domingo, 20 de julho de 2014

VIVA JOÃO UBALDO RIBEIRO

O único livro que li dele foi "O Sorriso do lagarto". Adorei. Lembro de um personagem que tinha câncer no cu. Homosexual, num determinado trecho da narrativa ele descreve a primeira vez em que deu o rabo com uma riqueza de detalhes tão impressionante que pensei: "não é possível, esse cara já deve ter dado, pra descrever a sensação de forma tão realista". Depois, numa entrevista, acho que na Caros Amigos, vi que não fui só eu que tive essa impressão, já que os entrevistadores lhe fizeram o mesmo questionamento. Sua resposta foi ótima: "já me disseram que eu descrevo muito bem a morte, e no entanto nunca morri".

Bom, agora ele está morto. Como homenagem, reproduzo abaixo uma entrevista conduzida por Luiz Rebinski Jr. e publicada originalmente no "CÂNDIDO - JORNAL DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ". Quando ele estava vivo, evidentemente. Com 71 anos. Morreu com 73.

João Ubaldo Ribeiro conseguiu o que no Brasil parece pouco provável a um escritor: conciliar sucesso de público com a boa recepção crítica de sua literatura. O que não é pouco em se tratando de um escritor cujo maior sucesso editorial é um livro de 700 páginas que faz um recorte de quatro séculos na história da Bahia, em um texto que mistura história, memória e leves toques de literatura fantástica. Trata-se de Viva o povo brasileiro, romance com uma trajetória de quase três décadas e que se mantém atual, estudado e discutido. Ainda assim o romancista prega cautela àqueles que tratam Viva o povo brasileiro como um clássico da literatura brasileira. “Acho um pouco prematuro chamá-lo de clássico. Mas é um livro que dura desde que saiu, portanto já está durando uns 30 anos”, diz o escritor em entrevista exclusiva ao Cândido.

Autor de outros romances célebres, como Sargento Getúlio e O sorriso do lagarto, João Ubaldo também deve parte de seu sucesso com o público à sua marcante presença como cronista na imprensa brasileira. Desse trabalho, resultaram livros como O rei da noite e Um brasileiro em Berlim. A crônica como uma fonte de renda aos romancistas é uma dos assuntos abordados aqui pelo escritor, que gravou as respostas em um arquivo de áudio e as enviou à reportagem, o que permitiu ao autor divagações a cerca dos temas que lhe foram sugeridos, como a tradução que fez para o inglês de seus próprios livros, a repercussão de sua obra no exterior e sua formação como intelectual na Bahia, ao lado de figuras como Glauber Rocha.

Eloquente, João Ubaldo dá à entrevista um caráter de bate-papo com o leitor, que pode conferir um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos respondendo questões de forma franca e sem rodeios.

Nos últimos anos, o senhor tem lançado muitos livros de crônica, sempre intercalando com os romances. A crônica, além de ser uma de suas fontes de renda, é um gênero que lhe ajuda enquanto escreve romances?
Os livros de crônicas são meus porque eu escrevi essas crônicas, mas a ideia de cada volume, a data de publicação e a própria seleção das crônicas, é feita pelas editoras. Geralmente mandam me consultar sobre a seleção, mas eu tenho preguiça de ficar lendo aquele negócio todo que escrevi, e que às vezes eu gostaria de meter a mão e melhorar, porque acho que saiu ruim, mas também não quero ter esse trabalho, afinal de contas já foi publicado, então deixa como está mesmo. Enfim, não sou eu que programo meus livros de crônicas, são as editoras. Agora, se escrever crônicas é bom para um romancista? Não deixa de ser, pois haja ou não a chamada inspiração — a qual, aliás, eu não acredito muito, talvez até por causa da experiência do jornalismo —, a crônica tem que sair. Você não pode dizer “prezados leitores, ontem não aconteceu nada” e sair com um jornal em branco. É bom escrever crônica, por um lado, para quem é romancista, porque o sujeito fica sempre com a redação apurada, a intimidade com as palavras sempre aguçada pelo uso. Enfim, é bom. Mas,
claro, a felicidade não pode ser comprada, às vezes ou frequentemente, quando se está escrevendo um romance, a obrigação de interromper a concentração, quando se está absorvido pela história, em vigília ou acordado, é ruim.

