalm Death, no baixo, mas ele não estava lá. Em seu lugar, um cara torto, sem camisa, empunhando o instumento numa alça de cinto de balas. Na guitarra, outro desconhecido – soube disso depois das apresentações, já que estavam todos usando máscaras, com exceção de Pinche Peache, o gnomo chicano que é “a cara publica” do Brujeria, segundo o próprio Brujo, um dos vocalistas – que estavam mais pra MCs do capeta. Completando o trio, “Fantasma”.

O show começa um tanto quanto caótico, com o áudio embolado e quase inaudível, conseqüência óbvia da falta de tempo para a passagem de som, mas aos poucos as coisas vão se ajustando e logo já dava pra ouvir melhor, apesar de ainda um tanto quanto abafada, o som da guitarra, que soava numa afinação parecida com a dos discos, mas com uma pegada diferente, mais solta – normal esta diferença, já que nas gravações as seis cordas eram comandadas por Dino Cazares, do Fear Factory, um mestre na precisão monolítica dos riffs. No mais, quem esperava alguma explosão de violência e agressividade deve ter se decepcionado, pois o clima era mais para uma celebração “chapada” regada a musicas pesadas mas em sua maioria lentas e cadenciadas. “Colas de rata”, uma das exceções, embalou a parte do publico mais “apressadinha”. Destaque para as expressões corporais e faciais de Pinche Peache, sempre inquieto. Foi ele quem trouxe lá de trás do palco o mascote da banda, uma cabeça decepada que foi devidamente fincada num pedestal ao lado da bateria e lá ficou, impassível.

“Como vão ustedes cabrones locos de Brasil?”, pergunta Brujo em portunhol impecável. Mesma “língua” usada por Peache para apresentar seus camaradas, notadamente Fantasma, “compañero de muchas maconhadas, y otras cositas mas”, e o literalmente pesado Nicholas Barker, considerado um dos bateristas mais rápidos da cena e que,  além do Brujeria, já tocou com Cradle of Filth, Dimmu Borgir, Old Man's Child, Lock Up, Monolith e Driven By Suffering.

O show prossegue e em “La migra” chamam o Gordo do Ratos ao palco. Antológico. A ideologia (se é que ela existe) por trás dos temas das musicas da banda é, no entanto, meio confusa: ao mesmo tempo em que enaltecem traficantes sanguinários como o colombiano Pablo Escobar (este, quero crer, por ironia) e o revolucionário mexicano Emiliano Zapata (aqui falando sério, eu acho), têm uma musica chamada “Anti Castro”, que defenesta o líder da revolução cubana. Se dizem, também, anticomunistas, chegando a sentenciar que “comunismo/satanismo/PRI es lo mismo” – o PRI é o Partido Revolucionário Institucional, “cria” da mesma revolução mexicana liderada por Zapata e que esteve no poder por décadas no México. Vai entender ...

Aliás, não, não precisa entender: é porralouquice assumida mesmo, “duela a quiem duela”. Os caras são malucos. Num dado momento, ensaiam uma dancinha escrota que beira o ridículo, com um atrás do outro segurando os microfones como se fossem seus membros genitais; durante a execução de “División del Norte”, enquanto um mar de sete mil braços se ergue no ar, o pequerrucho Pinche Peache, sempre inquieto, desce à grade para agitar com o público, assustando os seguranças; e já perto do final da apresentação, com a banda executando “Matando Güeros” (quase um hino para eles), Brujo espanca as caixas de retorno com um facão enquanto Pinche exibe o tal mascote da cabeça decepada. Daí pra frente, o show vira uma rave ao som de uma versão pervertida de “Macarena” com o refrão modificado para um enstusiasmado “êêê, Marijuana, hay!”. Gostei. Foi divertido, e diversão é solução, sim. É solução pra mim.

Por fim, os “headliners” da noite: Exodus! Um dos fundadores do thrash metal na “Bay Área” de San Francisco dos anos 80. Há quem diga, inclusive, que eles, e não o Anthrax, deveriam estar na turnê Big 4. Concordo. São de 1980, os novaiorquinos começaram no ano seguinte. Vai ver não queriam deixar tudo 100% californiano ...

