Se as eleições para presidente fossem hoje, Lula venceria. É o candidato
mais citado em pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes
(CNT). Tem 69,8% das preferências, contra 11,9% de Aécio Neves. Com Dilma em
vez de Lula como candidata do PT, Dilma teria 59% contra 14,8% de Aécio. Lula é
imbatível em 2014. Dilma, numa situação em que Lula esteja enfraquecido, tostado, talvez
não.
É disso que trata o bafafá sobre a Operação Porto Seguro. Começou fofoca.
Dona Marisa detesta Rosemary. Rosemary viajou 23 vezes para o exterior na
comitiva oficial do ex-presidente. Tinha acesso direto a Lula, e o usava para
descolar altos cargos para os amigos. Logo foi dito em português claro: Rose e
Lula foram amantes muitos anos. E abriu-se uma nova temporada de caça ao Lula.
Disparada, olhe só, pela Polícia Federal, cuja chefe máxima é... Dilma.
Será assunto para meses. Talvez caso pra CPI. As perguntas que precisam ser
respondidas: houve corrupção ou tráfico de influência? Quem corrompeu, quem foi
corrompido? Cadê o dinheiro? Rosemary usou sua influência junto a Lula? E, por
fim, Lula se beneficiou da corrupção ou cometeu algum crime?
É motivo para revirar a vida pessoal do ex-presidente, como se fosse uma
lata de lixo? Sem dúvida. E Lula deve tomar a iniciativa e se explicar. Quem
vive de dinheiro público não tem direito de dizer que não fala deste ou aquele
assunto. Vida particular de funcionário público sob suspeita é pública. Vale
pra Rose. Vale pra Lula.
Homens públicos, assim como médicos e motoristas de táxi, traem suas
mulheres, e por elas são traídos. Adultério não é crime. Se for, que comece o
julgamento de Fernando Henrique, que fala sobre o caso Rose como se não tivesse
traído Ruth Cardoso.
Bill Clinton quase foi derrubado pelos republicanos, por desfrutar de sexo oral
no salão oval da Casa Branca. A oposição fez o que pode para derrubar Clinton,
usando seu affair. Foi enxovalhado na televisão, se humilhou, implorou desculpas etc.
Sobreviveu por pouco, sabe-se lá com que custo para sua mulher e filha. Teve
sua imagem abalada para sempre. É casado, como Lula e FHC. A diferença
fundamental é que curtir minutinhos de prazer com miss Lewinsky não afetou em
nada a economia, segurança, ética, ou que quer que seja dos EUA.
O ataque a Clinton foi eleitoreiro e moralista. É a mesma situação do
Brasil? Não. A amante de FHC era funcionária da TV Globo. A amante de Lula era funcionária pública, por indicação de Lula, não uma
estagiariazinha. E pelo perfume - especialmente a história da tal ilha do
Gilberto Miranda - havia muito dinheiro passando perto de Rose, bilhões.
Esse é sempre o assunto: dinheiro. Nosso ex-presidente gera ódio em alguns
grupos, mas a rinha não é emocional. É disputa pelo poder, pela chave do cofre.
Tentaram de todo jeito liquidar Lula, antes da sua primeira eleição e durante
os seus oito anos de mandato. Saiu popularíssimo, elegeu sucessora, e agora o
prefeito de São Paulo, ambos tirados da mágica manga de sua casaca. Também saiu incólume do julgamento do mensalão. Parece impossível que não
soubesse do que seus braços direitos no governo e no PT faziam.
Bem, o que Dirceu e companhia efetivamente fizeram? As provas não deixem
muito claro o quê, e muita gente séria ache que não se provou coisa nenhuma. O julgamento
foi político? Natural, e é claro que algo de malcheiroso aconteceu. Mas
crucificar José Dirceu como maior vilão da história da nação é tão ridículo
como inocentá-lo. É ignorar ditadores, torturadores, Malufs e Sarneys, todos
soltos e sossegados. E como vão as investigações sobre as privatizações
tucanas, o mensalão mineiro, o metrô paulistano? Não vão.
