Muita gente (quer dizer, nem tanto, não acredito que "muita gente" acompanhe este blog, que no final das contas é apenas mais um no mar de informação que é a internet) deve estar me achando alarmista e/ou obcecado pelo assunto, mas acho relevante. Devo ressaltar, no entanto, que não creio que o problema seja a web em si, mas a distração que ela propicia: São tantos links para clicar, tanta coisa disponivel, tudo ao mesmo tempo agora, que é mais do que normal que as pessoas percam o foco, se tornem dispersivas e, consequentemente, "rasas". Este é um dos motivos para eu evitar colocar links nos textos que posto em meus blogs: para que o leitor se atenham ao que está lendo, sem distrações. Me preocupo apenas em disponibilizar os links para o enderêço original das matérias que reproduzo, por uma questão ética, evidentemente, de dar crédito a quem de direito.
Portanto, desligue o computador e vá ler um livro - mas não sem antes dar uma lida na entrevista abaixo, reproduzida do site da revista "galileu":
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A internet pode contribuir para uma epidemia futura de senilidade, diz neurocientista - Michael Merzenich, pioneiro no campo de neuroplasticidade, conta como a web está alterando nossos cérebros.
por Felipe Pontes
Nas décadas de 1970 e 1980, o neurocientista norte-americano Michael Merzenich conduziu uma série de experimentos em cérebros de primatas que revelaram como os circuitos neurais e sinapses dos animais mudavam rapidamente de acordo com sua experiência ou atividade. Merzenich reorganizou os nervos na mão de um macaco, e, como resposta, as células neurais do córtex sensorial do animal rapidamente se organizaram para criar um novo mapa mental daquela mão. “Da mesma maneira, um fenômeno cultural recente como a internet pode alterar o funcionamento das nossas cabeças por funcionar como um mediador”, diz.
Segundo Merzenich, a web está treinando o cérebro dos usuários a tentar fazer várias coisas simultanteamente, enquanto ignora os circuitos neurais responsáveis pela reflexão e pensamento aprofundado – mesmo quando estamos longe de um computador. E disse a Galileu que a internet deverá atrapalhar o desenvolvimento intelectual da humanidade a longo prazo, podendo até causar uma “epidemia futura de senilidade”. Confira a conversa:
Nossos cérebros são remodelados pelo uso intenso de internet?
Eles mudam com a evolução da cultura, isso está acontecendo agora, com o jeito que absorvemos quantidades elevadas de informação na internet. É claro que o cérebro de cada um é diferente, e a pessoa comum que tem essa dose pesada de informação tem mais tendência a mudar. Há milhares de anos, a leitura universal não estava espalhada, e agora nós passamos uma boa parte dos nossos dias lendo. Os nossos cérebros se especializaram nisso, e estão muito diferentes do cérebro de uma pessoa normal há milhares de anos. Da mesma maneira, o cérebro de uma pessoa que usa muita internet é diferente do cérebro de alguém há 10 ou 20 anos
Isso é bom ou ruim?
Há algo incrivelmente positivo sobre a internet, temos uma quantidade enorme de informação com aquisição muito mais eficiente. É um recurso incrível, como se tivéssemos todas as bibliotecas do mundo perto das nossas mãos. Carregar seu cérebro com bastante informação dá várias maneiras dela ser usada, integrada ou afeta sua imaginação, criatividade e atenção.
Por outro lado, a internet muda a maneira que você usa seu cérebro para adquirir informação. O internauta não precisa enfrentar uma luta pessoal para encontrar o que precisa. Agora, ele lida com uma tabela prática de referências, e não precisa mais raciocinar tanto. Passou a usar uma estratégia de pesquisa e busca, e deixou de exercitar várias habilidades cognitivas. É muito fácil resolver qualquer problema olhando sua resposta em vez de tentar resolvê-lo com inteligência e raciocínio. Esse é o perigo real, porque envolve uma manipulação de informação muito menos agressiva, do uso de suas habilidades cognitivas.