Seus livros já venderam mais de 3 milhões de exemplares em um país em que nos acostumamos a dizer que não se lê. Como o senhor chegou a esses números em uma nação de poucos leitores?
Não sei como esses livros venderam tanto, não faço ideia, as coisas não acontecem repentinamente. Estou com 71 anos, escrevo há praticamente cinco décadas, até mais na verdade, porque acho que meu primeiro conto foi publicado quando eu tinha 17 anos, em 1958, não tenho certeza. Mas, de qualquer forma, são 50 anos. Então nada acontece subitamente.
Para quem tomou conhecimento de minha existência agora, parece que as coisas aconteceram rápido. Para quem lê biografias também. Fulano de tal nasceu em tanto de tanto de tanto, aos 18 anos ingressa na faculdade de tal, forma-se... Mas o que tem no meio do caminho as pessoas não leem, parece tudo fácil, uma transição não traumática. Enfim, eu não sei, não aconteceu de repente, então, nunca houve impacto. Sempre gostei que meu livro vendesse, mas nunca fui um sucesso estrondoso, acho eu. Aliás, acho não, nunca fui. Então, já tive livros que ficaram muitos anos em listas de mais vendidos — mas não estourando. Tenho essa sensação, que estouro nunca fui. Mas talvez por eu escrever em jornal, isso me popularize um pouco, amplie o número de leitores, não sei explicar.

Além das vendas expressivas de seus livros, seu romance mais famoso, Viva o povo brasileiro, é um tomo de setecentas páginas, com uma narrativa entrecortada que conta quatro séculos da história baiana. Certamente não é a sinopse de um previsível best-seller. Em sua opinião, por que o livro se tornou um clássico?
É, realmente, Viva o povo brasileiro é um livro considerado difícil. Não acho tanto assim, mas talvez, pelas circunstâncias do Brasil, seja um livro difícil. Não tenho muita condição de avaliar. Agora, acho um pouco prematuro chamá-lo de clássico. É um livro que repercute desde que saiu, portanto já está durando uns 30 anos, não tenho certeza. E até hoje é estudado, vende bem, é adotado em vestibulares, etc. Até tenho medo de os meninos ficarem com raiva de mim pelo resto da vida. Mas chamá-lo de clássico, acho um pouco prematuro, aliás, acho bastante prematuro.

A política é um traço marcante em sua literatura. De Sargento Getúlio a Diário do Farol, as ações dos personagens e as tramas sempre dão margem para uma leitura mais politizada. Há alguns anos, o senhor escreveu um ensaio sobre o tema, chamado Política. Depois de um período de repressão, mas também de bastante engajamento, hoje, com a democracia, tem-se a impressão de que viramos apolíticos. Em sua opinião, melhoramos ou pioramos nos últimos 30 anos em relação à nossa participação nas questões nacionais?
Acho que não estamos menos politizados, não. De certa forma, essa é uma pergunta muito complicada, porque envolveria uma conversa de horas ou dias, ou até mesmo um seminário sobre as contradições e os enigmas brasileiros de que nós sempre ouvimos falar e que nunca conseguimos destrinchar, nunca conseguimos compreender, por mais que grandes interpretes tenham tentado, como Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre. Mas nós, até hoje — é meio deprimente constatar isso —, nos comportamos muito mais como súditos do que como cidadãos.
Nos acostumamos, inclusive, à tutela do governo, a aspirarmos ao funcionalismo público no sentido mais lato da palavra, como segurança e garantias de benefícios muitas vezes descabidos e não encontradiços em outros países. Nós aprendemos a ser apáticos, dominados e a ter pouco senso de comunidade, ou seja, pouco senso de interesse coletivo. Nós temos uma formação que eu não sei de que buraco saiu, não tenho vontade de fazer grandes análises, mas temos uma tradição, até hoje presente, com pequenas variações, aqui e ali, de individualismo.