Mas vamos ao show: Começou muito bem e seguiu num bom ritmo até o final – que demorou pra cacete! Quase duas horas de porrada no pé do ouvido! Eu, particularmente, não sou um grande fã da banda, da qual conheço muito pouca coisa, mas reconheço, evidentemente, seu talento. É uma verdadeira locomotiva thrash comandada pelo guitarrista Gary Holt e muito bem encarnada no energético, apesar de fora de forma, vocalista, Rob Dukes, que terminou a apresentação com a camisa literalmente ensopada de suor – ele a espremia e o caldo escorria abundante. Não sem antes, ainda no comecinho do show, dar um senhor esporro em um dos seguranças, que estava, em suas palavras, “beating the guys” da platéia. Na verdade o cara não sossegou enquanto o espancador não foi retirado, sob vaias do público e irônicos “bye byes” proferidos por ele ao microfone. Bela atitude – demonstra respeito pelos fãs.

De minha parte, a festa já estava quase encerrada. Meus ouvidos, devo confessar, já estavam saturadas de tanta guitarra distorcido. Ta bom, ok, valeu, Exodus, missão cumprida ... mas que nada, os caras simplesmente se recusavam a parar de tocar. Os fãs devem ter saído completamente saciados, o que é justo, pois com isso eles compensaram sua primeira e tumultuada passagem pelo Recife há algum tempo, num show curtíssimo feito às pressas.

A cereja do bolo foi mais uma apresentação do Test na porta do Chevrolet Hall no final da noite. Eu havia sido avisado que aconteceria, mas acabei esquecendo e perdi por ter ficado batendo papo com uns amigos. Nada demais, especialmente se comparado ao drama de dois "brothers" que haviam viajado de Aracaju pra lá quase que exclusivamente para ver o Cripple Bastards mas se atrasaram e perderam o som dos italianos malditos. Era de dar pena a desolação expressa em suas faces ...

Saldo final pra lá de positivo. De fraco, mesmo, só as duas bandas pernambucanas que abriram a noite – não são ruins, mas são pouco criativas. Sinceramente, não dá mais pra agüentar musicas formulaicas recheadas de clichês, como a pra lá de batida sequencia guitarra numa só caixa, depois noutra e, por fim, nos demais canais. Isso pra não falar da pose de headbanger milimetricamente desleixado dos vocalistas, com seus cabelos esvoaçantes e bem cuidados do tipo que deixa as caçadoras de escalpo com as calcinhas em brasa. Um deles, acho que do Pandemmy, parecia o vocalista do Capim Cubano, uma banda brega de pseudocalipso que fez (não sei se ainda faz, espero que não) sucesso por aqui ...

E foi isso. Ano que vem tem mais, se Deus quiser e o capeta permitir.

Fotos: Snapic e Marcelinho Hora.

