terça-feira, 5 de novembro de 2013

Gravidade ...

Cinema é, em grande parte, ilusão de ótica. Desde a primeira exibição, quando a platéia correu assustada temendo ser atropelada pela imagem da locomotiva que chegava à estação. Nos anos 1990 eu saí da sala com a impressão de que, ao dobrar a esquina, iria me deparar com um tyranossauro rex ou um velociraptor, depois de assistir a “Jurassic Park”. Já havia imaginado voar com o “Superman” de Christopher Reeve e agora, ao ver “Gravidade”, me imaginei no espaço, à deriva, com Sandra Bullock e George Clooney. Foi agoniante ...

Para além da pura diversão – para a qual funciona perfeitamente – o novo filme de Alfonso Cuarón (Filhos da Esperança, E sua mãe também) nos dá a exata dimensão dos perigos a que estão submetidos os astronautas quando trabalham em gravidade zero, no espaço sideral, o mais inóspito dos ambientes. Para tanto, precisa apenas de um fiapo de história: tripulantes de um ônibus espacial são pegos de surpresa em plena atividade fora da nave por uma chuva de detritos causada pela explosão de um satélite russo. Subitamente desprovidos do suporte tecnológico que tinham á disposição ao alcance da mão, têm que se virar para sobreviver e voltar a salvo para casa – o belíssimo planeta azul que domina a paisagem, quando esta não está tomada pela negritude do cosmo.

Os grandes trunfos do filme são o realismo visual com o qual retrata o drama, especialmente quando assistido em 3D e em iMAX – tive a experiência, já que estava no Rio quando do lançamento, e foi sensacional. Um amigo que me acompanhou literalmente passou mal -, a direção segura e um roteiro enxuto e inteligente, capaz de prender a atenção ao mesmo tempo em que quebra expectativas ao fugir dos clichês dos cinemas de ação e de catástrofe hollywoodyanos. Nem a escolha da protagonista, a princípio, equivocada, atrapalha o espetáculo: na verdade proporcionou a Bullock a atuação da sua vida, pela qual está cotada para o oscar.

"Gravidade", 2013, de Alfonso Cuarón

Um triunfo!

"Círculo de Fogo", 2013, de Guillermo Del Toro – Divertidíssima homenagem aos filmes de robôs gigantes x monstros bizarros japoneses, tão caros à minha infância – e à de milhares de seres ao redor do mundo. Diversão pura, mas de primeiríssima qualidade. As batalhas épicas entre as criaturas magnificamente animadas com o que de melhor a tecnologia dos efeitos especiais pode nos dar são mais do que suficientes para que esqueçamos os inevitáveis clichês e as atuações canastronas, notadamente a do protagonista, Charlie Hunnam, o “Jax' Teller" de “Sons of Anarchy”. Na verdade tudo funciona, aqui: mesmo os exageros estão perfeitamente inseridos no contexto e a serviço da diversão. Coisa de moleque, mesmo. Assumidamente.

Excelente.

"Guerra Mundial Z", 2013, de Marc Forster  - Alucinante adaptação do Best seller de Max Brooks estrelada por Brad Pitt que recicla a mitologia dos zumbis com resultados pra lá de satisfatórios – impressionante como uma premissa tão “batida” é capaz de render tanto! Ou é isso ou sou eu que sou realmente fã da ‘bagaça” ...

Com uma narrativa mais convencional que a do livro, conta, mais uma vez, a já conhecida história da epidemia mundial de zumbis num ritmo frenético e muito bem editado, repleto de cenas de ação e algumas idéias inovadoras e sensacionais - a melhor delas é a do Muro erguido em torno de Jerusalém, tão pródiga na construção de muros.  Os ataques vêm em ondas e em massa, mas não há closes de violência “pornográfica”, tão caros às produções do gênero. O recurso, certamente controverso, foi adotado para que o filme obtivesse a classificação de 13 anos. A mim, particularmente, não incomodou. Me diverti bastante com a trama repleta de ação e suspense que, mesmo nos momentos mais clicherosos – e eles estão lá – não chega a ofender a inteligência do expectador.

