"No voto, o PT ainda se manterá forte por alguns anos", afirma o
professor da USP Lincoln Secco, autor de A História do PT (Ateliê Editorial). Ele faz, porém, um alerta: se quiser se manter no poder, o
partido terá de se recuperar do desgaste ideológico.
Qual PT completou 33 anos? O que ficou do PT do Colégio Sion? O
PT teve o mérito de combinar uma tradição clássica da esquerda com os
novos valores de 1968. O restante da esquerda demorou para incorporar
efetivamente a defesa das mulheres, negros e homossexuais, por exemplo. O
PT aplicou as cotas nas suas direções internas antes de usá-las em seus
governos. O que ele abandonou foi o radicalismo verbal dos seus anos
primaveris e a aversão às alianças com os partidos fisiológicos.
Isso significa que o PT de antigamente jamais apoiaria a eleição de dois peemedebistas às presidências da Câmara e do Senado? Sem dúvida. Ele faria como o PSOL faz hoje: lançaria um anticandidato.
O PT ainda é um partido de esquerda? Esquerda e
direita são conceitos relacionais. Só há dois blocos políticos
relevantes no Brasil e, certamente, o PT está mais à esquerda do que o
bloco liderado pelo PSDB.
Existe o risco de, como aconteceu na Europa com a saída do
poder dos partidos social-democrata, uma direita ainda mais conservadora
emergir no Brasil? O PT é um típico partido
social-democrata, mas condensou em pouco tempo o processo de moderação
que a Social Democracia viveu em um século. O desencantamento chegou
mais rápido no PT. No entanto, a extrema direita no Brasil só terá
chance de ameaçar o PT se as condições internacionais lhe permitirem
atuar fora da legalidade. No voto, o PT ainda se manterá forte por
alguns anos.
Acredita que Lula possa voltar a disputar a Presidência em 2014? Lula
é um patrimônio do PT e de grande parte da sociedade brasileira. Ele
poderia ganhar as eleições, mas só seria candidato se o governo Dilma
vivesse uma crise. Como isso não está no horizonte politico, eu creio
que ele será o maior cabo eleitoral de Dilma.
Qual o peso de Lula hoje dentro do PT? E o de Dilma? Obviamente
o peso de Dilma cresceu por causa de sua condição como presidente. Mas
ninguém duvida que a última palavra no PT será sempre de Lula. Depois da
vitória de Fernando Haddad em São Paulo ele ganhou ainda mais confiança
do partido.
O PT ainda pode empunhar um discurso ético após a condenação de figuras históricas no julgamento do mensalão? O
PT se considera o grande vitorioso nas ultimas eleições, mas
ideologicamente ele foi derrotado. Em 1989 aconteceu o contrário: o PT
teve uma derrota eleitoral, mas uma vitória moral. Isso foi tão
importante que mesmo com a queda do Muro de Berlin, a diminuição da base
de sindicatos importantes da CUT nos anos seguintes e o esvaziamento
militante das ruas, o PT continuou agregando as esperanças de
mudancismo. Agora, não mais.
Por quê? Porque o PT não tem mais uma mensagem de
esperança como tinha em 1989 e em menor medida em 2002. Ele não projeta
o novo, apenas gasta um patrimônio já constituído. O fato de que depois
de sete anos o partido ainda esteja na defensiva no caso do mensalão
revela que ele tem sido ideologicamente derrotado. A oposição conseguiu
colar no PT a marca da corrupção.
Mas a defesa da cúpula do PT contra o julgamento do Supremo
Tribunal Federal e essa "marca da corrupção" foram tímidas até agora... Pessoalmente
acho que José Dirceu deveria ser absolvido porque nenhuma Justiça é
justa quando é seletiva e condena sem provas. Este sentimento perpassa
também a base petista. Já a direção do PT comete um erro grave: ou ela
defende os condenados, o que ela dificilmente fará, ou os esquece. O que
não é possível é silenciar sobre o julgamento e, depois, permitir que
José Genoino assuma o mandato. Expulsar Delúbio Soares e admiti-lo
novamente. O Estatuto do PT prevê expulsão de condenados com sentença
transitada em julgado. Foi uma medida tomada de afogadilho depois dos
escândalos de 2005. Mas o PT não vai cumprir este artigo depois que o
STF publicar o acórdão. Então por que assumiu esta impropriedade?