Texto: Adelvan Kenobi

terça-feira, 17 de abril de 2012

Marcio Sno, outra entrevista

De que maneira e quando os fanzines entraram na sua vida pela primeira vez?
Eu era leitor da ‘Rock Brigade’ e todos os meses ia direto pra a seção ‘Headbanger Voice’ para conferir as bandas que anunciavam suas demo-tapes. Nessa época, passei a buscar algo diferente, numa tentativa de sair da mesmice das rádios rock de São Paulo.
Perto da parte das bandas, tinha uma coluna para fanzines. Tá, mas o que eram os fanzines? Naquela época não tinha internet para você dar uma “googlada” e a resposta estaria ali na sua cara. No dicionário não tinha essa palavra e eu não tinha amigos que conheciam esse universo. O que eu fiz?
Mesmo sem saber do que se tratava, mandei cartas para uns três endereços perguntado: “quanto custa pra receber seu fanzine?”, recebi as respostas e mandei minha contribuição. Dias depois chegou em minhas mãos os zines.
Lembro-me que o primeiro foi o ‘Secret Face’. Percebi que eu poderia fazer algo parecido e não sosseguei enquanto não fiz o meu. Isso foi em 1993. E até hoje eles fazem parte de minha vida. Queira ou não queira.
O que fazem hoje os “fanzineiros do século passado”? Que perfil você diria que tem o fanzineiro deste século que o difere do fanzineiro do século passado?
A maioria dos fanzineiros do século passado estão distante das atividades de zines. As pessoas crescem, constituem famílias, criam responsabilidades profissionais, espirituais, acadêmicas e a produção fica esquecida. O pessoal da minha época tem hoje 35, 40, 50 anos e fica realmente difícil que continuem produzindo zines. Afinal, vivemos em um mundo capitalista e o tempo livre quase não existe.
Os fanzineiros desse século tem uma vantagem que os do passado não tiveram: o acesso aos bens tecnológicos e à internet, que agiliza muita coisa e deixa tudo mais fácil. Você hoje em dia consegue produzir um zine de 16 páginas em um único dia, sem encostar os dedos em tesoura, cola. Tudo é muito fácil. O editor atual está mais próximo das informações, afinal, já cresceu com um computador em casa. As possibilidades são infinitas.
Apesar dos “tempos das cartas” terem acabado, como você vê a resistência dos zines nos dias de hoje, como eles estão sendo divulgados e distribuídos?
A forma de distribuir continua praticamente a mesma: via carta, de mão em mão em shows, eventos, pra conhecidos e parentes. A divulgação é quase que 100% via internet, por intermédio de e-mails, blogues e redes sociais.
Muitas pessoas estão optando em passar suas publicações para o PDF, distribuir por e-mail ou mesmo alojando em algum site de compartilhamento de arquivos e divulgando o link para seus correspondentes virtuais
Vejo com muita alegria a resistência dos fanzineiros que insistem no impresso. Muitos deles estão investindo cada vez mais na qualidade e abrindo mão da quantidade, que talvez seja uma das formas de sobrevivência frente as tecnologias que inibem a produção impressa.
Dos fanzines que estão em circulação, gostaria de dar destaque sobre algum que ache muito interessante de alguma forma?
Prefiro não destacar fanzines e sim dois fanzineiros.
Um é o Flavio Grão, que lançou recentemente os zines ‘Manufatura’ e ‘Cortex’. Grão é artista plástico e suas histórias são muito profundas e não possuem textos: são apenas ilustrações ou colagens recheadas de conteúdo e mensagens. Utiliza diversos recursos gráficos e de papel para montar suas publicações. São publicações muito inteligentes.
Outro é Rodrigo Okuyama. Esse cara é um gênio. Utiliza diversos tipos de materiais, técnicas de pintura, colagem, costura, recortes, dobraduras, enfim, o cara usa de diversas estratégias para publicar seus zines. Suas publicações são verdadeiras obras de arte e vale muito a pena ter em mãos e apreciar. Os últimos publicados foram La Permura, a série Zine Zinho e a coletânea de estêncieis Extensas Estrias del Esten Siñor.
Ambos editores representam a cara dos fanzines pós-internet: com muita qualidade artística e gráfica, que motivam a aquisição do material impresso e mostram o amadurecimento dos fanzines produzidos no Brasil.
O documentário “Fanzineiros do Século Passado” parte I foi uma apanhado de entrevistas com várias pessoas representativas dentro do cenário underground. Como se deu a seleção de depoimentos para o capítulo dois, algumas destas pessoas se repetiram? O documentário terá um terceiro capítulo?
Na verdade não houve seleção para os personagens. Fui chamando quem estava por perto e quem tinha uma representatividade bacana no meio independente. As pessoas de outras cidades e estados fui gravando conforme elas vinham para São Paulo e aproveitei para registrar os depoimentos. Foi assim com Daniel Villaverde, Fellipe CDC, Leonardo Panço, Fernanda Meireles etc.
Sim, algumas pessoas se repetiram no segundo capítulo, por falarem sobre temas abordados nessa parte. Mas foram poucas pessoas que se repetiram, pois a ideia é ter mais pessoas a cada capítulo. Sei que jamais conseguirei reunir todos os fanzineiros do Brasil, mas quanto mais, melhor!
Sim, tenho outros assuntos ainda para abordar em um terceiro capítulo e chega. Será uma trilogia de fato. Me recuso em fazer capítulo 4 ou algo do tipo. Fica para outras pessoas também produzirem seus docs. sobre fanzines.
O que te levou a fazer o capítulo dois e quanto tempo você demorou para concluí-lo?
Na verdade, nem era para ser dividido em capítulos. A ideia inicial era fazer um documentário único sem divisão de partes. Porém, em dezembro de 2010, o Douglas Utescher da ‘Ugra Press’ estava organizando o ‘1º Ugra Zine Fest’ e perguntou se eu queria exibir uma prévia do doc. e eu prontamente aceitei.
Então, como se tratava de um evento para zineiros, me limitei em relembrar as histórias da época do recorta e cola e da rede social analógica, ou seja, os contatos via carta. Como gostei muito do resultado, me recusei e chamá-lo de prévia e batizei como Capítulo 1 e estipulei temas para os próximos dois capítulos.
Esse segundo, eu já captei imagens desde a época em que estava registrando para o primeiro. Entre decupagem e edição final, devo ter gastado algo mais de um mês, sempre mexendo nos meus momentos de folga do serviço e das obrigações domésticas.
Como se deu o processo de escolha do tema, edição e coleta dos depoimentos para a segunda parte do documentário Fanzineiros no Século Passado? Contei trinta pessoas no trailer do capítulo 2, mas 49 pessoas foram entrevistadas.
A princípio foi complicado, pois como não tinha um roteiro certo, geralmente fazia as mesmas perguntas e algumas diferenciadas conforme o personagem e o direcionamento que a conversa dava durante as gravações. Quando parei pra pensar nos temas de cada capítulo, passei a fazer perguntas específicas para os personagens seguintes.
A coleta foi a mesma: gravava na casa dos personagens, em eventos, shows, quase sempre acompanhado de meu filho Calvin que ajudava na gravação e aproveitava para conhecer as pessoas e suas respectivas histórias.
Gravei no total 54 depoimentos, destes, 49 entraram no segundo capítulo. Pense na dificuldade para editar tudo isso… Cheguei a fazer um curso de edição para ajudar na produção desse capítulo.
Tive alguns amigos que gravaram em outros estados e me mandaram. Xan Braz gravou em Volta Redonda e Barra Mansa (RJ), Law Tissot, gravou seu próprio depoimento em Rio Grande (RS), Alex de Souza gravou o depoimento de Henrique Magalhães em João Pessoa (PB), Danúbio Aguiar gravou no Canadá e Marlos Alves em Londres. Todos esses contatos são pessoas com quem convivi desde a década de 1990, seja por carta ou pessoalmente, com as quais criei um vínculo de amizade que caminha por décadas.
Houve alguma diferença no modo que vocês fizeram o lançamento do documentário parte 1 para a 2, já que houve uma grande expectativa do público que acompanhou o primeiro capítulo?
O lançamento foi da mesma forma que o primeiro, mesmo porque foram lançados em eventos da Ugra. Encaixamos na programação do ‘Ugra Zine Fest’ e assim aconteceu.
Sim, a expectativa do público foi imensa, principalmente pela grande repercussão que o primeiro capítulo teve. E isso aumentou a minha responsabilidade em manter a qualidade e honestidade da série.
Houve muita cobrança de todos os lados. Pessoas cobrando o lançamento, falando que faltou falar sobre determinado assunto, faltou entrevistar tal pessoa e até casos de pessoas se oferecendo para ser entrevistadas. Não é fácil. Essa cobrança toda às vezes desestimula demais, afinal, faço o documentário com prazer e quando as cobranças aparecem, o tesão vai se perdendo.
Aprendi a lidar com isso, ignorando alguns comentários e até mesmo sugerindo que as pessoas produzissem seus próprios documentários, afinal, não quero monopolizar nada, quanto mais materiais sobre o assunto, melhor!
As seis bandas clássicas dos anos 90 que estão no documentário, você as selecionou? Por quê?
Enquanto eu editava, evitei ouvir músicas, pois nesse período costumo usar fones de ouvidos por conta da precisão dos cortes. Para poupar meus ouvidos, prefiro não forçá-los.
A primeira banda que me veio à cabeça foi a Execradores. A “Incentivo aos operários” foi uma canção que marcou muito a época na qual íamos a shows punk organizados pelo Coletivo Altruísta e antes mesmo de começar a editar queria que ela abrisse o doc.
Depois fui lembrando de introduções de outras canções para abrir os blocos. Aí vieram ‘The Power of the Bira’, ‘Snooze’, ‘Mukeka di Rato’, ‘Boi Mamão’ e nos créditos ainda usei ‘Gangrena Gasosa’ e ‘Os Cabeloduro’. Escolhi essas bandas pelo fato de serem as que eu mais gostava na época e pelo fato de ter contato direto com os músicos, o que facilitou a autorização para incluir as canções. Ah, no teaser, usei uma música do ‘Dead Fish’.

