quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

VERÃO SERGIPE 2013 - VERSÃO "VIDA REAL"

Aracaju, 27 de janeiro de 2013. Uma gigantesca e belíssima lua cheia se ergue do mar sobre uma cena inusitada: na praia, iluminados apenas pela luz de um refletor alimentado por um gerador, um punhado de jovens – em idade e em espírito – se reúne em torno de um grupo de garotas vindas do planalto central do país para participar de mais uma celebração do espírito livre e independente, transmitindo aos presentes sua mensagem de esperança através de uma musica simples e tribal, porém densa, angustiada e repleta de significados.

Sim, esperança. Porque aquelas palavras de dor emolduradas por acordes soturnos, toscos e dissonantes têm como objetivo maior, na verdade, sublimar o sofrimento oriundo da opressão orquestrada pelas estruturas arcaicas que ainda nos regem, como sociedade. Sofrimento que se manifesta na forma de gritos primais emitidos por indivíduos que se recusam a ser escravos da ignorância, vitimas de todo tipo de violência física e psicológica. Se recusam a ser gado conduzido docilmente ao abate, a cair nas armadilhas das convenções sociais. Todos os que estavam ali naquela noite eram, de alguma forma, ovelhas negras. Todos almejavam, de alguma forma, se libertar.

A apresentação era da Soror, banda brasiliense com uma interessante proposta musical que em essência é punk, mas que flerta com a estética gótica e se utiliza de acordes e andamentos tão lentos e climáticos que resvala no “doom” – sem o metal. Nada de virtuosismo, aqui. Tudo começa com notas primárias tiradas de um contrabaixo distorcido em um andamento lento, muito lento, numa espécie de introdução fantasmagórica interminável que vai, aos poucos, se desdobrando em novos elementos acrescentados aos poucos, sem pressa, até culminar em vocalizações desesperadas que desencadeiam uma barulhenta explosão de angustia. Conduzindo a sinfonia macabra e minimalista, 4 jovens mascaradas que se revezam em seus instrumentos, esnobando a técnica e esbanjando criatividade.

Foi um desfecho perfeito para algo havia começado com o sol ainda brilhando, por volta das 17h00. Era a quarta edição do “Clandestino”, evento inspirado na atitude punk do “faça você mesmo” que coloca bandas dispostas e despojadas diante de um público curioso e participativo convocado pelas redes sociais. Tudo planejado e executado de maneira informal, espontânea, colaborativa. Rock sem edital, sem muros, sem portas. Libertário, como deve ser. Sempre.

Os organizadores aproveitaram a passagem de duas bandas brasilienses por Salvador para participar do Festival Vulva La Vida para as convidar para uma esticada até a cidade vizinha e tocar na praia, ao ar livre, de graça – um convite irrecusável para quem vive no centro-oeste, tão longe do mar. Elas vieram, e se depararam com um bom público reunido em torno de uma estrutura básica montada ali mesmo, na areia, em frente ao mar. E trouxeram algumas amigas a reboque, dentre elas uma espécie de poetisa ativista que se apresentou como “Formiga”, de São Paulo, e declamou, no intervalo entre a Dança da Vingança e a Soror, um poema de protesto adaptado de uma letra de rap. Foi ouvida com atenção e efusivamente aplaudida.

A Dança da Vingança se apresentou exatamente na transição entre a tarde e a noite e teve a sorte de ser presenteada com a aparição da lua no instante em que pisavam o palco improvisado – uma lona preta sobre a areia. Foi um momento mágico. Sua musica é simples e primaria, mas as deficiências técnicas são amplamente superadas pela energia e verdade com que é apresentada. Tanto que atraiu ao palco uma criança, filha de um dos casais presentes, que parecia querer, a todo custo, participar daquilo. As crianças sentem quando a coisa é verdadeira. As meninas, com os olhos brilhando, pareciam não acreditar no que estava acontecendo. Nós também não. Repito: foi mágico.

Os trabalhos foram abertos por volta das 17h15 pela local Renegades of Punk que, mais uma vez, no presenteou com uma apresentação precisa e energética comandada por Dani, com seu sorriso cativante, sua tiara de oncinha e sua glamorosa Danelectro refletindo o brilho do sol, acompanhada pela cozinha nervosa de João Mário e Ivo Delmondes – este último servindo de obstáculo para os acrobáticos saltos ornamentais de Alex e sua invejável saúde de ferro. Na platéia, representantes de todas as gerações, com destaque para as promessas do futuro: Nico, filho de Marcelo Larrosa, o bebê mais babado e adorado do Facebook, e a garotinha que interagiu com a Dança da Vingança, filha do casal “rocker” Nani e Kakau. Do reino animal, destaque para a presença de Denzel, o pinscher, mascote da Todys Trouble Band.

Valeu muito a pena, tudo. Até mesmo para quem vai precisar de dias, semanas, quiçá meses, para limpar toda a areia acumulada nos equipamentos. Tenho certeza disso.

O rock me emociona. Catarina e Rodrigo, faltaram vocês ...

Fotos por Snapic e Marcelinho Hora.

Texto de Adelvan k.

sábado, 26 de janeiro de 2013

NO FALSE METAL !!!