O senhor disse certa vez que escândalos como mensalão não
iriam prejudicar a história do PT, mas sim o futuro do partido. Por quê? Por
mais que o partido se mantenha forte eleitoralmente, no longo prazo ele
é julgado como produtor de valores. O discurso socialista o PT já
abandonou, o da ética lhe foi tirado. Seus novos eleitores passarão a
ter novas exigências, além das demandas sociais que já foram atendidas.
E qual será o futuro do PT? Como historiador eu
só posso fazer projeções duvidosas. Se a atual tendência de desgaste
ideológico se confirmar, o PT continuará sendo uma agremiação com votos,
mas pode perder a liderança, seja para o PSB ou mesmo para a oposição.
Ele ficaria cada vez mais parecido com o PMDB. Outro cenário seria a
renovação geracional rápida das lideranças, o que já vem acontecendo
graças ao próprio mensalão. Só que ela teria que vir acompanhada de um
acerto de contas decidido com aqueles episódios de 2005, seja assumindo
tudo o que foi feito em nome da legitimidade do legado do governo Lula,
seja abandonando de vez seus velhos dirigentes e redefinindo-se como
agremiação supostamente republicana e de centro.
O PT comemora este ano também dez anos no poder. Qual a
estratégia para não perder a Presidência em 2014? Conquistar a tão
falada classe média? O PT não precisa mudar a estratégia,
pois ela deu certo até agora. O que acontecia em São Paulo? Ele tinha o
voto da periferia, mas no resto do Brasil os mais pobres se dividiam e
apoiavam majoritariamente a direita. O modelo paulistano se espraiou
pelo País. Hoje, o PT tem forte apoio entre os mais pobres. Não que ele
não queira a classe média, mas pode viver sem ela por enquanto. O que
ele não pode perder é a nova classe trabalhadora que ele ajudou a
integrar no mercado.
O sr. acredita que ascensão de muitos brasileiros à classe
média pode prejudicar o PT, especialmente se crise financeira se
agravar? Não. O eleitorado do PT foi conquistado por políticas sociais que vão se manter. E o PT sempre tem um plano B: Lula.
Tirar o governo de São Paulo das mãos do PSDB em 2014 é
considerado prioridade de Lula. O que isso vai significar para o
partido? Será a mais difícil batalha do PT depois da
conquista da presidência. Se por um lado há amplo desgaste do PSDB pelo
tempo que já tem no governo, o que favorece o PT, por outro não há uma
tradição de acomodação do ideário petista com o pensamento dominante no
interior paulista, que tem prioridades diferentes das politicas sociais
petistas. O PT poderia buscar incorporar valores que agradam a um imenso
eleitorado de um mundo corporativo que só existe em São Paulo em
grandes dimensões. Mas a cúpula do PT paulista já deu provas de que
dificilmente faz isso: ela prefere culpar os eleitores, chamando-os de
naturalmente reacionários. E é por isso que Lula ignorou o PT local e
impôs Fernando Haddad, um candidato palatável para a classe média.
Por que a oposição está tendo tanta dificuldade em lançar um nome forte à Presidência para 2014? A
oposição precisa de duas coisas: um novo nome e um discurso. Se ela
insistir no discurso que seus intelectuais tem produzido, continuará
agredindo os eleitores que ela precisa conquistar. Ir além da ética
seria o caminho, mas ela inverteu os papéis do passado. Quando o PT
fazia este discurso ético, elegia bons deputados e perdia eleições para o
executivo. Só que o PT tinha também uma história, uma base militante.
Enfim, tinha outros discursos possíveis. A oposição ainda não tem. Só
que os recursos humanos e materiais com os quais ela pode contar não são
nada desprezíveis e não é impossível pavimentar um caminho supostamente
moderno, calcado em valores de mercado, mas sem desprezar o que
socialmente já foi conquistado pelo PT. A oposição não sabe, mas as
políticas sociais do PT só são "revolucionárias" porque a direita não as
incorpora. Não há nada de radical em i mesmo no programa Bolsa Família.
Ele não ataca o grande capital.
Fonte: Estadão
#
Nenhum comentário:
Postar um comentário