A pergunta que não quer calar, para Márcio Sno: a produção impressa vai diminuir drasticamente por causa da “revolução digital” ou os fanzineiros pelo impresso irão resistir?
Na verdade o grande abalo já aconteceu, que começou na segunda metade dos anos 90 e perdurou por muito tempo. Porém, a realidade começa a mudar. Aos poucos nós, brasileiros, estamos aprendendo a ter uma relação harmoniosa entre impresso e virtual. E, acompanhando o andamento de países do hemisfério norte, em relação dos quais estamos um tanto atrasados, os fanzines estão retomando com uma proposta que prima mais pela qualidade que pela quantidade. Vejo que bons ares pairam sobre o fanzinato nacional, principalmente de dois anos pra cá.
O espaço é teu para falar o que quiser, fale!
Jamais pensei que os fanzines me acompanhariam por tanto tempo na minha vida. Pensei que no comecinho dos anos 00 eu iria desencanar disso tudo e viver só de passado. Mas, a partir de 2005, em uma oficina que dei no SESC Barra Mansa, eles voltaram pra mim numa intensidade absurda e hoje me vejo totalmente relacionado a eles.
Deixei de ser um produtor de zines para me tornar pesquisador, é o que me considero hoje. E pretendo manter esse “título” por algum tempo ainda, mesmo porque tem ainda o terceiro capítulo, o livro que quero publicar e um mestrado que possa vir a ocorrer.
Pra coisa piorar (no bom sentido), estou envolvido com a Ugra, que é uma fomentadora desse tipo de publicação, temos várias ideias, projetos etc e tal, que se forem realizados, a nossa convivência com o zines será mesmo “até que a morte nos separe”…

