terça-feira, 21 de outubro de 2014

ABALANDO BANGU

Fui ao Rio para ver o Napalm Death no Circo voador e, de bônus, assisti um show da Gangrena Gasosa, lendário “combo” de “sarava” metal, no subúrbio, em Bangu. Para tanto pegamos, eu e meu camarada Chorão 3, ex-letrista e vocalista da banda, um trem – lotado, pra variar – na Estação de Engenho de Dentro. Com direito a vendedores ambulantes e pedintes de todo tipo, inclusive uma garota que solicitava contribuições para comprar um leite especial para seu filho que, segundo ela, tem leucemia. A Supervia deseja a todos uma boa viagem ...

Saltamos em Bangu do lado de um shopping Center que, Chorão me informou, funciona numa fábrica desativada que, antes, havia servido de cenário para o Campo de Concentração do filme “Olga”. Há sempre uma curiosidade ou um marco histórico em cada canto que você andar, no Rio de Janeiro ...

Outra coisa que eu acho curiosa é que boa parte dos bairros do Rio parece funcionar como uma pequena cidade à parte – com um às vezes fervilhante comércio local, por exemplo. Alguns, inclusive, têm clima de cidade do interior, com a tradicional pracinha da igreja onde a população se reúne para colocar as fofocas em dia. Foi a impressão que tive de Bangu. O show aconteceu num Clube social que ficava próxima a uma dessas pracinhas. O Clube é bem bacana, tem aquele clima que remete aos tradicionais bailes da década de 1950, com um amplo salão ladeado por um mezanino. No som rolava uma discotecagem meio deslocada das atrações da noite, porém bacana ...

As atrações da noite atendiam pelo que é chamado popularmente de “rock pauleira” – na verdade nem sei se ainda se usa este termo, de repente já está ultrapassado. O tempo passa e a gente nem se dá conta. Enfim: a primeira banda, Deus Castiga, era muito boa e era de grindcore. Boa pegada, especialmente do baterista, que é muito bom. Já a segunda, Evil Inside, surpreendeu: subiu ao palco uma galera com pose de headbanger virtuoso e uma garotinha magrinha, franzina até, mas que assustou a todos quando soltou o primeiro urro gutural. Fazem um som, no entanto, meio clichê, uma espécie de death metal melódico. Passado o susto inicial, tornou-se meio enfadonho, com aqueles solos de guitarra intermináveis e estrutura melódica “manjada”. A presença de palco da “front girl” também deixa a desejar, talvez por inexperiência – mal do qual não sofre a Deus Castiga que, soube depois, é uma banda nova, mas formada por figurinhas carimbadas do underground carioca.

A grande atração da noite era, no entanto, a Gangrena Gasosa. Era apenas o segundo show que eu via deles na vida, desta vez num esquema mais real, “pé no chão” – UNDERGROUND, mesmo. O outro foi abrindo para o Cannibal Corpse no Circo Voador.  A Gangrena é uma daquelas bandas que você curte e fica se perguntado porque, afinal, não são mais conhecidos do grande público, porque é sensacional! A resposta só pode ser uma: porque o mundo é injusto. São, no entanto, uma banda “Cult” – no sentido de cultuada, mesmo que por um número reduzido de seguidores. E eu pude comprovar isso naquela noite: entraram no palco sob uma ovação impressionante do público presente e já começaram passando por cima das adversidades, notadamente o som “capenga” da frente do palco, cujas caixas haviam “estourado” durante a apresentação da segunda banda de abertura – soube depois que eles não sabiam disso e o retorno estava ok. Menos mal, porque o público não se fez de rogado e já começou cantando junto o primeiro “hit”, “surf Yemanjá”.  A catarse tomou conta e as Invasões de palco foram se sucedendo, inclusive de um cidadão com uma curiosa máscara de cavalo e de uma aranha que parece ter resolvido sair de sua reclusão no teto e tecer sua teia até o meio do palco para conferir que porra era aquela que estava acontecendo. Angelo, um dos vocalistas – o Zé Pelintra - percebeu e interagiu com o inseto, com um resultado visual interessante que eu espero que tenha sido captado por algum fotógrafo mais atento ...

Pérolas do cancioneiro “underground” foram entoadas em uníssono por todos: “Eu não entendi Matrix”, “Quem gosta de Iron Maiden também gosta de KLB”, “Fist Fuck agredi”, “Terreiro do desmanche” e “Centro do Pica Pau Amarelo” – a galera adora gritar que “Emilia pomba gira é uma boneca de Vodu”, bem como invocar o “coisa ruim” em “A Super via deseja a todos uma boa viagem”. Bem legal ver tudo isso do lado do cara que criou a maioria daquelas letras. Muito bom também ver que ele, mesmo há tanto tempo fora da banda, ainda é reconhecido e celebrado por isso: várias pessoas o reconheceram e fizeram questão de pedir autógrafos e tirar fotos juntos – alguns, inclusive, de forma histérica! Coisa de fã mesmo. Assédio que se repetiu, de forma ampliada, no fim do show, quando a banda teve que ficar um bom tempo atendendo ao público do lado do palco, em meio à farofa de despacho e aos doces que se espalhavam por todo o recinto – era dia de Cosme e Damião.

F iquei feliz em constatar, também, que a faixa etária dos presentes no recinto era bem baixa, o que indica que a banda está conseguindo renovar seu público. Bateu, inclusive, uma curiosidade em saber como aquelas pessoas haviam conhecido a Gangrena Gasosa. Fizemos a pergunta a um garotão – não aparentava ter mais de 20 anos – e a resposta foi interessante: ele disse que era Testemunha de Jeová e conheceu a gangrena pesquisando sobre macumba na internet. Acabou virando fã e saindo da igreja.

Parabenizei-o por isso ...

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por Adelvan

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