O Brasil andou muito nas últimas duas décadas. Obteve um
avanço social histórico desde o governo Lula, mas entrou no “ciclo travado”, a
partir do qual sobram apenas duas alternativas: ou a coragem para fazer
reformas estruturais, eternamente adiadas, ou o recuo. Jamais ficar no mesmo
lugar.
O raciocínio é do incansável economista Ladislau Dowbor, da
PUC de São Paulo. Do alto de um invejável currículo acadêmico – graduação em
Lausanne, doutorado em Varsóvia, professor em Coimbra – e profissional, Dowbor
carrega consigo uma vocação de eterno militante. Era um dos 40 presos políticos
que, nos primeiros dias de 1971, foram trocados pelo embaixador suiço Giovanni
Bucher, numa operação comandada por Carlos Lamarca.
Hoje brinca que a ditadura incentivou muito o “intercâmbio”
daqueles jovens brasileiros que vagaram pelo mundo – os banidos do Brasil que
ficaram preferencialmente pela Europa, depois de terem sido trocados por
embaixadores sequestrados em ações da guerrilha urbana.
É com alma de militante que Dowbor tem participado de todas
as intermináveis reuniões que acontecem em São Paulo desde o início do ano
entre intelectuais, e professa uma “oposição” que se traduza numa unidade de
forças progressistas capazes de empurrar o governo para a esquerda, garantir os
avanços conquistados de direitos civis, políticos e sociais desde a
Constituinte de 1988 e romper com o que ele chama de “ciclo travado”, ou seja,
as limitações impostas por uma elite financeira ao desenvolvimento pleno do
país.
No centro de seu pensamento está a constatação de que o
rentismo impôs uma ciranda de juros elevados para rolagem da dívida pública e
alto custo do crédito para pessoas físicas e jurídicas. E essa realidade se
traduziu, na prática, em um severo limite ao ciclo de crescimento baseado no
mercado interno, iniciado no governo Lula.
A partir de agora, ou o país banca reformas estruturais,
inclusive uma reforma financeira, ou retrocederá de um período de quase três
décadas de avanços contínuos – sociais, econômicos e políticos. Ladislau Dowbor
concedeu esta entrevista, em São Paulo, logo depois de uma rodada de debates
sobre o futuro do Brasil entre os integrantes do chamado “Fórum Brasil 21”, que
tem por objetivo definir uma agenda política comum para as forças progressistas
do país. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu à jornalista Maria Inês Nassif ...
Um acumulado de impasses
O Brasil hoje vive vários impasses. Um deles tem dimensão
internacional e sofre o impacto de movimentos especulativos, sobretudo no
mercado de commodities. Nos últimos 12 meses, o minério de ferro, por exemplo,
que tem um grande peso na pauta de exportações brasileiras, perdeu 40% do seu
valor; a soja, a laranja e outras commodities encolheram entre 20% e 30%. São
cifras bastante significativas. No plano interno, o país vive um limite
estrutural. O Brasil conquistou um conjunto de avanços, em particular nos
governos de Lula e no primeiro governo de Dilma, mas os processos de expansão
das políticas sociais chegaram a um limite, a partir do qual são necessárias
mudanças estruturais.
As eternamente adiadas reformas de base não são mais
adiáveis.
A resistência das elites e a crise política
Nesta tensão, a resistência das elites mostra-se
extremamente forte. É por isso que a crise que se gera é essencialmente
política. Não há base para falar numa crise de enormes proporções, ou que o
país está quebrado, ou ainda que vai quebrar. Isso não faz o mínimo sentido.
Podem até ocorrer ajustes que levem a uma racionalização de gastos do governo,
mas isto não anula simplesmente a realidade de que o país está num ciclo de
avanços absolutamente impressionante.
Socialmente, o Brasil mudou a sua cara. Entre 1991 e 2010, o
brasileiro, que vivia até 65 anos, passou a viver 74 anos; em 2012, já vive 75
anos; ou seja, estamos falando de um país onde os brasileiros vivem 10 anos a
mais. A mortalidade baixou de 30 por mil para 15 por mil. Isso resulta de uma
convergência de mudanças: essas pessoas passaram a ter uma casa mais decente, a
comer, são benefi ciários da expansão do serviço básico de saúde, o SUS, etc.
São fatores que convergem para uma expansão do tempo de vida e para a redução
da mortalidade infantil – e, convenhamos, dividir pela metade a mortalidade
infantil é um gigantesco avanço. Além disso, temos um conjunto de outros
números já conhecidos: a criação de 20 milhões de empregos formais e 40 milhões
de pessoas que saíram da miséria.
