quarta-feira, 28 de abril de 2010

(*) Voltei, Recife.


Assim como os muçulmanos que têm que ir a Meca pelo menos uma vez na vida, minha peregrinação é anual e tem como destino o Recife, no Abril pro rock. É assim desde 1995, quando fui pela primeira vez, na terceira edição – isso depois de ficar sabendo da existência do Festival através do pessoal da Living In The shit, que tinha tocado lá no ano anterior como banda de suporte de Stela Campos, que na época atendia por Lara Hanouska. Naquela noite memorável, acompanhado de meu amigo de fé, irmão e camarada Marcos “Meleka Korroziva”, do Rio de Janeiro, tive a honra de ver, entre outras coisas, uma apresentação da Nação Zumbi ainda com Chico Science. De lá para cá, perdi pouquíssimas edições, acho que duas. Este ano a programação não estava tão convidativa, mas calhou de o Megadeth se apresentar dois dias depois e deixar a viagem bem mais atrativa.

Chegamos no Hellcife em pleno inferno – hora do rush, com um engarrafamento monstro pior do que o comum, por conta das obras de (mais um) viaduto. Quando adentramos o Centro de convenções, Mullet Monster Mafia estava no palco. Surf music com metais, coisa que, a princípio, eu deveria gostar, mas não sei se era eu que ainda estava entrando no clima ou a banda que é medíocre mesmo, sei que não gostei e já tratei de ir dar um passeio pelos stands de bugingangas e comidas. Senti falta logo de cara da barraquinha da Monstro, primeira vez em muito tempo que não a vejo por lá. Sinal dos tempos, muito provavelmente – muito poucos discos a venda, o comercio se concentra mais em camisetas, buttons, imãs de geladeira e demais traquitanas que não dá pra baixar de graça na net. Em termos de “rango”, estava melhor do que nos dois últimos anos, no Chevrollet Hall, mas também já teve dias melhores. Do lado esquerdo da entrada, uma imensa parede negra com alguns quadros bastante interessantes (ver imagens). Salta aos olhos, também, a redução do espaço ocupado no Centro de convenções, sinal de que era esperada apenas uma fração do publico que costumava lotar toda a área disponível, nos tempos áureos.

O público foi chegando á medida que a noite ia avançando. Claustrofobia, de São Paulo, fez um show extremamente barulhento, mas sem imaginação. Aquele thrash modernoso e sem graça de sempre. O mesmo pode-se dizer do Eminence – que é um pouco menos “duro”, mas igualmente desprovido de talento criativo. Pra “lascar” tudo de uma vez, me sobe ao palco um tal de “Terra Prima”, “gay metal” dos mais afetados. Não posso nem dizer nada sobre o show porque mantive distancia, já que aquela não é, definitivamente, a minha praia. Quando foi anunciado o show do Agent Orange, corri para a frente do palco pra ver e trouxe junto minha namorada, falando pra ela que aquela era uma banda clássica do punk rock e um dos motivos de eu estar ali (conheço-os pouco, mas sempre ouvi falar muito bem e como referência pra muita coisa que veio depois, além de ter gostado do pouco que ouvi). Passados cerca de 15 minutos de show ela me olha com cara de enfado e pergunta “é essa a banda que você acha tão boa” ? Não era. Não sei dizer exatamente o que foi, mas não funcionou. Foi muito ruim. O som da guitarra estava péssimo, “xôxo”, como dizemos por aqui, e o público (eu incluso) não conseguia se empolgar e começou a se dispersar. Deve funcionar melhor num espaço menor – ou não, vai saber.

Mas o que veio a seguir, não decepcionou. Varukers fez, finalmente, o primeiro grande show da noite. Crust (ou D-Beat) de primeira, na linha do Exploited, Discharge, G.B.H., Chaos UK e demais bandas da segunda geração do punk britânico. Uma britadeira de esporros impecável, grandes riffs, uma verdadeira muralha de guitarras acompanhada de batidas pesadas, com grande perfomance do vocalista Rat, em forma apesar de já não ser mais nenhum garotinho e ostentar uma bela pança. Na sequencia, provavelmente o melhor show que eu já vi dos Ratos de Porão. Estavam literalmente com o capeta no corpo e transferiram o espírito das trevas para a platéia, que se comportou de forma absolutamente ensandecida - para que se tenha uma idéia, até um extintor de incêndio foi roubado de uma das laterais e acionado no meio do público por algum maluco sem noção. João Gordo comandou a desgraça num clima de “foda-se” total – ele estava meio que com uma idéia fixa de que já que o mundo ia mesmo acabar em 2012, foda-se tudo. Foda-se, foda-se e foda-se, era a palavra de ordem. Tocaram, inclusive, e com toda a convicção possível, “Igreja Universal”, a pra lá de ácida crítica aos atuais patrões do Gordo, já que ele está no cast do “Legendários”, o programa de Marcos Minhon (péssimo, por sinal) que desfalcou a MTV do que ela tinha de melhor. Superou o Varukers de longe e foi, definitivamente, o show da noite.

Pra encerrar, Blaze Bayley adentra ao palco com uma camiseta do Brasil e uma daquelas calças “poca ovo” coladas no corpo e uma bandana na cabeça – um “modelito”, digamos, no mínimo bizarro. Um grupo de fiéis seguidores já o saudava há algum tempo – fala sério, tem que ser muito “metaleiro” pra ser fã de Blaze Bayley. O som em si não é ruim, é Haevy Metal de qualidade, bem executado e com composições variando entre o bom e o razoável, mas a perfomance do cara naquela noite foi especialmente irritante. Fiquei até não agüentar mais ver ele fazendo sinal pra platéia levantar os braços pela milésima vez. Haja saco.

Na noite seguinte, chegamos ao som da Plástico Lunar. Pouiquíssima gente na platéia, o que é uma pena, pois a banda fez um show muito bom, redondinho e preciso, o que é impressionante se levarmos em conta que, em algumas canções, haviam 3 guitarristas no palco, já que os ex-membros Rafael Costelo e Daniel haviam viajado a Recife para participar do festival. Em todo caso, acabaram dando sorte, porque consta que se apresentaram justamente na hora em que a Rede Globo Nordeste fez um flash ao vivo do festival, o que significa que eles foram vistos por todo o Pernambuco via televisão.

Bugs, do Rio Grande do Norte, não me empolgou. É pesado, é energético, mas é muito chato, com letras pseudo-intelectuais e existencialistas – “ela vestiu-se em chamas” é dose. Depois entrou um tal de Zeca Viana que eu nem sei de que se trata nem tenho o menor interesse em saber. Pra compensar, tivemos a Vendo 147, de Salvador. Que porra foi aquilo ? Absolutamente sensacional. O melhor show de todo o festival, sem sombra de dúvidas. Um verdadeiro massacre “roqueiro” de primeiríssima qualidade conduzido com precisão pelos irmãos siameses gigantes do “clone drum”, Glauco e Dimmy, “O Demolidor” (ex-Honkers). É uma banda instrumental com dois bateristas dividindo o mesmo bumbo, o que, por si só, já chamaria a atenção pelo inusitado da formação, mas não seria nada se as composições não fossem também muito boas e a execução das músicas não fosse feita com precisão e entrega fora do comum. E foram. O “medley” com grandes riffs do rock (“Back in Black”, “Enter Sandman”, “purple haze”), em especial, levou o público ao delírio. Saíram do palco ovacionados – dá até orgulho de ter um sergipano fazendo parte dessa história, no caso Duardo, ex-Snooze.

No palco ao lado, Nevilton. Bem legal. Rock and roll energético com um acento pop simpático. A perfomance do cara (o Nevilton) é ensandecida, beirando até o exagero, mas parece sincera. Pena que tiveram pouco tempo. Já o River Raid, de Pernambuco, teve muito tempo, o que tornou o show um tanto quanto arrastado e cansativo (muito por culpa de algumas composições com um andamento excessivamente lento), apesar de competente e “potente”. Bom trabalho de guitarras, bem na linha de outra banda lá mesmo de Recife, o Sweet Fanny Adams – indie-rock estiloso e bem executado.

