segunda-feira, 9 de junho de 2014

COMBATE NAS TREVAS

ALN (Ação Libertadora nacional), ANL (Aliança Nacional Libertadora), AP (Ação Popular), AP- ML (Ação Popular Marxista-Leninista), COLINA (Comando de Libertação Nacional), DI (Dissidência), MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), MOLIPO (Movimento de Libertação Popular), MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), OCML-PO (Organização de Combate Marxista-Leninista – Política Operária), ORM-POLOP (Organização Revolucionária Marxista – Política Operária), PCB (Partido Comunista Brasileiro), PCdoB (Partido Comunista do Brasil), PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), PCR (Partido Comunista Revolucionário), PRC (Partido Revolucionário Comunista), POC (Partido Operário Comunista), POLOP (Política Operária), POR (T) (Partido Operário Revolucionário (Trotskista), PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores), TL (Tendência Leninista), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e VAR – Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares).

Atire a primeira pedra quem nunca ficou perdido em meio e esta sopa de letrinhas com a qual nos deparamos sempre que entramos em contato com a História da resistência à Ditadura militar no Brasil. A oportunidade para um melhor esclarecimento de seu significado e importância no contexto histórico está posta agora, com a reedição, via Editora da Fundação Perseu Abramo, em conjunto com a Editora Expressão Popular, do mais importante livro a enfocar a luta armada no período: “Combate nas Trevas”, de Jacob Gorender.

Militante do PCB por quase três décadas, Gorender rompeu com o “Partidão” logo após o golpe de 1964 por discordar de sua atitude passiva e conciliadora frente ao regime. Pensador autônomo, avesso a cartilhas esquemáticas, ajudou a fundar, com Mario Alves e Apolônio de Carvalho, o PCBR, uma espécie de meio termo entre o PCB, situado então à direita no espectro polítco, e o stalinismo – então flertando com o maoísmo – do PCdoB. Sempre esteve imerso na luta e, portanto, não fez nem nunca pretendeu fazer um livro “isento”. Seu ponto de vista perpassa toda a narrativa, com duras críticas aos rumos tomados por seus antigos companheiros, especialmente Prestes, cuja personalidade autoritária e egocêntrica é duramente dissecada, e Amazonas e Grabois, os dois principais líderes do PCdoB, presos, a seu ver, a uma ortodoxia cega e ao mesmo tempo contraditória, ora pendendo para o maoismo, o que resultou na guerrilha do Araguaia, ora voltando ao stalinismo, quando declararam a Albania o último bastião do verdadeiro socialismo. Sobrou até para Jorge Amado, implacavelmente defenestado num dos capítulos por conta do não reconhecimento de uma injustiça de sua parte cometida no livro “Os subterrâneos da liberdade”, escrito quando ainda pensava sob a égide da ilusão stalinista.

Isto não significa, no entanto, que o conteúdo do livro seja maculado por sua visão de mundo. Muito pelo contrário: para além das muitas discordâncias, Gorender, justamente por não ter um pensamento bitolado e dogmático, nos ajuda imensamente, em "Combate nas Trevas", na difícil tarefa de entender os impulsos e motivações por trás dos “rachas” que originaram tantas facções distintas, situando-os no contexto histórico e analisando as forças que atuavam na disputa pelos corações e mentes dos jovens brasileiros envolvidos na resistência. Explica, por exemplo, a diferença entre o “foquismo”, irradiado a partir de Cuba e adotado aqui, a princípio, pelo MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), liderado do exílio por Leonel Brizola, e posteriormente pela ALN de Marighella e pela VPR de Carlos Lamarca, e o maoismo, adotado pelo PCdoB. No primeiro, a idéia era a de que um grupo guerrilheiro isolado no campo seria capaz de deflagrar a revolução, mesmo sem contar com o suporte de um partido político organizado ou um trabalho prévio de inserção na população. Trabalho este essencial sob o ponto de vista dos maoístas – daí o longo processo de preparação para a guerrilha desenvolvido pelo PCdoB antes da luta em si. São diferenças aparentemente pequenas, mas que resultavam em grandes discussões e infinitas divisões, dada a urgência do momento.

Vale ressaltar que o trabalho de Gorender vai além de suas impressões sobre o que viveu e viu: é também baseado numa vasta pesquisa em livros, documentos de organizações e na realização de dezenas de entrevistas, tudo devidamente relacionado ao fim de cada capítulo. Um trabalho de fôlego, portanto, mas que é apresentado de forma didática num texto fluente e de aprazível leitura, o que é fundamental para que possamos percorrer com maior clareza os labirintos criados por estruturas naturalmente obscuras, pois atuavam na clandestinidade. Não é por acaso que é considerado, até hoje, a principal obra de referência sobre o assunto.

Parabéns aos responsáveis pela reedição num momento tão oportuno, quando, em meio à passagem dos 50 anos do Dia da grande mentira, o acirramento da luta de classes, natural em momentos de crise – e a que vivemos é considerada por muitos a maior desde 1929 – nos leva a uma polarização perigosa, em que vicejam a desinformação e um revisionismo histórico canhesto que faz com que muitos, deliberadamente ou por pura ignorância, tendam a reabilitar o regime autoritário e colocar os carrascos na posição de vítimas.

Jacob Gorender faleceu no ano passado, aos noventa anos.

Faz Falta.

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