Segundo dados do Atlas das Regiões Metropolitanas elaborado
conjuntamente pelo PNUD, Ipea e Fundação João Pinheiro, houve uma redução
drástica da pobreza em todas essas regiões e um aumento dos Indicadores de
Desenvolvimento Básico (IDB). Mais recentemente foram divulgados os Indicadores
de Progresso Social, o IPS, que acompanha 54 indicadores que são o PIB, e
coloca o Brasil no 42º lugar entre 130 países, puxado para baixo essencialmente
pelo problema da segurança, que é o ponto crítico e está diretamente ligado ao
problema da desigualdade.
O sistema financeiro emperra a locomotiva
Escrevi um documento chamado “Bancos: o peso morto da
economia brasileira”, em que eu descrevo como os juros internos da economia
esterilizam as ações de política econômica social. O Rubens Ricupero e o
Bresser Pereira, que foram ministros da Fazenda e entendem disso, aprovaram as
minhas anotações. O capitalismo financeiro impõe severas limitações ao momento
seguinte desses avanços sociais, ao avanço do Brasil em direção ao futuro. Está
em curso um processo de globalização financeira mundial que torna difícil ao
país adotar políticas macroeconômicas independentes e as reformas financeiras
que são necessárias. Quando se cobra nos crediários mais de 100% de juros, a
intermediação financeira está se apropriando da metade da capacidade produtiva
da população. O imenso esforço que o Brasil fez de redistribuição e de inclusão
no mercado de dezenas de milhões de pessoas, os bancos, os comerciantes com
crediários, as administradoras de cartões de crédito capturaram. As
instituições de crédito sugaram a capacidade de compra da população, e dessa
forma esterilizaram a dinamização da economia pelo lado da demanda. Os juros
para pessoas jurídicas são absolutamente escorchantes, o que trava também a
economia pelo lado do investimento. Os empresários já tendem a investir pouco
quando a economia está travada. Quando, ainda por cima, adquirir equipamentos e
financiar empresas custa de 40% a 50% de juros, então esqueça de novos
investimentos.
Veja o poder político que esses grupos têm para obrigar o
governo americano, o Banco Central Europeu, Bruxelas, a encontrar trilhões de
dólares em poucos meses, quando os recursos são escassos para resolver o
problema da destruição ou da pobreza.
“A financeirização não é abstrata. Grupos financeiros controlam os
conselhos de administração das mais diversas empresas e ditam as
políticas das corporações”.
A urgente reforma financeira
Sem dúvida, são urgentes as reformas política e tributária,
mas é igualmente central uma reforma financeira em profundidade. O componente rentista da crise é parte de minha análise. Na
minha avaliação, o fator central dessas limitações ao futuro é que não temos
mecanismos de canalização adequada dos recursos do país. O Brasil tem uma renda
per capita de US$ 11 mil – e isso é um nível de renda de um país rico. O nosso
país também domina tecnologias e tem instituições. Não existem razões
plausíveis para a economia não funcionar. Contudo, a generalização da inclusão
social e a redução dos desequilíbrios internos esbarram em razões estruturais.
O Brasil andou para frente nas últimas duas décadas
No Atlas Brasil 2013 de Indicadores de Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), se compararmos os índices de 1991 e 2010,
observamos avanços espantosos. Em 1991 nós tínhamos 85% dos municípios do
Brasil que tinham um IDH muito baixo, inferior a 0,50. Em 2010 apenas 32
municípios estavam nessa situação, ou seja, 0,6%. Essa é uma mudança
extremamente profunda e estrutural. O Brasil começou a se transformar, na fase
anterior ao governo Lula, com a aprovação da Constituição de 1988, que criou
regras do jogo democrático que permitiram o início dos avanços.
Foi um avanço também a ruptura com a inflação. Afinal, numa
hiperinflação não se consegue fazer administração do setor público.
Tudo isso viabiliza uma série de avanços significativos na
década de 1990. A partir do governo Lula isso se sistematiza, e os avanços se
tornam extremamente poderosos.
Mundo em explosão
Nós estamos num ano crítico em termos mundiais. Chegamos a
limites críticos de destruição do planeta. Em 40 anos, destruímos 52% da vida
vertebrada do planeta. O relatório da WWF é dramático: nós estamos
esterilizando solo e liquidando a cobertura florestal.
