terça-feira, 28 de agosto de 2012

Eh Coda ...

               Para além do aparentemente eterno rosário de lamentações de artistas que não aceitam críticas honestas, caso estas lhes sejam desfavoráveis, e do ego inflado de críticos que dedicam sua verve a tentar derrubar auto-intitulados ícones de seus pedestais de barro muitas vezes de forma gratuita, apenas para testar seu poder como “formador de opinião” – ou que simplesmente sucumbem à “brodagem” e apresentam-se como aquele novo partido que se diz sem ideologia, incolor, inodoro e sem gosto – quero aqui deixar registradas minhas impressões sobre o disco e o show da última sexta feira de Vicente Coda e a Paraphernalia - com um desde já manifesto desejo de ser honesto sem ser injusto. Endurecer, pero sin perder La ternura ...

               Conheci Vicente Coda em algum momento da década de noventa do século passado num show na extinta Organtecc, loja de skate situada na Avenida Barão de Maruim que eventualmente abria sua pista para apresentações de artistas alternativos locais. Já no primeiro encontro me pareceu uma figura, no mínimo, excêntrica -vestia uma touca e um colar com um CD pendurado no pescoço, um figurino “exótico” mesmo para aqueles tempos de “funk metal”. A primeira impressão se confirmava a cada novo encontro, nos quais ele estava sempre com um novo projeto em mente e meio que “atirando para todos os lados”, ora no campo da musica, ora das artes plásticas, ora na literatura – esta última, que eu saiba, ficou apenas na intenção.

               Coda é, com orgulho (ele sempre frisa), pioneiro do cenário “roqueiro” local, que nasceu (ou renasceu, não sei, não conheço nada do rock sergipano pré-anos 80) na onda “new wave” que sacudiu o Brasil com a redemocratização, na metade da década de oitenta. Foi um dos fundadores da Karne Krua, pioneira banda punk sergipana que é, atualmente, a mais antiga em atuação ininterrupta (nunca parou) no nordeste. Sempre inquieto, logo cedo abandonou os limites do rock baseado nos três acordes básicos em prol de algo mais experimental, fundando bandas como Fome Africana, Blow up, Sopro da Arte, orelha de Van Gogh (nome emprestado de um antigo grupo baiano)e, agora, a “paraphernalia”.

               Com o tempo e a convivência – nem sempre tranqüila, vez por outra nos estranhamos - aprendi a, no mínimo, respeitar a perseverança e a força de vontade de Vicente Coda. Acho que nunca conheci, em toda a minha vida, alguém que acreditasse tanto em seu próprio trabalho. Gostando ou não do que ele faz, é preciso reconhecer que ele é “gente que faz”. E isso já é muito, neste cenário cultural desértico em que vivemos. Não foi diferente com seu novo projeto, cuja gênese acompanhei e posso testemunhar que já nasceu sob o signo do experimentalismo hermético, com um espírito de “foda-se”. “É para poucos mesmo”, ele não cansava de repetir.

               Não sei se é para mim. Em termos de cultura “Beatnik”, sou quase um neófito. Ouço falar desde que me conheço como gente, mas só fui conhecer com alguma profundidade recentemente, quando finalmente li “on the Road”, a Bíblia beat escrita por Jack Kerouac. Gostei muito, mas talvez fique só nisto mesmo. Eu reconheço: sou limitado e tenho dificuldade em ler poesia, o que certamente me manterá afastado de boa parte da produção desta turma – e taalvez, por tabela, da inteira compreensão da obra de Vicente Coda.

               Devo dizer, no entanto, que me surpreendi com o resultado final de seu ousado (ou pretensioso, dependendo do ponto de vista) CD duplo, “A Viagem de Christine ao Universo da Beat Gemeration”. Para além do título pomposo e da mistura aparentemente sem pé nem cabeça da História de Alice no país das maravilhas com a daqueles intelectuais drogados e largados, “siderados” e sexualmente liberados, certamente muito à frente do seu tempo, há uma boa produção, com bons arranjos emoldurando faixas que geralmente são, não sei se propositalmente ou fruto da personalidade ansiosa e inquieta de seu autor, apenas esboços de músicas e/ou poemas musicados.

               Se eu dissesse que já ouvi o disco inteiro, na sequencia e de cabo a rabo, de uma vez só, como Vicente me recomendou, estaria mentindo. Mas no que ouvi, encontrei bons momentos, principalmente na percussão eletrônica pesada mesclada a fraseados de violão e bons riffs de guitarra de algumas faixas – não me perguntem qual, por favor, é complicado! Não me confundam!  Já a voz continua sendo um problema, como também o são algumas letras demasiadamente carregadas de clichês ...       

               Ou não! Vicente Coda acha que pode cantar, e porque não poderia? Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei. Ele quis, correu atrás e fez! Fez inclusive um, com o perdão do linguajar chulo, “puta show”, sexta-feira passada, no Teatro Atheneu. “Whit a little help” from many friends, é preciso frisar, mas fez! Acreditou e fez. Eu, que tenho o costume de valorizar aqueles que vivem aquilo em que acreditam, fiz questão de prestigiar. Fui lá, comprei meu ingresso, sentei na minha confortável cadeira (uma delícia o teatro depois de reformado, poltronas fofinhas e ar condicionado geladinho) e me diverti entre amigos, dentro e fora do palco.

               Achei a primeira parte do show, em alguns momentos, bem chata, mas aos poucos, à medida que o espetáculo evoluía rumo a passagens menos “herméticas” e mais musicais/teatrais, fui me deixando envolver pelo clima de celebração valorizado pela boa produção e, mais uma vez, pelo evidente talento de todos os que contribuíram para a empreitada. Viajei nos solos de guitarra de Cleo, nas batidas disparadas pelo DJ Leo Levi, na percussão de Ton-Toy, nas levadas de baixo de João Valiatti, nas cordas de Constantino (em dueto com Silvio Campos), nos sopros envenenados de José Gentil, nos backing vocais oníricos da musa Alice Nou, nas intervenções de atores espalhados pela platéia e no belo dueto entre dois dos fundadores do rock sergipano, Luiz Eduardo, da Crove (Horrorshow) e Silvio “suburbano”, “Imperador do Hard Core” e membro fundador da Karne Krua, da Maquina Blues, Words Guerrilla, Sartana, Logorreia, Casca Grossa, Cruz da Donzela e ET Cetera ...

               Viajei porque é uma viagem. Embarquei porque quis embarcar. Quem não quiser, não precisa. Ninguém é forçado a nada – ou, pelo menos, não deveria.

               Achei o disco interessante.

               Gostei do show.

               É isso.

               A. 


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