quinta-feira, 19 de junho de 2014

Talco no museu ...

O Aniversário de 50 anos de carreira de Clemilda, nossa maior “forrozeira”, foi comemorado ontem em grande estilo no Museu da Gente Sergipana, com o lançamento de uma exposição em sua homenagem e da versão em longa-metragem de “Morena dos Olhos pretos”, documentário dirigido por Isaac Dourado. Eu estaria mentindo se dissesse que sou um grande conhecedor e apreciador de sua música, porque não sou. Mas a época em que ela, Genival Lacerda, Zenilton e Sandro Becker, dentre outros, faziam sucesso no rádio com o então chamado “forró safado”, aquele com letras de duplo sentido em que muitas vezes se fazia um verdadeiro malabarismo lingüístico e até mesmo geográfico apenas para que se pudesse proferir um palavrão (“A capital do Equador/É Quito/Nunca Mudou/Foi sempre Quito”) foi parte marcante de minha infância. Além disso, admiro sua personalidade forte e batalhadora. Por isso fiz questão de prestigiar a festa.

Cheguei por volta das 19:30 e o saguão do Museu já estava tomado de gente, com o público embalado por um trio de forró “pé de serra”, na tradicional formação minimalista de sanfona, triângulo e zabumba. A exposição estava bonita, muito bem arrumada e interativa, com um design gráfico sóbrio, elegante e bastante informativo, muito embora um tanto quanto carente de objetos – haviam apenas alguns discos, troféus, o disco de ouro recebido por “Prenda o Tadeu” e o vestido usado na noite em que foi homenageada no Forrocaju e no Fórum de Forró. A animação já era grande, mas ficou ainda maior com a chegada de um grupo de senhoras extremamente animadas e devidamente paramentadas para um “reisado”. Fizeram uma apresentação empolgante e dinâmica, unindo-se ao trio na interpretação de canções do repertório da homenageada.

Minha maior expectativa, no entanto, era com relação ao filme. Havia visto a versão em curta metragem exibida no Festival da Secult e, mesmo reconhecendo as inúmeras falhas, senti que tudo poderia fazer mais sentido quando fui informado que aquela era, na verdade, uma espécie de prévia para um longa metragem. Estava certo: exibido para um auditório lotado, “Morena dos olhos pretos” me emocionou ao contar de forma passional e didática, sem grandes arroubos estilísticos ou tentativas de inovação narrativa desnecessária, a história dessa alagoana “arretada” que deixou sua terra natal no porão de um navio aos 23 anos, em 1960, e foi parar no Rio de Janeiro, onde se tornou uma “piolha de rádio”: era freqüentadora assídua das apresentações transmitidas ao vivo a partir do auditório da Radio Mayrink Veiga. Sentada sempre na primeira fila, acabou chamando a atenção de Raimundo Nobre de Almeida, diretor de um programa de grande audiência, “Crepúsculo sertanejo”, que um dia perguntou se ela cantava. Ela disse que sim, subiu ao palco e cantou. Impressionou Gerson Filho, sanfoneiro aclamado como o “Rei dos oito baixos”, que fazia outro programa chamado “Esse Norte é de morte”. Acabaram virando parceiros na vida e na arte e vindo parar em Aracaju, onde tinham uma música, “Rodêro Novo”, “estourada”. Criaram um programa de rádio – depois “exportado” para a TV – de grande sucesso, “Forró no Asfalto”, cujo nome foi “surrupiado” de outro produzindo no Rio pelo compositor Gordurinha – que foi informado e não se incomodou, já que era feito em outro estado – e por aqui ficaram, tornando-se verdadeiro patrimônio da música e da cultura popular sergipana.

No filme somos apresentados a essa história fascinante através de imagens de arquivo e entrevistas com especialistas, além de depoimentos de artistas consagrados que conviveram com Clemilda: Erivaldo de Carira, Amorosa, Anastácia, Genival Lacerda, Sandro Becker e Alcymar Monteiro, este último o autor de “Prenda o Tadeu”, seu maior sucesso. Seu depoimento sobre o fato é hilário: “Na época eu tava passando o maior perrengue em São Paulo, quebrado, dormindo no porão de uma pensão, e acabei entregando o ouro de mão beijada”. Igualmente engraçados – e emocionantes – são os relatos do também alagoano Sandro Becker, com quem ela dividiu, em parceria, um bizarro projeto de releituras “pop” de suas obras no qual, para as fotos de divulgação, teve que se ajustar ao figurino de Madona “sadomasô”.

Afora uma ou outra deficiência técnica – o áudio da entrevista com Becker, por exemplo, está terrível – o filme cumpre com louvor sua missão de resgatar para as novas gerações a luta desta verdadeira guerreira da cultura popular. Se encerra com um silencio emocionado de seu filho, comovido com a situação atual da mãe, que sofre dos males da idade avançada e convalesce de um AVC e de complicações com a osteoporose, e com um engraçadíssimo “sketch” de “Os Trapalhões” onde Renato Aragão faz o papel de Tadeu.

A exposição continua em cartaz. Vá ver. E aproveite para comprar o CD com a trilha sonora do filme, que tem seus maiores sucessos. A renda da venda será revertida para o custeio das despesas com o tratamento médico de nossa rainha do forró.

VIVA CLEMILDA!

Ela já é imortal ...

A

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2 comentários:

  1. Esse texto, partindo de você, um propagador do rock, cumpre a tarefa de enfatizar o quanto os estilos musicais podem ser definidos, segundo os diversos elementos e a atender gostos, porém, a Música, enquanto expressão universal, e seus autores – para ser admirados e respeitados não pode existir fronteiras. Parabéns.

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  2. isso é o que chamo de crítica in loco...vc foi lá, viu e expressou... massa, querido!
    o texto tá delicioso...
    beijos!

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