O senhor costuma dizer, assim como seu colega Luis Fernando Verissimo, que escreve por dinheiro. Muitos autores acham isso um sacrilégio. Esse tipo de postura denota certa falta de profissionalismo de nossos escritores?
Acho que pouca gente hoje tem essa opinião. Porque se escrever por dinheiro não tivesse importância, então só podiam escrever aqueles que tivessem recursos suficientes para dedicar seu lazer à obra literária, ou seja, escreveria quem pode, de certa maneira isso seria uma coisa discriminatória. Não conheço nenhum contemporâneo que, como aqueles poetas russos da União Soviética, como [Yevgeny] Yevtushenko, que era extraordinariamente popular, viva da poesia. Mas no mundo todo, os poetas são geralmente professores universitários, bibliotecários, enfim, exercem outras profissões porque a poesia não costuma dar camisa a ninguém. Mas os escritores de ficção, de prosa em geral, são cada vez mais remunerados, embora haja agora esses problemas de direito autoral por causa da internet, mas isso já é outra conversa. Também não acho que é falta de profissionalismo não, porque acho que cada vez mais há essa consciência dos escritores de que eles têm que ser pagos, não é nenhum favor.

Mas há certo preconceito com livros feitos por encomenda, não?
Quando digo que escrevo por dinheiro, em primeiro lugar, estou seguindo uma tradição e uma norma. Norma não, mas um exemplo, digamos assim, muito dignificante, porque foi assim que viveu [Charles] Dickens, foi assim que viveu [Honoré de] Balzac, foi assim que viveu Walter Scott. As pessoas acham que encomenda é uma coisa aviltante, quando, na verdade, a encomenda é regra. Sempre lembro isso, toda a arte da Renascença foi feita por encomenda dos mecenas da época, pelos papas, pelos homens fortes das várias repúblicas e ducados e outros tipos de organização política em que se dividia a Itália antes da unificação. Isso é uma tradição meio atrasadinha do Brasil, que já está saindo disso. É uma tradição meio romântica, e meio inspirada em tragédias chorosas, sejam escritas, sejam no cinema ou teatro, em que sempre tem aquele poetazinho tuberculoso definhando numa água furtada úmida, num frio horroroso e morrendo aos 23 anos, deixando a desiludida amada, aliás, a ingrata amada, melhor ainda, casada com um fidalgo de boas posses. Na realidade, escritor, como qualquer pessoa, gosta de dinheiro e quer.

O romance Liberdade, do escritor Jonathan Franzen, tem feito sucesso por, supostamente, ser um livro-mural, que resgata a estratégia de romancistas clássicos como Tolstói e constrói um painel de nossa época (os anos 1990 e 2000, principalmente). Entre as várias discussões que o romance suscitou, uma se refere à falta de romances similares no Brasil. Acha que faltam livros com esse tipo de ambição — como é Viva o povo brasileiro — em nossa história literária?
Não li esse romance. Tenho um problema, porque fico lendo as mesmas coisas o tempo todo, meu pai dizia que isso era um claro sintoma de loucura. Às vezes, passo lendo as mesmas páginas, dos mesmos autores, durantes meses. Então é como se eu não tivesse tempo de ler esses negócios. Acredito, também, que não ia ficar muito fascinado com esse livro. As pessoas não acreditam, mas já contei essa historia várias vezes, a gênese de Viva o povo brasileiro surgiu de um encontro casual que tive com Pedro Paulo de Sena Madureira, que na época trabalhava na Nova Fronteira, que era minha editora. Ele brincou comigo, estava saindo o Vila real [romance de João Ubaldo publicado em 1979] e ele falou assim: “vocês, escritores brasileiros, só escrevem esses livrinhos fininhos para ler na ponte aérea, que a gente traça num instante”. Aí brinquei com ele: “agora você vai ver, vou fazer um livro grosso”. A primeira coisa que pensei, claro, não foi fazer Viva o povo brasileiro, que eu não tinha na cabeça, mas fazer um livro grosso. Talvez, então, inconscientemente, eu tenha passado desse dia em diante, a construir na cabeça, sem notar, sem saber, um livro grosso, que viria a ser Viva o povo brasileiro. Mas eu não sei se faltam livros com esse tipo de edição, não sei se eles são necessários, não acompanho essas coisas.