Colaboração: Gabriela Cleveston Gelain

20/03/2012

Fonte: SIRVA-SE

+ Aqui

segunda-feira, 16 de abril de 2012

" Música pra ver " - o livro.


Em outubro de 2008 os estudantes de jornalismo Victor Balde e Arthur Soares se reuniram para, juntos (já o faziam em separado), registrar em fotos o Festival “Dueto Cultural”, que aconteceu no Espaço Emes e contou com a presença das bandas Maria Scombona e Capitão Parafina, além de Arnaldo Antunes. Era o nascimento da Snapic, assinatura pela qual os dois passaram a acompanhar e fotografar a efervescente cena musical sergipana em suas mais diversas manifestações, do Hard Core da veterana Karne Krua ao forró estilizado da Naurêa, passando pelo metal, MPB, rock, samba rock, blues e reggae de nomes como [maua], Patricia Polayne, Plástico Lunar, Mamutes, The Baggios, Elvis Boamorte e os Boavidas, Máquina Blues, Reação e Oganjah. Isto para ficar apenas no âmbito local, já que registraram também, através de suas lentes sempre espertas, bem posicionadas e com um olho no clique e outro na qualidade do acabamento, atrações de porte nacional e internacional, como Iron Maiden, Criolo, Vivendo do ócio, Jessie Evans, Roberta Sá, Kaki King, Racionais MC´s, Afrika Bambaata, Leonardo (ele mesmo, o ídolo sertanejo) e Fiuk (sim, o fenômeno teen), dentre muitos outros. Com a repercussão merecidamente obtida, foram publicados por periódicos como a Revista Rolling Stone e os jornais O Globo, A Tarde, Cinform, Jornal da Cidade, Jornal do Dia e Correio de Sergipe. Faltava-lhes apenas, para “eternizar” seu trabalho, um registro definitivo em papel de boa qualidade encadernado na forma de um livro – porque os livros ficam!