Sou fã da Plastique Noir, de Fortaleza, e vê-los ao vivo foi um dos principais motivos dessa minha ida ao Abril. Infelizmente, as coisas parecem não ter dado muito certo e o show foi um tanto quanto decepcionante – não de todo ruim, mas dá pra sentir que eles podem (e devem, em ocasiões mais favoráveis) render muito mais. Logo de cara interrompem uma música por algum problema técnico que não consegui entender qual foi, mas que parece não ter sido totalmente resolvido, já que os músicos pareciam desconfortáveis no palco, especialmente o baixista Daniel, que parecia estar tocando sem retorno. Fora isso, a perfomance da banda foi ok, com destaque para os belos dedilhados e caras e bocas do guitarrista Marcio Mazela, um figura – aliás, depois do Vendo 147, o grande destaque da noite foram as dancinhas dele no meio do público ao som de Afrika Bambaataa.

Wado é bom, mas é samba rock, né. Sei lá, não curto muito essa malemolência praieira dessa gente bronzeada que quer mostrar seu valor não. Minha praia é mais a do rock, rock puro, duro, e quanto mais velho, mais roqueiro fico. Não vi o show porque não tava a fim de ouvir samba rock, mas já baixei discos de Wado e gostei, reconheço imensamente seu valor como compositor e arranjador acima da média. Sem falar que é uma grande pessoa, nunca tive muita intimidade mas conheço ele do tempo em que andava muito por Maceió com o povo do Living In The Shit.

E se o que eu queria era rock ( o que é natural, estando num festival chamado Abril pro rock ), foi exatamente o que não tive no restante da noite. 3 Na Massa foi extremamente chato – coisa que não deveria ser, em se tratando de um projeto de dois caras da Nação zumbi escudados por belas vozes femininas. Deve ser porque eu sou roqueiro, “do mal” – o mesmo provável motivo de eu ter achado um saco os dois últimos shows seguintes, “Instituto Mexicano Del Sonido”, que eu nem vi, só ouvi de longe, e Afrika Bambaataa. Esse eu fui ver, já que se trata de uma figura histórica para a música em si, o criador do hip hop em pessoa. Não gostei e fui embora antes do fim porque não é a minha praia, mas foi bem animado, um verdadeiro bailão funk cheio de grooves matadores comandado por dois MCs alucinados, dois negrões cabulosos que pareciam ter saído de alguma cena de “Warriors”.

O Pato Fu eu não vi, e não me arrependi.

Fui. Mas ano que vem eu volto.

Assim espero.

Amém.

A.

* Composição: Luis Bandeira

Voltei, Recife
Foi a saudade
Que me trouxe pelo braço
Quero ver novamente "Vassoura"
Na rua abafando
Tomar umas e outras
E cair no passo

Cadê "Toureiros"?
Cadê "Bola de Ouro"?
As "pás", os "lenhadores"
O "Bloco Batutas de São José"?
Quero sentir
A embriaguez do frevo
Que entra na cabeça
Depois toma o corpo
E acaba no pé

MARAVILHA !




Fui assitir “Alice no País das Maravilhas” de Tim Burton e vi exatamente o que esperava ver, e achei ótimo, assim como achei ótimo o último disco do Motorhead, que entrega há anos somente aquilo que seus fãs querem ouvir e segue firme esbanjando vigor. É esquemático e previsível ? É, mas e daí ? Isso não significa que seja necessariamente ruim. Não entendo essa história de se esperar uma revolução narrativa e/ou estética a cada novo filme de Tim Burton – o cara está lá, fazendo com extrema competência tudo aquilo que se propõe a fazer, então qual é o problema ? Pra mim, nenhum. Me diverti muito, azar de quem foi assitir com uma opinião pré-concebida influenciada pela crítica ranheta.

Me diverti especialmente com a Rainha de Copas, magnificamente interpretada por Helena Bonhan Carter (e fazer com que o expectador note o trabalho do ator, neste caso, é um feito, dada a quantidade de maquiagem e intervenção digital a que o personagem está submetido), mas adorei também o Chapeleiro Maluco de Johnny Depp, o Gato risonho e flutuante com seu sorriso debochado, a caricata Rainha Branca e sua pose de bailarina. Adorei as criaturas fantásticas, o cenário magnificamente colorido, a batalha épica a La “Senhor dos Anéis” no final (como reclamar de uma criatura demoníaca com a voz de Christopher Lee ? Só sendo muito ranzinza mesmo), a mensagem anti-conformista (muito embora o diretor esteja sendo insistentemente acusado de ter se tornado esquemático e repetitivo) e o filme como um todo. Sabia que Alice ia matar a tal criatura e os vilões seriam derrotados no final, evidentemente, mas não liguei a mínima pra isso.

Cinema ainda é a maior diversão, e diversão é solução, sim.

É solução pra mim.

A.

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Abaixo, uma crítica no geral negativa porém embasada e consistente, apontando com precisão os pontos altos e baixos do filme.

por Pablo Villaça, no site Cinema em Cena

Alice no País das Maravilhas - Dirigido por Tim Burton. Com: Johnny Depp, Mia Wasikowska, Helena Bonham Carter, Crispin Glover, Anne Hathaway, Marton Csokas, Matt Lucas e as vozes de Alan Rickman, Stephen Fry, Timothy Spall, Michael Sheen, Barbara Windsor, Michael Gough, Imelda Staunton e Christopher Lee.

Publicado em 1865 depois de ter sido supostamente escrito por Lewis Carroll como uma espécie de declaração de amor à garotinha Alice Lidell, então com 10 anos de idade (Carroll tinha 32), Alice no País das Maravilhas ganhou, ao longo das décadas, mais de 30 adaptações cinematográficas, numa prova clara do fascínio que despertou – e desperta – em cineastas de todo o mundo. Com uma narrativa episódica, repleta de simbolismos e uma protagonista que não se encaixa na sociedade à qual pertence, o livro parecia ideal para um tratamento de Tim Burton, um cineasta que freqüentemente enfrenta problemas com tramas que exigem um desenvolvimento mais complexo e que, além de adorar universos fantasiosos e incômodos, exibe uma clara preferência por personagens desajustados de uma maneira ou outra. Infelizmente, apesar do casamento aparentemente perfeito, a versão do cineasta desaponta pela falta de energia da narrativa, que surge tão enfadada e enfadonha quanto a Alice aqui apresentada.
Usando não só Alice no País das Maravilhas como base do roteiro, mas também a continuação Alice Através do Espelho, o roteiro de Linda Woolverton (O Rei Leão) adota a estratégia mal-sucedida de Hook – A Volta do Capitão Gancho ao trazer a personagem-título já mais velha de volta ao mundo mágico que conheceu na infância. Prestes a se tornar noiva de um aristocrata aborrecido e cansada das convenções impostas pela sociedade de sua época, Alice (Wasikowska) segue mais uma vez o Coelho Branco (Sheen) de volta ao mundo dominado pela Rainha Vermelha (Bonham Carter), onde descobre que deverá derrotar o temido Jabberwocky (Lee) a fim de devolver a coroa à boa Rainha Branca (Hathaway). Para isso, ela contará com a ajuda do Chapeleiro Maluco (Depp), do Gato de Cheshire (Fry) e de várias outras criaturas fantasiosas vistas nos livros de Carroll.

Com o design de produção assinado pelo mesmo Robert Stromberg que este ano recebeu o Oscar por seu trabalho em Avatar, Alice é visualmente eficiente: o mundo visitado pela heroína combina bem os cenários com cores fortes e arrebatadoras com outros nos quais a direção de arte investe em tons mais monocromáticos, como no castelo da Rainha Branca, que parece ter sido uniformemente mergulhado na alvura que batiza a monarca. Além disso, detalhes como a escultura da Rainha Vermelha feita na vegetação servem não apenas para ilustrar algo sobre a personagem (seu egocentrismo) de maneira orgânica, mas também como referência divertida à carreira do diretor (Edward Mãos-de-Tesoura, obviamente). Da mesma maneira, o próprio design das criaturas virtuais merece aplausos – e gostei particularmente do exército de cartas, que surge devidamente trajando armaduras finas como papel. Sim, aqui e ali o trabalho recai no óbvio, como no campo de batalha que se apresenta como um tabuleiro, mas ainda assim é difícil imaginar uma alternativa que teria funcionado melhor, o que torna a opção mais compreensível.

