quarta-feira, 16 de julho de 2014

Leo, de "Aldebaran"

Fui surpreendido há alguns anos com a publicação no Brasil, via Panini, de uma História em quadrinhos de fantasia e ficção científica soberba produzida na França por um brasileiro do qual nunca tinha ouvido falar: “Aldebaran”, de Leo – Luis Eduardo Oliveira. Nela, somos levados a um admirável mundo novo fictício, com toda uma flora e fauna própria descrita em detalhes numa trama muito bem amarrada que prende a atenção do leitor da primeira à última página. Conta uma história do amor entre dois adolescentes em meio à colonização por terráqueos de um planeta distante, com as virtudes e viscissitudes oriundas do processo. Com direito, inclusive, a um forte cunho político, naturalmente, já que o autor tem uma história de vida rica neste sentido: ele saiu do Brasil como exilado pela ditadura militar.

Infelizmente a edição passou despercebida nas bancas e nunca mais foi lançado nada dele por aqui. Merece muito, no entanto, ser redescoberta. CLIQUE AQUI para baixar scans das revistas. AQUI você conhece os mundos de Aldebaran em detalhes num site interativo com trilha sonora produzido pela editora que publica os quadrinhos na França, a Dargaud. Abaixo, uma entrevista com o autor, publicada originalmente no site português Blogue De Banda Desenhada.

Formou o seu nome artístico, Leo, com as iniciais do seu nome real: Luís Eduardo Oliveira. Nasceu no Rio de Janeiro a 13 de Dezembro de 1944. Residindo em Paris desde 1981 e casado com uma portuguesa (Isabel) da Ilha da Madeira, onde passa largo tempo do ano, sobretudo para se escapar às agruras do Inverno da continental Europa. Hoje muito conceituado no mundo das HQs, sobretudo entre os francófonos, dedica-se muito (quase que exclusivamente) ao tema da ficção-científica. E tanto funciona só enquanto desenhista, como, outras vezes, como argumentista e, outras ainda, como autor total. Foi homenageado ao vivo no Salão Internacional "Sobreda-BD / 2000", tendo então recebido o Troféu Sobredão.

Porém, se hoje está tranquilo a narrar aventuras através da 9.ª Arte, foi antes uma aventura de si próprio que viveu e sofreu. Sempre inclinado para o desenho, após terminar o seu curso de engenheiro mecânico enveredou um tanto pela militância política. Em 1971, para escapar à ditadura militar brasileira, fugiu para o Chile. Dali torna a fugir, desta vez para a Argentina, quando o general Pinochet tomou o poder. Em 1974, regressa clandestinamente ao seu Brasil, onde se dedica ao desenho publicitário em S.Paulo.

Em 1981 abalou-se à aventura para a Europa, estabelecendo-se em Paris, sonhando com a carreira nas HQs. Foi uma época de angústias pois a 9.ª Arte franco-belga atravessava então uma das suas piores crises. Mesmo assim, publica alguma coisa nas revistas "L'Echo des Savanes" (1982) e "Pilote" (1985). Com o apoio de Jean-Claude Forest, em 1986 publica algumas histórias realistas na "Okapi" e, em 1989, é editado o seu primeiro álbum, "Gandhi, le Pélerin de la Paix", com roteiro de Benoît Marchon. No entanto, algum tempo depois começa uma parceria com o roteirista Rodolphe, com as séries "Trent" (um western em oito livros), "Kenya" (em cinco livros) e "Namibia" (a decorrer), mas agora como co-roteirista, e Marchal sendo o desenhista.

Além de ter participado em álbuns coletivos, Leo foi roteirista das séries "Dexter London" (arte de Sergio Garcia), "Terres Lointaines" (arte de Icar) e "Mermaid Project" (arte de Fred Simon). Todavia, pelo seu encantador talento, o que podemos considerar como a sua notável criação (até agora) é a série "Os Mundos de Aldebaran", dividida em quatro ciclos: "Aldebaran", "Betelgeuse", "Antares" e "Survivants (Sobreviventes)", estando estes dois últimos ainda em curso na Europa. Pois aí vai a entrevista com Leo:

Nota: Banda Desenhada (BD) = Histórias em Quadrinhos (HQ)

BDBD -  Foi dura a tua caminhada pela Banda Desenhada, sobretudo na América do Sul, mas hoje tens um justo estatuto de autor-BD confirmado. Porquê a França como tua opção?
LEO - No Brasil eu fiz umas tentativas de trabalhar em BD, mas não deu certo. Não há mercado para BD's adultas. Foi o que me levou a vir para a França. No Chile e na Argentina, eu não trabalhei com a BD e, na época, eu não pensava nisso. Eu era um refugiado político, fugindo à ditadura brasileira, e me dedicava à ação política.

