Em
18 de janeiro, dois dias depois do lançamento de Sniper Americano, de
Clint Eastwood, Michael Moore tuitou:
"Meu tio foi morto por um sniper na Segunda Guerra Mundial. Aprendemos que
snipers eram covardes. Atiram pelas costas. Snipers não são heróis. E invasores
são piores"; em seguida,
continuou: "Mas, se você estiver no teto da sua casa se defendendo
de invasores que vieram de 11 mil km de distância, você não é sniper – você é
corajoso, é um vizinho". A repercussão negativa da direita foi rápida e
barulhenta. Breitbart
chamou os tuítes de "trolagem patética", John McCain disse que essas colocações foram
"idiotas" e "ultrajantes" e Kid Rock escreveu no seu site: "Vai
se foder, Michael Moore, você é um bosta e seu tio teria vergonha de
você". Mas a reação mais dramática aos tuítes veio de Sarah Palin, que
posou ao lado do sargento Dakota Meyer, condecorado com a Medalha de Honra, com um cartaz escrito"Vai
se foder, Michael Moore". Os dois Os do nome do cineasta foram
substituídos por duas miras.
Depois
de atrair críticas da direita e da esquerda, Palin defendeu a foto durante um discurso
bizarro e incoerente na Cúpula pela Liberdade de Iowa, no sábado
seguinte, afirmando: "O que o cartaz disse é o que todos nós estamos
pensando". Moore, de sua parte, não apareceu na TV nem reagiu à polêmica
para além de alguns posts no Twitter e no Facebook, mas aceitou falar longamente
com Eddy Moretti, da VICE, sobre sua opinião a respeito de Sniper Americano,
franco-atiradores em geral, Sarah Palin, transtorno de estresse pós-traumático,
a vez em que Clint Eastwood o ameaçou de morte e um monte de outras questões
que estão circulando no circo da mídia no momento.
VICE: Oi, Michael. Vamos começar com os seus tuítes: antes
de falar sobre a reação que eles desencadearam e te dar a oportunidade de
esclarecer o que você quis dizer, o que te inspirou a escrevê-los e como você
se sentia emocionalmente quando postou?
Michael Moore:Bom, a primeira coisa que eu diria é que não sinto nenhuma
necessidade de esclarecer ou defender o que escrevi. Tenho orgulho do que
escrevi. Não volto atrás em nada e, aliás, só acrescentei mais coisas. Não me
assusto com essas pessoas que aterrorizaram uma nação inteira para entrar em
uma guerra ilegal e sem sentido. Então, mesmo, em termos de impacto, isso não
tem nenhum em mim. Eu disse o que disse. Claro, se estivesse errado ou tivesse
cometido um erro, com certeza corrigiria, mas não é o caso. E fico meio mal
quando vejo na TV ou escuto outras pessoas falando, tipo: "O Michael Moore
voltou atrás". Bom, isso não aconteceu. Não me desculpo pelas minhas
opiniões fortes no sentido de como quero que o belicismo neste país acabe.
E
acho que o motivo pelo qual estamos tendo esta conversa também – e não falei
sobre isso com mais ninguém, recusei todos os pedidos de programas de TV – é
que o problema do Twitter e por que você precisa... vamos usar a palavra esclarecer:
é porque 140 caracteres não conseguem expressar coisas que têm uma profundidade
enorme. Então, postar no Facebook e falar com você me dá uma boa oportunidade
de acrescentar ao que eu disse no Twitter.
O que me chamou atenção é que tem duas coisas que você está
discutindo em mídias diferentes. No Twitter, você fala sobre a questão dos
snipers, que é um assunto fascinante e que merece um pouco mais de discussão, e
aí tem o filme chamado Sniper Americano.E parece que
você está falando de duas coisas diferentes. Estou certo?
Correto. Intencionalmente, não falei nada sobre Sniper Americano nos
primeiros tuítes. Com certeza, escrevi o que escrevi, porque,naquele fim de
semana, estava se falando muito sobre snipers por causa do filme, mas também
porque era o fim de semana do dia de Martin Luther King e achei indelicado que
uma coisa chamada Sniper Americano, um filme sobre um franco-atirador,
fosse lançado no fim de semana em que homenageamos um grande americano que foi
morto por um. E, se ninguém vê nada de errado com isso, como você se sentiria
se anunciassem amanhã que o Sniper Americano 2 vai
ser lançado no dia 22 de novembro (dia da morte de John F. Kennedy)?
É, não fariam um filme sobre algum tipo de ataque
catastrófico e lançariam no dia 11 de setembro, por exemplo.
Exatamente. Uma loja de eletrodomésticos não vai fazer um anúncio no Dia da
Memória do Holocausto do tipo: "Hoje, promoção de fornos". Quer
dizer, esse seria o exemplo mais extremo e bizarro, mas mostra um pouco de
falta de sensibilidade. Ou será que mostra? Vai ver que o plano era: "Bom,
acabaram de lançar Selma. Será que os brancos vão assistir a esse filme?
Vamos oferecer alguma coisa para os brancos assistirem no fim de semana de
Martin Luther King". Sei lá, foi muito desconfortável. Isso me fez pensar
em snipers, e se precisa ter crescido na minha família para entender a
indignação intensa que a ideia do franco-atirador criou.