A cobertura do julgamento atrapalhou. A história foi contada em termos de
Fla-Flu, juízes pró e contra o PT. Magistrados viraram astros, e passaram a se
portar como tais, para as câmeras. Distribuíram penas pesadíssimas, em País
onde os líderes do crime organizado têm penas leves, que cumprem ordenando
massacres de policiais, via celular. Só Lula, que indicou boa parte dos
juízes do STF, foi poupado. A pressão continua. É o Rosegate, é Marcos Valério.
A satisfação de alguns astros da mídia é indisfarçável, pimpões como pintos
na lama. Não conseguimos pegar Lula no mensalão, festejam, vamos pegar com essa
Rose. Se não der, pelo menos fazemos ele sofrer um pouco, envergonhando sua
esposa e filhos com a exposição de sua traição. E vamos dar o máximo de
exposição às novas acusações de Marcos Valério. Pressionar por investigações, e
dar munição para a oposição. E se nada colar, bem, quem sabe o câncer volta?
Não há nada de orgânico na nova direita midiática. É resultado de
articulação explícita de setores conservadores, principalmente do setor
financeiro. Dez anos atrás, não haviam direitistas assumidos no País, muito
menos na imprensa. Todo mundo e qualquer um se dizia de esquerda. Hoje pululam.
Ser antipetista se tornou lucrativo, graças a um azeitado circuito de
seminários, palestras e colunas, tudo muito bem remunerado. De lá é direto para
a lista dos livros mais vendidos. Para ser chamado ao banquete, é preciso ter
nome; ocupar espaço na imprensa e academia.
É válido. O campo oposto também soube seduzir seus evangelistas, muitos
acolhidos no poder, outros vivendo de mesada. Infelizmente, uma das exigências
para a fama, no ambiente midiático de 2012, é o histrionismo. Trata-se de
garantir que o mundo em preto e branco e cuspir certezas e bordões. Com isso,
deixamos o campo do jornalismo e da opinião, e igualam-se em irrelevância os
campeões dos dois lados.
Um lado então grita que é o maior escândalo desde Sodoma e Gomorra. E o
outro garante que é mais uma tentativa de golpe midiático-tucano. Propaganda
enganosa. Há uma tentativa de inviabilizar uma nova candidatura de Lula, e
abrir pelo menos a possibilidade do PSDB levar a presidência em 2014? Sim. Lula
nos deve explicações? Sim também.
Nem toda defesa de Lula é sectária. Nem toda acusação contra Lula é
golpismo. Vamos fundo nas investigações de aprontadas tucanas e outras? Por
favor. Mas vamos reconhecer que há jornalismo de fato, e evidências de fato
contra Rose, os irmãos Vieira e companhia. Eles têm de falar. Assim como
Cachoeira, e Valério. No Congresso, com transmissão ao vivo. E Lula também. Ele
colocou a amante em cargo público. Ela aprontou. Lula tem direito ao respeito,
como disse esta semana Dilma em
Paris. E à crítica, pelo que ficou nos devendo. Mas não tem
direito ao silêncio.
Lula não tem direito ao silêncio
No final do ano, famoso jornal de circulação nacional me convidou
para escrever o artigo acima. É uma nova versão do texto que escrevi
para
este blog, Lula Não Tem Direito Ao Silêncio. Um editor achou que o
post merecia espaço no jornal. Concordei, e me propus a entrar mais
fundo em alguns pontos - principalmente na questão da cobertura de
imprensa, e de como nossa mídia se tornou mais conservadora nos últimos
anos.
Enviei. Recebi elogios. Confirmaram a publicação na íntegra para dali
a alguns dias. Na véspera de sair, fui informado de que o texto fora
barrado por instâncias superiores. Sem problemas. Não é censura, é
edição, nem me pediram para mudar nada. Alguém com poder para isso
decidiu que o texto não estava adequado para sair no jornal. Que jornal?
Não conto para não criar problemas para quem me convidou.
E porque não importa, na prática. Mas fiquei um pouco desapontado.
Porque o texto é razoavelmente inofensivo, e fui equânime na
distribuição de críticas - sobrou pra todos os lados. E porque é uma
nova demonstração de como nossa imprensa (e não só o jornal em questão)
está mais reaça e careta a cada dia que passa.
Fui informado que serei pago. Ótimo. E melhor ainda que
aqui no
R7 escrevo exatamente o que quero, e sai exatamente como escrevo.
André Forastieri
#