Ou resgatando pérolas esquecidas, há muito tempo fora de
catálogo, como o obscuro – por aqui - “Um Cântico para Leibowitz”, do norte-americano
Walter M. Miller Jr. Publicado originalmente em 1959, no auge da guerra-fria,
narra uma rebuscada aventura que se passa num futuro pós-apocalíptico onde a
humanidade passa a rejeitar o progresso científico que a levou à autodestruição.
Rejeição que a leva a uma nova idade das trevas, mas que não impede o
renascimento. Renascimento que, no entanto, a conduz, novamente, à beira da
aniquilação, num círculo vicioso que ilustra o ditame de que aqueles que falham
em aprender com a história estão condenados a repeti-la.
Entrou numa lista dos dez melhores do gênero que a
mundialmente prestigiada revista Time publicou em 2010. Não se trata, no
entanto, de um reconhecimento tardio: já na época de sua publicação ganhou o
prêmio Hugo como melhor romance, em 1961. Graças, em grande parte, à
originalidade da trama, que tem início seiscentos anos depois do chamado
Dilúvio de Fogo, no qual a maior parte da população mundial foi dizimada, e é dividida
em três partes – Fiat Homo, Fiat Lux e Fiat Voluntas Tua - nas quais Miller
desenvolve uma narrativa brilhante que se desenrola ao longo de quase dois
milênios, com saltos temporais brutais que, no entanto, não prejudicam a
fluidez do texto. São, na verdade, três Histórias distintas que giram em torno
de uma abadia na qual monges se dedicam a preservar a “memorabília”, o que
restou da devastação nuclear e da “simplificação”, a caça às bruxas que veio a
seguir. “Bruxas” encarnadas, no caso, nos doutores detentores do saber, como
professores e cientistas. A ordem que ocupa a abadia é, por sinal, consagrada a
um destes “doutores”, um tal Leibowitz, que se tornou um mártir – e santo da
igreja católica! – ao dar sua vida pela preservação do conhecimento.
“Um Cântico para Leibowitz”
foi o único livro publicado em vida por Walter M. Miller Jr. Reflete sua
visão de mundo, marcada por um forte componente religioso – converteu-se ao
catolicismo em 1947, aos 25 anos de idade, depois de uma passagem traumática
pelo exército durante a Segunda guerra mundial na qual esteve presente em cerca
de 53 bombardeios sobre a Itália e os Bálcãs. Num desses ataques foi destruído
o Mosteiro Beneditino de Monte Cassino, o mais antigo do mundo ocidental.
Sofreu de depressão por décadas e tornou-se patologicamente recluso. Suicidou-se,
com tiro de revólver, em 11 de janeiro de 1996, em Daytona Beach, Flórida,
poucos dias antes de completar 73 anos. Não havia muito, tinha começado a seqüencia
do “Cântico’’, “Saint Leibowitz and the Wild Horse Woman”, que foi terminada
pelo “ghost writer” Terry Bisson, a seu pedido.
Uma crítica ácida à perseguição ao conhecimento e à livre
expressão, a obra de Miller é aclamada no mundo e merece muito ser redescoberta
em nosso país. Inclusive porque os questionamentos por ele levantados continuam
atuais – basta olharmos a realidade que nos cerca, com a ascensão do Estado
Islâmico no Oriente Médio e a intolerância ideológica e religiosa grassando
entre os bits e bytes da tecnologia de ponta ocidental. A Editora Aleph está de
parabéns pelo resgate – caprichado, com direito, inclusive, a um glossário de termos e textos em latim utilizados pelo autor.
Um cântico para Leibowitz / Walter M. Miller Jr. / Aleph/
400 p. / R$ 49,90 / www.editoraaleph.com.br