            Skull Fist é uma banda canadense de Heavy Metal “tradicional” – aquele cheio de firulas e gritinhos agudos. É considerada uma parte importante da Nova Onda do Heavy Metal Tradicional (New Wave of Traditional Heavy Metal (NWOTHM)), movimento crescente que tem alavancado o ressurgimento de bandas com uma sonoridade derivada da anterior New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), de onde saíram grandes nomes como Iron Maiden, Saxon e ...

            Bem, grandes, grandes, só estes mesmos.

            Eu nem sabia que existia essa tal NWOTHM, nem nunca tinha ouvido falar do Skull Fist. Mas calhou de, por uma destas ironias do destino, um dos roadies dos caras ser brasileiro, mais precisamente daqui, de Aracaju, então acredito que, por conta desta relação de amizade (roadies no rock, mais ainda no metal, são sempre mais amigos que funcionários), eles resolveram dar uma esticadinha até as terras do Cacique Serigy, já que na divulgação original da turnê que fariam pelo Brasil não constava esta data.

            Foi tudo um tanto quanto improvisado, pois não existem espaços adequados para este tipo de evento por aqui. Aconteceu na CHE Petiscaria, um lugar quente – muito quente – e sem isolamento acústico. Fechado, quente (de novo) e, acreditem, sem um misero ventilador de teto ou de parede sequer, para aliviar o calor. Não fosse por um cantinho aberto no fundo, por onde entra alguma brisa - e vaza o som para a vizinhança - seria uma verdadeira sucursal do inferno! O que me leva a pensar: será que os “empresários” que se dispõem a abrir espaços alternativos na cidade não investem num mínimo de conforto para os seus clientes porque não há retorno de público ou não há retorno de público porque os locais não oferecem um mínimo de conforto para qualquer um que não seja um roqueiro adolescente ensandecido sedento de rock and roll e disposto a enfrentar qualquer “perrengue” pra ouvir umas guitarras distorcidas? A equação é complexa mas, a meu ver, se não há capital para a instalação nem mesmo de ventiladores, melhor deixar quieto ...

            Depois dos locais da Berzerkers enfrentarem a sauna e, mesmo assim, entregarem um bom show – os caras saíram do palco banhados em suor, era impressionante – foi a vez dos canadenses encararem as agruras do rock no terceiro mundo. Além do calor infernal tiveram som fraco e falhando, iluminação insuficiente e mal utilizada e uma irritante insistência em entupir o ambiente com fumaça de gelo seco. Havia momentos em que não se via nada no palco – a falta de noção era total, neste quesito, para o desespero dos fotógrafos Victor Balde e Marcelinho Hora, que se desdobraram para conseguir imagens decentes em condições tão adversas. E conseguiram, o que é mais incrível! Confira você mesmo nas imagens que ilustram estas mal traçadas linhas.

            Como não gosto de Heavy Metal (apesar de ser fã do Judas Priest) não fiquei muito impressionado com os som dos caras, que achei inclusive meio “farofa”. Mas não há como negar que fizeram uma grande apresentação, apesar dos irritantes gritinhos agudos a cada 5 segundos. O vocalista e guitarrista, único membro original remanescente, toca muito, e entregou uma perfomance visceral, com direito a todo o cerimonial obrigatório em shows do estilo, como oferecer a guitarra para que a turma do gargarejo, ensandecida, toque nas cordas, se jogar no chão e carregar um dos outros membros da banda nas costas. Quanto ao repertório, não posso opinar, mas me disseram que eles tocaram, inclusive, dois covers de clássicos do metal – em deles do running Wild, se não me engano. Não sei. Não conheço, não gosto, não identifiquei.

            Se não gosta porque foi e, ainda por cima, está se dando ao trabalho de escrever esta resenha, perguntará o incauto leitor. Por três motivos: primeiro, para parabenizar os que viabilizaram a empreitada, pois sempre torço para que as coisas aconteçam no cenário do rock alternativo, de qualquer vertente ou matriz – ainda mais às vésperas do Pré-caju, essa gigantesca celebração da mediocridade que acontece todos os anos à custas do dinheiro público, apesar de se tratar de uma festa privada. Segundo, para registrar o fato, inusitado e digno de atenção e reverencia. E terceiro, porque é uma boa desculpa para colocar no blog as sempre sensacionais fotos da Snapic.

por Adelvan

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O silêncio de Lula - o texto que o jornal não publicou

          Se as eleições para presidente fossem hoje, Lula venceria. É o candidato mais citado em pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Tem 69,8% das preferências, contra 11,9% de Aécio Neves. Com Dilma em vez de Lula como candidata do PT, Dilma teria 59% contra 14,8% de Aécio. Lula é imbatível em 2014. Dilma, numa situação em que Lula esteja enfraquecido, tostado, talvez não.

          É disso que trata o bafafá sobre a Operação Porto Seguro. Começou fofoca. Dona Marisa detesta Rosemary. Rosemary viajou 23 vezes para o exterior na comitiva oficial do ex-presidente. Tinha acesso direto a Lula, e o usava para descolar altos cargos para os amigos. Logo foi dito em português claro: Rose e Lula foram amantes muitos anos. E abriu-se uma nova temporada de caça ao Lula. Disparada, olhe só, pela Polícia Federal, cuja chefe máxima é... Dilma.