Ainda sobre essa questão da identidade como tema de nossa ficção, o senhor consegue perceber a influência de Viva o povo brasileiro em livros que vieram depois dele?
Acho que influência mesmo, não. Tem um livro [Um defeito de cor, da autora mineira Ana Maria Gonçalves], que é enorme, acho que até maior que o Viva o povo brasileiro, em que aparecem personagens meus. Evidentemente, tomei isso como uma homenagem, uma citação, não como plágio, porque ela fala, se não me engano, em Amuleto, que é personagem meu, fala no barão de Pirapuama, que também é inventado por mim. Mas isso não chega a ser uma influência. De resto, eu nunca notei nada não, acho que nunca influenciei ninguém.

Um fato interessante em sua carreira é que o senhor traduziu uma de suas obras, Sargento Getúlio, para o inglês. Qual é a história por trás desta tradução: foi falta de confiança nos tradutores estrangeiros ou algo inusitado?
Não, eu traduzi dois. O Sargento Getúlio foi o primeiro livro traduzido, é uma história muito comprida, mas acabou batendo em uma editora que, acho eu, nem mais existe, a Houghton Mifflin, de Boston, uma editora respeitada, mas que fechou. Fechou não, foi absorvida por outra, sei lá. Essa editora encomendou uma tradução, aí me mandaram as 30 primeiras laudas, e estava uma coisa terrível. Então, como era meu primeiro livro no exterior, e logo nos Estados Unidos, após assinar o contrato com eles, choveram propostas do mundo todo para publicar o livro, e eu naquela empolgação, tinha 20 e poucos anos. Aí não resisti e me ofereci para fazer a tradução. Não tinha nenhum prestígio para eles pagarem um tradutor altamente qualificado, e assim mesmo era difícil de achar, porque aquele livro é difícil até para muitos brasileiros, quanto mais para um americano, mesmo que saiba bem português. Aí fiz a tradução, foi terrível, mas fiz. Em seguida, por uma razão semelhante, fiz a tradução de Viva o povo brasileiro. Não se achava tradutor para aquilo, e meu agente, que é muito amigo meu, Thomas Colchie, me convenceu que talvez eu fosse a única pessoa capacitada a traduzir aquilo, e aí acabei traduzindo, mas não gosto não. Passei mais tempo traduzindo o Viva o povo brasileiro do que escrevendo o romance.

A vida literária hoje se intensificou. Os escritores quase não param: são convidados para bate-papos, escrevem para jornais e revistas e participam de programas de TV. O senhor certamente foi afetado por esse assédio. Como se organiza para que sua vida de escritor não se torne um problema para a criação?
Recebo de um a dois convites por dia, e tem uns que tenho vergonha de recusar, mas é humanamente impossível. Humanamente impossível não, é até desumanamente impossível, enfim, é terrível, as pessoas não compreendem, ficam ofendidas quando recuso, insistem, insinuam discriminação, dizem que eu só quero ir à Europa ou a grandes centros, ficam chateadas. Hoje mesmo me enviaram uns dois convites, um de Ribeirão Preto e o outro de Pernambuco. E este ano, o grande Jorge Amado, meu compadre e amigo, faria 100 anos, e aí eu não posso recusar uma porção de convites para comparecer a eventos, em reverência à memória dele.
Vou viajar pelo mundo todo, com exceção do Japão e da China — lugares que tenho certa relutância de ir —, mas à Europa eu com certeza vou. Mas isso é complicado, no ano passado não consegui escrever, e neste ano também não vou conseguir. O romance, se a gente deixar, abandonar, na volta desanda, perde-se o livro. Quem me ensinou essa expressão foi o Rubem Fonseca, que é muito amigo meu. E ele tem toda razão. No ano passado, escrevi não sei quantos começos de romance, desandou tudo, era uma interrupção atrás da outra. No ano que vem, acho que vou ter que me esconder.

Recentemente o senhor disse que não gosta do “papo literário”. Em outras palavras, a literatura é fascinante, o que estraga são os escritores (quando resolvem falar fora de seus livros, em suas confrarias)?