Além desses problemas na área ambiental, persistem também um
conjunto deles na área da desigualdade. O relatório da Oxfam sobre a
desigualdade é devastador. Nós temos 85 famílias que têm mais patrimônio
acumulado do que a metade mais pobre da população, ou seja, 3,5 bilhões de
pessoas. Se você junta o ambiental e o social, conclui-se que o mundo está
explodindo.
Coffee Party
O Tea Party paralisa os Estados Unidos. Estes mesmos grupos
estão querendo um Coffee Party no Brasil. Partem do mesmo fundamentalismo, do
mesmo discurso radical conservador sem propostas. O que eles querem, afinal?
Aumentar a desigualdade?
“O capitalismo financeiro impõe severas limitações ao
momento seguinte dos avanços sociais, ao avanço do Brasil em direção ao
futuro”.
O caminho é olhar para dentro…
Se entendermos as transformações que ocorrem interna e
externamente – estamos numa crise planetária e numa volatilidade extrema,
inclusive dos preços das commodities –, o caminho que temos de trilhar torna-se
claríssimo. O Brasil é um país muito grande, de mais de 200 milhões de
habitantes, e tem tranquilamente 100 milhões de pessoas que precisam melhorar a
situação de vida. Nós temos, portanto, como crescer na fronteira interna. E
quando a área externa é extremamente insegura, nada como reforçar a base
interna de desenvolvimento. Isso implica manter e aprofundar as políticas de
inclusão e de distribuição de renda, mas garantindo que isso ocorra
simultaneamente às transformações significativas no sistema financeiro.
Um futuro em suspenso
O caminho para frente é o aprofundamento da luta contra a
desigualdade por meio da inclusão produtiva, da expansão dos programas sociais
e coisas do gênero. A oposição que devemos fazer nesse momento não é contra a
presidente Dilma (Rousseff), mas para que ela avance muito mais e retome os
processos que tinham sido anunciados.
Uma crise para travar o ciclo
A imbricação entre a situação internacional e a situação
econômica interna com o seu respectivo embasamento político trava as reformas
estruturais que são indispensáveis à continuidade do processo.
É um ciclo travado, mas não acho que a direita tem qualquer
coisa coerente a propor. Não está conseguindo propor nada de coerente nem nos
Estados Unidos, nem na França, nem na Grã-Bretanha, nem em lugar nenhum. Por
todo lado está surgindo um Podemos, ou um Syriza (partido grego de esquerda).
Os Estados Unidos estão paralisados em termos de capacidade de governo.
Capital financeiro contaminou a produção
O capital financeiro tornou-se hegemônico de uma maneira que
desconhecíamos até 2011. Naquele ano, foi divulgado o relatório do primeiro
estudo mundial sobre o sistema corporativo internacional, produzido pelo
Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH), que corresponde ao MIT
da Europa e tem 31 prêmios Nobel de Tecnologia, a começar por Albert Einstein.
Uma fonte absolutamente inatacável.
Segundo o estudo, 737 grupos do planeta controlam 80% do
valor das empresas transnacionais. Destes, 147 grupos, dos quais 75% são
bancos, controlam 40% do sistema mundial. A financeirização, portanto, não é
abstrata, um mecanismo diluído ou misterioso. Esses grupos financeiros
controlam os conselhos de administração das mais diversas empresas e ditam as
políticas das corporações. Como são grupos financeiros que têm participações
acionárias poderosas em empresas produtivas,
eles dizem a essas empresas o que fazer: “Nós queremos uma
rentabilidade de tanto, senão tiramos o nosso capital e quebramos a empresa”.
Se uma empresa decide adotar uma política ambiental mais sustentável, ou
qualquer outra coisa que pode afetar a rentabilidade da empresa, esquece.
Centenas de exemplos de fraudes das mais variadas
corporações internacionais, como as cometidas por empresas farmacêuticas, de
agrotóxicos ou os próprios bancos, têm o objetivo central de gerar lucros. Essa
estrutura mundial de poder foi suficientemente forte para, na crise de 2008,
levar trilhões de dólares de governos para socorrer os bancos que haviam se
excedido nos processos especulativos e estavam desequilibrados. Um socorro para
os grupos financeiros que criaram a crise.
A contaminação da Justiça
O poder das corporações está estampado na votação, pelo
Supremo, da ação de inconstitucionalidade do financiamento empre-sarial de
campanha. As corporações não votam nem devem ter interesses políticos próprios.