          Será assunto para meses. Talvez caso pra CPI. As perguntas que precisam ser respondidas: houve corrupção ou tráfico de influência? Quem corrompeu, quem foi corrompido? Cadê o dinheiro? Rosemary usou sua influência junto a Lula? E, por fim, Lula se beneficiou da corrupção ou cometeu algum crime?

          É motivo para revirar a vida pessoal do ex-presidente, como se fosse uma lata de lixo? Sem dúvida. E Lula deve tomar a iniciativa e se explicar. Quem vive de dinheiro público não tem direito de dizer que não fala deste ou aquele assunto. Vida particular de funcionário público sob suspeita é pública. Vale pra Rose. Vale pra Lula.

         Homens públicos, assim como médicos e motoristas de táxi, traem suas mulheres, e por elas são traídos. Adultério não é crime. Se for, que comece o julgamento de Fernando Henrique, que fala sobre o caso Rose como se não tivesse traído Ruth Cardoso. Bill Clinton quase foi derrubado pelos republicanos, por desfrutar de sexo oral no salão oval da Casa Branca. A oposição fez o que pode para derrubar Clinton, usando seu affair. Foi enxovalhado na televisão, se humilhou, implorou desculpas etc. Sobreviveu por pouco, sabe-se lá com que custo para sua mulher e filha. Teve sua imagem abalada para sempre. É casado, como Lula e FHC. A diferença fundamental é que curtir minutinhos de prazer com miss Lewinsky não afetou em nada a economia, segurança, ética, ou que quer que seja dos EUA.

          O ataque a Clinton foi eleitoreiro e moralista. É a mesma situação do Brasil? Não. A amante de FHC era funcionária da TV Globo. A amante de Lula era funcionária pública, por indicação de Lula, não uma estagiariazinha. E pelo perfume - especialmente a história da tal ilha do Gilberto Miranda - havia muito dinheiro passando perto de Rose, bilhões.

          Esse é sempre o assunto: dinheiro. Nosso ex-presidente gera ódio em alguns grupos, mas a rinha não é emocional. É disputa pelo poder, pela chave do cofre. Tentaram de todo jeito liquidar Lula, antes da sua primeira eleição e durante os seus oito anos de mandato. Saiu popularíssimo, elegeu sucessora, e agora o prefeito de São Paulo, ambos tirados da mágica manga de sua casaca. Também saiu incólume do julgamento do mensalão. Parece impossível que não soubesse do que seus braços direitos no governo e no PT faziam.

          Bem, o que Dirceu e companhia efetivamente fizeram? As provas não deixem muito claro o quê, e muita gente séria ache que não se provou coisa nenhuma. O julgamento foi político? Natural, e é claro que algo de malcheiroso aconteceu. Mas crucificar José Dirceu como maior vilão da história da nação é tão ridículo como inocentá-lo. É ignorar ditadores, torturadores, Malufs e Sarneys, todos soltos e sossegados. E como vão as investigações sobre as privatizações tucanas, o mensalão mineiro, o metrô paulistano? Não vão.

          A cobertura do julgamento atrapalhou. A história foi contada em termos de Fla-Flu, juízes pró e contra o PT. Magistrados viraram astros, e passaram a se portar como tais, para as câmeras. Distribuíram penas pesadíssimas, em País onde os líderes do crime organizado têm penas leves, que cumprem ordenando massacres de policiais, via celular. Só Lula, que indicou boa parte dos juízes do STF, foi poupado. A pressão continua. É o Rosegate, é Marcos Valério.

          A satisfação de alguns astros da mídia é indisfarçável, pimpões como pintos na lama. Não conseguimos pegar Lula no mensalão, festejam, vamos pegar com essa Rose. Se não der, pelo menos fazemos ele sofrer um pouco, envergonhando sua esposa e filhos com a exposição de sua traição. E vamos dar o máximo de exposição às novas acusações de Marcos Valério. Pressionar por investigações, e dar munição para a oposição. E se nada colar, bem, quem sabe o câncer volta?

          Não há nada de orgânico na nova direita midiática. É resultado de articulação explícita de setores conservadores, principalmente do setor financeiro. Dez anos atrás, não haviam direitistas assumidos no País, muito menos na imprensa. Todo mundo e qualquer um se dizia de esquerda. Hoje pululam. Ser antipetista se tornou lucrativo, graças a um azeitado circuito de seminários, palestras e colunas, tudo muito bem remunerado. De lá é direto para a lista dos livros mais vendidos. Para ser chamado ao banquete, é preciso ter nome; ocupar espaço na imprensa e academia.

          É válido. O campo oposto também soube seduzir seus evangelistas, muitos acolhidos no poder, outros vivendo de mesada. Infelizmente, uma das exigências para a fama, no ambiente midiático de 2012, é o histrionismo. Trata-se de garantir que o mundo em preto e branco e cuspir certezas e bordões. Com isso, deixamos o campo do jornalismo e da opinião, e igualam-se em irrelevância os campeões dos dois lados.

         Um lado então grita que é o maior escândalo desde Sodoma e Gomorra. E o outro garante que é mais uma tentativa de golpe midiático-tucano. Propaganda enganosa. Há uma tentativa de inviabilizar uma nova candidatura de Lula, e abrir pelo menos a possibilidade do PSDB levar a presidência em 2014? Sim. Lula nos deve explicações? Sim também.