O papo literário a que eu me refiro não é o papo com escritor, é papo com amador. Não que eu tenha algo contra, evidentemente que não, mas essa chatice raramente ocorre com profissionais. Por exemplo, não entra na cabeça de algumas pessoas que eu não tirei da vida real aqueles personagens, ou como diz aquela expressão que eu detesto, que me inspirei em alguém. É que acontece o seguinte: se meus personagens são verossímeis, é natural que eles sejam parecidos com alguém. Se estou caracterizando um personagem pão-duro, muita gente se enquadra nesse perfil. Daí porque conhecem alguém de Itaparica, ficam falando isso.
É um saco, insuportável. Outra coisa que acontece é gente que fica alugando para sugerir assuntos. A pessoa não compreende que não sai dessa forma, não vem de fora para dentro. É uma maneira meio barata de se dizer, mas não me resta outra maneira de dizer. Então, ficam dizendo “você podia escrever sobre não sei quem”. Ou acham que eu recolho histórias.

Um de seus livros de crônicas, O rei da noite, é quase todo inspirado em causos de sua época de boemia. Mas há muitos anos o senhor não bebe mais. Nesses anos de abstinência, o escritor João Ubaldo chegou a sentir saudade da bebida? Ou seja, a bebida, como tema, lhe faz alguma falta?
Não. Passei não sei se 11 ou 12 anos sem beber, não bebia absolutamente nada. Hoje não tenho mais vontade de beber uísque. Mas antes, só não bebia dormindo, mas bebia o tempo todo. Mas de um tempo em diante começou a me prejudicar de uma forma avassaladora, daí parei. Quer dizer, não foi fácil, não foi num estalar de dedos, foi aos trancos e barrancos, mas acabei parando. E fiquei 12 anos sem tocar em álcool. Hoje, não tenho vontade nenhuma de beber como bebia antigamente, a mínima vontade, nem conseguiria. Mas nos fins de semana, às duas da tarde de sábado e às duas horas no domingo, me junto com minha turma de boteco aqui no Rio, que por acaso não tem literato nenhum — podia ter também, não sou contra a presença de gente do mesmo ramo, mas não tem literato nenhum. Aí eu tomo de quatro a seis chopes, acho eu, no sábado, e outros quatro a seis no domingo. De resto, não me faz falta não. Também não sou mais notívago.
Mas isso, claro, também é da idade. Vivo dentro de casa, não gosto de sair, estou casado há 30 e poucos anos, eu e minha mulher nos damos muito bem, conversamos muito, batemos papo, e aí não posso mais ser chamado de boêmio.

Seus livros foram traduzidos para vários idiomas, mas nossa literatura ainda é pouco lida fora, no mercado de língua inglesa, principalmente nos Estados Unidos. Como tem sido a recepção de seus livros fora do país? Quais são os lugares em que sua literatura é mais aceita?

A recepção dos meus livros, criticamente, geralmente é boa, com exceção do Viva o povo brasileiro nos Estados Unidos. O Viva o povo brasileiro já nasceu um pouco errado, porque não se pagam as resenhas pelo número de páginas do livro, então acho muito compreensível que um americano, numa quinta-feira em Nova York receba, para escolher para resenhar, vamos dizer, oito livros, só podendo resenhar um. Ele olha aquele tijolo — vindo de um país cuja capital é Buenos Aires e onde se fala também francês — e na sua mesa tem outro livrinho ótimo, de um alemão fantástico que está na moda em Berlim, de 180 páginas. Você acha que ele vai encarar as 700 páginas do Viva o povo brasileiro? O pagamento é igual, então ele não encara. E, além de tudo, não gostaram do livro. Enfim, meus livros nos EUA não fizeram o mínimo sucesso, inclusive o New York Times Book Review deu uma esculhambada no romance, o que fez o deleite de muitos brasileiros. É engraçado isso, de vez em quando alguém me dizia assim, com uma cara compungida, “seu livro foi esculhambado no New York Times, que coisa”. Eu ouvi isso umas três ou quatro vezes e aí elaborei uma respostinha. Quando sentia essa hostilidade velada, esse veneno quase explícito, eu dizia “é verdade, mas e você, quantas vezes foi esculhambado no New York Times?” Dá um certo status. Mas, engraçado, meus livros se dão muito bem em países nórdicos. Na Holanda, já ganhei até prêmio, homenagens, saiu praticamente tudo que escrevi, em varias edições. Viva o povo brasileiro lá, que se chama Brazilië, Brazilië, sai reeditado praticamente todo ano, o que é uma coisa raríssima. Um dos personagens do livro, o caboclo Capiroba, meu personagem antropófago, acha muito melhor comer holandeses de que comer portugueses e espanhóis. Prefere muito a carne holandesa, e os holandeses adoram essa historia deles serem mais gostosos para comer, literalmente, do que os portugueses e espanhóis, de quem, aliás, eles nunca gostaram. Na Alemanha também, meus livros são bastante editados e lidos. Na França, sou conhecido pelo mundo acadêmico, editado prestigiosamente pela Gallimard. Enfim, minha obra está no mundo todo, está na Europa inteira, acho que só não na Grécia e no leste europeu. Mas os lugares onde meus livros são mais aceitos são Alemanha e Holanda e, criticamente, na França.