Já os rebuscados efeitos visuais surgem irregulares: por um lado, os personagens puramente digitais, como a Lebre Maluca, o Coelho Branco e a Lagarta conseguem combinar bem as características de um animal com outras que os tornam expressivos como humanos (destacando-se, aí, os sapos suspeitos de furto); por outro, figuras como o Valete (Glover) tropeçam por investirem em corpos digitais para cabeças humanas, já que o gestual das criaturas se apresenta artificial e trôpego. Enquanto isso, Johnny Depp, basicamente dependendo apenas da maquiagem e de próteses, investe numa composição caricata como o personagem exige ao mesmo tempo em que se apresenta em cena como uma espécie de filhote assustado de Madonna, Gene Wilder e Elijah Wood. Falando com a língua presa e usando os ocasionais acessos de raiva do Chapeleiro como recurso para torná-lo um pouco mais complexo, Depp faz o possível para tornar o sujeito interessante, mas acaba sendo vitimado pelo roteiro, que, parecendo ter sido modificado apenas para aumentar sua participação, não consegue justificar plenamente estas cenas adicionais.

E se a Rainha Branca de Hathaway apresenta-se como uma distração curiosa com seus gestuais excessivamente (e propositalmente) delicados, Helena Bonham Carter acaba roubando o filme sempre que surge como a Rainha Vermelha, concebendo a vilã como uma criatura mimada cuja crueldade serve apenas para ocultar sua terrível insegurança. Abusando de todos os animais do reino (os morcegos usados para carregar os lustres são um toque particularmente divertido), a Rainha consegue se tornar bem mais complexa que todos os seus parceiros de cena, sendo hábil também em provocar o riso e em sugerir traumas de infância que, resultantes de sua imensa cabeça, parecem ter plantado as sementes de sua tirania. Com isso, é até injustiça tentar compará-la à Alice de Mia Wasikowska, que, depois da performance promissora na primeira temporada da série In Treatment, aqui concebe uma protagonista terrivelmente desinteressante. Sim, Alice nunca foi a mais fascinante das heroínas, mas aqui ela estabelece um tom tão monocórdio desde sua primeira cena que realmente se torna difícil compreender por que deveríamos investir duas horas em sua companhia – mesmo que Burton construa seu gradual fortalecimento através de pistas visuais como o fato de soltar os cabelos assim que pisa no “país das Maravilhas”.

Mas talvez este tédio constante da protagonista apenas reflita a falta de vigor de toda a narrativa: perdendo longos minutos com cenas que mais parecem ter saído de um videogame (beba, diminua; coma, cresça, pegue a chave; beba, diminua, abra a porta; salve o jogo antes de passar para a próxima fase), Burton falha em imprimir ritmo até mesmo a um roteiro episódico como este, o que não deixa de ser preocupante no que diz respeito aos rumos de sua carreira. Além disso, ao transformar os sonhos descritos por Carroll em realidade, o diretor mata todos os interessantes paralelos que aquele universo estabelecia com o mundo de Alice, perdendo qualquer indício da complexidade antes existente na história, já que nada daquilo parece mais refletir as experiências e anseios da garota.

Como se não bastasse, a conversão para o 3D feita durante a pós-produção reflete o desconhecimento do cineasta com relação à linguagem: observem, por exemplo, como ele investe no rack focus (mudança brusca de foco) em vários planos, o que contraria, por definição, a própria lógica do campo tridimensional – e notem, também, como os cavalinhos voadores que surgem em certo instante acabam estabelecendo uma dinâmica estranha com outro objeto em primeiro plano, que parece estar simultaneamente no meio e atrás das duas criaturas. O erro, aliás, acaba se refletindo também na legenda em português (mas aí a culpa não é de Burton, claro), que em alguns momentos parece sair diretamente do corpo dos personagens em vez de ser projetada à sua frente.

Ainda assim, embora irregular e com sua parcela de problemas, Alice prende o espectador graças ao espetáculo visual que oferece. Uma pena, portanto, que isso se deva mais aos artistas responsáveis pela direção de arte e aos supervisores de efeitos visuais do que diretamente a Tim Burton, um cineasta que às vezes se esquece de como é talentoso.

23 de Abril de 2010

terça-feira, 27 de abril de 2010

51

Não chega a ser uma “verdade universal“, expressão com a qual Jane Austen inicia seu clássico Orgulho e preconceito (1813), mas pode-se dizer que, com zumbis, tudo fica bem mais divertido. Foi pensando assim que um americano ligeiramente matusquela, Seth Grahame-Smith, resolveu “reler“ o livro original, transformando-o em Orgulho e preconceito e zumbis (Ed. Intrínseca).

Típico produto desta época de canibalismo (olha os zumbis aí) cultural, o livro gerou tanto fúria em professores de literatura inglesa quanto cócegas no cérebro de leitores de cuca mais fresca, além de gordas vendagens, o que o levou a ocupar o terceiro lugar da lista de mais vendidos do New York Times em 2009. O sucesso foi tanto que a brincadeira, já designada de “mash-up literário“ pelos gaiatos de plantão, gerou uma série de lançamentos similares, como Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos, Android Karenina e Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, este último escrito pelo próprio Grahame-Smith. (NOTA: cotado para virar filme com produção de Tim Burton)

Assim como os zumbis, os mash-ups parecem se espalhar rapidamente, chegando até o Brasil. A revista Época divulgou recentemente que a editora Desiderata tem uma versão morta-viva de Memórias Póstumas de Brás Cubas, nos planos – o que, aliás, parece casar como uma luva para a alma penada criada por Machado de Assis.
Não para por aí. Orgulho e preconceito e zumbis já está nas mãos da produtora Lionsgate para virar um filme, com Natalie Portman no papel da heroína Elizabeth Bennet. Enquanto isso, Grahame-Smith escreve a série de HQs Zumbis Marvel.
Comédia romântica e zumbis - Clássico da literatura universal e um dos retratos mais bem acabados da fleugma britânica em contraste com seu rigoroso sistema de castas, Orgulho e preconceito é uma deliciosa comédia romântica centrada no difícil relacionamento entre Elizabeth Bennet, uma linda jovem sem papas na língua, e o charmoso Sr. Darcy, igualmente franco em suas colocações.

Considerado um dos exemplos mais perfeitos de como se utiliza o recurso do discurso indireto em um romance, Orgulho e preconceito é também um rico painel de época e costumes. A versão zumbificada de Grahame-Smith, segundo o próprio, manteve 85% do texto original de Austen intocado. Nos outros 15%, o “co-autor“, em um procedimento definido por ele mesmo como “uma microcirurgia“, introduziu uma terrível praga de mortos-vivos na Inglaterra – além de rigoroso treinamento nas artes do kung-fu em um templo shaolin para todas as belas e casadoiras irmãs Bennet.
Obviamente, o leitor que leva este tipo de brincadeira a sério – os leitores de Austen – devem passar bem longe da prateleira deste livro. Já o leitor bem-humorado – e, necessariamente, fã de George Romero – que se aventurar por suas páginas poderá ter duas sensações.

A primeira é tédio. Fã de zumbi que é fã de zumbi que ver o bicho pegar – e desmembrar e arrancar nacos de cérebro. Em Orgulho e preconceito e zumbis, estes últimos, na verdade, aparecem bem menos do que se espera. As vezes, muitas páginas se passam sem que um ataque dos “não-mencionáveis“, como são chamados, ocorra.
Porém, aqueles que se mantiverem firmes na leitura poderão ser recompensados com a segunda sensação que o livro provoca: um senso de humor dos mais divertidos, que contrapõe as frescuras dos empertigados ingleses com o desespero causado pelos ataques dos fétidos desmortos.

A mistura de comédia romântica com mortos-vivos, na verdade, não é exatamente nova. O DNA de Orgulho e preconceito e zumbis pode ser traçado a partir do filme Todo Mundo Quase Morto (Shaun of The Dead, 2004), de Edgar Wright, no qual um adorável loser vivido por Simon Pegg tenta reconquistar sua noiva entre machadadas e tripas voando numa Londres tomada por zumbis.

por Franchico

Rock Loco

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Uma misteriosa peste começa a assolar o pacato vilarejo inglês de Meryton. Os mortos estão voltando à vida. A heroína Elizabeth Bennet está determinada a livrar-se da ameaça zumbi, mas logo ela é distraída pela chegada do altivo e arrogante Sr. Darcy. É isso mesmo. O clássico "Orgulho e Preconceito", de Jane Austen, ganhou uma nova versão com toques sobrenaturais.