BDBD - E voltares a viver no teu Brasil, está fora de questão?
LEO - Sim, foi tão difícil conseguir estabelecer-me em França, onde passei vários anos como imigrante clandestino, que não tenho nenhuma vontade de sair daqui. Ainda mais porque profissionalmente é aqui que eu construí toda a minha carreira na BD.

BDBD - Curiosamente, tens ligações a um outro país do nosso idioma, precisamente Portugal. Para além de teres sido homenageado no salão "Sobreda-BD /2000", és casado com uma portuguesa (da Madeira)... Portugal será um dia o território para residires em definitivo?
LEO - Não creio, pelos mesmos motivos que exponho acima. Mas pretendo passar longos períodos na Madeira, principalmente no Inverno. Acho a Madeira um lugar fantástico!

BDBD - Estranhamente, da tua vasta obra nada está editado em Portugal!... É um fato pouco simpático e desatento em relação à tua obra, não achas?
LEO - Alguns dos meus álbuns foram editados em Portugal alguns anos atrás, mas, infelizmente, a eterna questão do mercado pequeno para a BD adulta não permitiu que a coisa se renovasse. A mesma coisa aconteceu no Brasil, onde o fato de eu ser brasileiro não ajudou em nada as vendas. É uma pena!...

BDBD - Para além de desenhares, também tens sido, às vezes, roteirista. O que preferes: desenhar ou escrever?
LEO - Não dá para escolher uma ou outra, pois são coisas bem diferentes e ficaria muito  frustrado se tivesse que abandonar uma dessas atividades. É claro que, quando eu desenho - e atualmente eu só o faço quando eu mesmo escrevi o roteiro e, com isso, o resultado é bem pessoal - é mais forte. Como roteirista, escrevendo sozinho ou em parceria com outros, eu posso expressar a minha imaginação de outra maneira e é uma atividade fascinante.

BDBD - "Gandhi, o Peregrino da Paz" foi um interessante trabalho teu enveredado pela biografia. O que sentes por Gandhi para teres pegado neste projeto? Pensas repetir a experiência versando biografias?
LEO - Devo confessar que esse trabalho foi feito numa época em que eu aceitava qualquer coisa que surgisse para que a minha conta bancária saísse do negativo! Felizmente, o Gandhi foi um personagem interessante mas fazer BD's históricas não é o meu terreno, pois sempre preferi a ficção-científica.

BDBD - Ora aqui está!... Excluindo a bela série "Trent", o teu tema favorito é a ficção científica, cheia de hipóteses no futuro e de maravilhosos aspectos insólitos. É mesmo o tema que mais te entusiasma?
LEO - É o meu universo preferido. Desde sempre. Ele permite toda a liberdade criativa, onde tudo se pode inventar. Todos os roteiros que escrevi até hoje são de ficção-científica, o que é bem sintomático...

BDBD - Acreditas nos distantes aspectos futuristas que propões nas tuas séries?
LEO - Infelizmente, não. É o meu lado engenheiro bem racional...

BDBD - O Salão da Sobreda, onde foste homenageado em 2000, parece que se finou de vez. Mas, em Portugal, existem dois anuais (Amadora e Beja) e mais dois bienais (Moura e Viseu). Estarias disposto em participar em algum deles?
LEO - Nos últimos tempos tenho trabalhado tanto que evito os festivais. Especialmente quando incluem viagens. Mas eu gosto muito de Portugal, então, quem sabe?...

BDBD - A terminar, deixa aqui uma breve mensagem aos bedéfilos portugueses, em especial aos que te admiram... Desde já, muito obrigado, Leo.

LEO - Evidentemente eu fico muito orgulhoso e contente de saber que portugueses conhecem as  minhas histórias, apesar delas não serem atualmente traduzidas na minha língua materna. Portugal possui uma cultura de BD's adultas que, infelizmente, meu país ignora. E, meu caro Luiz Beira, sou eu que agradeço!

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