Mas
ao tornar-se clássico, o gênero passou a cultuar símbolos e uma mitologia que
aos poucos engessou suas principais qualidades para firmar seus holofotes
apenas no ego dos artistas. Logo o astro do rock era mais importante que sua
mensagem e aos poucos as premissas que metamorfosearam o gênero musical numa
transformação comportamental foram envelhecendo com seus primeiros
protagonistas, que perderam o viço da juventude e tudo de bom e de ruim que os
relacionava àquela faixa etária. Aos poucos a música eletrônica, o hip hop e
uma nova vanguarda foram suprindo aquela necessidade de extravasar que antes
era proporcionada pelo gênero. O rock foi se transformando em algo reacionário,
reativo e eminentemente conservador – autocelebratório e machista, indulgente e
preconceituoso, intolerante e caricato. Até o indie rock – versão alternativa
para esse rock dito clássico – repete tais erros.
Este
retrato, no entanto, é impreciso. Talvez pelo excesso de atenção em alguns dos
grandes vendedores de discos do passado, o gênero passe por esse envelhecimento
grotesco, mas ele não mostra as transformações que eventualmente vão sendo
propostas por artistas mais novos* ao longo do tempo. Pelo menos até a ultima
década do século passado o rock se renovou e se reinventou, se dividindo numa
impressionante miríade de subgêneros que prestaram maior ou menor tributo à
tradição que os antecedeu, mas garantiram ao gênero o frescor da novidade - o
grunge, por exemplo, é um herdeiro direto do punk, com influencias do metal e
do chamado "indie rock', mas foi também um sopro renovador que varreu das
paradas de sucesso o rock de arena ndas bandas de metal “farofa”. Já o Black
metal norueguês não parece ter nenhuma conexão com a musica de Chuck Berry -
embora tenha. O Punk que, por sua vez, foi uma reação à acomodação e à pompa
progressiva da década de 1970, um retorno visceral às raízes primordiais numa
nova linguagem, visceral e radicalmente contestadora – muito embora um de seus
artífices, o guitarrista Johnny Ramone, fosse um conservador assumido.
Ao
longo do tempo tivemos novas gerações desconstruindo o formato estabelecido
entre os anos 50 e 60 e reinventando um rock que muitas vezes transcende
sonoridades estabelecidas e desafia as expectativas. Acho, portanto,
extremamente reducionista a afirmação que muitos fazem hoje em dia nas redes
sociais de que o rock é “conservador”. Que rock? Para cada Ted Nugent, Lobão ou
Roger do Ultraje a Rigor sempre tivemos e quero crer que ainda temos um Ian
McKaye, um Tom Morello ou um Rodrigo do Dead Fish. Para cada encontro de Elvis
com Nixon, um show arrebatador dos Stooges ou do MC5.
Na
cacofonia das redes sociais, "o rock é conservador" é apenas mais uma
sentença de impacto imprecisa e equivocada. Em sua essência, nunca foi. Foi o
gênero que fez cair as barreiras raciais, ao mesclar a musica dos brancos e dos
pretos numa coisa só, se desdobrando e se reinventando infinitamente ao longo
do tempo e servindo de trilha sonora para levantes culturais revolucionários,
como o hippie e o punk, dentre outros. Algumas correntes, como a do Heavy
Metal, talvez sejam realmente mais fechadas em si mesmas, avessas a novidades,
mas isso acontece muito mais por um instinto de preservação “tribal” que por
reacionarismo político e/ou comportamental. Mesmo assim o contato com a
diversidade cultural do mundo real acaba acontecendo e também ele, o Heavy
Metal, evolui e se torna mais dinâmico e multifacetado, se desdobrando numa
infinidade de subgêneros – Death, thrash, grind, doom, gothic, etc.
Em
vez de “reacionarismo” o que eu noto, atualmente, é uma grande estagnação
estética e criativa: na primeira década do século XXI o mundo do rock nada fez
além de se autocanibalizar em novas bandas com sonoridades datadas e derivativas.
De uns dez anos pra cá, nem isso. Um verdadeiro deserto. Mas isso se deve, a
meu ver, à própria característica fragmentária do mundo em que vivemos,
eternamente imerso num oceano infinito de distração do qual é necessário um
esforço tremendo para submergir.
Criar
algo realmente novo, este é o grande desafio.
*Até
aqui por Alexandre Matias
A.
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