Millôr ficou mais conhecido como escritor, mas era desenhista, jornalista, dramaturgo e tradutor. Ele também foi um dos maiores tradutores de peças de Shakespeare no país. Começou a carreira como colaborador da revista O Cruzeiro quando tinha somente 14 anos. Na década de 60, foi um dos fundadores do lendário O Pasquim, jornal revolucionário de papel importantíssimo na luta contra o regime militar no Brasil.
André Bracinsky: Morreu Millôr Fernandes. Jornais e sites vão publicar obituários bem completos e elogiosos ao homem. Não vou ficar aqui chovendo no molhado, dizendo como ele era brilhante, influente, etc.
Vejo a morte do Millôr como mais um passo do nosso processo de emburrecimento. Só de saber que ele continuava ali, escondido na cobertura em Ipanema, mesmo que velhinho e frágil, dava uma sensação de conforto. Agora nem isso temos mais. Quando Paulo Francis morreu, pelo menos tínhamos o Millôr como farol. E agora?
Cada vez mais esse país me deprime. Na época do Millôr também era deprimente, mas pelo menos havia ele e alguns outros para colocar as coisas em perspectiva. Outro dia, participei de uma entrevista com Agildo Ribeiro. Sujeito culto, irônico, cheio de idéias e opiniões. E foi um comediante de sucesso na TV aberta. Fiquei pensando como um sujeito talentoso daqueles deveria se sentir, vendo o nível do entretenimento popular que temos hoje.
Não sei de Millôr, mas imagino que ele devia se sentir assim também: isolado, falando para as paredes, até meio desorientado no meio de tanta burrice, de tanto analfabetismo funcional, de tanto radicalismo sectário, de tanta gente entorpecida por TV ruim e filosofia de redes sociais.
Ontem, o técnico da Seleção Brasileira, que não vê problema em fazer comercial de cerveja, foi pego na blitz da Lei Seca e se recusou a fazer o teste do bafômetro. O que diria Millôr sobre isso? Que pena saber que ele não estará aqui para escrever sobre a Copa e nosso ingresso no Primeiro Mundo.
O mirante de Ipanema está vazio. Estamos sozinhos. Agora é cada um por si.
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