Pablo Carranza nasceu em Aracaju em 1986, portanto não tinha idade para viver o tempo do auge das videolocadoras. Seu “gibizão” PODRÃO ANIQUILAÇÃO, no entanto, reproduz com perfeição o espírito das sessões de filmes “trash” compartilhadas com os amigos em finais de semana modorrentos da década de 1980, cujas fitas eram invariavelmente alugadas na locadora do bairro usando o cadastro dos pais.
O próprio formato do livro foi pensado para reproduzir o de uma fita VHS, inclusive no volume: são 288 páginas de ação, violência, escatologia e até sexo explícito! Uma delícia! É sério: esse quadrinho é uma obra-prima do gênero. A narrativa, fluida, descomplicada e enxuta, a despeito do volume de páginas, gira em torno dos perrengues vividos pelos quiosques de lanches populares com a concorrência das hamburguerias “gourmet”, que têm se reproduzido feito mosca pela cidade e abocanham uma boa fatia da clientela, aquela mais afeita a modismos.
A cidade, no
caso, é Aracaju mesmo! Os sergipanos têm vários motivos a mais para degustar
essa iguaria, pois reconhecerão diversos
personagens, lugares e situações, como o delegado Bareta e seu assistente
Torroio, sempre às voltas com as confusões envolvendo uma maionese radioativa
que se tornou um sucesso absoluto de vendas no Galego´s lanches e cuja fórmula,
depois de roubada, acaba servindo de
base também para a fritura dos pastéis “shing ling” da concorrência – a essa
altura ninguém nem lembra mais da hamburgueria hypada, cujo dono acaba se tornando
vítima e principal suspeito, ao mesmo tempo, de misteriosos desaparecimentos.
Só lendo pra crer. Leia! PODRÃO ANIQUILAÇÃO é um lançamento em parceria da MAU
GOSTO PRODUÇÕES, do autor, com a ESCÓRIA COMIX, e está a venda nas piores lojas
do ramo. Na loja do autor, http://maugosto.iluria.com , você encontra também diversos
outros produtos personalizados, como camisetas, posters, adesivos, bonés,
chaveiros , carteiras de despachante (!!!!!)
e as sensacionais figurihnas dos “xingamentos literais”.
XINGAMENTOS
LITERAIS é uma das melhores publicações do Pablo, um livrinho minúsculo com
representações iconográficas de impropérios como “casa do caralho”, “gordo
escroto”, “puta merda”, “putaria da porra” e outras do mesmo “naipe”. De novo:
Só vendo pra crer. Tempo desses encontrei vários espalhados entre os exemplares
de publicações, digamos, convencionais, expostas nas prateleiras de uma
respeitável cadeia de livrarias da cidade, num evidente ato de sabotagem
cometido por algum guerrilheiro underground. Essa rede costuma vender as
publicações do Pablo: “podrão aniquilação” está lá, na mesma prateleira dos
mangás e publicações juvenis da Marcel e dc comics. Garanta o seu enquanto o
gerente não resolve dar uma folheada e toma um susto com o conteúdo.
Pablo
Carranza começou a desenhar sob a influência do que lia quando era criança, que
era o que toda criança lia: Turma da Mônica, Disney, Marvel e DC. Até que, aos
20 anos, conheceu Marcatti, Harvey Pekar, Robert Crumb e Chiclete com Banana. Descobriu
ali que nunca mais iria ganhar dinheiro fazendo quadrinhos, mas iria fazer os
tipos de quadrinhos que passou a gostar de ler.
Apesar dessa
opção radical ele tem uma carreira relativamente bem sucedida como ilustrador:
publicou por mais de um ano num conhecido jornal semanal de classificados local
e chegou a ficar em segundo lugar no tradicional e conceituado salão de
humor de Piracicaba – os apresentadores
tomaram um susto ao vê-lo subir ao palco para pegar o troféu pois não imaginavam
que ele estaria presente, já que era de Aracaju. Mas foi morar em São Paulo,
onde publicou, com financiamento do PROAC, programa de ação cultural do governo
do estado , o divertido livro “Se a vida
fosse como a internet”.
“Se a vida
fosse como a internet” era divertido mas light, inofensivo. Não fosse assim não
teria sido publicado com o apoio de uma lei de incentivo à cultura. Serviu para
projetá-lo, pois ganhou o troféu “HQ Mix”, o mais conceituado dos quadrinhos
brasileiros, na categoria “melhor publicação de humor gráfico”. Muito
provavelmente por isso apareceu em matérias da grande imprensa e nas
prateleiras da rede de livrarias local já citada, onde eu o conheci.
Serviu
também para que ele entrasse no “cast” da Editora “Beleléu”, do Rio de Janeiro,
para onde ele se mudou e onde pôde publicar com muito mais independência e sem
amarras “morais”, digamos assim. Foi lá que criou a revista SMEGMA, onde pôde por
pra fora todo o seu arsenal de infâmias em personagens antológicos como Rivalino
e o “Playboy de Nazaré” – uma versão mimada e bombada de quem você está
pensando mesmo. Publicou também sátiras implacáveis de sucessos do cinema, como
Mad Max 2, e de alguns de seus pares mais bem sucedidos, como Fabio Moon e
Gabriel Bá, Mauricio de Souza, Vitor Caffagi, Armandinho e Laerte que,
curiosamente, foi a única a reclamar, via e-mail.
Carranza
voltou a morar em Aracaju. Sua intenção era fugir do alto custo de vida da
metrópole, para onde viajaria apenas para exposições em convenções e feiras de
quadrinhos. Acabou ficando ilhado pela pandemia, como todos nós – os que têm
bom senso, pelo menos. Mas como há males que vêm para o bem – ou não – isso
deve ter ajudado na finalização de sua obra prima, o “podrão aniquilação”.
Perguntei aqui a ele se foi isso mesmo, via whatsapp, mas ele ainda não me
respondeu – provavelmente porque tem coisa melhor pra fazer do que ficar vendo
mensagens desse aplicativo maldito. Fala aí você com ele, o número é +55 21
96900-6688 – não estou cometendo nenhuma indiscrição, o contato é publico, ta
lá no site da loja. Só não coloque ele em nenhum grupo, por favor. Ele não
quer. Faz muito bem. Fale somente o necessário e deixe o cara quieto pra ver se
ele comete outra insanidade do mesmo calibre do “podrão”.
A.
#
Nenhum comentário:
Postar um comentário