quarta-feira, 23 de maio de 2012

Torturou os pais na frente dos filhos e hoje vive tranquilo, em liberdade.

Gostou da manchete estilo Notícias Populares? É que eu realmente queria que você soubesse a história de César e Maria Amélia Teles. Era um jovem casal, vinte e poucos anos, e já com dois filhos, Janaína e Edson. Eram os anos mais difíceis da ditadura militar, que enfrentavam. César era integrante do Partido Comunista Brasileiro. Cuidava da gráfica clandestina do partido. O casal foi preso. Os dois foram torturados. Na frente das crianças, que tinham quatro e cinco anos. Maria Amélia ouviu: "seus filhos também estão sendo torturados. A esta hora, sua Janaína já está no caixãozinho."

Mentira. Mais uma crueldade. O líder da tortura foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Vive livre e tranquilo. Foi beneficiado pela Lei da Anistia. A família Teles processa Ustra. O Tribunal de Justiça de São Paulo adiou ontem o recurso de Ustra contra sua sentença, na qual foi reconhecido como torturador. A decisão é inédita e importante. Responsabiliza um militar por sua ações durante a ditadura. Não adianta mais só dizer que estava seguindo ordens, enfrentando os terroristas, ou que a Lei da Anistia tudo apagou.

O que quer a família Teles, indenização? Nem um centavo. Só a responsabilização civil de Ustra. Punição pelo que fez o comandante do Doi-Codi em São Paulo, onde morreram mais de quarenta pessoas em decorrência de torturas. "Ninguém propôs a lei da anistia para anistiar os torturadores, só o Supremo Tribunal Federal resolveu achar isso. A lei tem que ser interpretada corretamente", disse César, hoje com 67 anos, ao Valor Econômico.

Ustra tinha tudo para sair na boa. Ainda tem, mas ficou mais difícil. O advogado dos Teles, que virou o jogo ontem, é Fábio Konder Comparato, um dos mais eminentes juristas brasileiros. "O Tribunal de Justiça não pode se recusar a reconhecer a responsabilidade civil do mais notório torturador da ditadura".

Viro a página do jornal. Durante o não-depoimento de Carlinhos Cachoeira na CPI que tem seu nome, seu advogado, Márcio Thomaz Bastos, recebe elogios de parlamentares de partidos vários. Todo bandido tem direito à melhor defesa que puder pagar, sei - mas mesmo se o dinheiro veio do crime e dos cofres públicos? Mais ainda. Estamos no Brasil. O sorriso irônico de Cachoeira ecoando no de Bastos diz mais do que sou capaz.

Tenho pouca fé na Comissão da Verdade e menos ainda no Judiciário brasileiro, para não falar do Executivo, Legislativo, e mesmo do Quarto Poder. O que significa dizer: tenho pouca fé nos brasileiros. Sabemos onde vivem os monstros. Do passado e presente. Se permanecem impunes e atuantes, é por nossa impotência institucional, nossa decisão coletiva, minha vergonha.

Mas alguns de nós, tantos anos atrás, decidiram ser César e Maria Amélia, e outros Ustra. E, hoje, uns escolhem ser Márcio Thomaz Bastos e, outros, Fábio Konder Comparato.

por André Forastieri

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