quinta-feira, 13 de julho de 2017

rock e conservadorismo

O impacto do rock desde sua criação vem da transgressão, da subversão, do desafio ao status quo e da intensidade emocional de misturar realidades e expectativas. A ambiguidade sexual, a revolta política e a mistura de raças e nacionalidades transformavam o que poderia ser apenas um novo gênero musical – com raízes idênticas em realidades distintas (o blues e o country, as duas metades que até hoje simbolizam os Estados Unidos) – em uma febre global. Baixo, guitarra e bateria equilibrando frases elétricas e refrões em forma de hino fizeram esta novidade norte-americana se espalhar pelo planeta à medida que a adolescência ganhava voz pela primeira vez na história.
Mas ao tornar-se clássico, o gênero passou a cultuar símbolos e uma mitologia que aos poucos engessou suas principais qualidades para firmar seus holofotes apenas no ego dos artistas. Logo o astro do rock era mais importante que sua mensagem e aos poucos as premissas que metamorfosearam o gênero musical numa transformação comportamental foram envelhecendo com seus primeiros protagonistas, que perderam o viço da juventude e tudo de bom e de ruim que os relacionava àquela faixa etária. Aos poucos a música eletrônica, o hip hop e uma nova vanguarda foram suprindo aquela necessidade de extravasar que antes era proporcionada pelo gênero. O rock foi se transformando em algo reacionário, reativo e eminentemente conservador – autocelebratório e machista, indulgente e preconceituoso, intolerante e caricato. Até o indie rock – versão alternativa para esse rock dito clássico – repete tais erros.
Este retrato, no entanto, é impreciso. Talvez pelo excesso de atenção em alguns dos grandes vendedores de discos do passado, o gênero passe por esse envelhecimento grotesco, mas ele não mostra as transformações que eventualmente vão sendo propostas por artistas mais novos* ao longo do tempo. Pelo menos até a ultima década do século passado o rock se renovou e se reinventou, se dividindo numa impressionante miríade de subgêneros que prestaram maior ou menor tributo à tradição que os antecedeu, mas garantiram ao gênero o frescor da novidade - o grunge, por exemplo, é um herdeiro direto do punk, com influencias do metal e do chamado "indie rock', mas foi também um sopro renovador que varreu das paradas de sucesso o rock de arena ndas bandas de metal “farofa”. Já o Black metal norueguês não parece ter nenhuma conexão com a musica de Chuck Berry - embora tenha. O Punk que, por sua vez, foi uma reação à acomodação e à pompa progressiva da década de 1970, um retorno visceral às raízes primordiais numa nova linguagem, visceral e radicalmente contestadora – muito embora um de seus artífices, o guitarrista Johnny Ramone, fosse um conservador assumido.  
Ao longo do tempo tivemos novas gerações desconstruindo o formato estabelecido entre os anos 50 e 60 e reinventando um rock que muitas vezes transcende sonoridades estabelecidas e desafia as expectativas. Acho, portanto, extremamente reducionista a afirmação que muitos fazem hoje em dia nas redes sociais de que o rock é “conservador”. Que rock? Para cada Ted Nugent, Lobão ou Roger do Ultraje a Rigor sempre tivemos e quero crer que ainda temos um Ian McKaye, um Tom Morello ou um Rodrigo do Dead Fish. Para cada encontro de Elvis com Nixon, um show arrebatador dos Stooges ou do MC5.
Na cacofonia das redes sociais, "o rock é conservador" é apenas mais uma sentença de impacto imprecisa e equivocada. Em sua essência, nunca foi. Foi o gênero que fez cair as barreiras raciais, ao mesclar a musica dos brancos e dos pretos numa coisa só, se desdobrando e se reinventando infinitamente ao longo do tempo e servindo de trilha sonora para levantes culturais revolucionários, como o hippie e o punk, dentre outros. Algumas correntes, como a do Heavy Metal, talvez sejam realmente mais fechadas em si mesmas, avessas a novidades, mas isso acontece muito mais por um instinto de preservação “tribal” que por reacionarismo político e/ou comportamental. Mesmo assim o contato com a diversidade cultural do mundo real acaba acontecendo e também ele, o Heavy Metal, evolui e se torna mais dinâmico e multifacetado, se desdobrando numa infinidade de subgêneros – Death, thrash, grind, doom, gothic, etc.
Em vez de “reacionarismo” o que eu noto, atualmente, é uma grande estagnação estética e criativa: na primeira década do século XXI o mundo do rock nada fez além de se autocanibalizar em novas bandas com sonoridades datadas e derivativas. De uns dez anos pra cá, nem isso. Um verdadeiro deserto. Mas isso se deve, a meu ver, à própria característica fragmentária do mundo em que vivemos, eternamente imerso num oceano infinito de distração do qual é necessário um esforço tremendo para submergir.
Criar algo realmente novo, este é o grande desafio.
*Até aqui por Alexandre Matias
A.
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