Muito bom.

"A Morte do demônio", 2013, de Fede Alvarez - Desnecessário remake do clássico de Sam Raimi que, por trás da estética graficamente sofisticada, esconde uma produção recheada de clichês e atuações medíocres. Totalmente esquecível. Valeu apenas por me dar a oportunidade de ter uma experiência inédita: vi no cinema do shopping Prêmio, o primeiro aberto na periferia da capital sergipana. Fui porque foi o primeiro filme legendado a ser exibido por lá.

Deprimente.

"Faroeste Caboclo", 2013, de René Sampaio – Horripilante adaptação da canção épica composta por Renato Russo nos tempos em que atuava como “trovador solitário” e que se tornou um improvável “hit” quando gravada pela Legião Urbana, nos anos 80. Era surreal ouvir, no rádio comercial, uma música de quase 10 minutos que discorria sobre vingança e conflito sociais.

Mas aqui nada funciona. Os personagens são caricatos, a edição é picotada e aleatória, a direção é frouxa e o roteiro, confuso. Nem dá pra desenvolver nenhuma empatia pelos personagens, já um tanto quanto irreais no contexto da obra original, megalomaníaca. Em grande parte pela péssima atuação do elenco - todo ele, sem exceção.  

Ruim demais.

"O Dia que durou 21 anos", 2012, de Camilo Tavares – Documentário que mostra a participação do governo dos Estados Unidos nos preparativos do golpe de estado que derrubou o governo de João Goulart em PRIMEIRO DE ABRIL de 1964. Com uma edição ágil e rico em imagens de arquivo perfeitamente recuperadas, contextualiza muito bem o drama da guerra fria, nos jogando na cara o que nosso complexo de vira-latas nos impediu por tanto tempo de ver: o Brasil era – e é – grande e importante demais para que pudesse escapar impunemente da esfera de influência da superpotência do norte. Em outras palavras: eles não deixariam que o “bananão” se transformasse numa nova Cuba, nem que para isso tivessem que transformá-lo num novo Vietnã. Não foi preciso, como todos sabemos: Jango “arregou” e entregou de bandeja o ouro aos bandidos. Com a desculpa de evitar um banho de sangue – o que, pelo que vemos aqui, não era exagero – abriu caminho para outra carnificina, cometida aos poucos nos porões da repressão ao longo de 21 anos, tempo em que durou o regime de exceção.

Fundamental.

"À procura de Sugar Man", 2012, de Malik Bendjelloul – Primeiro filme que assisto inteiro online, legendado, via youtube. E com uma qualidade de imagem excelente! Vencedor do Oscar de melhor documentário do ano passado, conta a inacreditável história de Jesus Sixto Rodriguez, um talentoso cantor folk que surgiu nos anos 1960, em Detroit, nos Estados Unidos, mas que desapareceu misteriosamente após lançar dois discos que foram fracassos de venda. Torna-se, no entanto, um inesperado – e desconhecido – sucesso na então fechada, pelo “apartheid”, África do Sul. Mas sucesso mesmo, no nível de Elvis Presley ou dos Beatles.

Várias lendas surgem para explicar seu sumiço, dentre elas a de que havia se suicidado em pleno palco. A verdade, no entanto, é que ninguém sabia o que havia realmente acontecido. Até que alguém responde a um apelo lançado a esmo na internet, tal qual uma garrafa com uma mensagem em meio ao oceano ...

Emocionante.

"Hitchcock", 2012, de Sacha Gervasi – Primorosa reconstituição dos bastidores da filmagem de “Psicose”, a obra-prima do mestre do suspense. Baseado no livro Alfred Hitchcock e os Bastidores de Psicose (Ed. Intrínseca), de Stephen Rebello, mostra as dificuldades que o diretor teve para encontrar financiamento para sua ousada nova produção, bem como a maneira dúbia com a qual se relacionava com suas belíssimas atrizes e a crise pela qual passava seu casamento com Alma Reville, seu “braço direito”, magistralmente interpretada por Helen Mirren . Tudo contado de forma leve e bem humorada, mas extremamente inteligente. Só não gostei da caracterização prostética do protagonista, vivido por Anthony Hopkins. Apesar dos esforços do ator, sempre  excelente, não achei que tenha ficado muito parecido ...