O
nome do meu tio era Lawrence Moore, mas chamavam ele de Lornie. O tio Lornie
foi uma pessoa que não conheci, porque nasci nove anos depois da guerra, mas,
desde muito cedo, estava claro para mim que a morte dele tinha afetado muito a
família. O impacto na minha avó foi muito intenso. Quando finalmente mandaram o
corpo dele de volta e enterraram no cemitério católico de Flint, ela convenceu
o marido a saírem da casa deles. Eles se mudaram para uma casa a duas portas do
cemitério. E ela ia lá todo dia visitar o túmulo dele. E,
para piorar ainda mais, a placa militar enviada para o túmulo pelo Departamento
da Guerra – era assim que chamava antes de virar Pentágono – não tinha o nome
do Lornie, nem Lawrence Moore, mas Herbert Moore, que era o marido dela, meu
avô, Herbert (eles também tinham um filho, outro dos meus tios, chamado
Herbert). Então, não tem nem o nome dele na lápide.
Era
um ritual que acontecia duas ou três vezes por ano com todas as crianças: ir lá
e colocar bandeiras no túmulo. Ele era um irmão querido. Para todas as tias e
tios, ele era querido, o gentil, aquele que todos procuravam, e isso impactou
muito a família. Sabe?
A batalha já tinha acabado nas Filipinas e eles tinham ganhado, essencialmente.
Eles estavam na província de Luzon marchando para a base por uma estrada. Os
soldados japoneses eram conhecidos por não desistir, e um franco-atirador em
cima de uma árvore atirou por trás na cabeça dele e o matou na hora. Eles
simplesmente não entendiam que tinha acabado, por que é que... que ato
absolutamente covarde.
Postei
também um segundo tuíte imediatamente, porque quis esclarecer o que eu queria
dizer com "sniper". Um sniper, para mim, é a pessoa da força
invasora. É o soldado e as pessoas que estão fazendo errado, que sobem nos
prédios ou em árvores, e se escondem, e derrubam pessoas sem elas saberem, sem
sequer terem a chance de contra-atacar. Se as tropas de outro país estivessem
marchando pela Broadway e alguém subisse num prédio para tentar pará-los, de
jeito nenhum, isso não é um sniper. É um defensor ou defensora da sua casa.
Assim como a pessoa que era o sniper, o franco-atirador árabe em Sniper Americano:
o que ele estava fazendo? Estava tentando impedir a força invasora.
Antigamente,
os snipers eram chamados de "sharpshooters" ou "marksmen"
(atiradores de elite). Só foram começar a ser chamados de snipers na Primeira
Guerra Mundial – e foram os alemães nessa época que aperfeiçoaram o conceito de
sniper, não os aliados. E aí isso continuou. Na Segunda Guerra –acho que dá
para procurar isso –, dois terços de todas as mortes provocadas por
franco-atiradores foram por soldados alemães e japoneses. E, com o desenrolar
da guerra, os russos descobriram como fazer isso. O que o Eisenhower fez em
1956, 1957: tinha a escola americana de snipers no Campo Perry em Ohio, e ele
fechou.
Por quê?
Não sei. Quer dizer, fiz umas pesquisas nesta semana. Ele
ficou fechado 30 anos, até que o Reagan reabriu em 1987 no Forte Benning.
Depois da guerra da Coreia, se falava muito – um veterano me contou essa
história – que isso não tinha muito a cara dos americanos. Os franco-atiradores
são muito necessários para a força invasora. Com o lado que se defende, a caça
acontece de muitas formas. Tipo, se fôssemos atacados, todos nos tornaríamos,
como tal, snipers, se você quisesse usar essa palavra. Mas, quando chegam os
libertadores, são os snipers que matam os libertadores. E essa é a confusão,
obviamente, quando você assiste à FOX News. Quer dizer: falando sobre Sniper
Americano, eles falam dos soldados americanos como libertadores do Iraque! Não
libertamos nada. Aliás, pioramos a situação e perdemos a guerra! Coloca isso aí
na coluna das perdas. E as pessoas deviam treinar dizer isso. Será melhor no
futuro se conseguirmos dizer que perdemos no Vietnã, perdemos no Iraque,
perdemos no Afeganistão. Por que inventamos esse conto de fadas sobre nós
mesmos? Não ajuda em nada e só vai fazer a gente ter mais problema no futuro.
A direita no país está defendendo esse filme e ele vem tendo
muito sucesso. Se você presumir que um filme faz sucesso porque as pessoas amam
o personagem principal, poderia-se dizer que os americanos estão adorando esse
atirador, certo? Por que você acha que isso acontece? Você está certo: em
geral, os snipers sempre foram uma ameaça. É sempre o coitado pego na praça que
leva o tiro e o franco-atirador está sempre escondido, numa atitude sorrateira.
Mas o que esse sniper está fazendo para a consciência coletiva norte-americana
que tanto satisfaz as pessoas e estimula a ida ao cinema? Tem um psicodrama
incrível acontecendo em torno desse filme no nível psicológico nacional.
Sim, e tem a ver com o fato de que, psicologicamente,
sabemos que estamos errados. Sabemos que não havia armas de destruição em
massa. Sabemos que 4.400 jovens americanos perderam suas vidas e inúmeras
dezenas de milhares de iraquianos. Sabemos disso tudo – e sério, no fundo, é
uma culpa muito arraigada.
Além disso, muitos republicanos órfãos da Guerra Fria que
também vão ao cinema não vivem numa bolha. Eles têm familiares ou vizinhos,
pessoas que voltaram dessa guerra transtornadas. Temos um problema enorme de
transtorno de estresse pós-traumático. Temos um problema psicológico enorme
aqui com os soldados que voltaram dessa guerra. E vou te dizer: nas duas vezes
a que assisti, no final fica um silêncio. Ninguém comemora. Mesmo quando o
Bradley Cooper mata o Mustafa, o sniper árabe, não rolou um "uhuu". E
acredite: assisti com um público que não está do meu lado do muro político. E
eles ficaram muito abalados, muito tristes. Todo personagem principal do filme
acaba ficando perturbado pela guerra ou morre. E não é uma celebração disso. As
pessoas podem entrar no cinema pensando "Ha ha!", mas não saem
dizendo "Ha ha!".