Não falta mais. Amanhã, na Galeria Jenner Augusto da sociedade Semear, em Aracaju, a dupla Snapic vai lançar, finalmente, seu livro, “Música pra ver”. Além de uma exposição de fotos ampliadas e da venda do livro, o evento contará com a participação de outra dupla, The Baggios, comandando o som com o auxilio luxuoso de convidados especiais da cena musical local.

The Baggios é a banda mais fotografada pela Snapic, portanto não é de surpreender que sejam eles a emoldurar capa e contracapa do belíssimo volume que é “Música pra ver” – impresso em papel couchê de altíssima qualidade (fator imprescindível para a valorização das imagens) e encadernado em capa dura. O trabalho foi realizado pela Gráfica Santa Marta, da Paraíba, empresa escolhida por eles devido ao trabalho realizado com o livro “Sergipe: Do litoral ao sertão”, de dos fotógrafos Lucio Teles, Marcio Dantas e Marcio Garcez.

Ao abrir o volume você se deparará, primeiramente, com mais uma foto dos Baggios – preto e banca, tirada no Morro do Cristo de São Cristóvão. Ao lado do belíssimo e sucinto texto de apresentação assinado pelo também fotógrafo (e guru) Marcelinho Hora (que também fez a curadoria da obra), Daniela, da Renegades of punk, aparece empunhando uma guitarra e vestida numa camiseta da banda Besta Fera em meio à penumbra da saudosa “Casa do rock”. Também em preto e branco.

Depois temos a ficha técnica e um pequeno texto informativo sobre o nascimento da dupla ilustrado por uma foto de Marcelinho Hora – agora colorida. Cores que explodem, finalmente, nas páginas seguintes, com fotos da Maria Scombona no Espaço Emes em 2008. Azul e vermelho se sobressaem. Nada mais justo que começar o livro propriamente dito com o primeiro grupo fotografado por eles, assim como é igualmente justo dar prosseguimento com a banda de rock mais antiga em atividade no estado, a Karne Krua. Nas duas páginas dedicadas aos veteranos, uma pose pra lá de expressiva do guitarrista Alexandre Gandhi e, logo abaixo, a que eu considero a melhor foto que já vi de Silvio – ele de costas, com o punho erguido.

Nas páginas seguintes, Jezebels e Alapada no Rock Sertão, e então uma deslumbrante fotografia promocional da Plástico Lunar apresentada em página dupla. Costumo preferir fotos de apresentações ao vivo, mas as fotos promocionais produzidas pela Snapic são igualmente excelentes. A Plástico aparece também no palco ao longo das 8 páginas dedicadas a eles – destaque para uma de Plástico jr. com o contrabaixo em primeiro plano.

Depois de uma Patricia Polayne estilosa em poses teatrais, mais uma excelente foto promocional em página dupla, desta vez com os “thrashers” da Nucleador – que também são clicados em ação durante sua excelente e energética apresentação no Rock Sertão do ano passado.

Aí você vira mais uma página e fica frente a frente com a imagem de Jimi Hendrix projetada num telão logo acima da cabeça de Rafael Jr., em sua encarnação como baterista do Ferraro Trio. Mais duas páginas com o Ferraro envolto em penumbra (gostei muito da que mostra Robson de costas, com o braço do contrabaixo se sobressaindo na escuridão) e então outra foto promocional, da banda Rótulo – que também é focada ao lado se apresentando ao vivo acompanhada com o que imagino que seja um garoto de rua “peralta” dando cambalhotas e tocando uma guitarra imaginária. Muito bom!