Mais estranho que a inusitada simbiose é o fato de que o livro está se tornando um sucesso: 750.000 cópias já foram impressas desde o início do ano, quando o livro foi lançado. Escrita por Seth Grahame-Smith e publicada pela editora Quirk Books, a história mantém 85% do texto de Austen. Nos 15% restantes, muito sangue e carnificina. Uma versão para os cinemas já está sendo preparada.

O retorno positivo, mesmo dos fãs dos livros originais, levou a editora a preparar uma nova adaptação bizarra de uma história de Jane Austen. "Razão e sensibilidade e os monstros marinhos" será lançado no próximo mês. Lagostas gigantes e polvos enlouquecidos agitarão a famosa trama.

"Há uma relação muito mais forte entre os dois mundos (o dos zumbis e de Jane Austen) do que eu poderia imaginar", afirmou o diretor editorial da Quirk Books, Jason Rekulak, que apontou a atual onda, mais comum na internet, de se alterar histórias já consagradas.

Rekulak fez uma lista de livros cujos direitos autorais haviam expirado. A relação foi de "Moby Dick" à "Grandes esperanças". "Fiz uma lista de personagens que poderiam ser incorporados à trama. Robôs, ninjas, zumbis. Assim que consegui traçar uma linha entre 'Orgulho e Preconceito' e zumbis, eu vi que tinha uma história. E de quebra, consegui um ótimo título".

"Orgulho e preconceito e zumbis" e "Razão e sensibilidade e os monstros marinhos" são, certamente, as versões mais inusitadas que uma obra de Jane Austen já ganhou. Mas não é a primeira vez que suas histórias são adaptadas. A escritora, conhecida por sempre ambientar suas tramas em um universo de elegância e tradição, escreveu apenas seis livros. Mas já serviu de inspiração para publicações de temáticas das mais diversas como "O guia de boas maneiras de Jane Austen" e "No jardim com Jane Austen". Na televisão, suas histórias já inspiraram a série de TV "Lost in Austen". Nem Boolywood resistiu à tentação. Produziu "Bride and Prejudice" ("Noiva e preconceito", traduzindo ao pé da letra).

O Globo

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Até o ano passado, a Quirk Books era uma editora desconhecida que publicava livros como "As vidas secretas dos grandes artistas" e "O manual do Batman". O editor Jason Rekulak matava o tempo livre no YouTube vendo mash-ups, vídeos que misturam trechos de clipes, filmes e programas de TV. Inspirado neles, criou uma forma de aplicar a técnica ao seu ramo: fez uma lista de clássicos com direitos autorais em domínio público (Dickens, Tolstoi, Jane Austen) e uma de coisas que fazem todo mundo rir (zumbis, monstros marinhos, ninjas). Bastou ligar os pontos.

— Assim que juntei "Orgulho e preconceito" e "zumbis", senti que tinha um grande título — diz Jason, que conversou com O GLOBO por telefone, de Nova York.

Para passar do título, Jason recrutou o escritor e roteirista Seth Grahame-Smith, autor de "Como sobreviver a um filme de terror". Jason lembra que Seth foi o primeiro a entender sua ideia.

— Não queríamos caçoar de Jane Austen. Queríamos amplificar seus temas e preservar o que ela fez. Acrescentando zumbis.

O resultado, nas contas de Jason, é 85% Jane Austen — ainda estão lá as casadoiras irmãs Bennet e a profusão de intrigas sociais da Inglaterra do século XIX. Mas foram os outros 15% que transformaram "Orgulho e preconceito e zumbis" num fenômeno editorial, que inspirou outros mash-ups literários (a Quirk Books publicou "Razão e sensibilidade e monstros marinhos" em 2009 e lançará "Androide Kariênina" ainda este ano). Além disso, há uma versão cinematográfica do livro prevista para 2011, com direção de David O. Russell e Nathalie Portman no papel de Elizabeth Bennet.

Na versão de Jason e Seth, a Inglaterra é vítima de uma praga que faz os mortos se levantarem das tumbas e vagarem em busca de miolos frescos. Isoladas em seu casarão no campo, as irmãs Bennet se aprimoram nas artes marciais e no combate armado para defender sua propriedade. A trama básica é a mesma de Austen, com os zumbis (a quem todos se referem, com polidez inglesa, como "os não mencionáveis") irrompendo em momentos escolhidos a dedo, conta Jason.

— Os personagens dela são muito contidos, seus conflitos são sempre internos. Então decidimos que os zumbis seriam uma forma de exteriorizar esses conflitos. Toda vez que alguém está sofrendo, ou tem os sentimentos feridos, os zumbis aparecem — diz o editor, citando uma das cenas mais famosas do romance, o baile em que Elizabeth é insultada por um pretendente (na nova versão, nesse momento o salão é invadido por uma horda de mortos-vivos).

O "expressionismo zumbi" de Jason e Seth não agradou a todos. O editor conta que costuma receber reações raivosas de acadêmicos e fãs mais sisudos de Austen. Mas há quem entenda a piada:

— Hoje mesmo uma professora me escreveu dizendo que seus $de 15 anos adoraram o livro. São jovens que nunca se interessariam por Jane Austen, mas leram nossa versão de "Orgulho e preconceito". Quer dizer que eles leram 85% do livro de Austen: é o suficiente para enganar na prova de fim de ano.

por Guilherme Freitas


O Globo


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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Dica: "garagem"

Se você nunca ouviu o programa "Garagem", produzido e apresentado por André Barcisnki e paulo Cesar Martins e veiculado, atualmente, pela Rádio Uol, a hora é agora: Está no ar a edição # 19 desta nova fase, florida pela presença de Tânia Oliveira, que além de ser uma gata, como todos já devem estar cansados de saber (e quem não sabe pode conferir nas fotos abaixo), rendeu um bom bate-papo. Assim como renderem excelentes entrevistas algumas das edições anteriores, como as do Alexandre Frota, Nasi, Fábio Massari e Zé Do Caixão - também responsável pelas hilárias vinhetas. Além de tocarem muita musica boa (e obscura, na maioria das vezes), os caras fazem um programa muito divertido, com algumas das coisas mais bizarras já produzidas e gravadas servindo como BG - prepare-se, sua vida vai mudar ao ouvir "O Filho do Recluso". Particularmente, a únca ressalva que eu faço é à birra deles com o rock nacional, totalmente ausente da programação, mas para isso existe o programa Loaded - www.loaded-e-zine.net

Ouça AQUI.

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Garagem # 19 - Convidada: Tãnia Oliveira

Fonte: Blog do programa

Uma verdadeira pin-up brasileira para embelezar o Garagem: a maravilhosa TANIA OLIVEIRA, apresentadora do “Interligado” da Rede TV! e ex-Panicat. Ela falou sobre a carreira, bastidores do Pânico e mandou até uma receita de bolinho de chuva! De quebra, um playlist com novas do Blur, do Atari Teenage Riot e outras novidades legais!