A última coisa que vou dizer é que muita gente quer assistir
agora por causa da polêmica e também porque foi indicado a Melhor Filme, e as
pessoas querem ver o melhor filme. Além disso, é o Clint Eastwood: ele já fez
alguns dos melhores filmes. Então, tem muitos motivos para as pessoas
assistirem, mas vou te dizer: assisti na segunda noite na Union Square, e não
tinha uma pessoa sequer que morasse no Village naquele cinema. Só tinha gente
que pegou o trem de Nova Jersey ou de Long Island. E a pesquisa foi feita: o
estúdio quer saber quem vai ao cinema. E o público desse filme é formado por
pessoas que vão ao cinema uma vez por ano ou [por] gente que nunca vai ao
cinema. É o público de A Paixão de Cristo que está nessas salas.
Vamos voltar um pouco à questão do sniper e à distinção que
você faz entre comentários sobre snipers e sobre o filme Sniper Americano. Você
tem uma conexão muito pessoal com o franco-atirador e seus efeitos, e não
existem muitas histórias modernas sobre snipers que ecoem na consciência americana
– tirando, talvez, se você voltar à Primeira e à Segunda Guerra Mundial, como
você estava dizendo.
Só que, mesmo nessa época, se você tentar lembrar, não tem
um sniper que, com o tempo, a sociedade aceitou como herói americano. Não faz
parte da nossa cultura. Tem uma história famosa do Jesse James e do covarde que
atirou nele pelas costas. Ele estava pendurando um quadro na parede da casa
dele quando um cara chegou na janela, atirou e o matou. O Jesse James não é
lembrado como o canalha. Ele era ladrão e assassino, mas o cara que o matou é o
canalha na história que se contou.
Crescemos ouvindo histórias assim. Nossos pais contam, pelo
menos para os meninos, que atacar alguém pelas costas é uma atitude covarde.
Acertar alguém sem a pessoa te ver, vir por trás, isso é considerado errado. A
própria palavra sniper: já ouviu a palavra sniping (tocaia, emboscada) ser
usada de um jeito positivo?
Não, nunca.
Tem um contexto negativo. Não fui eu que inventei isso outro
dia no Twitter. É uma crença comum, e é por isso que nunca fomos conhecidos
pelos nossos chamados snipers. Nas guerras das quais participamos, sempre é o
outro lado que tem snipers. E não é que a gente nunca tenha tido atiradores de
elite. Pelo amor de Deus, eu já ganhei um prêmio de atirador de elite da NRA
[Associação Nacional do Rifle americana] quando era criança. Mas acho que o
sniper normalmente é associado com o lado do mal, o que está lesando, sejam os
alemães nas duas guerras ou os japoneses no caso do meu tio.
Saiu outro filme agora chamado Corações de Ferro. Você já
viu?
Já, já vi.
Também tem um franco-atirador no filme e, no fim, ele mata o
herói americano. Então, parece que o valor do sniper está nos olhos de quem vê.
É o sniper malvado camuflado que mata o Brad Pitt, que estava destruindo um
batalhão de soldados da SS.
Eu gostei desse filme. É um filme de guerra bem feito e me
deixou nervoso mesmo na cadeira do cinema. E antes, no filme, quando eles
chegam na cidade onde tem outro sniper alemão, que era o problema de todos os americanos
que chegavam nessas cidades. A força invasora, os alemães, estavam ocupando a
cidade e tentando deter os libertadores. Eles não poderiam ganhar numa briga
justa, e pode-se dizer que os americanos tinham mais tropas, mais dinheiro e
mais poder de fogo. Mas também faço uma análise mais zen: [a de] que o
opressor, o invasor, o agressor basicamente – não sempre, mas muitas vezes – em
toda a História é derrotado. Em outras palavras, o bem triunfa sobre o mal. Com
algumas exceções – os povos indígenas sendo, claro, uma óbvia.
Recebo um monte de e-mails de gente dizendo:"O Chris
Kyle protegeu nossas tropas e salvou vidas". Bom, o que quer dizer isso:
"salvou vidas"? As vidas dos nossos soldados não deveriam estar em
risco para começo de conversa. Nós é que estávamos errados. Nós éramos a força
invasora e acabamos perdendo. Fomos até lá com falsos pretextos e deixamos o
lugar muito pior do que estava quando chegamos.
Considerando sua história e seus sentimentos pessoais a
respeito do conceito de sniper, você pode descrever como se sentiu quando
entrou na sala de cinema e também quando saiu?
Bom, fui na segunda noite da estreia. Só estava passando em
quatro cinemas no país. Gosto do Clint Eastwood e queria ver esse filme.
Sinceramente, o trailer e as propagandas na TV dele são melhores do que
qualquer outro filme do ano. Mas, quando cheguei lá, da fila da pipoca até
entrar no cinema, falei: "Nossa. Olha aí, estamos no Village e não tem
ninguém do Village aqui". Daí umas pessoas me viram, e uma falou
"Opa, que bom que você está aqui" e agradeceu pelo meu trabalho.
