segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Plínio contra os pilantras

No último dia 26 de janeiro (dia de meu aniversário, aliás) esteve por aqui, em Aracaju, o ex-candidato do PSOL à presidência da republica, Plínio de Arruda Sampaio – para quem este blog fez campanha no primeiro turno. Veio lançar seu novo livro, “Por que participar da política?”, e falar sobre sua cruzada em favor do socialismo.

O evento ao qual compareci aconteceu no Sindiprev, na Rua Vila Cristina. Comprei o livreto (64 páginas apenas) e entrei na fila para que o autor o autografasse. No meio do caminho, aproveitei o ensejo para desvirtualizar uma amizade que começou via facebook e espero que continue no “mundo real”.

Na palestra, que foi aberta por uma explanação de um rapaz do PSOL sergipano que terminou com uma frase de Trotsky (“toda revolução parece impossível até que se torne inevitável”), Plínio, com sua costumeira empolgação, já começou lamentando que a conexão com o twitter não tenha funcionado, pois pretendia transmitir ao vivo o evento via twitcan. Diante dos risos de todos, ele se pergunta: “não sei porque eu provoco risos sempre que menciono o twitter”, e pôs-se a louvar o alcance de tal ferramenta de comunicação, capaz de conectá-lo a milhares, às vezes milhões de pessoas, com um simples clique. Para mostrar que não estava brincando, relembrou o episódio em que ele “bombou” por lá e ficou atrás apenas de Obama na contagem mundial de acessos do site. Uma ferramenta (eu diria que a internet em geral, não apenas o twitter) que está permitindo, aos poucos, que se fure o bloqueio levantado pelo monopólio da informação que se encontra nas mãos da grande mídia, que a usa, evidentemente, de forma absolutamente pensada com o objetivo de conquistar “corações e mentes” para seu campo ideológico. Como exemplo, fez uma pergunta: “Se eu citar o nome de Robert Mugabe, presidente do Zimbabwe, qual a primeira coisa que virá à mente de vocês? Que é um ditador corrupto que incitou os negros a invadir e tomar à força as terras legitimamente pertencentes aos brancos naquele país, não é mesmo?”. É. Ele então se pôs a relatar suas viagens, a serviço da FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, àquela nação africana, e a louvar o espírito democrático de seu comandante, que assumiu o poder no processo de independência mas garantiu a segurança dos descendentes dos colonizadores ingleses, fazendo com eles um acordo para viabilizar uma reforma agrária. Acordo este que, segundo Plínio, não foi cumprido, o que precipitou a medida extrema de incitar o povo para que fosse lá e retomasse a terra que, na verdade, pertencia a seus antepassados e lhes fora roubada pelo invasor europeu, mas sem derramamento de sangue, coisa que a televisão não mostrou.

Na sequencia, pôs-se a questionar a natureza do sistema capitalista em si, que não produz bens de uso, mas mercadoria para gerar lucro. O copo dagua que estava na sua frente, por exemplo, não era produzido para que as pessoas podessem usá-lo para beber água, mas para gerar lucro para o capitalista. Mencionou então a mudança do pensamento estratégico predominante na esquerda ao longo do tempo, começando pela idéia da aliança com uma suposta burguesia nacional contra o imperialismo, defendida pelo PCB, e passando pelo período de transição de natureza social-democrata do chamado “Programa Democrático e Popular” (PDP) do PT, que “embasou a política de conciliação de classes” e, com sua lógica de ‘ruptura democrática’ no marco da institucionalidade e das alianças com os partidos da burguesia, levou o partido, inevitavelmente, à capitulação. Explicou que o que ele propõe hoje é uma virada radical rumo a um projeto socialista, sem meios-termos, pois já ficou comprovado – e para tanto recomendou a leitura de um livro de Florestan Fernandes chamado “A revolução burguesa no Brasil” – que a burguesia no Brasil existe, é organizada, já fez sua revolução e atua diuturnamente num processo contra-revolucionário, fazendo aqui e ali concessões às classes trabalhadoras com o intuito de continuar detendo o poder de fato – vide o jogo de cintura de figuras como José Sarney, Renan Calheiros e Cia. Ltda, que se aninharam e têm grande influência no governo petista.

Isso tudo patrocinado pela cultura paternalista que impregna o estado brasileiro. Para dar um exemplo de como funciona esta cultura, ele citou o caso um vigia noturno da rua onde morava que lhe solicitou uma ajuda para retirar uma bala que se encontrava há anos alojada em seu maxilar. Pensou em simplesmente mandá-lo a um hospital, mas como sabia que não era bem assim que as coisas funcionavam em nosso sucateado (para o povo) sistema de saúde e o homem certamente já tinha tentado esta via mais óbvia sem sucesso, escreveu um bilhete destinado a um amigo que dirigia uma instituição hospitalar solicitando a gentileza de que desse prioridade ao portador do mesmo. Algum tempo depois, o indivíduo o abordou agradecendo a gentileza e informando que fora muito bem recebido e que sua assinatura tinha poder. Arrematou perguntando: “o senhor é político, não é, seu Plínio?”. “Sou, deputado federal”, respondeu ele, prontamente. “Então deve ter muitos problemas o incomodando, não têm?”. “Tenho sim, quem não os tem?”, retrucou o velho socialista. “Pois bem”, falou o homem, chamando-o a um canto discretamente, “se precisar de mim, saiba que eu sou homem pra qualquer serviço, certo? Estou à disposição”.

