Há 70 anos o mundo acordou para uma nova era: no dia 06 de agosto de 1945, exatamente às 8h15 da manhã, o "Enola gay" entregou a “little boy” de presente para os habitantes da cidade japonesa de Hiroshima. E a humanidade de repente se deu conta de que poderia ser simplesmente varrida da face da terra por força e obra de sua própria insanidade. Porque, previsivelmente, o bombardeio deflagrou uma corrida armamentista desenfreada que quase pôs fim à civilização como conhecemos em outubro de 1962, durante a crise dos mísseis soviéticos instalados em Cuba - “Eu quero que Cuba lance/eu quero é ver Cuba lançar”, provocaram os brasileiros. Corrida maluca que só foi interrompida com o colapso do bloco socialista, no final da década de oitenta do cada vez mais distante século passado.
Eu não era nem nascido quando os dois episódios mais tensos dessa história aconteceram, mas lembro bem do clima literalmente apocalíptico que pairava sobre o mundo durante minha infância e adolescência. Principalmente a partir da eleição de Ronald Reagan para a presidência dos Estados Unidos, com uma retórica radical de confronto, taxando a Rússia de Império de mal e propondo levar a corrida armamentista até as estrelas! Por trás da cortina de ferro, a situação não era muito melhor: a instabilidade batia à porta de forma ameaçadora, com uma sucessão de falecimentos de velhos líderes da “nomenklatura” escancarando a verdade de que aquela estrutura monolítica de poder estava finalmente rachando ...
Em meio a este cenário sombrio, foi marcante a decisão de uma rede de TV norteamericana, a ABC, de produzir um filme que mostrasse, de forma realista, as consequencias de uma guerra nuclear generalizada. O Departamento de Defesa se opôs fortemente, mas acabou sendo convencido a colaborar, com a condição de que o roteiro mostrasse os russos atacando primeiro. O filme, dirigido por Nicholas Meyer, de “jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan”, foi um verdadeiro acontecimento, batendo todos os recordes de audiência - 100 milhões o assistiram na noite de estréia. Até abril de 2006 era o telefilme de maior audiência na história da TV americana, excluindo mini-séries. Para que se tenha uma ideia do alcance emocional da empreitada – vale lembrar que a ABC é a maior emissora do país e do mundo - nenhuma empresa quis comprar espaço comercial após o trecho em que os mísseis nucleares atingem os Estados Unidos, o que fez com que sua metade final fosse exibida sem qualquer intervalo, e a emissora disponibilizou várias linhas telefônicas especiais destinadas a acalmar as pessoas durante e após a premiére, que foi sucedida por um debate acalorado, transmitido ao vivo, sobre o tema, com as presenças do cientista Carl Sagan, contrário à existência das armas nucleares, e do escritor e comentarista conservador William F. Buckley Jr., advogando a favor.
Como não poderia deixar de ser, a polêmica se espalhou pelo mundo. Chegou, inclusive, ao pé da serra, na cidade de Itabaiana, onde eu morava. Lembro bem de ter visto um especial do Globo Repórter sobre o filme que me deixou apavorado – eu tinha apenas 12 anos de idade mas já começava a despertar para as angustias existenciais. No Brasil, “O Dia seguinte” foi exibido nos cinemas, e eu assisti “Na Tela do Cine Santo Antônio”, fazendo “indiagem” (termo pejorativo para bagunça muito usado na época) com os amigos para disfarçar a tensão ...
Pouco tempo depois as múmias do Kremlim foram finalmente e definitivamente enterradas e uma lufada de vento fresco, diferente dos ares radioativos que de lá emanaram com o acidente da usina nuclear de Chernobyl, soprou do leste, com a ascensão de Mikhail Gorbachev ao cargo de Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética. Fez-se a distensão e o mundo pôde, enfim, respirar aliviado ...
Ou não! Não existe mais aquela polarização de antes, mas é cedo demais para achar que estamos livres do perigo: a qualquer momento uma ogiva nuclear, ou mesmo uma bomba “suja”, pode cair nas mãos de um grupo fundamentalista insano como o ISIS, ou o Taleban, ou a Al Qaeda, ou algo do tipo, provocar uma das potencias nucleares ainda existentes – e elas são muitas: EUA, Reino Unido, Rússia, China, França, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte – e sabe-se lá o que será de nós ...
Continuamos no fio da navalha.
A.
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