Fiquei muito feliz de estar lá com esse público, porque eles
ficaram muito abalados. As pessoas choravam. Ficou claro que estávamos em um cinema com 800 veteranos,
militares, familiares ou amigos, e pessoas que nunca vão no cinema. Aliás, a
pessoa com quem eu estava ria porque eu meio que fiz as vias de lanterninha. Ir
no cinema em Nova York é diferente de outros lugares, e as pessoas entravam,
olhavam, não encontravam lugares para sentar juntas e entendiam como o sistema
funciona. Elas estavam muito fora do seu habitat. Nem sei dizer, eu devo ter
dito umas doze vezes: "Olha, tem ali em cima". E eles olhavam
impressionados, porque não sacaram sozinhos. E eu perguntava para as pessoas: "Você
pode tirar esses casacos daqui? Pode deixar esse casal sentar?" Parecia
que eles estavam muito confusos, com uma cara que eu provavelmente faria se
estivesse tentando achar um lugar para sentar na sociedade de debates de
Oxford.
Enfim, fiquei muito feliz de estar lá com esse público,
porque eles ficaram muito abalados. As pessoas choravam. Elas estavam reagindo
àquilo. Nos créditos finais, não tinha música, foi muito sombrio. Todo
personagem principal do filme acaba transtornado pela guerra, se volta contra a
guerra ou morre. Não tem uma vitória norte-americana a se comemorar no final e
não tem ocasião de olha só o que fizemos, ou como no fim de O Resgate do
Soldado Ryan, em que você vê o Tom Hanks morrendo, mas no fundo você pensa:
Bom, ele não morreu em vão. Não tem nada disso nesse filme. Não tem catarse.
Conversei com a Deb, que organiza meu festival de cinema em Traverse City, e
ela disse a mesma coisa. Ela foi assistir no shopping. E disse que foi triste
do começo ao fim. Disse que tinha muita gente conversando durante o filme, a
maioria fazendo perguntas porque não entendia a política, não entendiam a coisa
xiita-sunita, e perguntavam: De que lado ele está? Tinha muita ignorância na
plateia.
Mas é interessante. Vi hoje que ele vai quebrar o recorde de bilheteria de filme recomendado para maiores de 17 anos, que até agora era de A Paixão de Cristo. E acho que estão descobrindo que o público é muito parecido. Não são pessoas que normalmente vão ao cinema, e se vão, não vão com muita frequência. Cinquenta por cento do público norte-americano nunca vai ao cinema. E outros 25% que vão só vão uma vez por ano. O público que frequenta o cinema são esses últimos 25%. Parecia mesmo o público de A Paixão de Cristo. Gente que normalmente esperaria sair em vídeo ou veria na TV, mas queria esse sentimento coletivo de sentar lá com os outros.
Mas é interessante. Vi hoje que ele vai quebrar o recorde de bilheteria de filme recomendado para maiores de 17 anos, que até agora era de A Paixão de Cristo. E acho que estão descobrindo que o público é muito parecido. Não são pessoas que normalmente vão ao cinema, e se vão, não vão com muita frequência. Cinquenta por cento do público norte-americano nunca vai ao cinema. E outros 25% que vão só vão uma vez por ano. O público que frequenta o cinema são esses últimos 25%. Parecia mesmo o público de A Paixão de Cristo. Gente que normalmente esperaria sair em vídeo ou veria na TV, mas queria esse sentimento coletivo de sentar lá com os outros.
Deixando de lado suas questões com snipers e a política da
guerra, seria justo dizer que você não tem nenhuma questão com o filme enquanto
produção?
O filme em si não comento normalmente, se você segue meu
Twitter. Eu, como muitos cineastas e diretores, tem meio que um código informal
implícito de que não criticamos os filmes uns dos outros. Se não gostamos de um
filme de outro diretor, não dizemos nada. Se gostamos, aí falamos aos quatro
ventos e incentivamos as pessoas a assistirem. É por isso que é raro encontrar
um cineasta atacando outro por um filme. Porque todos nós sabemos como é
difícil fazer um bom filme. A única vez que fiz isso no passado foi quando me
senti muito mal por tanta gente, principalmente trabalhadores, que estava
pagando para ver uma coisa que disseram que era uma coisa e não era, e aí eles
ficariam péssimos. Eles dão duro a semana toda, e hoje é muito caro ir ao
cinema, comprar um doce e coisas para as crianças. É o que acho. Então, sobre o
filme, eu não disse nada nos primeiros dois tuítes. E depois, quando finalmente
escrevi mais do que 140 caracteres, quando fui no Facebook e disse: "Bom,
não vou dizer nada sobre Sniper Americano, mas vou dizer o seguinte: Bradley
Cooper, uma das melhores atuações do ano". Sem dúvida. Como ele se
transforma... você nem pensa que é o Bradley Cooper.
Steve Carell fez a mesma coisa em Fox Catcher. Muito
rapidamente, aquele cara "Steve Carell" some e no lugar aparece um
monstro.
Exatamente. Esse é o sinal de um bom ator; então, esse é o
meu primeiro comentário positivo sobre o filme. A segunda coisa é que,
tecnicamente, é um filme bem feito. Acho que houve algumas boas escolhas em
termos de... foi muito ousado não colocar uma música no final, só os créditos
subindo no escuro. Preto e silencioso. Como história, acho que é aí que o filme
fica um pouco complicado para mim, porque o Clint basicamente quer fazer um
faroeste das antigas – tudo muito simples e sem complicar as coisas. Por
exemplo: as Torres Gêmeas foram atacadas, eles são chamados e, de repente,
estão no Iraque.
