terça-feira, 9 de junho de 2015

A MORTE DE STÁLIN

A Editora Três Estrelas, selo do grupo Folha de São Paulo, que já havia nos presenteado com a quadrinização da história da criação da primeira bomba atômica, agora lança “A Morte de Stálin”, graphic novel francesa com roteiro de Fabien Nury e desenhos de Thierry Robin. Uma tragicomédia de erros baseada em fatos reais que narra, de forma romantizada, a luta pelo poder iniciada com a morte do tirano que governou a União Soviética com mãos de ferro por cerca de 30 anos. Vale especialmente pelo preciosismo da edição e pelo talento do desenhista, que reproduz pessoas e acontecimentos de forma rebuscada, com atenção para os mínimos detalhes – destaque para as cenas da grandiosa cerimônia de sepultamento do líder, habilmente reproduzidas a partir de imagens de arquivo.

Quanto ao roteiro, começa bem, com uma boa dosagem de fatos reais e fictícios. Utiliza como ponto de partida uma história divertida e inventiva que gira em torno de um suposto telefonema do “generalíssimo” à rádio estatal solicitando a gravação de uma peça clássica que acabara de ser executada ao vivo. O caos se instala, já que a perfomance não havia sido registrada. Tudo teria que ser refeito! Os músicos, apavorados, conseguem se reunir para uma nova execução. Temem, no entanto, que “Koba” perceba o improviso, fruto dos percalços da empreitada. Mas são “salvos pelo gongo”: o Camarada Stalin, “guia genial dos povos”, tem um derrame cerebral, do qual não se recuperará. Naquela mesma noite começam as conspirações para sucedê-lo, encabeçadas por Lavrenti Béria e Nikita Kruschev – muito bem caracterizados, diga-se de passagem. A caracterização dos personagens, reais ou fictícios, é um dos pontos fortes da obra. 

É lamentável, no entanto, que o roteirista, a partir de determinado momento da trama, tenha errado a mão e enveredado por delírios fantasiosos desnecessariamente exagerados e dignos de uma comédia “pastelão” da pior espécie, extrapolando o necessário e justo romanceamento da narrativa para resvalar na falsificação histórica pura e simples. É o caso, por exemplo, da cena em que o filho de Stálin, bêbado, confunde a autópsia com um suposto flagrante do assassinato de seu pai! Ou a transposição para a época retratada de um episódio terrível e dramático que realmente aconteceu, mas nos tempos do czar, o que leva os que fazem uma leitura apressada, sem conhecimento dos fatos, a crer que o governo soviético havia mandado abrir fogo contra a turba descontrolada que invadiu Moscou para prestar suas homenagens.

O autor tenta se explicar, num posfácio: diz que utilizou-se de metáforas para emular a peculiar noção de “verdade” dos soviéticos. As mortes decorrentes dos tumultos gerados pelas trapalhadas burocráticas da "nomenklatura" atordoada com a súbita ausência de seu líder seriam equivalentes, portanto, às que aconteceram durante o "Domingo Sangrento", quando as tropas do czar dispararam covardemente sobre uma multidão desarmada. E o que Vassili, o filho bêbado e fanfarrão, não fez - como atirar nos médicos e convocar a imprensa estrangeira para denunciar um complô para matar seu pai - poderia ter feito - não saberíamos, em todo o caso, pois seus atos seriam certamente encobertos pelo véu da censura.

A mim não convenceu, esta explicação. Achei a abordagem absolutamente desnecessária. Porque, neste caso, a realidade dos fatos que é pública e notória e faz parte da História já é mais do que suficientemente cheia de tragédias e situações farsescas. Desnecessária e inconveniente – pra não dizer desonesta – em se tratando, também, de uma publicação de um selo que se propõe a publicar apenas livros de não ficção, segundo consta no release do site da editora. Em nome de uma suposta liberdade artística e de um perseguido - sem sucesso, a meu ver - tom farsesco - a ironia começa pelo subtítulo, "Uma História Soviética Real - o que temos é uma verdadeira falsificação da história. Típica, aliás, das práticas abomináveis do personagem - e do regime - retratado.

Em todo o caso, é sempre muito bom ver publicadas no Brasil histórias em quadrinhos que fogem do esquema comercial viciado dos super-heróis norteamericanos ...

Título: A Morte de Stálin
Subtítulo: Uma História Soviética Real
Autor: Fabien Nury, Thierry Robin
Tradução: Paulo Werneck
Especificações: Brochura | 152 páginas
ISBN: 978-85-6849-307-6
Dimensões: 310mm x 230mm
Editora: Três Estrelas
Idioma: Português
Peso: 710g



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