quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

André Teixeira, "gente que faz"

Eu quero acreditar que ninguém alcança a página 15 do Jornal do Dia por acaso. Se o leitor venceu as picuinhas políticas e a publicidade que sustenta esse diário; se num piscar de olhos saltou sobre os problemas citadinos para refrescar a vista com duas gotas de reflexão, certamente amargava uma sede autoritária, daquelas que se impõem exigindo satisfação imediata. Para esse mesmo leitor, eu tenho certeza, o nome de André Teixeira é mais do que conhecido.
Jornalista forjado na convivência com o objeto de sua atenção - a linguagem artística, independente de linguagens e segmentos -, Teixeira é responsável por dois dos blogs mais acessados da rede sergipana (Prog Cult e Lojinha dos Discos). Está certo que a frieza numérica dos contadores não é suficiente pra traduzir a qualidade ou a relevância de nenhum trabalho (quantos operários sangram, mutilados no escuro?), mas o trânsito de Teixeira entre os personagens da cultura local o credencia como uma voz digna de consideração.
No início do ano, Teixeira reuniu boa parte de seus escritos no livro Poe-mails - poemas paridos no meio ambiente digital. O trabalho está disponível para download no blog do cabra e proporcionou o diálogo reproduzida abaixo.
Jornal do Dia - A maioria das pessoas imagina que a poesia é uma atividade solitária. No prefácio de seu livro, contudo, você esclarece que os poemas reunidos no volume foram gerados a partir da interação proporcionada pelo meio ambiente digital (MSN, Skipe, GTalk, etc). Até que ponto a natureza controversa desse modus operandi está impregnada em seu trabalho?
André Teixeira - E é solitária sim! Quando você ri, o mundo ri com você. Quando chora, você chora só.
Poe-mails foi gerado, à exceção de três escritos, no meio ambiente digital. Além dos programas de mensagens instantâneas, interações por e-mail, scraps, mensagens, e as páginas do Overmundo e dos produtos culturais lá encontrados, toda essa comunicação foi espermatozóide e óvulo da poesia. Ou seja, as novas tecnologias da informação impregnam 100% da obra. Mas o modus operandi anda foi o velho encontro da mão com os espinhos, ainda que muitas vezes abstratos e subjetivos.
JD - Nesse mesmo prefácio, você aponta a influência da jornalista Ilma Fontes. Como se deu a sua aproximação com essa lenda viva da militância cultural sergipana? Porque a inteligência local é tão ingrata com os seus valores?
Teixeira - Rapaz, idos de 93, trabalhando na Columbia vídeo com Márcio André Andrade, então colaborador do jornal que me apresentou: O Capital, editorado por Ilma Fontes. De lá para cá foram vários encontros em épocas distintas. Em 2009 fui convidado para integrar o rol de colaboradores do jornal, papel que tenho pessimamente desempenhado. Mea culpa.
Devo a Ilma Fontes uma certa educação do olhar. De 1993 pra cá o Capital sofreu várias mudanças, mas o que lhe é perene é o comprometimento em documentar e manter vivos em muitos dos seus escritos o registro de uma cena, um recorte cultural transdiciplinar de Aracaju nesses 20 anos - e muitos outros venham! - de jornal.
Ilma é exemplo para cada um dos que querem escrever e mudar algo com seu escrito. Além da perseverança com que mantém o jornal de resistência ao ordinário, outro importante recorte é a curadoria mensal e registro dos artistas participantes das exposições na Assembléia Legislativa. Aliás, é ímpar esse bom trato que a ALESE dá à Cultura local no Espaço Cultural Djenal Queiroz.
Agora, saber por que a inteligência local é tão ingrata com os seus valores?... Talvez pela falta de uma visão mais holística, transdisciplinar, que vá além do próprio umbigo.
JD - Parece que o Overmundo foi fundamental na sua atividade poética. Depois do barulho inicial, quando a proposta de um sítio colaborativo, voltado exclusivamente para a cultura brasileira, ensaiou uma interferência muito positiva no ambinte artístico da terrinha, entretanto, a idéia caiu no esquecimento. Como explicar esse ostracismo? Na qualidade de blogueiro, você teria coragem de afirmar que o ambiente digital é o meio mais propício para a discussão sobre Cultura?
Teixeira - Do final pro começo: Afirmo que não só sobre a cultura, mas sobre todos os outros gêneros de atividades humanas. Mas não digo que deva se transformar num meio exclusivo. É apenas mais um meio para ampliar a conversação e democratizar a divisão dos pontos de vista, ainda que embole deveras o meio de campo.
O Overmundo teve uma campanha de auto promoção muito agressiva no início. Muitas interfaces de avaliação dos produtos culturais foram desenvolvidas e hoje qualquer um pode escrever e publicar. Mas não sou profundo conhecedor do trâmite legal do site. É explícito o pouco fluxo de postagens no site em relação a anos passados. Reversível? Acredito que sim. Mas tem muito trabalho para isso.
JD - O seu livro foi registrado sob a licença do Creative Comons. Como você avalia o recente recuo promovido pela ministra Ana de Holada, que retirou as licenças do Creative Comons, que permite o uso não comercial de conteúdo, do site do Ministério da Cultura?
Teixeira - Vejo como um recuo. A licença em Creative Commons é algo que dá vida à obra, independente do suporte. Permite que, legalmente, outra pessoa possa evoluir a obra. É uma perspectiva mais humana.
O primeiro livro de poesias que escrevi, Um nome a cada dia, tinha um registro na Biblioteca Nacional e uma autorização para distribuição viral (por e-mails, etc). Mas a política é meio que avançar dois passos e recuar um, dois, três... Enquanto a politicagem corre solta no jardim vizinho.
Não vejo com bons olhos essa ação.
JD - Quanto vale um por do sol para o poeta André Teixeira?
Teixeira - Ai depende de quanto ouro-prata possa ser brilhado no olho de quem vê. Um mar ou rio espelhados... Pássaros e sonhos com cerveja, camarões & lembranças frit@s. Se tiver uma lua cheia para equilibrar as marés... Tudo, mais cedo ou mais tarde, acaba sempre valendo o quanto pese na alma.
Rian Santos - riansantos@jornaldodiase.com.br

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