Se você não presta atenção em nada, basicamente o filme diz:
"Fomos atacados e aí contra-atacamos no Iraque". Claro, sabemos que o
Iraque não teve nada a ver com o 11 de setembro, mas o filme deixa implícito
que tem e que essa é a missão em que ele está para defender nosso país. Mas não
estamos sendo defendidos por ele estar no Iraque. Você pode defender que ir ao
Afeganistão para detê-los, e tentar pegar o Bin Laden e tudo isso, que teve
alguma legitimidade. Mas, antes, estava tudo nas mãos de um comandante-chefe
incompetente, e o novo chefe levou 13 meses – se tanto – para fazer o trabalho
que o Bush teve oito anos para fazer: pegar o assassino em massa. Então, tem
problemas de narrativa no filme, e acho que é por isso que as pessoas na
plateia ficavam falando, porque estavam confusas. Sniper Americano cobre o que
parece cerca de cinco ou seis anos, ou três ou quatro incursões no Iraque, e é
tipo: "Como é que ele sempre acaba na mesma cidade com aquele mesmo
cara?". É meio bobo nesse jeito faroeste das antigas. Foi meio filme B
nesse sentido. E, claro, tem todas as coisas históricas que estão erradas, mas
não queremos entrar nisso. É um filme. Não estou assistindo como documentário.
Mas acho que as pessoas ficam muito abaladas com o que
fizemos e continuaremos a nos abalar com isso. Onde eu moro, em Traverse City,
criei programas de apoio a veteranos com transtorno de estresse pós-traumático.
Faço conferências para encontrar empregos, montei o primeiro programa de ação
afirmativa para contratar especificamente veteranos das guerras do Iraque e do
Afeganistão, e qualquer militar da ativa e familiares pode entrar nos meus
cinemas de graça todos os dias do ano: eles não pagam um centavo. Não são
muitas empresas que oferecem coisas de graça todo dia do ano para militares da
ativa. E tem três cinemas que restaurei, são todos sem fins lucrativos. Montei
para que sejam das comunidades onde estão localizados.
O filme está passando no seu próprio cinema, né?
É, estou exibindo o filme em um dos três cinemas. E isso é
porque acho que faz parte do debate americano e as pessoas devem assistir. Não
dá para falar sobre ele sem ter visto. Vi o John McCain me criticando ontem
pelo que eu disse sobre os snipers em geral, e um repórter perguntou para ele
se ele tinha visto o filme, e ele disse: "Não, ainda não vi". Isso me
fez lembrar de quando ele foi no Lettermane criticou o 9/11,e o Letterman
falou: "O senhor viu o filme?". E ele disse: "Não, ainda não
vi". E o Letterman disse: "Senador, o senhor acha que é certo
criticar coisas que o senhor não viu?". E ele respondeu: "Não, você
deve estar certo. Preciso assistir".
Eu não passaria Transformers 5, porque é uma merda. Mas esse
não é uma merda de filme. E, aliás, o Clint Eastwood até disse que tem um
sentimento muito forte contrário à guerra no filme. Me diga, Eddy: quando você
saiu do cinema depois de assistir, você pensou: "Que ótimo filme para
recrutar jovens para o serviço militar?".
Acho que eu meio que me preparei para uma propaganda de
direita quando fui ver o filme. Quando assisti, fiquei assustado, porque
parecia um jogo de FPS. Pensei que isso tem um potencial muito perigoso. Se as
pessoas achassem emocionante e pensassem: "Nossa, o Iraque é uma versão na
vida real de um jogo de videogame que estou jogando. Legal". Então, foi um
momento alarmante. Mas fiquei vidrado o filme todo. Não tirei os olhos da tela
em nenhum momento. Então, é: fui preocupado e achei que o filme justificou,
sim, a preocupação, mas agora, falando com você, talvez tenha uma mensagem
contrária à guerra ali.
Tá, primeiro ele encontra o irmão na pista. Ele fica muito
feliz de ver o irmão, que vai pegar um avião para ir embora de lá. Você vê que
o coitado está completamente traumatizado. O sniper americano, Chris Kyle, está
todo animado de vê-lo, e aí o irmão finalmente conta a verdade para ele:
"Que se foda este lugar". Quantas vezes já ouvi isso dito por caras
que voltam de lá? "Que se foda esse lugar". E aí o melhor amigo dele
é morto: ele vai ao velório com a esposa, e a viúva do amigo lê a última carta
que ele mandou, uma carta contra a guerra. Entende? A guerra é um erro.
Clint Eastwood não é um ideólogo da direita. Ele é uma miscelânea
maluca politicamente. E, na verdade, ele é um libertário. Se quiser rotulá-lo,
deve ser provavelmente nisso que ele acredita politicamente. Não acho que ele
acredite que os Estados Unidos deveriam ser a polícia do mundo. Já é muita
coisa mostrar que o irmão é contra a guerra, o melhor amigo é contra guerra.
Parece que o Chris é o único que está tipo "Uhuu!". Todo mundo olha
para ele do tipo: "Está louco? Vamos abaixar a cabeça e cair fora daqui o
mais rápido possível, porra."
Todo mundo sabe da mentira que o Chris fica dizendo para si
mesmo: de que vale a pena. Ele tem de repetir isso, porque provavelmente sabe,
no fundo do coração, que não vale nada a pena. Não tem nada a ver com defender
os Estados Unidos da América, que é o único trabalho deles. É para isso que
pagamos nossos impostos. Para que, se formos atacados ou alguma coisa nos
ameaçar, sejamos protegidos. Isso não estava nos ameaçando. O Iraque não estava
nos atacando e não estava planejando nos atacar.
