domingo, 20 de julho de 2014

A Farra do Circo

A farra continua ...
A imagem ao lado é recente e retrata uma típica noite de rock no Circo Voador, lendária casa de espetáculos carioca cravada ao lado dos arcos da lapa. Tem muita história. Está em cartaz, nos cinemas – em Aracaju no Cine Vitória, simpática sala com uma programação diferenciada, alternativa, localizada na Rua do turista, no centro da cidade – um precioso resgate do início, revolucionário, dessa história ...

“A Farra do Circo”, documentário dirigido e magnificamente montado por Pedro Bronz e Roberto Berliner inteiramente a partir de fotos e imagens em VHS filmadas por este último na época – 1982 a 1986 –, nos dá a perfeita dimensão do que foi aquela verdadeira versão brasileira do “verão do amor”, quando uma trupe de malucos resolveu montar um circo cultural libertário e anárquico em plena praia do arpoador. Foram expulsos, mas se transferiram para o bairro boêmio da Lapa e estão lá, até hoje.

Foi importantíssimo para o surgimento e fortalecimento da geração anos 80 do rock nacional, mas sua proposta ia muito além. Sempre teve de tudo, no circo, e o filme deixa isso muito claro, com trechos de apresentações de Alceu Valença, Paralamas do Sucesso – tocando “Veraneio Vascaína”, do Aborto elétrico, depois gravada em disco pelo Capital Inicial -, Dercy Gonçalves, Barão Vermelho, Caetano Veloso, Sergei, Orquestra Tabajara, Blitz, Eduardo Dusek, Claudio Zoli e João Penca e seus Miquinhos Amestrados (com Leo Jaime na formação). Registra também a colaboração dos hoje consagrados Gringo Cardia e Deborah Colker, além da realização de recitais de poesia com Chacal e Paulo Leminsky e apresentações de diversos grupos de dança e teatro, dentre eles, e principalmente, o Asdrúbal trouxe o trombone, mítica trupe que revelou Evandro Mesquita, Luiz Fernando Guimarães e Regina Casé – que aparece, inclusive, numa das cenas, com deliciosos e durinhos peitinhos à mostra, em cima do palco ...

Ratos no circo ...
A nudez é freqüente e tratada com naturalidade – muito embora, em determinados momentos, a platéia se mostre surpresa, como quando Andréa Beltrão anuncia um streap tease e, para supresa de todos, rola mesmo, um streap tease. Não dela. Interessante também notar como os tempos eram outros, em termos de exigências quanto à segurança nos espetáculos: em vários momentos o circo é mostrado nitidamente superlotado, como num show de Gilberto Gil que parte do publico assiste perigosamente empoleirado nos diversos andaimes que sustentam o teto. Impossível não traçar um paralelo com os dias atuais, até mesmo porque um dos trechos mais interessantes é justamente o que mostra o conflito que se instaurou entre a trupe, convidada para a Copa do México de 1986, e algumas das instituições patrocinadoras do evento – a coca-cola e a prefeitura da Cidade de Guadalajara. Elas prontamente retiraram o patrocínio ao se chocar com o caos criativo porém anárquico e desorganizado protagonizado por Perfeito Fortuna e seus asseclas. Seu depoimento sobre o episódio é emblemático e merece ser reproduzido:

“Esse lance da gente com as empresas, multinacionais, toda a coisa de patrocinador, a gente nunca se entendeu direito, a gente nunca combina, pois são ideologias muito diferentes. É verdade. A gente não está atrás da grana. A gente é mais um risco no papel, não sabe direito o que vai acontecer no fim. Então é evidente que a gente não dá o resultado esperado, tudo certinho no papel. A gente tem prazer, e as organizações não têm a volta desse prazer. Então elas não estão erradas: a gente quer uma coisa, tem um objetivo, e elas têm outro. Estou totalmente de acordo que elas tenham saído fora. De verdade, acho mesmo, acho certo. A gente não vai dar aquilo que elas querem. O Circo Voador é uma energia que está no ar. Por mais que tirem nosso tapete, a gente nunca cai, porque a gente voa, ou a gente cai na nossa mãe, que é a Terra, que está voando, num salto no vazio, um salto pro desconhecido, que é o que nos interessa, não interessa fazer o que a gente já sabe.”

O filme não tem narração. Não precisa. A história é bastante conhecida. Só faltava mesmo o que está lá: ver, finalmente, as imagens – toscas, em termos de qualidade técnica, é verdade, mas bem filmadas, de forma dinâmica e com enquadramentos inventivos, por Roberto Berliner. De todo aquele povo criativo e feliz fazendo arte sem amarras, sem barreiras estéticas, culturais ou morais.

Ao final, Perfeito Fortuna anuncia para o domingo seguinte a presença de Agnaldo Timótio, não sem antes lembrar a todos que no dia seguinte Raul Seixas se faria presente.

Antológico!

Clique AQUI para ler meu relato sobre a primeira e, por enquanto, única vez em que estive no Circo Voador ...


Informações Técnicas
2014 | 01:34:00
Créditos:
Direção Pedro Bronz
produção executiva Rodrigo Letier
montagem Pedro Bronz, edt
coordenação de produção Lorena Bondarovsky e Leo Ribeiro
pós-produção Anna Julia Werneck
imagens Roberto Berliner
pesquisa Patricia Pamplona
finalização de imagem Hebert Marmo
edição de som e mixagem Denilson Campos

co-produção Canal Brasil
patrocínio SEC/RJ e Riofilme
apoio Pavê

A.

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