          Nem toda defesa de Lula é sectária. Nem toda acusação contra Lula é golpismo. Vamos fundo nas investigações de aprontadas tucanas e outras? Por favor. Mas vamos reconhecer que há jornalismo de fato, e evidências de fato contra Rose, os irmãos Vieira e companhia. Eles têm de falar. Assim como Cachoeira, e Valério. No Congresso, com transmissão ao vivo. E Lula também. Ele colocou a amante em cargo público. Ela aprontou. Lula tem direito ao respeito, como disse esta semana Dilma em Paris. E à crítica, pelo que ficou nos devendo. Mas não tem direito ao silêncio.

Lula não tem direito ao silêncio


          No final do ano, famoso jornal de circulação nacional me convidou para escrever o artigo acima. É uma nova versão do texto que escrevi para este blog, Lula Não Tem Direito Ao Silêncio. Um editor achou que o post merecia espaço no jornal. Concordei, e me propus a entrar mais fundo em alguns pontos - principalmente na questão da cobertura de imprensa, e de como nossa mídia se tornou mais conservadora nos últimos anos.

          Enviei. Recebi elogios. Confirmaram a publicação na íntegra para dali a alguns dias. Na véspera de sair, fui informado de que o texto fora barrado por instâncias superiores. Sem problemas. Não é censura, é edição, nem me pediram para mudar nada. Alguém com poder para isso decidiu que o texto não estava adequado para sair no jornal. Que jornal? Não conto para não criar problemas para quem me convidou.

          E porque não importa, na prática. Mas fiquei um pouco desapontado. Porque o texto é razoavelmente inofensivo, e fui equânime na distribuição de críticas - sobrou pra todos os lados. E porque é uma nova demonstração de como nossa imprensa (e não só o jornal em questão) está mais reaça e careta a cada dia que passa.

Fui informado que serei pago. Ótimo. E melhor ainda que aqui no R7 escrevo exatamente o que quero, e sai exatamente como escrevo.

André Forastieri

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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

De novo ...

Todos os anos eu solto os cachorros em cima da festa de Fabiano. Não é birra, nem implicância, mas ciência do certo e do errado. Embora tenha nascido com o ânimo aleijado, sei que o mundo não gira ao redor do meu umbigo. Encosto a magrela até que o empresário devolva a ciclovia tomada na cara dura, suporto a histeria dos trios elétricos, mas não engulo o assalto aos cofres públicos.

Se os donos do mundo pendurados nos camarotes argumentam que a limpeza e iluminação do Pré Caju, além da fiscalização da marca da bebida comercializada no meio da bagunça, é atribuição institucional da Emsurb, não serei eu a defender o contrário. Se o Ministério Público prefere abotoar a farda dos Policiais Militares, dizendo como eles podem dispor do próprio sangue, estranho e silencio. Não entra em minha cabeça, contudo, como a ASBT, uma associação sem fins lucrativos, consegue financiar uma festa privada com dinheiro do Ministério do Turismo.

A boa vontade dos entes públicos com as empresas que formam o grupo ao qual a ASBT pertence é comovente. O Pré-Caju foi incluído no calendário turístico e cultural da capital por lei municipal em 1993. Três anos depois, outra lei reconheceu a ASBT como entidade gestora e organizadora do evento. Depois, a Associação foi agraciada com o certificado de utilidade pública estadual. Hoje, a micareta é reconhecida pelas autoridades como um evento estratégico, uma das principais cartadas para promover o turismo local.

Nossos gestores não explicam, contudo, porque depois de tamanho investimento, realizado durante décadas a fio (o Pré Caju comemora 22 anos em 2013), nem mesmo o principal financiador da festa reconhece a capital sergipana como destino apropriado para os visitantes. Aracaju não foi incluída entre os 184 destinos sugeridos pelo Ministério do Turismo para os turistas que desembarcarão no Brasil durante a Copa do Mundo de 2014.

Me vem à lembrança que há muitos anos não ocorre uma edição do Festival de Arte de São Cristóvão (Fasc). Lembro que, na última oportunidade, os malucos tomaram conta da cidade histórica. Os tambores ecoavam nos becos, expulsando a cultura popular dos seminários acadêmicos, desafiando alguém a dizer que aquilo não era arte. Eu assistia àquela movimentação toda, os grupos de teatro, os casais a se perder numa esquina para se encontrar em outra, vivendo um sonho infantil de Woodstock. Até de manhã cedo, quando um cachorro me acordou nos degraus da Igreja da Matriz.

Não fosse o gesto lento dos idosos, os enganos no emaranhado de tantas barbas grisalhas, eu teria crescido feito erva daninha, barco à deriva, um folião entusiasmado com os apitos do carnaval. Mas eu tive pai. Eu tive mãe. O enredo cavado na pele enrugada de minha avó lembra que há verdades descalças, sem sapatos, sem abrigo, que teimam no mundo por insistência da memória. Vou esperar o mijo derramado pelos partidários de Fabiano abandonar minha cidade, portanto, para tomar de volta os caminhos interditados da Avenida Beira Mar.