Lancei um livro de cartas de soldados, porque recebi muitas
de pessoas que se alistaram depois do 11 de setembro. Queriam fazer a sua parte
e, dois anos depois, foram mandadas para o Iraque e pensaram: "Mas que
porra estou fazendo aqui? Não foi para isso que me alistei".
Parece que o que você está dizendo é que o filme é menos
unidimensional do que o discurso em torno dele e a crítica contra você, que é
quase mais míope do que o filme em si.
Sim, exatamente. E aí a pergunta precisa ser feita: por quê?
Como foi que eu me tornei... por que virei o bode expiatório? Quer dizer, eu li
o que o Noam Chomsky escreveu sobre o assunto. Li Matt Taibbi, li Chris
Hedges... li o que os pensadores da extrema-esquerda disseram, e são todos
muito cruéis e ferozes contra o filme. E concordo com muito do que eles dizem,
mas não vão atrás deles. E o motivo pelo qual foram atrás do Seth Rogen é
porque temos uma grande penetração no mainstream do norte-americano médio. Meus
fãs, e obviamente a igreja da esquerda, adoram meu trabalho, compram meus
livros e assistem aos meus filmes, mas, se fossem só eles, eu estaria
condenado. Meus filmes passam em alguns shoppings e cinemas comerciais. E isso
é muito incomum para uma pessoa da esquerda – nosso trabalho, nossa arte –,
alcançar a massa dos Estados Unidos. Então, isso me torna perigoso para eles,
porque sabem que eu tenho esse público. Acho ótimo que, às vezes, receba
comentários do tipo: "Como foi que ele conseguiu dois milhões de
seguidores no Twitter? Alguém pode me explicar? Em que mundo vivemos?".
Não tenho um programa diário na TV como a Rachel [Maddow],
não tenho um programa semanal como o Bill [Maher]. Meu último filme foi feito
há cinco anos e meu último livro, há uns dois. Não estou na mídia todo dia. Não
apareço na TV. E, mesmo assim, tenho um número de fãs enorme que vai muito além
da igreja da esquerda – e,obviamente, Seth Rogen também, até mais, porque ele
não é uma pessoa política. Ele está muito, muito no mainstream, principalmente
com a geração mais nova. E isso o torna perigoso, e eles precisam detê-lo imediatamente.
Ele não pensou em nada muito político, achei que foi uma observação muito
astuta e engraçada que ele fez. Mas agora tem um restaurante em Michigan onde
Seth Rogen e eu não podemos comer. Criei a hashtag #tableforsethandmike
("mesa para Seth e Mike") para qualquer restaurante que aceitar nos
servir, por favor, mandar o nome para nós. [risos]
Obviamente, você viu o cartaz que a Sarah Palin levantou:
"Michael Moore", com miras nos dois Os.
Aquele que acabou com a carreira política dela no sábado?
É.
É, eu postei aqueles dois tuítes no domingo. E, na
segunda-feira, percebi que era melhor fazer um post no Facebook, porque moro em
uma nação onde muita gente não consegue compreender. Fora que 140 caracteres
não é muita coisa. Então, fiz [um post] no Facebook e decidi que não ia mais
falar nada até sexta-feira. Não postei nada no Twitter sobre o assunto, não
falei nada, não fiz nada: simplesmente decidi deixar esses malucos cansarem e
gritarem a semana toda. Não vão me ver contra-atacando, o que vai aumentar
ainda mais a gritaria e maluquice, e essencialmente deixá-los socarem a própria
cara. Era isso que eu esperava que fosse acontecer. Pensa: a grande maioria dos
seguidores dela são evangélicos. Gente cristã de bem. Eles ficaram chocados ao
vê-la segurando um cartaz escrito "Vai se foder".
Essa é uma pessoa que se coloca como uma respeitável mãe
americana.
É. Valores da família. Muito exemplar, e ela fala coisas do
tipo: "Valei-me, minha nossa senhora". Ela ficou tão irritada comigo
que abaixou a guarda e mostrou quem é de verdade, e a direita cristã viu e
ficou horrorizada. A repercussão negativa nas redes sociais foi imediata e
também se repetiu no sábado antes do discurso dela. Minha teoria é que ela
achou que seu próprio povo se voltou contra ela, e isso deixou-a aturdida. E aí
acho que o teleprompter pifou, né? Ela não conseguiu [se] recuperar, e estava
bem no meio. Preciso ver de novo, não lembro. Vi na C-Span. Mas, no começo, ela
estava me criticando, estava sendo muito criticada pelo próprio povo, e aí
começou [a ir] para cima de mim, e o teleprompter cai. Então, enfim. Gosto de
imaginar que foi um bom ou uma boa sindicalista...
Que desligou o aparelho?
[risos] Que desligou o aparelho. Mas, seja como for, ela
ficou atordoada. Se você acompanha as notícias sobre ela agora, nos últimos
quatro dias, só se fala que ela acabou. Estão atacando-a na Fox: Bill Kristol,
que era um grande apoiador dela. Todas essas pessoas a abandonaram por causa
dessas duas coisas que ela disse: segurar um cartaz usando a palavra
"foder" e o atordoamento dela quando ela foi me atacar, e se perder e
não conseguir mais falar.
Com as miras e os Os, ela já não tinha tido problema? O site
dela alguns anos atrás não tinha miras em alguns distritos no país?
Sim, e ela teve de tirar. E, no cartaz do "Vai se
foder", ela colocou miras nos dois Os do meu nome. E isso também teve
repercussão negativa, obrigado por me lembrar. Então, foi por usar o palavrão e
voltar a colocar a mira em um ser humano.