DOWNLOAD:
Parte 1: http://audio.uol.com.br/uolmusica/garagem/2010/04/garagem19_p1.mp3
Parte 2: http://audio.uol.com.br/uolmusica/garagem/2010/04/garagem19_p2.mp3

PODCAST: http://rss.musica.uol.com.br/garagempodcast.xml

RÁDIO UOL: http://www.radio.uol.com.br/programa/garagem

PERGUNTA: O GARAGEM QUER SABER: QUAL A MÚSICA DO CAETANO VELOSO PARA O VULCÃO DA ISLÂNDIA? PRÊMIO: DVD “TEEN SPIRIT”, TRIBUTE TO KURT COBAIN
E-MAILS PARA: programagaragem@uol.com.br

LETRAS TRADUZIDAS: Em clima de amor, Nipo-Luso traduz “More Than a Woman”, dos Bee Gees / Tavares

FURADEIRA:
Ana Maria Broca encontra a horrorosa Banda Kaçamba

MÚSICAS:
1. BLUR – “Fool’s Day”
2. ATARI TEENAGE RIOT – “Activate!”
3. TAP TAP – “Codeine”
4. SOCIAL DISTORTION – “Ball And Chain”
5. MY GOL MASK – “Bitches” (Hood Internet Rmx)
6. BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB – “Conscience Killer”
7. JOY WILLIAMS – “Sunny Day”
8. VELVET UNDERGROUND – “Cool It Down”
9. DELOREAN – “Simple Graces”
10. BROKEN BELLS – “Vaporize”
11. T-REX – “Rip Off”
12. SIOUXSIE & THE BANSHEES – “Love In a Void” (Peel Session)
13. TEENAGE FANCLUB – “Baby Lee”
14. THE NATIONAL – “Afraid Of Everyone”
15. WILCO – “Shot In The Arm”
16. P.I.L. – “Bags”

















quinta-feira, 22 de abril de 2010

Delinquentes, de Belém do Pará




Adelvan “Kenobi” perguntou
Jayme “Katarro” respondeu

ABRIL DE 2010

Fonte: Blog do programa de rock


1. O Delinqüentes é, se não a mais antiga banda do estilo ainda em atividade na região norte do país, uma das. Conte-nos em que ano tudo começou e como foi a gênese da banda, como foram seus primeiros contatos com o universo do punk/HC, qual a primeira formação e o que era ter uma banda punk em Belém do Pará no meio dos anos 80.

Jayme K: Bom, a Delinquentes surgiu em 1985, mais precisamente na noite de recírio (festa religiosa que acontece 15 dias após a maior festa religiosa do país). A cidade toda em festa e entre um gole e outro de cachaça, eu e mais um amigo conversávamos sobre montar uma banda de punk / hardcore. Ele tocava no Insolência Pública (1ª banda punk da cidade) e estava querendo fazer algo paralelo à sua banda principal. Só que a sua banda paralela acabou sendo a minha banda principal pro resto da vida (risos). Meu contato com o punk foi justamente vendo um show deles na cidade, e aquilo me chapou de primeira. Foi um choque. Logo comecei à fazer contato com os caras e à aparecer nos ensaios da banda. Ser ou tocar punk em Belém na década de 80 era algo inusitado. Usar moicano era ser um marciano. E era ser contra tudo e contra todos. Até mesmo contra os ditos rockeiros da época, pois até mesmo alguns heavys da época me condenaram por passar do "metal" pro "punk". Coisa dos anos 80 mesmo, rsrsrsrs.

2. Como foram os primeiros shows da Delinqüentes ?

Jayme K: Toscos. Lembro que o 1º show nós repetimos a 1ª música 3 vezes até acertar. Mas todo mundo veio elogiar a gente. Acho que mais pela amizade mesmo. Muita coragem gostar daquilo, hehehe. Um pouco mais adiante, como não haviam muitos espaços pra tocar, resolvemos eu e mais o movimento da época (que era o NCP - Núcleo de Conscientização Popular) fazer nossos próprios shows, em centros comunitários, clubes, etc... Isso foi bastante importante não somente para a banda, como para o movimento punk da cidade na época.

3 . Quando e de que forma a banda começou a divulgar seu trabalho para além das fronteiras do estado do Pará ? Quando foi a primeira vez em que vocês tocaram fora de sua cidade natal ?

Jayme K: O movimento punk sempre teve seu forte nos contatos interestaduais. E olha que estamos falando de uma era pré internet, onde nem e-mail existia. Eram cartas mesmo. Divulgávamos nossas demo-tapes (o equivalente aos CD-R's de hoje) pro Brasil inteiro e até pra fora. Graças à esses contatos, fizemos algumas viagens na época e a 1ª foi justamente para Aracaju, no 1º Festcore de Aracaju, em 87 ou 88. Lembro como se fosse ontem, pois marcou muito. Importante frisar que algumas dessas amizades perduram até hoje.

4. Você teria idéia de quantas demos a Delinquentes gravou antes do primeiro disco propriamente dito, e de que forma foram gravadas ?

Jayme K: Acho que umas 6 ou 7 , incluindo as coletâneas. Vale ressaltar mais uma vez que a 1ª demo coletânea que participamos foi a Fúria e Ódio, do amigo Sylvio (Karne Krua). Já a 1ª demo individual foi a Infecto Humano, de 88. Foi gravada num estúdio caseiro. Na hora de colocarmos as vozes, ficávamos do lado de fora da sala, com o ouvido grudado na porta e os microfones na mão, para ouvir o som que saía. Acho que o estúdio não possuía fone de ouvido, rsrs. Mas essa demo foi bem divulgada. Com ela espalhamos nosso som pros quatros cantos do país através das cartas.

5. Ainda nos anos 80 a Delinqüentes tinha uma relação forte com a incipiente porém ativa e combativa cena punk de Aracaju, chegando a tocar aqui, se não me engano, na primeira edição do Festival Festcore. Conte-nos como foi a experiência.

Jayme K: Pois é. Eu conhecia o Sylvio da época que eu ainda tocava nos Desesperados. Recebia um zine dele e tudo. Quando ele começou à divulgar que ia fazer esse evento, nós logo nos oferecemos pra tocar. Só que tínhamos entendido que o festival daria uma ajuda de custo. Isso foi uma Inexperiência nossa mesma. Em nenhum momento ele havia dito isso. Resultado: Ficamos ilhados quase um mês em Aracaju, mas até que foi legal. Conhecemos muitas pessoas bacanas. Eu quase virei um sergipano, hehe.

6. Muito tempo depois a Delinqüentes voltou a dar um giro pelo nordeste e passou de novo por Aracaju. Fale-nos dessa turnê, o que aconteceu de forma geral e quais foram os frutos que vocês colheram dela.

Jayme K: Foi uma turnê que pegou quase o nordeste inteiro (São Luís, Fortaleza, Maceió, Aracaju, Salvador e João Pessoa). Conhecemos muitas pessoas bacanas e fizemos bons contatos que até hoje ajudam na banda. Só teve um lance ruim: É que foi a turnê de divulgação do nosso 1º CD e ele não saiu a tempo, então fizemos a viagem toda só fazendo os contatos para mandar depois os cds e divulgando demos e camisas... Mas os shows por si só valeram muito.

7. Em que lugares, Brasil afora, a Delinqüentes já tocou, e como foi a recepção da banda pelo publico, muita diferença de um lugar para outro ? E fora do país, já tocaram ?

Jayme K: Sim, tocamos em vários lugares já com essa galera nova. Ainda com o antigo baixista (Sandrão, que gravou o CD Indiocídio conosco), tocamos no Palco do Rock (Salvador - BA), há uns 3 anos atrás, e a moçada lá agitou bastante no nosso show. E já com essa nova formação, fizemos 3 viagens recentemente: Em Macapá (AP), no Festival Quebramar (com participação do RDP); Em São Luís (MA), no São Luís Rock Festival (com a participação do Matanza) e no Grito Rock América do sul, em Taguatinga (DF), com participação do Terror revolucionário, entre outros. Em alguns lugares já havíamos tocado (como em são Luís e Macapá), então já houve uma certa receptividade. Já em Brasília, apesar de ser a 1ª vez que estávamos indo por lá, tivemos contato com algumas pessoas que já conheciam a banda de tempos e alguns eram até velhos conhecidos nossos de correspondência e ainda não nos conhecíamos pessoalmente. Foi um dos shows mais proveitosos para a banda, inclusive, pelos contatos feitos. É sempre legal quando vamos para outro estado e as pessoas cantam, pedem as músicas, sobem no palco para cantar e agitar. E isso tem acontecido praticamente em todos os lugares que vamos e é uma coisa que antecede a internet, ou seja, a maioria já conhecia a banda de tempos mesmo, talvez fruto da nossa perseverança na cena. Já quanto a tocar fora do Brasil, não falta vontade, mas nunca tivemos oportunidade. Estamos devendo essa...

8. A carreira da Delinqüentes aconteceu de forma constante, ou houve algum hiato (tipo, vários anos parada) em algum momento da banda ?