A Educação pela corda.




terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Drakula em Paulo Afonso

rock bom tem que ter coreografia ...
“Drakula”, excelente banda de garage rock/surf music de Campinas, São Paulo, ia tocar em Paulo Afonso, Bahia. Andye Iore, agitador cultural de Maringá, Paraná, está aqui, em Aracaju, e sugere que demos um pulinho lá. Ok, boa desculpa para rever a cidade que ilumina o nordeste ...

(Mais de 90% da geração de energia do Nordeste provêm de usinas hidrelétricas que estão concentradas no rio São Francisco. Com capacidade de geração de 10.705 megawatts, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) é responsável pela produção, transporte e comercialização de energia elétrica para os Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. A produção média anual do sistema Chesf é de 40 milhões de MW e o consumo médio anual na região é de 33,5 milhões de MW. Xingó, Paulo Afonso, Sobradinho, Apolônio Sales, Luiz Gonzaga e Boa Esperança são as principais hidrelétricas do sistema Chesf. A capacidade de geração do rio São Francisco, no entanto, está esgotada e, por isso, tem-se pesquisado alternativas de geração de energia através de fontes solar, eólica (vento) e gás natural. Os Estados da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará se preparam para instalar usinas termelétricas).

Pegamos a estrada à 1 da tarde – com o sol pelando, evidentemente. Em Itabaiana, a primeira parada, para almoçar e fazer uma visita à única loja especializada em rock do interior do estado, a TNT Rock. Rendeu, para mim, um DVD do Heaven and Hell, uma edição em Cd importado com vários bônus de “kaleidoscope”, do Siouxsie and The Banshees, uma edição nacional de “The Eternal”, último disco do Sonic Youth, e um Cd split com as bandas DFC e Merda cuja primeira “música” tem o singelo título “o crack é muito gostoso”. Tudo por um precinho camarada! A TNT fica na Rua Prof. Hilário de Melo Rezende, 554 – no fundo do Colégio Murilo Braga. Os telefones são (79)3431-5565/9969-4618/9953-0113.

Pé na estrada de novo, que tem muito chão pela frente. Chão seco, sol a pino, calor do estopou balaio do cânço mariano da peste. Ribeirópolis, Aparecida, Glória, Monte Alegre, Poço Redondo. Belo por do sol no sertão, devidamente registrado pelas lentes do celular de Andye Iore e postado no facebook via instagram – sim, somos modernos! Entrada de Canindé, curva à esquerda, Paulo Afonso.

Paulo Afonso é uma cidade “sui generis”: está ilhada artificialmente pelo rio São Francisco, devido às diversas barragens construídas pela CHESF para alimentar as usinas. Tem cerca de 110.000 habitantes, mas parece maior do que realmente é, pois sua população se espalha de forma um tanto quanto irregular pelo território, que tem diversos “vazios demográficos” em seu interior. Ficamos mais pedidos que cego em tiroteio, mas perguntando aqui e ali, conseguimos finalmente chegar ao tal SPOM, o clube onde aconteceria o evento, que, segundo meu amigo Chacal, que nos acompanhou, era famosíssimo, uma espécie de Boate do Augustu´s local. Só que ninguém sabia onde era! Só chegamos porque tínhamos outras referencias, e lá entendemos por que tanto desconhecimento: trata-se na verdade de uma construção simples num terreno murado localizado num local cabulosíssimo, um beco deserto e sem pavimentação! Chegamos quase na hora marcada e não tinha ninguém, a não ser o porteiro, no local. Perguntamos se era ali que iria rolar um rock e, diante da confirmação positiva, partimos para a operação hospedagem – muito bem sucedida, num Hotel pra lá de decente, a um preço relativamente justo.

Quando voltamos, tivemos uma grata surpresa: na verdade o local não era aquele em que estivemos antes, era outro, amplo, aconchegante e com um delicioso ar condicionado geladinho, numa rua bem iluminada e cheia de gente bonita e “descolada” ...

Só que não! O pico era o mesmo, escuro e desprovido de qualquer vestígio de glamour, povoado por cerca de 100 (o Andye calculou 40 a 50) gatos pingados já bêbados e vestidos de preto. Que se foda, quem tá no rock é pra se foder! Ou não – contrariando todas as expectativas, foi uma noite bastante divertida, no final das contas. Apesar de ter seguido começando mal, com uma banda local muito fraquinha chamada Dona Benta HxCx ...

Foi bom, dentre outras coisas, porque a segunda banda, a “Comendo Lixo”, de Delmiro Gouveia, Alagoas, era boa. HC tosquinho, também, mas feito com mais propriedade, intensidade e verdade. Tocaram um cover de “subversores da ordem”, da karne Krua.

Também porque o Ete, do Muzzarelas, que também toca no Drakula (ou seria o contrário?) montou uma banquinha bem bacana onde eu morri em mais algumas dezenas (mais de uma centena) de reais ao não resistir e adquirir, em glorioso vinil, algumas cópias de “smell of femmale”, do Cramps, “Aqua Mad Max”, do Leptospirose, e um compacto do Drakula, “vilipêndio de cadáver”, que brilha no escuro. Pago no cartão de crédio, em 3 vezes sem juros. Eu adoro a modernidade ...

Drakula no palco. Riffs matadores, som dançante, máscaras de luta livre mexicana, coreografias ensaiadas. Show curto e intenso, na medida certa. Publico pequeno porém participativo – pelo menos a parte que foi ver o show, já que muito mais da metade estava ali apenas pra se chapar pelos cantos ou penetrar promiscuamente no banheiro feminino. Normal. Saudável. Rock! “Faz o que tu queres, é tudo da lei”.