De qualquer forma, estou olhando a foto agora e ela está
fazendo um sinal com a mão que é bem "trasheira". Sabe quando você
levanta o dedinho e o dedão? Não sei nem como chama. Tem um nome.
É, sei do que você está falando.
É tipo um sinal meio festeiro. É bem engraçado.
[risos] É mais tipo: "Vamos matar esse filho da puta e
fazer FESTA!".
Tem uma coisa que é muito zoada e grosseira no que ela está
fazendo com as mãos. Preciso te fazer uma última pergunta, porque não posso
terminar uma entrevista falando sobre a Sarah Palin. Você permite que pessoas
que sofrem de transtorno de estresse pós-traumático usem seus cinemas como
espaços de reunião. Como você acha que o filme lidou com a questão do
transtorno, já que o assunto é tão próximo de você?
Bom, eu me identifico com ele através dos veteranos que
ajudo, mas também me identifico pessoalmente. Não tive de passar pelo que eles
passaram no Iraque, mas tive de lidar com as ameaças que sofri depois do meu
discurso no Oscar; e, depois de Fahrenheit, houve meia dúzia de agressões contra
mim. Tive de contratar segurança, essencialmente seis ex-Seals da Marinha e
Boinas Verdes, e eles pegaram um cara que fez uma bomba de fertilizante para
explodir a minha casa. Então, também tive problemas nesse sentido.
Fiquei feliz [pelo transtorno] estar no filme. Sabe, o Clint
não tentou retratar nem os soldados nem os veteranos como uma operação
monolítica de He-Man. Eram todos gentis. E acho que são. Sei que isso
desencadeou coisas boas para pessoas que querem lidar com o problema do trauma
e acho que o filme vai gerar uma vontade de ajudar os veteranos que retornam.
Espero que promova coisas boas em níveis emocionais. Mas, no nível cognitivo,
os americanos que assistem a esse filme precisam se comprometer a nunca mais:
nunca mais vamos permitir que uma situação como essa se repita.
E se presta pouquíssima atenção a isso... o grande funeral
que fazem no final com a caravana parece uma coisa que se faz para alguém que
morreu na guerra. A guerra em que ele morreu foi a guerra em casa – a guerra do
veterano que retorna, mas não recebe ajuda. Mas também é a guerra de uma
cultura americana, especificamente a cultura texana, que diz: "Claro, dá
uma arma para todo mundo. Vamos para o campo de tiro. Ah, ele tem transtorno de
estresse pós-traumático? Não tem problema, toma uma arma". A arma
americana, a cultura e a atitude americana com relação às armas mataram Chris
Kyle. E isso é tratado de forma muito breve no filme. Só sabemos como ele
morreu. O Clint não mostra a cena em que ele pega a arma e eles vão ao campo de
tiro, e [não] mostra a cena no campo de tiro e [não] mostra que, depois de tudo
que ele passou no Iraque, ele é morto desse jeito por um colega do exército.
Não foi um liberal, nem um manifestante, mas um deles. A coisa toda é um erro,
a guerra toda era um erro. Era imoral, era ilegal. O Papa disse que não é uma
guerra justa, e é completamente... olhe as estatísticas dos caras que voltaram
em termos de violência doméstica.
Abuso de remédios controlados...
Nossa. É muito... e tenho a impressão de que as pessoas
acham que o que os olhos não veem, o coração não sente. "Não quero pensar
nisso". Mas se o filme faz pensar sobre isso, terá feito uma coisa
positiva; mas se saírem do filme pensando "Ansioso para a próxima guerra,
para a gente pegar mais desses criminosos"...bom, desculpa, pessoal, mas
não vamos aprender a lição até estarmos dispostos a dizer: "Nós fomos os
criminosos, nós fomos os caras que erraram aqui". As pessoas estavam
defendendo suas casas, e é por isso que estavam matando a gente. Assim como a
gente os mataria! Se um grupo de iranianos ou iraquianos ou canadenses
aparecesse na rua principal da sua cidade, me diz se você faria diferente.
É mais complicado que isso, porque eles não só estavam
matando soldados americanos, mas estavam também se matando entre si. E,
sinceramente, de certa forma, talvez seja perfeito que esse filme tenha sido
lançado agora em um momento em que o ISIS trouxe a guerra do Iraque de volta
para a consciência das pessoas e expôs a complexidade de lá que ninguém sabia
que existia quando fomos ao Iraque, porque não se prestou atenção nem se
aprendeu com isso. É interessante o filme sair agora, quando tudo está voltando
a aparecer, porque nós que despedaçamos essa coisa. A confusão é agora e ainda
está por vir.
Despedaçamos mesmo. Não digo que o Saddam Hussein fosse um
cara do bem, mas ele claramente entendia que a única forma do Iraque não se
desintegrar era ser um país laico, não religioso. Se a religião fosse
introduzida, haveria uma guerra civil. E ele estava certo. É isso que está
acontecendo agora.
Será que passaríamos um filme que se referisse
constantemente aos indígenas americanos como selvagens?
Preciso dizer, antes de encerrarmos, que o retrato dos
iraquianos, árabes e muçulmanos nesse filme é muito ofensivo. Estamos
discutindo isso aqui na nossa casa, em Michigan. Existem muitos povos indígenas
aqui. E será que passaríamos um filme que se referisse constantemente aos
indígenas americanos como selvagens? O termo é falado muitas vezes nesse filme.