O senhor foi amigo de Glauber Rocha e é uma das principais fontes de A primavera do dragão — A juventude de Glauber Rocha, livro de Nelson Motta. O livro recebeu muitas críticas a respeito de erros sobre datas e nomes equivocados. Leu a biografia, o que achou?
Eu li mais ou menos o livro, o Nelsinho é amigo meu, gosto dele, já foi meu companheiro de viagem à Copa, em pelo menos uma ou duas, eu o conheço há muitos anos. Enfim, me dou muito bem com ele e ele realmente me ouviu sobre muita coisa. Ele misturou uns troços lá, mas acho que isso não é grave. Quer dizer, não sei, os meus contemporâneos, amigos do Glauber e meus também, ficaram indignados com o livro. Eu não fiquei. Passei os olhos, não li com muita atenção, mas ele cometeu uns enganos. Acho que ele queria fazer um retrato colorido da juventude de Glauber, onde esses detalhes não são tão essenciais quanto seriam numa biografia historiográfica com mais cuidados acadêmicos. Mas eu era amigo de Glauber, sou amigo de Nelsinho, quero paz, amor, essas coisas.

Aliás, o senhor fez parte da geração Mapa, que atuou na literatura, nas artes plásticas, no cinema e no teatro nos anos 1950 e 1960. O que mais o marcou nesse período, além de sua amizade com Glauber Rocha?
Fiz parte da geração Mapa, mas com reservas, porque nunca publiquei nada na revista Mapa, em nenhum dos dois números. Mas era amigo, sou amigo de todos, acho que muitos continuam vivos, graças a Deus. Era um período de grandes ilusões de juventude, período de efervescência cultural na Bahia, criação de escola de teatro, criação de seminários de música, colóquios internacionais, a Bahia era uma festa cultural nessa época. Grande parte devido à ação do reitor Edgar Santos, que foi certamente o reitor mais notado da história da Universidade Federal da Bahia. Essa época é ainda época da juventude cheia de ilusões, de ideais, grandiloquente, às vezes radical, cheia de planos para o futuro, esperança, projetos, amores, leituras, debates, paixões, era um tempo bom, claro que era. Mas ter 71 anos também é bom.





Sargento Getúlio foi lançado em 1971 e ganhou o Prêmio Jabuti de 1972. Ambientado no Nordeste dos anos 1950, o romance narra a história de Getúlio Santos Bezerra, homem de confiança de um poderoso coronel de Sergipe, que precisa levar um preso político de Paulo Afonso até Aracaju.

Setembro não tem sentido é o primeiro romance de João Ubaldo Ribeiro, escrito quando o autor tinha pouco mais de 20 anos de idade, mas que já revela características que o consagrariam como mestre da literatura contemporânea.

Um brasileiro em Berlim é composto por 16 crônicas escritas durante os 15 meses em que João Ubaldo permaneceu na Alemanha. O livro aborda os estereótipos associados ao brasileiro como um povo sexualmente libertino e o contrapõe à sisudez, também estereotipada, do alemão, lembrando que na Alemanha a nudez pública é tratada com mais naturalidade do que em terras tupiniquins.

Viva o povo brasileiro se desenvolve em grande parte no século XIX, mas avança até 1977. Nele, realidade e ficção se misturam para criar um épico brasileiro com passagens heroicas e cômicas, tendo como pano de fundo momentos decisivos para a história do país, como a Revolta de Canudos e a Guerra do Paraguai

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