Mais bate-papo informal com o Ete, que diz ter meu antigo zine, o Escarro Napalm, guardado até hoje em sua coleção. Dali eles iriam, de carro, direto para João Pessoa, Paraíba, onde tocariam na noite seguinte! Eu, depois de “olhar com os olhos e lamber com a testa” alguns outros discos que não levaria pra casa, como o primeiro do Suicidal e o “I against I” do Bad Brains, em vinil, reuni meus comparsas para que voltassemos ao Hotel e déssemos a noite por encerrada. Waleska Popozuda, a funkeira mais escrota do Brasil, iria se apresentar por lá naquele final de semana, mas o show seria apenas na noite seguinte. Uma pena, pois teríamos que ter mais gastos com hospedagem. Seria um bom encerramento para uma viagem inusitada ...

... que terminou bem, em todo caso, com uma peixada acompanhada de um delicioso pirão na orla de Piranhas, Alagoas, às margens do rio São Francisco ...

As 2 primeiras fotos são de Andye Iore.

por Adelvan







terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Eu (ou)vi o futuro, ele é o passado.

               Necronomicon é uma banda de Alagoas que causou furor entre os “rockers” sergipanos quando tocou aqui pela primeira vez, no Grito Rock Aracaju 2012, em pleno carnaval. Repetiram a dose no segundo semestre do mesmo ano com um show devastador fechando a noite em que a Renegades of punk lançou “Coração metrônomo” no Capitão Cook. Virei fã, por isso não hesitei em encomendar minha cópia de “The Queen of Death”, o primeiro disco “oficial” deles – segundo, se considerarmos o primeiro Cd demo.

               A bolacha colorida de vinil foi lançada por um selo gringo especializado em “progressivices” e “space rock”, o Hydro Phonic records, e tem 6 faixas, 3 de cada lado. Trata-se de um álbum conceitual baseado num conto de fantasia e ficção científica à La “Heavy Metal”, a revista, escrito por Pedro Ivo, o baixista, que narra as desventuras de um assassino contratado para matar a tal Rainha da Morte, líder de um culto poderosíssimo baseado em Yamoth, o planeta sagrado. É para lá que somos lançados já na primeira faixa, “Holy Planet Yamoth”, qua nos apresenta de cara do que se trata o petardo: um som “retrô” totalmente baseado no Hard rock progressivo e psicodélico dos anos 60 e 70 do século passado. Riffs de guitarra precisos, levadas de bateria perfeitas, linhas de baixo matadoras e um vocal que ora remete ao de Jack Bruce, do Cream, nos momentos mais melódicos, ora aos de Ozzy Osbourne, nas partes mais “gritadas” ou, paradoxalmente, sussurradas, nos conduzem por uma história sombria muito bem contada (em inglês) e embalada por belas melodias distribuídas em musicas longas com vários andamentos e refrões poderosos.

               A “trip to the Holy planet” prossegue com “The Assassin´s song”, que começa conduzida pelas baquetas de Thiago Alef e tem, basicamente, o mesmo ritmo – e qualidade! – da primeira, culminando em “The Black Priests of Chaos”, já mais lenta, onde somos apresentados aos sacerdotes negros contratantes do que parece ser o personagem principal da história, o tal assassino. Perfeito! Fim do lado A.

               O lado B começa com uma musica instrumental que coloca em evidencia outro ponto forte do disco, as várias camadas e texturas de teclados, pianos, órgãos e sintetizadores executadas por Pedro Ivo. O efeito é viajante, chapante, matador! E então voltamos à estrutura mais convencional do rock and roll com “Hypnotic Overdrive machine”, totalmente “sabbathica”, assim como o é a faixa título, que encerra o disco. Nelas sentimos um pouco mais algo que pode ser encarado como uma deficiência na mixagem ou na própria captação de som, caso não tenha sido propositadamente planejado para que fosse assim e o disco soasse como se tivesse sido produzido em algum momento do início dos anos 1970: o som da guitarra. Poderia ser mais “encorpado”, “na cara”, ou pelo menos mixado no mesmo nível dos vocais. Do jeito que está, acaba por não valorizar o tanto quanto merece a sensacional perfomance de Lillian Lessa, uma dedicada discípula de Tony Iommi e sua Gibson SG batizada nos quintos dos infernos. Esta é, no entanto, a opinião de um confesso admirador obcecado pelas seis cordas – eu quase sempre acho que as guitarras deveriam estar no talo. Todo o resto, no entanto, está perfeito, e como mencionei lá atrás, a mixagem acaba por dar ao disco uma sonoridade “datada”, o que parece ser, no final das contas, o objetivo de todo o projeto.

               Vale destacar que os componentes da Necronomicon são jovens. Muito jovens! Nunca perguntei, mas aparentam estar na faixa dos vinte e poucos anos – senão menos – o que dá à coisa toda um sabor ainda mais inusitado. E nos faz acreditar que ainda dá pra acreditar no futuro deste tal de roque enroll em Terras Brasilis, para além do lixo que nos é vomitado pelo “mainstrean”. Tenho até pena de quem tem como única referencia o que passa na programação abjeta da MTV, VH1, Multishow e demais canais abertos ou pagos que supostamente deveriam cobrir o universo da música  como um todo, mas acabam prestando, em nome do comercialismo mais barato, um verdadeiro desserviço à cultura musical da juventude brasileira. Venham para o “undeground”, bastardos filhos da puta! É aqui que as coisas REALMENTE acontecem!

