“Onde está aquela garota?”, uma adolescente, ainda vestindo o uniforme da escola se pergunta em voz alta. “Que
garota?” “Você
sabe!” Suas amigas parecem intrigadas por um momento, depois se
descontraem em reconhecimento. “É, é.
Aquela garota.”
Alguns minutos depois, um grupo de meninos um pouco mais informados começam a entoar simulando um sotaque sueco: “Greta! Greta!”
Toda vez
que a polícia nos empurra para a calçada, alguns de nós na multidão imaginam
que estamos prestes a ver Greta Thunberg, a garota sueca de 16 anos que
inspirou milhões de outras crianças ao redor do mundo a matar aula às
sextas-feiras para protestar contra o fracasso dos seus governos em impedir o
desastre climático.
A greve climática de 20/09, atraiu milhões de pessoas ao redor do
mundo. A que ocorreu em Nova Iorque foi a maior do país até o momento,
com 70.000 pessoas na rua. Grande parte do motivo foi a emoção de ter
Greta Thunberg aqui na cidade. O sistema de ensino público nova-iorquino
ter permitido que os alunos faltassem aula sem penalidade também
ajudou, resultando no que talvez tenha sido a marcha climática da classe
trabalhadora mais diversa que os Estados Unidos já viram. Mas os
números também se devem ao impulso que Greta deu ao movimento.
Movimentos
são coletivos, mas algumas pessoas têm a personalidade certa para liderar na
hora certa. Quem acha que o socialismo seria tão popular nos Estados Unidos
hoje se Bernie Sanders não tivesse concorrido à presidência em 2016? As
condições históricas estão corretas, mas o povo também precisa de líderes.
Greta é uma dessas pessoas. Não há dúvidas de que ela é grande parte do motivo
pelo qual as pessoas estão indo às ruas e por que até os políticos e a mídia
estão começando a levar essa questão mais a sério.
Greta é
autista. Como Slavoj Žižek observou, isso é provavelmente parte do seu apelo.
Ela se refere ao seu autismo como um “superpoder”, e pode ser que
seja mesmo. Pessoas autistas muitas vezes têm dificuldades para entender
comunicações sociais. Isso não deve ser idealizado; torna a vida deles mais
difícil, e a sociedade nem sempre é tolerante com essas diferenças. Para uma
porta-voz climática como Greta, no entanto, não é difícil ver como o autismo
pode ajudar.
A maioria das pessoas, especialmente as meninas, é socializada para
fazer com que os outros sintam-se bem, para serem gentis e não serem
chatas. É impossível chamar atenção para uma ameaça à civilização humana
sob tais restrições sociais. A possível extinção da nossa espécie não
faz ninguém se sentir bem. Além disso, a maior parte das pessoas é
socializada para dizer às outras que elas estão fazendo um ótimo
trabalho, ou pelo menos para encontrar maneiras de enfatizar o que é
positivo. Mas, novamente, é impossível dizer a verdade sobre o clima
dessa maneira. Na semana de 15 a 21 de setembro de 2019, Greta disse sem
rodeios, na cara dos membros do Congresso americano, para pararem de
puxar seu saco. “Por favor, guardem seus elogios”, disse ela. “Nós não
os queremos. Não nos chamem aqui só para nos dizer como somos
inspiradores, porque isso não leva a nada.” Ela disse: “eu sei que vocês
estão tentando, mas não o suficiente. Sinto muito.”
Pessoas autistas muitas vezes conseguem concentrar-se fenomenalmente
em um único assunto. Isso pode torná-los trabalhadores
extraordinariamente produtivos, como descobriram alguns empregadores.
Greta é incomum para uma ativista contemporânea, pois ela raramente
menciona outras questões. O Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade (TDAH) é a metáfora neurológica da nossa era da internet;
há muitos problemas atraindo nossa atenção, enquanto nossas formas
contemporâneas de consumir mídia — notificações constantes em nossos
celulares, tweets — nos desencorajam a dar a qualquer um deles a atenção
constante que necessitam. Talvez uma dose de autismo seja o antídoto
certo para o nosso TDAH coletivo.
omo qualquer pessoa com um impacto tão grande na cultura política,
Greta tem seus críticos. Não é de surpreender que a maioria deles esteja
à direita, exatamente onde esperamos encontrar negadores climáticos que
odeiam crianças excepcionais. Mas também houve uma reação contra ela na
esquerda.
Algumas vêm
daqueles esquisitões para os quais nenhum ser humano é abnegado o suficiente.
Greta, sendo uma ativista climática de princípios e levando a sério seu papel
de exemplo para os outros, não usa aviões; as viagens aéreas são a forma de
transporte que mais emitem carbono. Para vir a Nova Iorque para a Cúpula do
Clima da ONU (e a Greve Climática) neste mês de setembro, ela viajou de barco.
Alguns dos críticos mais rígidos de Greta ficaram indignados com o fato de os
adultos que pilotavam o barco planejarem voltar de avião à Europa. Outros
ficaram aborrecidos com fotos de plástico descartável a bordo do barco. Isso é
o ambientalismo como uma neurose punitiva, e não política.
Outros
críticos de Greta, com uma perspectiva política bastante diferente, estão igualmente
equivocados: estão chateados devido ao barco de carbono zero ser tão caro,
enfatizando, com um ressentimento populista idiota, que é um “iate”.
Para esses críticos de esquerda, Greta é o rosto de um movimento ambiental de
“elite”. Eles suspeitam que ela seja muito institucionalmente
amigável e amada pela mídia para fazer algo bom. Eles estão seguros de que ela
não pode ser verdadeira, que se trata de um fenômeno fabricado. Essas críticas
parecem fugir do cerne da questão tanto quanto as feitas pelos obcecados pelo
plástico.
Não tenho dúvidas de que a embarcação de carbono zero é cara. Na
verdade, espero mesmo que seja; que pais deixariam um filho atravessar o
Atlântico em um barco a remo barato? Além do mais, certamente não
parecia uma viagem luxuosa. Quanto à idéia de que Greta é abraçada pelas
elites e pela mídia, qual é a insinuação aqui? Que ela estaria tentando
nos distrair participando do movimento ambiental mais radical e popular
ao invés de bombardear a sede da ExxonMobil e raptar os irmãos Koch?
Essa é uma fantasia sombria e risível para quem assiste de perto o
movimento ambiental dominante se aconchegando junto às piores empresas e
políticos, arrecadando fundos para o drama de bichinhos fofos ameaçados
de extinção, enquanto ecossistemas inteiros estão em perigo.
Greta
Thunberg continua dizendo aos adultos — francamente, implacavelmente, não
facilitando — que ela não pode nos salvar. Ela está certa. Precisamos refazer
toda a nossa sociedade. Mas ela chamou nossa atenção e nos deu um exemplo, e
precisávamos disso. Na Greve Climática houveram muitos bons sinais. Alguns
fariam qualquer pessoas que já foi criança rir, como “Mantenha a Terra
Limpa, Não É Seu (C)Urano”. Outros, como “Compostem os Ricos”,
propunham soluções sagazes. Alguns foram de partir o coração: “Estou
Estudando Para Um Futuro Que Foi Destruído”. Um dos melhores levou uma
citação de Greta Thunberg: “Quero Que Você Entre Em Pânico”. Isso
provavelmente não é algo que uma pessoa “normal” diria.
por Liza Featherstone
jacobin
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