Agora, nós olhamos para outra pessoa para fazermos um julgamento, para comprar uma viagem ou produto. Não estamos pensando neles. Procuramos uma conclusão tomada por alguém, para escolhermos a direção em que pularemos. Muita gente está tão imersa nisso que não percebe o que está acontecendo.
E qual seria o efeito a longo prazo?
O internauta, enquanto consome informação, terá que lidar com uma série de dados desnecessários, de “ruídos”, que podem afetar o cérebro. Em um experimento, se acostumarmos o cérebro de um animal a um ambiente continuamente “ruidoso”, visual ou auditivo, seu desempenho é degradado. Tem mais dificuldade em realizar suas tarefas e parece ter vivenciado menos coisas. Há diferenças até em seus hábitos e brincadeiras.
É um engano pensar o excesso de informação é inofensivo. Toda ação que contribui para as operações do seu cérebro ficarem “ruidosas” aumentará o risco de você ter uma saúde mental ruim no futuro. Alguns outros experimentos apontam que a senilidade tem relação com o comportamento cerebral “ruidoso” da pessoa quando ela ainda é jovem. A internet talvez possa contribuir para uma epidemia futura de senilidade. Há dados que mostram um crescimento enorme de indivíduos senis. Não há uma conexão comprovada e direta com a internet, mas creio que há demonstrações indiretas disso.
Qual é a melhor coisa que podemos fazer a respeito? Precisamos balancear o uso da internet com a leitura de livros?
É preciso lembrar que a vida cultural moderna é bem bizarra. Não fomos construídos para ler. Na verdade, a leitura é uma aventura. O mesmo serve para estas ferramentas que nos permitem passar todo esse tempo na internet. Há muito pouco a fazer em relação ao que realmente fomos feitos para fazer – operarmos em ambientes reais, físicos, tomando decisões rápidas e táticas sobre o que estamos vendo e sentindo.
Agora evoluímos para estes comportamentos complicados e abstratos. Certamente haverá conseqüências neurológicas nisso. É importante pensar num balanço não somente em termos de leitura. Em um senso geral, talvez devêssemos operar em um mundo sem máquinas, pensando em uma humanidade fundamental, para voltarmos a ter a saúde original do cérebro. Mas isso é um pouco complicado.
Ainda temos tempo para mudar?
A humanidade provavelmente perceberá as conseqüências do uso da internet quando elas ficarem mais visíveis. Isso porque somos muito ignorantes para compreender os riscos que estamos passando agora. Uma das coisas básicas que as pessoas não entendem é que nosso cérebro é plástico, e essa plasticidade é bidirecional.
Posso pegar qualquer outra pessoa e destruir sua habilidade de entender o que falo, degradar sua capacidade de controlar as mãos ou de compreender o que está vendo. Assim como posso treiná-lo para refinar sua habilidade de usar suas mãos, entender melhor o que está vendo. As pessoas não entendem que o que elas fazem mudam seu cérebro, suas características operacionais e de performance. O ideal seria que elas soubessem das conseqüências neurológicas antes delas começarem a acontecer.
Alguns comentários:
# Marcio Candiani - | MG | Belo Horizonte | 30/07/2010
Fascinante a reportagem - Sou psiquiatra da infãncia e adolescência em BH e vejo, a cada dia mais, como os jovens, criança e adultos têm um amplo conhecimento sobre tudo; mas um pequeno conhecimento sobre algo específico. É o culto ao generalismo (à memória do google: pra que eu vou decorar isso se está disponível no google?). Para pessoas que tiveram educação formal, em manuais de mais de mil páginas por semestre e estamos na convergência de estudar pela net a matéria de capa deste mes: "A internet está deixando você bourro?" é fantástica. Resumindo: mesclar bem estudos em livros e revistas e se desconectar por algumas horas por dia, por semana e por mês... Para não ficar "raso", para não dizer 'tapado" ao falar de um assunto qualquer. Rede social não é igual a rede afetiva, não é igual a laço social. Namorar pela net não é igual a namorar pessoalmente. Quero ver como educar meu filho e essa nova geração que tem de tudo para evoluir com alto QI intelectual, mas será que terá tanto QI emocional?