O que Plínio quis dizer é que a cultura do compadrio, do “toma-lá-dá-cá”, faz com que o povo não perceba que as pessoas têm direito, como cidadãos, a ter suas demandas supridas pelo estado sem que precisem, com isso, ficar devendo favor a quem quer que seja, o que prejudica, e muito, a formação política. Conclamou então os jovens a fazer um trabalho de base persistente e a acreditar nos resultados a longo prazo e na justeza da idéia do socialismo, que significa a emancipação do homem. Terminou sua explanação e foi aplaudido pelo auditório lotado, além de ovacionado com palavras de ordem pelos militantes de seu partido.

Em tempo: No maio da palestra a tal twitcam entrou finalmente no ar e os olhos de Plínio brilhararam, pediu desculpas a todos pelo transtorno e passou o resto do tempo dividindo sua atenção entre o público presente e a tela do computador. É um figura. Espero ter pelo menos metade de seu entusiasmo e vitalidade quando chegar em sua idade.

Por Adelvan Kenobi

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“Contra os pilantras, a política”. Foi assim, curto e grosso, que Plínio de Arruda Sampaio, candidato à presidência da república derrotado nas eleições do ano passado, defendeu o engajamento dos setores populares da sociedade. Em visita proporcionada pelo lançamento de seu último trabalho, o livro “Por que participar da política?”, o dirigente do PSOL recebeu os jornalistas sergipanos para reiterar o compromisso do partido com a luta dos trabalhadores e aproveitou a ocasião para mandar um recado aos militantes do referido bloco político. Segundo ele, a esquerda tem que curtir um período de dificuldades, atravessar o deserto, passar fome e frio para reencontrar o próprio rumo. “Lá fora, está tudo pegando fogo”.
A referência ao momento turbulento pelo qual a Europa vem passando não foi aleatória. Para Plínio, a intensa mobilização popular que assaltou o chamado velho mundo reflete os efeitos perversos da última crise econômica. “A economia é determinante. Se enfrentássemos alguma alteração no quadro econômico e a crise finalmente respingasse na gente, o retrocesso social teria colocado o povo na rua”.
No livro lançado ontem à noite, no auditório do Sindiprev, Plínio discorre sobre a formação do Estado brasileiro, os sistemas de governo parlamentarista e presidencialista, a Nova República e os impactos cotidianos da ação política na vida dos brasileiros. Na conversa franca que manteve com a imprensa local, falou muito claramente sobre o atual quadro político e resgatou o debate travado na última campanha, lamentavelmente marcada pelo baixo nível da discussão.
Plínio argumenta que não é possível jogar uma partida de futebol limpa sem jogadores leais e qualificados. O dirigente do PSOL conclui que, sem candidatos dispostos a um debate franco, qualquer embate eleitoral redunda no levante reacionário que assistimos todos pela televisão. “Quando eu falei em aborto, em legalização da maconha, cheguei a provocar desmaios”.
Jornalista gosta de colocar lenha na fogueira e Plínio já foi definido por muitos articulistas políticos como um verdadeiro incendiário. Numa sala reservada do Hotel da Costa, onde ficou hospedado, o dirigente octogenário não se amedrontou diante das provocações. Questionado a respeito da conduta criminosa do ex-presidente Lula durante a campanha e a sua adoração popular, Plínio não vacilou. “O comportamento de Lula feriu a Constituição brasileira. Infelizmente, a idolatria sempre resulta no comportamento irracional e irrefletido registrado pelas urnas”.
As ressalvas em relação ao PT, contudo (que na opinião de Plínio está muito longe da verdadeira esquerda), não turva o seu senso de justiça. Em relação à declaração da professora Avilete, candidata derrotada ao governo de Sergipe pelo PSOL, que condenou a militância da presidente Dilma Roulssef, Plínio esclareceu que o partido já abriu uma sindicância e defendeu uma punição rigorosa. “O passado de guerrilheira é o único traço simpático na biografia dessa senhora”.
Além do recente “Por que participar da política?”, Plínio de Arruda Sampaio já publicou “O capital estrangeiro na agricultura” (1977), “Construindo o Poder Popular” (1982), “O Brasil pode dar certo” (1994), “O que é corrupção” (2010) e dezenas de artigos sobre a realidade brasileira.
riansantos@jornaldodiase.com.br

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