Jayme K: Acho que no início da banda (86), porque eu não estava me entendendo com a galera. Queria levar a banda para um outro caminho (a moçada era muito doidera, só chapação...) e a saída foi essa. Ficou parada por quase um ano e depois retornou com outra moçada, levando a coisa mais à sério.

9. Fale-nos da gravação do primeiro CD da Delinquentes, ficaram satisfeitos com o resultado, tanto artisticamente quanto em termos de retorno – nem digo financeiro, porque isso praticamente não existe nesse universo, mas de divulgação.

Jayme K: A gravação não nos decepcionou. Foi feita em sistema analógico e isso deu um peso legal no disco, apesar de achar que guitarras poderiam estar mais agressivas. Em relação à distribuição, ela teve uma divulgação razoável, pois ficamos com pouca porcentagem dos CD's, mas teve uma boa aceitação na mídia independente (A revista rock Brigade, por exemplo, deu nota 9 ao disco e considerou o mesmo um dos melhores discos de hardcore do ano).

10. Nunca tiveram vontade de ter gravado um vinil ? Há algum saudosismo da parte de vocês por este formato de mídia em especial ?

Jayme K: É o sonho de muita gente, né? Desde o início, quando lançamos o 1º, eu já pensava nisso. Quem sabe agora, com os rumores da volta da fabricação no Brasil, isso seja possível...

11. E o segundo CD, “Indiocidio”, como foi gestado e como está sendo distribuído ?

Jayme K: Está bem gravado, pelo menos isso posso dizer. Acho que está sendo bem mais divulgado, e não somente pela internet, porque estamos espalhando o mesmo em cada estado que tocamos ou mesmo mandando pelo correio. Essa é a grande vantagem do disco ter sido lançado pelo próprio selo - você ter material em mãos pra mandar.

12. “Indiocidio” indica uma preocupação da banda com relação às questões ambientais, políticas, econômicas e antropológicas relativas à sua região. Como a banda se posiciona ideologicamente e como vêem a situação da Amazônia hoje, houve melhoras em relação ao passado, ta tudo estagnado na mesma ou piorou ?

Jayme K: Dizer que continua a mesma porcaria seria ser otimista demais. O planeta está rumando ao caos completo e por esse motivo, o mundo todo volta os olhos à amazônia, querendo um pedaço da região para seus próprios benefícios. Troca-se de ministros mas o desmatamento continua à todo vapor. O que falamos nas letras todo mundo vê, não somente o povo daqui. Mas algumas pessoas preferem falar de amor ou outras coisas mais... Nada contra, mas optamos por esse caminho.

13. Façam uma análise da evolução da cena rock do Pará do tempo em que vocês começaram até agora. Como a banda Delinqüentes se posiciona na cena rock de Belém hoje em dia, como é a relação de vocês com as demais bandas, e como é a agenda de shows da banda, estão sempre tocando, participam dos festivais ?

Jayme K: A cena não somente rockeira, mas musical, de Belém, cresceu muito. Citar todas as bandas que estão fazendo acontecer seria impossível aqui. Há bandas saindo, morando fora até, como o Madame Saatan, e outras que insistem mesmo na aqui na própria cidade. Aqui há estilos pra todos os gostos. Desde o metal ao Punk, pulando pro Pop. Johny Rockstar, Ataque fantasma, Sincera, Dharma Burns, Aeroplano, Suzana Flag, Rennegados, Warpath, tenebrys, telaviv, Baixo calão. Mantemos um bom contato com bandas de todos os estilos. Tocamos com bandas de HC e punk rock, mas também somos chamados pra tocar com bandas de pop rock, de metal e etc... Quanto aos festivais, há desde os grandes, como a Se rasgum , até os de pequeno e médio porte, como o Madruga Fest, Hardcore reunion, Verdurada, Rock Solidário, fora da panela, etc... Eu mesmo organizo dois que tem um certo nome na cidade, que é o Tacakaos Festival e o Fabrikaos Festival. Em ambos, eu gosto de misturar bastante os estilos.

14. Pra completar, já que as letras da banda têm um forte cunho politico/ideológico, qual sua visão da política no Brasil em todos estes anos de existencia da Delinquentes ? Algo mudou ? Pra melhor ou pra pior ?

Jayme K: Deveria ter melhorado com o governo Lula. Aqui mesmo em Belém temos um governo do PT (governadora Ana Júlia). Não vou dizer que em alguns aspectos não melhorou, pois temos um certo diálogo com a secretaria de cultura, por exemplo, através da Pró-Rock (movimento da qual faço parte). Através desse diálogo conseguimos fazer umas atividades em plena praça pública e até mesmo trazer bandas como o Inocentes uma vez. Mas em termos de saúde e educação o governo local deu uma grande estagnada e deixou à desejar, infelizmente. Em se tratando do Brasil, nem precisa falar, né? Certas burradas do nosso presidente já botaram por água abaixo qualquer ilusão de que uma esquerda poderia melhorar o país.

15. Pra finalizar: Noto que tu deve ter mais ou menos a mesma idade que eu e continua bem magrinho e gostosinho, heim ? qual seu segredo, é herança genética ?

Jayme k.: Hahahahahhahaha. O pessoal aqui brinca, dizendo que eu caí num tanque de formol, rsrs. Mas que nada. não é tanto assim. A cerveja já vai criando espaço dentro da barriga. Porra, mas que pergunta, hein Adelvan? Rsrsrs. Mas eu na verdade me preocupo mais é que a minha cabeça e principalmente o meu pensamento em relação à banda, à cena e ao mundo não envelheça, porque o que vemos de gente nova com cabeça de velho poraí, não é brincadeira, hein? e isso mesmo dentro do movimento punk, rocker, ou sei lá o quê.

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quinta-feira, 15 de abril de 2010

É tudo baiano*

Quando eu morava em Aracaju, pequena província de uma grande região do Brasil localizada acima do Rio de Janeiro chamada Bahia, eu tinha um simpático jegue chamado Juremar.

Certa feita, quando eu ouvia o programa do Mussão no rádio, mainha me chamou e disse que o Juremar estava doente. Imediatamente desabei em profundo desespero, uma vez que o carnaval se aproximava e eu precisava do Juremar pra chegar à capital do Nordeste – a saber, Salvador – pra sair fantasiada de filha de Gandhi no bloco da Cláudia Leitte. Juremar era meu único meio de transporte, não poderia perdê-lo.

Então fiz uma promessa ao Padinho Padim Ciço para que o Juremar ficasse curado antes do carnaval. Jurei ficar até quarta-feira sem comer acarajé, vatapá e tapioca. Praticamente morreria de fome, diante da falta de opções pra minha alimentação diária. Mas Padim Ciço atendeu às minhas súplicas e colocou o bom Coronel no meu caminho. O meu benfeitor deu ordem pros seus jagunços transformarem Juremar num trio-elétrico que só tocava axé e assim cheguei a Salvador em grandessíssimo estilo.

Por isso gostaria de agradecer a mainha, a Mussão, ao Coronel, a Juremar, a Cláudia Leitte, a Padim Ciço e todos aqueles que fazem da Bahia a região do Norte do Brasil mais rica em cultura, beleza e arte, terra de gente esforçada, trabalhadora, alegre e festeira.

*Conto meramente fictício, dedicado a todos os meus novos amigos paulistas que possuem uma visão levemente limitada do Nordeste e tudo que há nele.

por Deborah Fernandes

Beijo de Arlequim

quinta-feira, 8 de abril de 2010

The Book of Eli



Não botava muita fé neste filme, mas me surpreendi – positivamente. Sempre fui fã da série Mad Max e de Historias que se passam em ambientes pós-apocalipticos em geral (gosto até de "Waterwold", pra que se tenha uma idéia), e este, com participações especiais do quilate de Tom Waits e um já idoso porém sempre gigante quando aparece na tela Malcom McDowell, tem potencial para se tornar um “Cult”. O “Background” religioso é interessante e deixa margens para as mais diversas interpretações, assim como são, por si só, todos os chamados “livros sagrados”, da Biblia ao corão, passando pelo Baghavad Ghita ou o Livro dos Mórmons e, porque não, o nosso célebre (graças a Tim Maia) “Universo em desencanto”. As coreografias das lutas são perfeitas, e há um bom equilíbrio entre cenas de ação e passagens mais “climáticas”, reflexivas até. O climão de “western” futurista, aliás, é o grande charme da fita, ao lado da belíssima fotografia granulada que ressalta a aridez dos cenários. Os atores, com exceção da “mocinha” Mila Kunis, fraquinha demais, entregam grandes interpretações e o final surpreende, especialmente se levarmos em conta que A Biblia (na mais que célebre edição de Guttemberg) foi o primeiro livro impresso no mundo.