# Marcia Regina - | RJ | Iguaba Grande | 29/07/2010 01:52
Concordo - Um cérebro que pouco se exercita tende a se atrofiar. As multitarefas, os ruídos, a urgência, o excesso de informações (sem o desenvolvimento de filtros cerebrais), a superficialidade nos relacionamentos, a falta de reflexão, dentre outros aspectos, podem produzir grandes limitações no raciocínio. Nunca se produziu tanta arte (música, literatura, cinema...), mas tenho a impressão de ter havido uma queda na qualidade das mesmas de forma geral. Talvez seja apenas uma impressão mesmo, dada a massificação que a mídia produz. O produto artístico tem que ser comercial. É preciso vender muito. De qualquer forma, o primeiro ato para a mudança passa pela reflexão e discussão. As opiniões divergentes são importantes e necessárias nesse processo.
por outro lado ...
"Você pode usar a internet com o mesmo cuidado que usaria um livro", diz ganhador do Nobel - O neurocientista Eric Kandel diz que, apesar de alguns problemas, a rede é positiva para a humanidade
O neurocientista austríaco, naturalizado norte-americano, Eric Richard Kandel, 80, é uma das autoridades mundiais quando o assunto é memória. Em 2000, o professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, recebeu o Nobel de Medicina pelas descobertas sobre como o cérebro decodifica memórias de curto e longo prazo – o prêmio foi dividido com dois colegas: Arvid Carlsson e Paul Greengard. Galileu conversou com Kandel para a reportagem de capa do mês de agosto, sobre a influência da internet em nosso cérebro. Confira o bate-papo completo:
A internet causa algum problema em nosso cérebro?
Ela certamente reduz a atenção do usuário. Faz a pessoa ficar multitarefa, a obriga a pular de uma coisa para outra o tempo inteiro. O smartphone é fantástico. Só acho que não devemos encorajar uma pessoa a andar na rua, dirigir ou pedalar enquanto checa seus e-mails. Sinceramente, não há um estudo científico confiável que relate as conseqüências da internet sobre o funcionamento intelectual e social de jovens. Até agora, só especulamos sobre as possíveis conseqüências. Certamente há boas coisas e potencialmente perigosas por vir.
Quais seriam as conseqüências boas e ruins?
A viabilidade da informação ao alcance de nossos dedos é extraordinária. Há uma diferença enorme em escrever um livro há 15 anos e hoje. Posso conseguir referências imediatas a qualquer artigo de jornal nos últimos 20 anos e livros, em vez de buscar numa biblioteca. A internet facilitou as pesquisas. Algumas das fontes não são confiáveis, mas ao menos dão uma pista inicial.
Um lado negativo é que, à medida que o computador vira um padrão em nossas vidas, nossa relação com livros e como adquirimos conhecimento pode mudar, assim como a confiança em nossa própria memória pode ser menor do que no computador. Outro ponto é que censuramos muito nossas crianças.
Há vantagens e desvantagens. Em cada estágio em que uma nova explosão de informação ocorre há um enorme ganho e certa perda. A oratória desapareceu com o surgimento dos livros. Com a invenção do computador, as habilidades de escrever desapareceram. Antes passávamos muito tempo escrevendo lindas cartas manuscritas. Agora ninguém mais presta atenção, porque você pode digitar tudo na hora. Quando você ganha algo, perde algo. Isso vai acontecer aqui. A questão é: os ganhos superaram as perdas? E meu palpite é sim. Mas precisamos ficar de olho nisso.
É perigoso confiar nossas vidas e memórias em gadgets?
O mais importante é ter acesso à informação. Quem disse que a memória é tão maravilhosa se você não tem nenhum uso para ela? Você lembra de um monte de lixo. Agora, é possível que isso não seja mais necessário, cada poderia ter acesso completo às suas memórias. Quando éramos crianças, aprendemos como recitar poesia. Não creio que as escolas vão parar de fazer com que crianças aprendam a memorizar. Mas não é a memória em si que é tão bonita. É a recitação dela, a sensualidade, o prazer em recitá-la. E acho que podemos manter isso.