É legítimo a Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ser um
instrumento de participação política das corporações. Mas uma corporação
comprar um mandato para um deputado ou senador, financiando-o, certamente isso
não é certo. Seis juízes do Supremo, e portanto a maioria, já votaram pela
inconstitucionalidade do financiamento empresarial e um único, Gilmar Mendes,
ligado a interesses evidentes, pede vistas antes das eleições. Esta única
pessoa transformou radicalmente o perfil do Congresso que foi eleito em
seguida, pois se tivesse sido proibido o financiamento empresarial antes das
eleições, os candidatos não poderiam ter mantido o vínculo com as corporações
empresariais. Isso também é uma medida do grau de aprisionamento da política
pelo Judiciário, pelas corporações e pela mídia, e coloca como objetivo central
das forças progressistas resgatar o processo democrático da órbita do poder
econômico.
Crédito a Fernando Henrique, mas em termos
É creditado ao governo Fernando Henrique Cardoso a ruptura
com o processo inflacionário, o que é correto. Mas, segundo o The Economist, em
1992 o mundo tinha 44 países com hiperinflação, e todos eles liquidaram esse
problema pela razão simples de que não se abriria a eles a possibilidade de
participar do sistema financeiro que se internacionalizava se não resolvessem
seus processos inflacionários. A globalização financeira, a formação do sistema
especulativo, a chamada financeirização era incompatível com economias que
tinham moedas não conversíveis, que mudavam de valor no decorrer do dia.
A articulação do rentismo com a mídia
O maior jornal econômico do país, por exemplo, em fevereiro
publicou uma matéria que contém um quadro com as projeções de inflação, com o
título: “O que os economistas esperam”. E são listadas 21 “apostas” em índices
inflacionários feitas por economistas de instituições. Entre eles, não tem
nenhum Amir Khair, um Luiz Gonzaga Belluzzo, uma Tânia Bacelar, um Rubens
Ricúpero, um Bresser Pereira ou um Márcio Pochmann; sequer um IBGE ou um
DIEESE. Apenas de bancos ou consultorias ligadas ao mercado financeiro – e
ambos ganham com a inflação. Esses economistas geram expectativas
inflacionárias que se autocumprem, pois os agentes econômicos acompanham as
expectativas e elevam preventivamente os preços.
Existe um trabalho de chantagem e contaminação pelo aceno do
“risco inflacionário” – e todos sabem que a inflação é um golpe mortal em
termos políticos. Esse tipo de chantagem segura o governo pelo pescoço. A
inflação virou arma ideológica.
Uma crise civilizatória
Não há mais pobres como antigamente. As pessoas hoje sabem
que podem ter uma saúde decente para os seus filhos, acesso à educação decente
e a outros direitos. Nesse sentido vivemos uma crise civilizatória. Não é
simplesmente uma crise global que o mundo enfrenta. O volume de recursos
apropriados pelos intermediários financeiros seria suficiente para enfrentar
tanto a reconversão tecnológica que o meio ambiente exige, com os investimentos
de inclusão produtiva que a dinâmica social determina.
Isso seria conferir uma outra articulação do sistema
financeiro, pois ele não é só moeda, mas o direito de alocar os recursos onde
eles são necessários. A função da moeda não é a especulação financeira. Essa é
a reconversão que temos pela frente, que une a oposição propositiva que
queremos criar no Brasil. Daqui saíram US$ 520 bilhões para paraísos fiscais,
ou 25% do PIB, dinheiro que daria para financiar Deus e o mundo.
Rentismo, um obstáculo
O rentismo é um conceito que se vincula ao mercado
internacional, que gerou uma espécie de elite que vive dos juros, não da
produção. E isso tem uma enorme profundidade no país. O San-
tander, por exemplo, que é um grande grupo mundial, tem
cerca de 30% de seus lucros originários do Brasil. Isto é, o mercado financeiro
impõe drenos e também estruturas políticas de poder que tornam muito difícil a
qualquer governo gerar transformações necessárias para romper essa lógica. De,
2013 a 2014, Dilma tentou reduzir a taxa Selic e os juros de acesso de pessoas
físicas e jurídicas ao crédito, e a reação foi de pressões políticas muito
fortes. E é curioso como as reações se manifestam. Quando se baixa os juros,
nas televisões, nas rádios, nos jornais, imediatamente se consulta os chamados
economistas que dizem, “é inevitável, a inflação vai subir”. Em regra, esses
economistas são todos eles de empresas financeiras.