A primeira vez que ouvi, pensei: "Tá, entendi, os soldados falam
assim". Mas aí continuou se repetindo, e aí ouvi o Clint Eastwood falando,
não os soldados. Ele precisava muito afirmar essa ideia. Ele precisava afirmar,
do ponto de vista da história, que os outros lados eram selvagens, que eles
enfiariam uma furadeira na cabeça de um menino. Isso ele precisava muito.
A primeira coisa que escrevi sobre a confusão que ele faz
entre Vietnã e Iraque foi que a coisa toda de mandar crianças ou mulheres com
granadas, ou enfim, isso faz parte da mitologia do Vietnã. E aconteceu de fato
no Vietnã algumas vezes, mas isso assustava todo mundo, fazia todo mundo achar
que os vietnamitas eram animais. Bom, isso não aconteceu na guerra do Iraque.
As crianças não eram pegas em armadilhas, não levavam granadas e essas coisas
todas. Na Palestina, tinha mulheres que faziam atentados suicidas: teve a
mulher que tentou um ataque suicida na Jordânia, mas estão tentando negociar a
libertação agora. Mas isso não foi na guerra do Iraque. Não teve esse tipo de
coisa.
Perdemos muitas pessoas e muitos membros por causa de
celulares e bombas caseiras que plantavam na estrada e explodiam. E aí o
Rumsfeld se recusou a trocar os veículos da General Motors; então, nos
primeiros anos, o chão dos veículos era praticamente papel alumínio. O pessoal
lá começou a adaptar: pegavam sucata e parafusavam na porra toda para poder
viver, porque o Pentágono não queria dar veículos nos quais eles pudessem
sobreviver. Então, é ofensivo ouvir essa palavra dita em todo o filme por...
não por pessoas ruins, mas pessoas boas, o que faz parecer que tudo bem dizer
essas palavras sobre os iraquianos "selvagens".
Isso também reforça um sentimento sobre os árabes e
muçulmanos que me deixa desconfortável. Mas – sabe? – não estou dizendo para
tentar esconder isso. Existem problemas sérios. Até o cara com a bomba de
fertilizante, posso citar um exemplo em dez anos contra mim. Se eu morasse em
outros países, seria um pouco mais frequente. Então, não quero comparar isso
àquilo, mas postei uma coisa no Facebook , porque me pediram nos últimos dias,
com o Clint Eastwood. Se ele me ameaçou de morte? O Snopes finalmente fez uma
matéria sobre isso ontem e disse que sim: é verdade, aconteceu em 2005 no
restaurante Tavern on the Green. Acho que todo mundo levou como piada ou meio
piada, mas foi uma dessas situações esquisitas em que ele não esperava uma
risada, e aí as pessoas riram, e ele não gostou e disse: "Aí, estou
falando sério. Te meto bala". E aí ficou um silêncio, do tipo: "Qual
é o problema dele, porra?". Não se brinca com certas coisas. Não se fala
para uma mulher "Aí, vou te estuprar" e, depois de uma risada
nervosa, "Não, estou falando sério! Vou te estuprar!". Não diga isso,
por favor. Não é legal.
Vamos encerrar aqui. Uma última coisa: nenhum filme consegue
contar toda a história. Com certeza, existem muitas histórias iraquianas que
não estão sendo contadas nesse filme. Mas a última cena, em que o Chris vai até
a porta e sabemos o que vai acontecer: e a história não contada desse
assassino? Será que devemos saber sobre eles? Tem alguém contando essa história
do veterano iraquiano que volta para casa destruído psicologicamente?
Não, não está sendo contada. Ninguém pensa nisso no dia a
dia. As pessoas não querem pensar na seriedade que esse problema pode ter.
Vamos pagar o preço por isso se não tratarmos do assunto. Já estamos pagando. É
um grande problema e deveria ser prioridade máxima.
Onde as pessoas podem buscar saber mais? Você quer indicar
algum lugar?
As linhas de apoio aos veteranos que foram criadas por
grupos de veteranos. Tem um documentário em curta-metragem, que foi indicado ao
Oscar neste ano, chamado Crisis Hotline: Veterans Press 1 ("Linha Direta
da Crise: Veterano, Digite 1", em tradução livre). É muito forte. É
baseado em uma linha direta de veteranos que funciona perto daqui. Então, acho
que tudo que você puder fazer para apoiar e incentivar, localmente, psicólogos
e psiquiatras a doarem o tempo que tiverem. Não dependa do governo para isso. E
também tem grupos muito bons, como os Veteranos Americanos do Iraque e do
Afeganistão, e outros que estão tentando ser bons defensores dos veteranos. E
acho que as pessoas devem entrar para esse grupo. Devem apoiá-lo, e também acho
que devemos forçar nossos representantes a fazerem disso uma prioridade. Nosso
sistema de saúde tem um problema, porque não tratamos de saúde mental da mesma
forma. Devemos nos preocupar igualmente com a saúde mental e física.
Quantos veteranos cometem suicídio por dia?
São 22 por dia.
Isso é assustador.
A porcentagem de veteranos em situação de rua é assustadora.
Se fosse possível mostrar para jovens no ensino médio: "É assim que o seu
país te agradece pelo seu serviço". Escrevi um blog no ano passado dizendo
que quero que todo mundo pare de dizer para os soldados e veteranos:
"Obrigado por servir o nosso país". Eles não querem ouvir isso:
querem que você cale a porra da boca e faça alguma coisa. Garanta tratamento de
saúde mental. Vote em políticos que não vão os mandar para a guerra por motivo
nenhum. Sabe? Se quer agradecer, é assim que pode fazer.
Tradução: Aline Scátola
por Eddy Moretti
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