Excelente.

"O sonho de Wadjda", 2012, de Haifaa Al Mansour  - Filme saudita que retrata a opressão de uma sociedade extremamente conservadora através do sonho de uma menina de 12 anos: ter uma bicicleta. O que não é praticamente nada para tantos ao redor do mundo, para ela assume uma aura contestadora de desafio aos costumes rígidos guiados pelo corão. Um daqueles filmes aparentemente simples que, em suas entrelinhas, contam muito sobre a conjuntura social e política da região em que foram produzidos. Foi o primeiro filmado inteiramente na Arábia Saudita, que não possui nem mesmo salas de exibição em seu território – isso explica, em parte, o fato da película existir, mesmo tendo sido dirigida por uma mulher, que por lá não tem o direito dirigir nem mesmo automóveis.

Assisti no Cinema Vitória, do centro de Aracaju, que tem uma programação alternativa. Excelente poder ver em tela grande, por aqui, produções diferenciadas de cinematografias que fogem do circuito dos blockbusters.

Muito bom.

"Bonitinha, mas ordinária", 2008, de Moacyr Góes – Equivocada adaptação da célebre peça de Nelson Rodrigues. O principal equívoco, que compromete toda a obra, é a ambientação atual da história, o que destrói completamente a premissa principal: quem, em sã consciência, poderia acreditar que, nos dias de hoje, um pai rico se daria ao trabalho de lançar mão do expediente de comprar um marido para salvar a “reputação” de sua filha, currada num baile funk caricato de uma favela filmada “pra gringo ver”? Confesso que me esforcei pra entender a opção como uma espécie de “licença poética”, mas não deu: ficou tudo irreal demais, deslocado. A linguagem do autor é por demais ligada à sua época, anterior à revolução sexual e dos costumes. Ainda funcionava para o arcaico Brasil dos anos 70, mergulhado nas trevas da ditadura militar – quando nem mesmo o divórcio ainda era permitido por lei! – mas hoje, em pleno século XXI, não mais. É evidente que temos ainda forte presença, em nosso caldo cultural, do moralismo religioso e da hipocrisia burguesa, magnificamente retratados na obra, mas o enfoque teria que ter sido outro. Porque os tempos são outros: muito mais confusos, velozes e contraditórios. Se adaptação seria tão literal, inclusive na reprodução dos diálogos, a ambientação teria que ter sido mantida.

Fora isso, a direção é ruim. Simples assim. Acabou com toda a sutileza do texto, transformando malandragem em canastrice. Uma pena. Um grande desperdício de dois grandes talentos, de Leandra Leal e de João Miguel.

Fraco. 

"Reds", 1981, de Warren Beatty – A recente leitura do clássico “10 Dias que abalaram o mundo” me levou a querer rever esta competente cinebiografia do jornalista/ativista comunista norte-americano John Reed cometida em 1981 por Warren Beatty. Apesar de um tanto quanto esquemática e acadêmica, com um ritmo por vezes arrastado, combina muito bem o depoimento de testemunhas oculares da história, certamente aproveitando o fato de que muitas delas ainda estavam vivas, apesar da idade avançada, com uma primorosa reconstituição histórica - especialmente perfeita a representação na tela da figura de Zinoviev, um dos mais importantes – e controversos – líderes do Partido Bolchevique. Joga a favor do filme o fato de que o personagem retratado era um destemido aventureiro que desafiava, com seu comportamento e o de sua companheira, a também jornalista Louise Bryant, a moral e os costumes conservadores de sua época. Juntos, eles estiveram presentes em alguns dos fatos mais importantes da história do século XX.

John Reed faleceu em Moscou, vítima de tifo, aos 44 anos. Trata-se do único estrangeiro que, morrendo na União Soviética, teve seu corpo enterrado com grandes honras nas muralhas do Kremlim, ao lado do mausoléu de Lenin.

Bom.

A.

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