Enfim, recomendo.

A.

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Thriller pós-apocalíptico tem lutas elegantes e potencial de filme cult

Marcelo Forlani

Do Omelete

O que torna um filme em um "cult", um produto que escapa do grande público, mas consegue acertar em cheio um grupo de pessoas que o defende com veemência, a ponto de cultuá-lo? Não há uma fórmula para isso. Afinal, a grande maioria dos cineastas quer mesmo é que seus projetos cheguem ao máximo de pessoas possível. Mas, aparentemente, ser ambientado em um futuro pós-apocalíptico é um dos ingredientes que conta a favor, como em Mad Max, Blade Runner e até mesmo Matrix - que depois acabou virando uma grande franquia de blockbusters.

Pois este é o cenário de O Livro de Eli (The Book of Eli, 2010), novo filme dos irmãos Allen e Albert Hughes (Do Inferno). Desde a primeira visão que temos do protagonista Eli (Denzel Washington), percebemos que estamos em um lugar diferente da Terra que conhecemos. A fotografia azulada deixa tudo quase monocromático, morto e extremamente seco, como o que restou do planeta. Os buracos que vemos pelo caminho trilhado por ele não deixam dúvidas de que houve uma guerra e muitas coisas explodiram por ali.

Mas ao contrário do que aconteceria em filmes feitos para as multidões, O Livro de Eli não se preocupa em explicar com todas as letras o que aconteceu por ali, deixando para o público a tarefa de completar os pontos. O seu objetivo não é falar do passado, mas sim do futuro. Tudo o que descobrimos é que Eli já está há muito tempo na estrada ("30 invernos já se passaram", diz ele) seguindo as ordens de uma voz, que o orientou a rumar para o Oeste. E cada vez mais acreditamos que nada vai conseguir detê-lo.

Um dos seus últimos percalços é Carnegie (Gary Oldman), o chefe de um inóspito vilarejo. Impossível não olhar para aquele lugar seco, o bar onde se vende bebida e mulheres, as pessoas sujas e os bandidos armados sem pensar nos velhos westerns. Carnegie seria o xerife que faz a lei do seu jeito, e Eli o forasteiro que não quer problemas, mas os atrai com mais força do que um ímã atrairia a bem afiada lâmina da sua faca.

Carnegie está obcecado por um livro. Ou melhor, "O" livro sagrado, a Bíblia. Ele reconhece que as palavras ali escritas têm poder de torná-lo um líder ainda mais poderoso, que poderá ampliar o seu domínio para muito além daquela destruída cidadela. E como o título do filme já trata de deixar bem claro, é este o livro que Eli carrega com tanto cuidado em direção ao pôr do sol.

Estas são as peças espalhadas pelo tabuleiro, o resto é muita ação, com Denzel Washington mostrando toda a sua elegância na arte de chutar bundas em bem coreografadas lutas filmadas em planos sequência, sem precisar se esconder atrás de cortes rápidos. Estes são os fatos. O resto do filme quem vai fazer é cada expectador, em sua cabeça. Teria sido a tal guerra que devastou tudo a temida Guerra Santa? Foi por isso que todas as Bíblias foram queimadas? É apenas a fé que protege Eli, ou Algo mais? O fato de Carnegie querer usar o Velho Testamento em seu próprio benefício seria uma crítica a um recente habitante da Casa Branca, que invocava Deus para invadir países mundo afora? São estas e outras questões deixadas no ar que provocam discussões e ajudam a tornar uma obra em algo superior. O Livro de Eli tem nas suas entrelinhas conteúdo suficiente para se tornar um cult daqui a alguns anos. Pode deixar um espaço separado para ele na sua prateleira.

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Entrevista com Gary Oldman

Fonte: Contigo!

Se você tem medo de Gary Oldman, não precisa se envergonhar. O ator de 52 anos foi o responsável por grandes vilões do cinema, inclusive Drácula, e ganhou até uma música chamada Scary Gary (Gary Assustador), composta por suas colegas de O Livro de Eli, em que volta ao papel de malvadão. Após uma década de bons moços como o James Gordon em Batman e Sirius Black em Harry Potter, Oldman faz Carnegie, um tirano futurista que controla uma cidade pelo medo. Apesar de suas histórias amorosas (namorou Isabella Rosellini, 57, e foi casado com Uma Thurman, 39) e das confusões (preso por dirigir embriagado com o amigo Kiefer Sutherland, 43), o inglês hoje é um sujeito pacato, de fala mansa e gentil. Quem diria?

Você ficou conhecido por papéis icônicos de homens maus. Mas acabou virando bom moço em Batman e Harry Potter.
Pois é. Tenho muito orgulho desses filmes, não me entenda mal, mas eles também me permitiram ter uma estabilidade na vida e cuidar dos meus filhos sem preocupação. Ao mesmo tempo é bom estar de volta aos vilões depois de dez anos de mocinhos. Se bem que... Você considera Carnegie um homem mau?

Ele mantém rédeas curtas nos mais pobres ao controlar a água da região, bate na mulher e mata pessoas para conseguir um livro. Acho que ele é mau.
(Risos) Quando você vê Denzel Washington pela primeira vez no filme, ele mata 15 pessoas como um samurai maluco e ninguém acha que ele é um cara mau! Até quando vou pagar por isso (mais risos)? Os dois personagens têm uma certa maldade, não acha? O meu tem seus motivos para correr atrás de um livro sagrado. Acredito que ele deseja criar um tipo de ordem em um mundo caótico. Ele faz isso para sobreviver.

Qual seu vilão preferido?
Eu ainda gosto muito de Drácula. Uma mistura de romantismo e maldade que veio na hora certa. Assim como Carnegie, que é um papel interessante. Ele me deu a chance de trabalhar com Denzel, alguém que admiro muito há tempos.

Seus personagens têm cenas violentas e são inimigos mortais no filme. Como atores de método, não rolava um clima estranho entre os dois nas filmagens?
Não! Costumávamos apenas sentar em nossos trailers e conversar sobre as experiências que tivemos no teatro. Nada muito emocionante. Sei que falaram da intensidade das filmagens em Albuquerque (Novo México), mas não achei tão complicado. Foi perto de Los Angeles e isso é o que define meus projetos. Não tenho mais saco para passar dez semanas longe de casa e dos meus filhos (Gulliver Flynn, 12, e Charlie John, 11, do terceiro casamento, com Donya Fiorentino).

Você teve uma vida social intensa em Hollywood no começo da carreira. Sente falta desses dias?
Pode apostar (risos). Mas sou menos saudosista hoje. Um dia desses, acordei muito cedo e ainda estava escuro. Eu me levantei, coloquei os cães para fora e fiquei andando de moletom. De repente, vi meu reflexo no espelho e pensei: ''Estou parecendo a p... de um velho!'' (risos). Antigamente, eu teria tirado a roupa e colocado algo mais bacana para me sentir melhor. Não foi o que aconteceu. Dei com os ombros e fiquei como estava. Resumindo: sinto muita falta dos velhos tempos (mais risos).

Já que citou Drácula, há seu reencontro com Tom Waits em O Livro de Eli.
Pois é. Ele foi meu Renfield em Drácula e agora é meu relojoeiro! Esse é o lado bom e ruim de trabalhar com cinema. Você conhece a pessoa, troca ideias, se identifica e precisa dar adeus para o reencontrar quase 20 anos depois. Tom é um sujeito meigo e um ator natural.

Seu personagem era um ditador que citava trechos da Bíblia. Mas foi mudado. Por quê?
O mundo está se tornando bege hoje, não? Completamente sem graça. O politicamente correto está substituindo o bom senso e talvez essa tenha sido a razão da mudança. Não podemos atingir certos grupos, porque pode ofendê-los.

