30 Anos de "Psychocandy"
Nunca vou esquecer a primeira vez que ouvi “Psychocandy”, o primeiro disco do Jesus And Mary Chain. Foi mais ou menos na época do lançamento, ainda na década de 80 do século passado – acho que 1986. Eu tinha meus 15, 16 anos no máximo, e estava começando a mergulhar nesse universo vasto e, para mim, desconhecido, do rock and roll, pelo qual eu me interessei vendo o primeiro rock in rio na TV. A revista Bizz chegava lá na minha cidade – Itabaiana, 50 km de Aracaju, Sergipe – e serviu como guia. Foi em suas páginas que li sobre aquele grupo de escoceses malucos que só se vestiam de preto e estavam sempre com os cabelos desgrenhados. Causavam furor com um single apropriadamente intitulado "upside down" - que tinha no lado B uma versão para "Vegetable man", uma música de Syd Barret que havia sido gravada porém nunca lançada oficialmente pelo Pink Floyd - e com shows ensurdecedores de 15 minutos nos quais tocavam de costas para o público...
Um amigo tinha o tal disco, "Psychocandy", e eu fui lá na casa dele ouvir. Primeiro foi o estranhamento com a faixa de abertura, “Just like honey”: etérea, sussurrada, com uma gravação abafada e guitarras cortantes, mas nada demais, em termos de agressão sonora. A partir do momento em que a agulha chegou aos sulcos da musica seguinte, no entanto, foi um choque! Aquilo era algo realmente novo, mesmo para meus ouvidos já acostumados com Metallica, Slayer e Megadeth. Era muito, muito barulhento, mas ao mesmo tempo era doce, melódico. Pop, num certo sentido. Um doce psicótico – poucas vezes o título traduziu tão bem a sonoridade de um disco.
Não tinha, na época, bagagem musical suficiente para enquadrar mentalmente o que me entrava pelos ouvidos, mas hoje sei que se tratava de uma espécie de continuação do que vinha sido feito naquela década por bandas como The Cure e Echo And The Bunnymen, com seu pop "esquisitão", temperado com influências do radicalismo undeground do Velvet - especialmente do segundo álbum, "White Light/White Heat" - e do punk rock safra 77, de Sex Pistols e afins.
“Psychocandy” é, na verdade, uma daquelas obras que inauguram um novo estilo, para o qual os críticos têm que se desdobrar para criar um rótulo – “shoegaze”, no caso. Um rótulo que, na verdade, só foi criado algum tempo depois, quando a sonoridade daquele álbum seminal foi lapidada por bandas como My Bloody Valentine, Ride e Slowdive. Sua influência, no entanto, foi além: transcendeu os guetos estilísticos e atravessou oceanos. A explosão do rock alternativo e das "guitar bands" da primeira metade da década de 1990 deve muito a "Psychocandy". No Brasil, essa influência se refletiu numa cena que gerou nomes como Pin Ups, Killing Chainsaw, Second Come, Mickey Junkies, brincando de deus e, aqui em Sergipe, Snooze. Bandas que lançaram discos e demos que até hoje são cultuados pelos apreciadores do "rock triste" com paredes sonoras erguidas em cima de pedais de distorção.
Eu virei fã de grindcore, mas “psychocandy” segue sendo o disco mais barulhento que eu conheço – sim, mais que “From slavement to obliteration” ou as “peel sessions” do Napalm Death! É o único que eu não consigo ouvir inteiro no volume ao qual estou acostumado: chega um momento em que os ouvidos começam a doer ...
É tipo uma serra elétrica lubrificada com mel.
E é lindo!
A
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