               Como bem dizia Agapito no já célebre vídeo da 120 Dias de Sodoma, BANDA DO CARALHO! BANDA DO CARALHO!

               “The Queen of Death” foi produzido por Necronomicon e gravado no Pedrada Estúdios entre julho e setembro de 2011. Ouça aqui. Para adquiri-lo, você pode entrar em contato diretamente com a banda clicando aqui

Todas as letras e musicas são de Pedro Ivo Araujo – um verdadeiro “garoto prodígio”

O Design e a arte da capa, sensacionais, são de Cristiano Soares.

Alagoas é a terra do Mopho, que também é sensacional.

Eu sou Adelvan e sou sergipano.

O rock me emociona.

Fim.

garganta seca, inanição

               Eu confesso: tenho dificuldade para parar e colocar para ouvir, com a devida atenção, discos de bandas sergipanas de cuja quantidade de shows a que fui eu já perdi a conta. É o caso da Karne Krua, que eu conheço desde o II Festcore de Aracaju, minha primeira experiência como publico de um festival de rock underground, há muito tempo atrás, numa galáxia muito distante. De lá pra cá, acompanhei todas as fases da banda – que nunca parou! Já enjoei, desenjoei, virei fã, desgostei e voltei a gostar. Sou um entusiasta da atual formação, que considero a melhor desde a clássica, com Almada, Marlio e Marcelo – na verdade desconfio que esta já seja A melhor, superando todas as outras, mas isto é assunto para outro texto – ou não.

               Eu sabia que “Inanição” é primoroso, certamente o melhor disco da banda e um dos melhores do estilo lançado no Brasil nos últimos - e raquíticos - tempos. Mas nunca tinha parado para ouvir como se deve: em CD, num aparelho de som decente, com o encarte nas mãos e acompanhando as letras. Fiz isto hoje, e fiquei “de cara”. Que puta disco do caralho !!!! Puta que o pariu, porra, caralho, é bom pra cacete !!!!

               Já começa impressionando com a excelente letra de “Dois Cumes”, de autoria do conterrâneo Ricardo “guerrilheiro”. Dizer que somente a letra é boa seria injustiça: a música, de Silvio Campos, é igualmente matadora! O cara tem que ter muito talento pra musicar um texto de forma tão primorosa! Destaque para o final, que faz referência ao clássico do cinema politizado nacional “Cabra marcado pra morrer”. Na sequencia, duas regravações de petardos hardcore de duas fases distintas: “lixeiras da cidade”, que nos remete aos primórdios do punk rock em Aracaju, e “cobaias”, uma das muitas que vi a banda lapidar e polir nos anos 90. Esta última é inteligentemente linkada com outra mais recente que trata do mesmo tema, “Animais indefesos”, que tem excelente letra de Silvio e musica em parceria com Alexandre Gandhi. O refrão trás uma imagem  poderosíssima: “são as cobaias trancadas em jaulas torturadas queimadas e envenenadas”. Morrissey assinaria embaixo.

               A quinta faixa, “infinitivos”, também tem letra de Ricardo “Guerrilheiro” e musica de Silvio – só que, desta vez, com um resultado bem inferior à primeira. É, provavelmente, a mais fraca de todo o álbum. Mas a peteca não cai, pois em seguida entramos numa espécie de sequencia conceitual dentro do disco, com várias canções dedicadas a um tema caro a Silvio, o sofrimento do homem do campo nordestino. Por muito tempo reclamei com ele deste direcionamento que ele às vezes tomava. Via a Karne Krua como uma banda eminentemente urbana e, por isto, achava meio forçada essa faceta, digamos, “regionalista”. Com “inanição”, mudei de idéia. Aqui eles encontraram o equilíbrio perfeito entre a influencia da musica folclórica do nordeste, notadamente os “aboios” entoados pelos vaqueiros durante a condução do gado, e a agressividade do punk rock. E percebi, de uma vez por todas, que a Karne Krua canta o canto dos esquecidos, sejam eles os párias sociais que gravitam na periferia das grandes cidades, os sertanejos eternamente castigados pela “política da seca” ou mesmo os animais ditos “irracionais”, vítimas inocentes da “racionalidade” humana.

               A primeira faixa da sequencia “sertaneja” é uma junção de duas músicas, “Terra Morta” e “o vaqueiro e a boiada”. Perfeita. Silvio parece ter sido vaqueiro nalguma vida passada, pois encarna muito bem o personagem sofrido do interior. É seguida por um dos grandes clássicos de uma das formações anteriores, “o guerreiro”, assinada por Wendell, Mazinho, Silvio e Thiago, com seu refrão solene que reverencia aquele que é, segundo a definição de Euclides da Cunha, “antes de tudo, um forte”. E então temos “Lamento dos esquecidos”, uma faixa com um andamento mais lento, quase uma “balada”, que destoa de praticamente todo o repertorio da banda. Evidencia uma das muitas caracteristicas positivas da Karne: sua coragem para ousar sempre, indo além dos cânones estabelecidos pelo estilo na qual foram forjados. E segue ousando com uma espécie de rap/repente de letra quilométrica, “Do sol latente ao cinza das ruas” – letra de Max Alberto. É emendada, encerrando a sequencia semiconceitual, com a excelente “No cinza da cidade eu morrerei” – letra e musica de Alexandre Gandhi.