As seis páginas dedicadas à Naurêa incluem uma impressionante fotografia em página dupla tirada do alto que os mostra de frente para uma multidão. Destaque também para outra que flagra um abraço carinhoso entre os vocalistas Alex Santanna e Marcio de Dona Litinha - carinho também presente entre Karl Dy Lion e Rick Maia, da mamutes, registrado em preto e branco. Na foto seguinte, já colorida e em página dupla, uma figura não identificada com a cabeça baixa escondida por um boné e uma vasta cabeleira. Segundo Balde, é o “Coringa” do livro – ele me desafiou a descobrir quem é, mas eu só acertei depois de uma dica.

Seguimos em frente: Diane Veloso tomando vinho numa apresentação ao vivo da Banda dos Corações partidos; os vastos dreadlocks dos caras da Reação; um set list riscado, detalhes da decoração de palco e dos instrumentos dos Boavidas que acompanham Elvis Boamorte – 10 páginas para eles, com direito a um close nos pés do vocalista/guitarrista/ex-baterista; duas páginas para um oganjah ora reflexivo, ora descontraído; mais duas para um Alex Santanna que parece ser só felicidade em cima do palco; maua no rockaju e em Euclides da Cunha, Bahia, com destaque para uma sensacional foto de página dupla em preto e branco e para as caretas sempre engraçadas de Ericão, e depois um Renegades of punk em registro meio gótico, expressionista e sombrio, na Casa do rock.

Uma página preta – preta mesmo, sem nenhuma imagem – nos remete à parte final do livro, que traz uma bela sequencia de fotos da Máquina Blues, com o “velho guerreiro” (ele vai rir ao ler isto) num estiloso chapéu de “cowboy” erguendo os braças, saltando e dando socos no ar e, finalmente – e novamente – The Baggios. As 13 últimas páginas (18, se contarmos a foto de apresentação, a do encerramento, a capa e a contracapa) são merecidamente deles. O aparecimento de Julico no cenário musical local, que eu acompanho desde 1987/88, foi, para mim, uma das mais gratas surpresas. O cara veio meio que do nada (desculpe aí, São Cristóvão, mas vocês – e estou falando não do povo da cidade, mas do apodrecido e corrupto poder público - merecem, depois de não tê-los convidado nem para a comemoração da elevação da Praça São Francisco à condição de Patrimônio da Humanidade) e arrebatou a todos com seu vocal característico, suas composições bluseiras simples e certeiras e suas guitarras matadoras, o que os faz conquistar, aos poucos, a atenção e admiração dos amantes da boa música no Brasil e no mundo (foram recomendados pelo jornal inglês “The Guardian”!). Ou, pelo menos, dos que conseguem enxergar para além das comparações óbvias com suas influencias confessas, a saber o White Stripes, o Led Zeppelin, Raul Seixas e tudo mais de bom que o bom e velho rock and roll (e o blues) produziu nestas várias décadas de vida. The Baggios não inventou a roda, mas a faz girar ao seu estilo, com personalidade e competência acima da média. E são também, apesar de se resumirem a uma dupla – ou por isso mesmo – extremamente fotogênicos, como atestam as sempre belíssimas fotos da Snapic tiradas deles. Para o livro, foram selecionadas uma que mostra a dupla tentando tocar a lente do fotógrafo, outra que flagra Julico reverente num ambiente religioso, mais uma (muito usada por aí) com os dois “de role” pelas ruas da cidade histórica, uma com Julico abraçado ao violão, outra só com os instrumentos em repouso no estúdio, uma sequencia da gravação do primeiro disco e outra, matadora, com momentos de suas apresentações ao vivo.

E é isso. Espero, sinceramente, que meu (não tão) pequeno porém singelo (ui!) texto tenha feito justiça a esta belíssima obra, que será ainda melhor degustada com o passar do tempo, quando poderemos, literalmente, ver em perspectiva este momento único pelo qual vivemos. Espero que, daqui a alguns anos - ou décadas - as coisas evoluam e este livro seja encarado como o registro do princípio de algo ainda maior, ao invés de trazer à mente a tristemente célebre frase “a gente era feliz e não sabia”. Em todo caso, não se contente com a leitura de minhas palavras. Vá e veja com seus próprios olhos. Amanhã, terça feira, 17 de abril de 2012, na Sociedade Semear. Entrada grátis. Já o livro custa 50 pilas – não considere como um gasto, é investimento.

por Adelvan