A internet afeta a nossa capacidade de aprendizado?
Uma das características principais da memória é que, para você lembrar algo a longo prazo, é preciso prestar atenção e processar a informação profundamente. Isto é chamado de decodificação. Não sabemos até que grau isso é comprometido quando usamos a internet, eu mesmo não sei se ela necessariamente atrapalha isso.
Devemos separar as coisas. Se eu navegar na internet, o que faço na maioria dos dias atualmente, e dou um “google” no New York Times, que é meu jornal diário, para saber o que está acontecendo. Vou prestar a mesma atenção que prestei de manhã com o jornal impresso. Você pode usar a internet com o mesmo cuidado que usaria um livro. Fazer várias coisas ao mesmo tempo, ser multitarefa, é diferente de usar a internet. Você pode conversar com um amigo e tomar uma taça de vinho ao mesmo tempo.
Pessoas multitarefa não prestam tanta atenção às tarefas que fazem como se estivessem fazendo apenas uma coisa. A maioria precisa sacrificar algo para prestar atenção. Se você está jogando dois games diferentes enquanto faz uma prova online e escreve um e-mail para um amigo, isso comprometerá as duas coisas realmente importantes. É estúpido.
Com esse conhecimento “fácil” em nossas mãos, ficamos mais rasos como indivíduos?
É um erro achar que a dificuldade em ter acesso ao conhecimento aumenta a profundidade dele. É o oposto disso. Muita gente acha Ciência entediante. Se você puder fazê-la mais interessante, as crianças gostarão mais e teremos mais cientistas no mundo. Para o bem da sociedade, é interessantíssimo oferecer conhecimento acessível a todos.
Crianças pobres que não têm acesso a livros podem desfrutar disso. Compreendo que existe o lado negativo. Mas estou escrevendo um livro agora e me impressiono com a capacidade da internet para facilitar as coisas. Se você usar a internet de maneira inteligente, é uma ferramenta interessantíssima. No momento, não acho que temos motivo para nos preocuparmos com o nosso futuro. E repito: a internet oferece muitos benefícios em potencial, e, assim como todas as mudanças grandes, nós precisamos ficar de olho nela.
O que é melhor para nós: sermos multitarefa com o Google ou ter o conhecimento enciclopédico em nossas mentes?
Os dois são muito valorosos. O Google não é confiável como uma enciclopédia, mas não há razão para acreditar que continuará assim. Ele é infinitamente mais fácil. Minha Encyclopedia Britannica, uma edição especial de 1910, está numa prateleira alta da minha biblioteca. É preciso sempre escalar em um pequeno banco para alcançá-la. Não preciso mais disso. Estou na minha mesa e cadeira, que são confortáveis, e tenho acesso fácil à informação. Sendo que há pouco tempo digitalizaram todos os volumes dela por uma mixaria.
As pessoas criticam os e-books, falando que não são a mesma coisa que livro normal, porque você não mexe as páginas. Mas isso é uma coisa de geração. Depois de cinco anos, todo mundo vai ter essa sensação gostosa usando um gadget.
Kandel pergunta se este reporter usa muita internet (sim) e questiona se ele percebeu algum tipo de emburrecimento causado por isso (não que ele saiba).
Não? Está vendo? Se você estivesse sentindo alguma deterioração intelectual, nós não estaríamos tendo essa conversa magnífica agora.
Eu sou um dos afetados, passo muito tempo pesquisando na net, é algo insaciável, encontramos algo que procurávamos e já lembramos de outra coisa sem acabar de digerir o conteúdo anterior.
ResponderExcluirCresci muito culturalmente com a internet, mas também admito que já senti seus efeitos negativos.
Mas entre a internet e a TV (que também é consumida diariamente), prefiro a internet porque pelo menos temos controle sobre seu conteúdo, enquanto na TV os conteúdos é que têm controle sobre nós.
Abração! Estou voltando a escrever no blog, sobrevivi às loucuras dos últimos meses :-D