A Editora Três Estrelas, selo do grupo Folha de São Paulo, que já havia nos presenteado com a quadrinização da história da criação da
primeira bomba atômica, agora lança “A Morte
de Stálin”, graphic novel francesa com roteiro de Fabien Nury e desenhos de
Thierry Robin. Uma tragicomédia de erros baseada em fatos reais que narra, de
forma romantizada, a luta pelo poder iniciada com a morte do tirano que
governou a União Soviética com mãos de ferro por cerca de 30 anos. Vale
especialmente pelo preciosismo da edição e pelo talento do desenhista, que reproduz
pessoas e acontecimentos de forma rebuscada, com atenção para os mínimos
detalhes – destaque para as cenas da grandiosa cerimônia de sepultamento do
líder, habilmente reproduzidas a partir de imagens de arquivo.
Quanto ao roteiro, começa bem, com uma boa dosagem de fatos
reais e fictícios. Utiliza como ponto de partida uma história divertida e
inventiva que gira em torno de um suposto telefonema do “generalíssimo” à rádio
estatal solicitando a gravação de uma peça clássica que acabara de ser
executada ao vivo. O caos se instala, já que a perfomance não havia sido
registrada. Tudo teria que ser refeito! Os músicos, apavorados, conseguem se
reunir para uma nova execução. Temem, no entanto, que “Koba” perceba o
improviso, fruto dos percalços da empreitada. Mas são “salvos pelo gongo”: o
Camarada Stalin, “guia genial dos povos”, tem um derrame cerebral, do qual não se recuperará. Naquela mesma noite começam as conspirações para sucedê-lo, encabeçadas por Lavrenti
Béria e Nikita Kruschev – muito bem caracterizados, diga-se de passagem. A
caracterização dos personagens, reais ou fictícios, é um dos pontos fortes da
obra.
É lamentável, no entanto, que o roteirista, a partir de
determinado momento da trama, tenha errado a mão e enveredado por delírios fantasiosos desnecessariamente exagerados e dignos de uma comédia “pastelão”
da pior espécie, extrapolando o necessário e justo romanceamento da narrativa para resvalar na falsificação histórica pura e simples. É o caso, por exemplo, da cena em que o filho de Stálin, bêbado, confunde a
autópsia com um suposto flagrante do assassinato de seu pai! Ou a transposição
para a época retratada de um episódio terrível e dramático que realmente aconteceu, mas nos
tempos do czar, o que leva os que fazem uma leitura apressada, sem conhecimento dos
fatos, a crer que o governo soviético havia mandado abrir fogo
contra a turba descontrolada que invadiu Moscou para prestar suas
homenagens.
O autor tenta se explicar, num posfácio: diz que utilizou-se de metáforas para emular a peculiar noção de “verdade” dos soviéticos. As mortes decorrentes dos tumultos gerados pelas trapalhadas burocráticas da "nomenklatura" atordoada com a súbita ausência de seu líder seriam equivalentes, portanto, às que aconteceram durante o "Domingo Sangrento", quando as tropas do czar dispararam covardemente sobre uma multidão desarmada. E o que Vassili, o filho bêbado e fanfarrão, não fez - como atirar nos médicos e convocar a imprensa estrangeira para denunciar um complô para matar seu pai - poderia ter feito - não saberíamos, em todo o caso, pois seus atos seriam certamente encobertos pelo véu da censura.
O autor tenta se explicar, num posfácio: diz que utilizou-se de metáforas para emular a peculiar noção de “verdade” dos soviéticos. As mortes decorrentes dos tumultos gerados pelas trapalhadas burocráticas da "nomenklatura" atordoada com a súbita ausência de seu líder seriam equivalentes, portanto, às que aconteceram durante o "Domingo Sangrento", quando as tropas do czar dispararam covardemente sobre uma multidão desarmada. E o que Vassili, o filho bêbado e fanfarrão, não fez - como atirar nos médicos e convocar a imprensa estrangeira para denunciar um complô para matar seu pai - poderia ter feito - não saberíamos, em todo o caso, pois seus atos seriam certamente encobertos pelo véu da censura.
A mim não convenceu, esta explicação. Achei a abordagem absolutamente desnecessária. Porque, neste caso, a realidade dos fatos que é pública e notória e faz parte da História já é mais do que suficientemente cheia de tragédias e situações farsescas. Desnecessária e inconveniente – pra não dizer desonesta – em se tratando, também, de uma publicação de um selo que se propõe a publicar apenas livros de não ficção, segundo consta no release do site da editora. Em nome de uma suposta liberdade artística e de um perseguido - sem sucesso, a meu ver - tom farsesco - a ironia começa pelo subtítulo, "Uma História Soviética Real - o que temos é uma verdadeira falsificação da história. Típica, aliás, das práticas abomináveis do personagem - e do regime - retratado.
Em todo o caso, é sempre muito bom ver publicadas no Brasil histórias em quadrinhos que fogem do esquema comercial viciado dos super-heróis norteamericanos ...
Título: A Morte de Stálin
Subtítulo: Uma História Soviética Real
Autor: Fabien Nury, Thierry Robin
Tradução: Paulo Werneck
Especificações: Brochura | 152 páginas
ISBN: 978-85-6849-307-6
Dimensões: 310mm x 230mm
Editora: Três Estrelas
Idioma: Português
Peso: 710g
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