Cheguei por volta das 19:30 e o saguão do Museu já estava
tomado de gente, com o público embalado por um trio de forró “pé de serra”, na
tradicional formação minimalista de sanfona, triângulo e zabumba. A exposição
estava bonita, muito bem arrumada e interativa, com um design gráfico sóbrio, elegante
e bastante informativo, muito embora um tanto quanto carente de objetos –
haviam apenas alguns discos, troféus, o disco de ouro recebido por “Prenda o
Tadeu” e o vestido usado na noite em que foi homenageada no Forrocaju e no Fórum
de Forró. A animação já era grande, mas ficou ainda maior com a chegada de um
grupo de senhoras extremamente animadas e devidamente paramentadas para um “reisado”.
Fizeram uma apresentação empolgante e dinâmica, unindo-se ao trio na
interpretação de canções do repertório da homenageada.
Minha maior expectativa, no entanto, era com relação ao
filme. Havia visto a versão em curta metragem exibida no Festival da Secult e,
mesmo reconhecendo as inúmeras falhas, senti que tudo poderia fazer mais sentido
quando fui informado que aquela era, na verdade, uma espécie de prévia para um
longa metragem. Estava certo: exibido para um auditório lotado, “Morena dos
olhos pretos” me emocionou ao contar de forma passional e didática, sem grandes
arroubos estilísticos ou tentativas de inovação narrativa desnecessária, a história
dessa alagoana “arretada” que deixou sua terra natal no porão de um navio aos
23 anos, em 1960, e foi parar no Rio de Janeiro, onde se tornou uma “piolha de
rádio”: era freqüentadora assídua das apresentações transmitidas ao vivo a
partir do auditório da Radio Mayrink Veiga. Sentada sempre na primeira fila,
acabou chamando a atenção de Raimundo Nobre de Almeida, diretor de um programa de
grande audiência, “Crepúsculo sertanejo”, que um dia perguntou se ela cantava.
Ela disse que sim, subiu ao palco e cantou. Impressionou Gerson Filho,
sanfoneiro aclamado como o “Rei dos oito baixos”, que fazia outro programa
chamado “Esse Norte é de morte”. Acabaram virando parceiros na vida e na arte e
vindo parar em Aracaju, onde tinham uma música, “Rodêro Novo”, “estourada”. Criaram
um programa de rádio – depois “exportado” para a TV – de grande sucesso, “Forró
no Asfalto”, cujo nome foi “surrupiado” de outro produzindo no Rio pelo
compositor Gordurinha – que foi informado e não se incomodou, já que era feito
em outro estado – e por aqui ficaram, tornando-se verdadeiro patrimônio da música
e da cultura popular sergipana.
No filme somos apresentados a essa história fascinante através
de imagens de arquivo e entrevistas com especialistas, além de depoimentos de
artistas consagrados que conviveram com Clemilda: Erivaldo de Carira, Amorosa, Anastácia,
Genival Lacerda, Sandro Becker e Alcymar Monteiro, este último o autor de “Prenda
o Tadeu”, seu maior sucesso. Seu depoimento sobre o fato é hilário: “Na época
eu tava passando o maior perrengue em São Paulo, quebrado, dormindo no porão de uma
pensão, e acabei entregando o ouro de mão beijada”. Igualmente engraçados – e emocionantes
– são os relatos do também alagoano Sandro Becker, com quem ela dividiu, em
parceria, um bizarro projeto de releituras “pop” de suas obras no qual, para as
fotos de divulgação, teve que se ajustar ao figurino de Madona “sadomasô”.
Afora uma ou outra deficiência técnica – o áudio da
entrevista com Becker, por exemplo, está terrível – o filme cumpre com louvor
sua missão de resgatar para as novas gerações a luta desta verdadeira guerreira
da cultura popular. Se encerra com um silencio emocionado de seu filho,
comovido com a situação atual da mãe, que sofre dos males da idade avançada e
convalesce de um AVC e de complicações com a osteoporose, e com um engraçadíssimo
“sketch” de “Os Trapalhões” onde Renato Aragão faz o papel de Tadeu.
A exposição continua em cartaz. Vá ver. E aproveite
para comprar o CD com a trilha sonora do filme, que tem seus maiores sucessos. A
renda da venda será revertida para o custeio das despesas com o tratamento médico
de nossa rainha do forró.
VIVA CLEMILDA!
Ela já é imortal ...
A
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Esse texto, partindo de você, um propagador do rock, cumpre a tarefa de enfatizar o quanto os estilos musicais podem ser definidos, segundo os diversos elementos e a atender gostos, porém, a Música, enquanto expressão universal, e seus autores – para ser admirados e respeitados não pode existir fronteiras. Parabéns.
ResponderExcluirisso é o que chamo de crítica in loco...vc foi lá, viu e expressou... massa, querido!
ResponderExcluiro texto tá delicioso...
beijos!