               Somos brindados então com a regravação de mais dois clássicos de tempos remotos, “Hienas na Carcaça” e “Perdidos”, ambas de autoria de Marcelo Gaspar. É uma pena que a letra da primeira não tenha sido reproduzida no encarte, pois é primorosa – fala dos “homens que constroem catedrais”. Tão boa quanto a de “Mensões do futuro”, de Valdeleno, ex-baterista. A esta altura já fica evidente outra característica positiva: a Karne Krua é e sempre foi uma banda, não um projeto personalista centralizado na figura de Silvio, como alguns erroneamente já interpretaram. Todos os que passam por suas fileiras têm amplo espaço para desenvolver suas habilidades tanto como músicos quanto como compositores, o que fica evidente nos créditos reproduzidos no encarte. Eu, por exemplo, não sabia que Valdeleno compunha, e bem! Foi uma agradável surpresa. Há espaço, inclusive, para a colaboração de pessoas de fora da banda, como o poeta Nagir Macaô, o já mencionado Ricardo e Marcos Aurélio, autor da letra de “Navalha no pescoço”. O que já não é surpresa é o talento de Alexandre Gandhi, que além dos riffs matadores de guitarra compôs algumas das melhores canções da fase recente da banda, a exemplo de “Inanição”, a música. Uma obra-prima. A Master piece – para que fique claro, inclusive para os gringos que por um acaso passarem os olhos por aqui ...

               Fechando o disco com mais um toque conceitual, “O vaqueiro e a boiada”, de volta. “Inanição” é um registro de uma fase de transição da Karne Krua. Foi gravado com Alexandre Gandhi assumindo o baixo e Thiago “Babalu” ainda na bateria. Posteriormente a banda encontraria aquela que parece ser sua formação definitiva, com Ivo Delmondes nas quatro cordas e Adriano empunhando as baquetas. Seguem tocando e compondo e, a julgar pelo que vi e ouvi durante a já célebre sessão de lançamento do disco no programa de rock, vem coisa muito boa ainda aí pela frente.

               Acima de tudo, “Inanição” é a comprovação de algo que eu já sabia: Sergipe tem uma banda clássica de punk rock/hardcore. Uma banda que, caso tivesse nascido e atuado em São Paulo ou algum outro centro urbano com maior visibilidade midiática, seria colocada no mesmo panteão de nomes como Cólera, Olho Seco e Ratos de Porão. Acho isto desde que os vi em ação pela primeira vez. Digo isto o tempo todo, pra quem quiser ouvir. Não sou bairrista - até prefiro Recife a Aracaju e Aracaju à minha cidade natal, Itabaiana. Digo isto porque acho mesmo. De verdade.

               Viva a Karne Krua!

Fotos por Reinaldo & Walber.
Snapic & Thiago "Cachorrão"

Adelvan

Um momento histórico ...

Que fique registrado: domingo, dia 30 de dezembro de 2012, durante a "Festa da Antevéspera", na Casa Rua da Cultura, aconteceu um encontro histórico: os anfitriões da noite, a banda Snooze, convidaram ao palco - melhor, tapete, não tinha palco - o vocalista e o guitarrista da Karne Krua, Silvio Campos e Alexandre Gandhi, respectivamente, para um set em homenagem à legendária banda sergipana e ao punk rock em geral. Tocaram, juntos, 3 musicas da Karne (dentre elas a clássica "A Noite do Deus morto", cuja letra, como bem lembrou Silvio, é do falecido poeta marginal Nagir Macaô), uma da banda Pastel de Miolos, de Salvador, Bahia, uma do Ramones e outra do Sex Pistols. Foi lindo ver duas das maiores bandas de rock sergipano de todos os tempos juntas e ao vivo - e foi bem curioso ouvir os sons da Karne Krua com uma pegada "snoozer".

Teria valido a pena sair de casa num domingo à noite em pleno feriadão somente para presenciar este grande momento, mas aquele foi o ponto culminante de uma apresentação apoteótica que já nos tinha brindado com, além do impecável repertório autoral da própria snooze, covers matadores de nomes como My Bloody Valentine, Joy Division, kinks, Lemonheads e Joan Jett. Tudo isto com o auxilio luxuoso de Maíra Ezequiel, Dani "renegades" e Arthur Matos, ex-Nantes, além da já tradicional participação, no final do show, do guitarrista Mauro "spaceboy", um dos ex-membros da snooze mais queridos do público cativo.

A festa foi aberta pela banda Baztian, de Alagoas, e serviu também como pretexto para o lançamento de um novo single da Snooze com a inédiata "Empty star" mais alguns covers e gravações que não haviam ainda sido lançadas (previously unreleased). Fechando o pacote foram exibidos, na parede da Casa, dois vídeos: um clipe do cover do Second Come, "704", de Luiz Oliva, e "Snooze Walking" (making of), de Renato Rivas.


Foi foda.

A.