Carnegie é obcecado por livros. Mas não vimos nenhum Harry Potter na pilha que ele guarda.
(Risos) Na verdade, eu queria que ele lesse só livros turísticos e guias de viagens para brincar com o fato do mundo ser um deserto. Mas Allen e Albert (Hughes, diretores do longa) preferiram colocá-lo lendo a biografia de Mussolini.

Ele não poderia escrever um livro para usar como base a religião? Não é muito trabalho ir atrás da Bíblia?
Ele poderia, mas aí não teríamos um filme (risos). Se George Clooney não fosse tão cínico, não teríamos Amor sem Escalas, não é?






quarta-feira, 7 de abril de 2010

quadrinhos Adultos no brasil

Vida de leitor de quadrinhos adultos no Brasil é difícil, é difícil como o que. Eu sou fã de quadrinhos desde antes de ser "roqueiro". Na verdade comecei a curtir esse tipo de arte antes mesmo de aprender a ler, quando ficava folheando umas edições velhas e acabadas de “A Tumba de Drácula” e “Morbius, o vampiro vivo”, da Marvel, que me chegavam às mãos – minha fascinação pelo mito dos vampiros é bem antiga também, como podem notar. Não por acaso, a primeira coisa que li pra valer, depois de alfabetizado, foi o número 1 da revista Tex, da extinta editora Vecchi, que meu irmão colecionava. Era uma história bizarra que misturava um mundo perdido num vale de dinossauros com o velho oeste americano. Chamava-se “O Signo da serpente” e foi lançada, originalmente, um mês depois do meu nascimento, em fevereiro de 1971 (o exemplar que meu irmão tinha era uma reedição, e hoje eu tenho outra reedição da mesma historia lançada mais recentemente pela mythos que eu guardo com muito carinho, afinal, ora bolas, foi a primeira revista em quadrinhos que eu li !).

Algum tempo depois troquei Tex pelas revistinhas de Super-Herói em formatinho da Editora Abril. Comprava (e lia !!!) todas, para desespero de minha mãe, que via as pilhas se acumularem e ocuparem mais espaço a cada dia. Ela me proibia de comprar mas eu economizava no lanche e continuava comprando, usando de expedientes bizarros como esconder as revistas embaixo da camiseta para tentar (geralmente sem sucesso) entrar com elas em casa sem ser pego em “flagrante delito”. Minha preferida era a “Superaventuras Marvel”, e foi lá que eu fui refinando meu gosto por roteiros mais elaborados através dos X-Men de Chris Claremont (A “Saga da Fênix negra” é um clássico) e, principalmente, do Demolidor de Frank Miller. Este foi, realmente, revolucionário, especialmente na chocante historia com a morte da personagem Elektra – nunca antes um personagem tão importante tinha morrido numa revista em quadrinhos, e na época a gente acreditou que ela continuaria morta. Só depois as pressões de mercado fariam a credibilidade da irmã do sonho cair por terra no mundo dos “gibis” de super-heróis.

Na mesma época houve uma espécie de ensaio do lançamento de revistas com temáticas mais maduras no Brasil com a publicação da “Epic Marvel”, que infelizmente teve vida curta e me deixou, até hoje, sem saber como foram concluídas séries sensacionais como “Dreadstar” e “Legião Alien”. Uma revista só com material adulto parecia ser demais para o mercado de então, apesar do sucesso de “A Espada Selvagem de Conan”, mas este é um caso à parte, já que o personagem era muito popular. Séries avulsas, no entanto, foram inseridas com sucesso no mix das revistas de linha, caso de “Camelot 3000”, obra-prima publicada pela DC Comics.

Mas revolucionário mesmo foi o lançamento de “O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller. Para mim, teve mais ou menos o mesmo impacto que o punk no mundo do rock. Perdi imediatamente o interesse pelas revistinhas comuns, “de linha”, como se dizia na época, e passei a comprar apenas as chamadas “graphic novels”, com formato maior e geralmente contendo histórias fechadas com roteiros mais adultos. Ainda lembra da expressão de alívio de minha mãe quando coloquei todas as revistinhas num grande saco e levei para um amigo para o qual as tinha vendido a “preço de banana” ...

“O Cavaleiro das Trevas” deslanchou uma onda de lançamentos sensacionais em todo o mundo. As bancas foram inundadas por obras seminais como Watchmen e O Monstro do Pântano, de Alan Moore, Orquidia Negra e Sandman, de Neil Gaiman, e Blood e Moonshadow, de John J. Muth. Bons tempos. Era a época do nascimento da Vertigo, subselo da DC Comics que é, até hoje, sinônimo de quadrinhos de qualidade. No Brasil, além do surpreendente sucesso de revistas de autores nacionais, como a Circo, Chiclete com Banana, Geraldão e Piratas do Tietê, foi lançada a Animal (Feio, forte e formal), que compilava o que de melhor existia nos quadrinhos europeus, além de publicar, também, autores tupiniquins. Foi lá que conheci Lourenço Mutarelli (brasileiro, hoje se dedicando mais ao cinema e à literatura), Milo Manara, Andrea Pazienza, Tanino e Liberatori e Vuillemin, dentre muitos outros, e personagens inesquecíveis como Ranxerox, Peter Punk e Tank Girl. Até mesmo uma edição brasileira da célebre Heavy Metal viu a luz do dia, na época, mas teve vida curta.

Aí veio o governo Collor e, com seus planos econômicos mirabolantes e desastrosos, literalmente fudeu com tudo (no mau sentido, claro). Na área da cultura, devastou o cinema nacional e praticamente acabou com a publicação de quadrinhos adultos no Brasil. Com o tempo, a poeira foi assentando, mas a Vertigo, pra ficar só no caso mais “célebre”, demorou até ser novamente publicada de forma decente por aqui. Por muito tempo esteve nas mãos de editoras menores e sem estrutura(Metal Pesado, Pandora Books, Brainstore, Devir, Pixel Media) que não conseguiam dar conta de tantos títulos, até ser finalmente assumida pela Panini Comics, que vem fazendo um excelente trabalho. Cumpriu, por exemplo, a sublime e solene promessa de publicar até o final séries seminais, como PREACHER, 100 BALAS, Y, O ÚLTIMO HOMEM e EX-MACHINA, bem como trazer até nós novos títulos, como SWEET TOOTH e INESCRITO, e seguir publicando outras, como FÁBULAS e ZDM. Reeditou também, de forma decente, outras tantas, como SANDMAN, TRANSMETROPOLITAN, PLANETARY e FREQUENCIA GLOBAL - algumas delas pertencentes ao selo Wildstorm, igualmente excelente. A se lamentar, apenas, a recente notícia do cancelamento do título mensal da Vertigo, que, se não tinha o melhor dos "mix" - o da Pixel era superior - cumpria a tarefa de colocar nas bancas regularmente séries importantes como "Escalpo" e "Hellblazer". Hellblazer que saiu da Vertigo e foi parar no "reboot" do universo principal da DC - aquele onde "vivem" o Super Homem, o Batman e a Mulher Maravilha. NÃO promete.

É necessário que se registre, também, o excelente trabalho que tem sido feito por editoras menores, responsáveis pela publicação e republicação de obras seminais como a de Moebius, em formato gigante e capa dura; "Juiz Dredd" e "Hellboy", publicados pela Mythos - que também edita as revistas da panini -; "Estranhos no Paraíso", de Terry Moore, e “Os Mortos-Vivos”, de Robert Kirkman - esta uma verdadeira obra-prima, talvez a melhor “historia de zumbis” na qual eu já pus os olhos (pode incluir aí todos os clássicos do cinema). A HQ Maniacs, responsável pelo título, foi literalmente salva da falência pelo sucesso de "The Walking Dead", a série televisiva derivada do quadrinhos que virou mania em todo o mundo, e hoje coloca nas bancas um novo universo de super-heróis, o da editora norte-americana Valiant.

Estamos bem, em termos de edição de quadrinhos no Brasil, o que não deixa de ser surpreendente, já que o mercado sempre foi errático e problemático. E o futuro promete! Para o alto, e avante, rumo ao infinito - e além ...

ATENÇÃO: post atualizado em 23/03/2014.

por Adelvan k.