domingo, 27 de julho de 2014

EVACUEM ESSA ÁREA !!!!!!

Câmbio Negro HC., pioneira banda punk/Hard Core recifense, já tinha 7 anos de formada quando conseguiu, finalmente, gravar e lançar, em 1990, seu primeiro LP, "O Espelho dos deuses". Que foi, também, o primeiro disco (EM VINIL) de Hard Core lançado por uma banda nordestina ... 

Eram outros tempos, claro. Tecnicamente, ainda estávamos na década de oitenta do século passado. Nada de internet e todas as facilidades de gravação e comunicação que temos hoje em dia. Tudo era feito na raça, na base da força de vontade pura e simples. O disco, lançado de forma independente pela banda, sem nenhum suporte de gravadora, foi totalmente produzido no Recife e é uma verdadeira pedrada! A potencia de sua sonoridade permanece, mesmo quando ouvido hoje, tanto tempo depois. É um clássico, portanto. Não fosse um produto de "fora do eixo" - de um tempo em que o termo ainda não havia sido apropriado por entidades de procedência e finalidade duvidosa - constaria, sempre, de todas as listas, ao lado de outros clássicos do cancioneiro punk nacional, como os discos do Cólera, coletâneas como "Sub" e "crucificados pelo sistema", do Ratos de Porão.

Ratos de Porão é, aliás, a influência mais óbvia, até mesmo pela presença do vocalista "Pesado", que não tinha esse apelido por acaso. Seu som era, no entanto, bem mais elaborado - do que o do Ratos dos primórdios. Graças, principalmente, à excelência de seus músicos, o guitarrista Pedrito, o baixista Ricardo "Paredes", e Nino, na bateria. Pesado tinha um vocal bastante característico, potente sem ser gutural ou excessivamente gritado. E o mais importante: eles sabiam COMPOR! As músicas são todas ótimas, com refrões fortes e um excelente senso de ritmo e melodia. Nas letras, o de sempre: críticas às principais instituições que regem o destino dos homens, como a igreja, o exército, a polícia e a política. Mas feitas de forma pensada, inteligente, sem o panfletarismo pueril presente em muitos de seus pares.

O disco tem pelo menos dois clássicos absolutos do Hard Core nordestino, as músicas "Meu Filho" e "A Ordem". Dois verdadeiros "hits" subterrâneos - quem viveu a época e teve a oportunidade de vê-los ao vivo sabe a catarse que a frase "Evacuem essa área", berrada a plenos pulmões por Pesado depois da abertura com um riff básico porém pra lá de eficiente, provocava na audiência. Mas TODAS as faixas, sem excessão, são muito boas. Da "pancada" que abre o disco, "programados pra morrer", até o final, com "consciência inválida", passando por momentos antológicos e de forte apelo imagético, como na letra de "vaticano", que sentencia: "o vaticano late e o povo levanta as mãos pro céu". Ou em "O ecologista morto", um belíssimo libelo em memória de Chico Mendes - chega a ser arrepiante a intensidade com que seu nome é pronunciado na música, em tom de lamento e, ao mesmo tempo, exaltação.

A Câmbio Negro gravou um segundo disco - "Terror nas ruas" - mais bem produzido - por Redson, do Cólera - porém mais fraco, irregular, dois anos depois. Depois, só mais uma demo-tape, "De volta às ruas", de 1997, que parecia prenunciar bons ventos para o futuro. Prognóstico que, infelizmente, não se confirmou. A banda acabou pouco tempo depois. De vez em quando ensaiam uma volta, mas nada de concreto até o momento. Uma pena. Deixaram, no entanto, uma herança poderosa que segue viva na memória de todos, personificada, principalmente, nas 14 músicas que integram seu primeiro álbum.

por Adelvan

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