Crise internacional não é impedimento, mas oportunidade
É esse contexto internacional que torna fundamental a adoção
de medidas inclusivas, a expansão do horizonte interno econômico. É vital nos
basearmos nos objetivos internos da nossa economia. Nas condições de hoje,
apoiar o país no sistema internacional é suicídio. Nessa perspectiva,
superdimensionar o problema fiscal pode ser um erro, pois há ralos muito
maiores no sistema financeiro. O país tem que resgatar o que vaza por sistemas
especulativos e para paraísos fiscais e financiar a inclusão produtiva da
maioria da população.
O Brasil não está quebrado, mas sob ataque
O (Luiz Gonzaga) Belluzzo diz que as forças conservadoras
estão criando, politicamente, uma crise e eu concordo. O Brasil não está
quebrado. A origem desta crise não está em uma crise econômica que gera
recessão. É uma crise política criada por uma elite que quer quebrar o sistema,
e em grande parte está conseguindo isso.
A rigor, essa é a ação que envolve grandes interesses, em
particular interesses internacionais no Pré-Sal e o interesse dos grandes
bancos internacionais que querem manter a mamata da Selic elevada, pois é um
grande negócio aplicar aqui e ganhar 12% de juros, enquanto os Bancos Centrais
da Europa e dos Estados Unidos estão trabalhando com taxas de juros de 0,5%,
quando muito 1%.
A tentativa da Dilma de reduzir a Selic a 7% e de abrir os
bancos oficiais para obrigar a concorrência foi, para esses interesses, um
grito de guerra. Tanto que ela teve que voltar atrás. Mas nós não podemos
continuar a trabalhar para encher o bolso de dinheiro dos especuladores
financeiros. Acho que esse não é apenas o objetivo da classe trabalhadora, mas
dos empresários efetivamente produtivos. Não é possível desenvolver o país
quando todo mundo se vê obrigado a pagar uma espécie de royalties sobre o
dinheiro, aliás um dinheiro que nem é dos próprios bancos, mas dos nossos
depósitos, ou então dinheiro fictício criado por meio de alavancagem.
Ou avança, ou recua. Não dá mais para ficar onde está
O Brasil vive um impasse – e, a partir desse impasse o país
avança, e consolida os ganhos das últimas décadas, ou retrocede, e perde o que
ganhou. Por isso considero importante unificar o debate. E estou convencido de
que há muita gente que quer avançar. Muitas famílias, pela primeira vez, têm os
filhos na universidade, muitas delas apenas agora conseguem alimentar os seus
filhos – e todas elas são mobilizáveis. As mudanças não acabaram porque 200 mil
tomaram a Avenida Paulista. Este país tem base.
Eu acho que o fato de uma parcela desses manifestantes do
atraso pedirem a volta da ditadura mostra o tipo de ausência de uma visão
propositiva da direita. O que eles querem? Sangrar mais os pobres, aumentar
mais a desigualdade, privatizar mais?
A contaminação da política pelo poder econômico
Hoje o país tem um Congresso com uma bancada ruralista, uma
bancada dos bancos, uma bancada das grandes empreiteiras, uma bancada das
grandes montadoras, e você conta nos dedos quem é da bancada cidadã. A lei
aprovada em 1997 que autorizou as corporações a financiarem campanhas foi um
golpe terrível para o processo democrático. Não se pode qualificar de
democracia o que vivemos no Brasil só porque a gente vota, porque o voto é
rigorosamente determinado por uma gigantesca máquina de financiamento que vai se
traduzir no tipo de Congresso que temos. Isso coloca a questão da reforma
política e, em particular, o financiamento das campanhas, na linha de frente.
Nada para o planeta, tudo para os bancos
A Rio+20 teve uma grande reunião internacional que firmou
como um dos objetivo levantar US$ 30 bilhões para salvar o planeta. Não
conseguiu. Em 2008, em meses, os governos levantaram trilhões de dólares para
salvar o sistema financeiro, se endividaram e passaram a pagar juros para o
próprio sistema financeiro que foi socorrido com esse dinheiro. Esse movimento
dos governos praticamente destruiu o que restava do legado da social democracia
nesses países, do chamado Welfare State, ao reduzirem os direitos sociais.
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Ladislau Dowbor é professor de economia nas pós-graduações em economia e
em administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), e consultor de várias agências das Nações Unidas. Seus artigos
estão disponíveis online em http://dowbor.org
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