quarta-feira, 19 de março de 2014

ECCE HOMO

Foto por Saulo Coelho Nunes
Fui surpreendido recentemente por dois resgates de meu trabalho da época em que o Escarro Napalm era um fanzine xerocado distribuído via correio: primeiro o camarada Aquino relançou uma das edições do Escarro, a número 6, lançada há já longínquos 20 anos durante o Festival BHRIF, em Belo Horizonte. Foi bem legal vê-lo novamente à disposição numa banquinha de publicações alternativas de um evento "underground". Depois o blog "Noisey", da revista eletrônica Vice, me solicitou uma entrevista que foi publicada como parte da série "Zine é compromisso", que você pode ler AQUI. Muito bom ver que algo que eu comecei de forma tão despretensiosa na década de 1980 em Itabaiana, interior de Sergipe, ainda desperta interesse, tantos anos depois.

Recebi também a visita nos estúdios da Aperipê FM, durante o programa de rock, da equipe do site "Cultura Interativa", para uma entrevista muito bacana que você pode ouvir AQUI. Aproveitei para também entrevistá-los ao vivo durante o programa, mas esta só ouviu quem acompanha nosso humilde programinha de rádio, que vai ao ar todo sábado a partir das 19H pela frequencia 104,9 FM em Aracaju e região, e na net via streaming em www.ideastek.net/aperipefm

Abaixo, a entrevista para o Noisey, na íntegra:

Noisey: É verdade que, quando você começou a fazer o zine Napalm, você nem sabia o que era conceitualmente um fanzine? Como foi que você se deu conta de que estava fanzinando?

Adelvan: Sim, é verdade. Eu nasci e morava em Itabaiana, cidade do interior do estado de Sergipe, e comecei a ser atraído pelo universo do rock através do que via na TV, principalmente - e quando eu falo TV, aqui, falo da TV aberta, pois na época, meados da década de 1980, não existia TV por assinatura. De vez em quando o Fantástico fazia uma matéria sobre o assunto e então subitamente a gente ficava sabendo que existia um bando de malucos autodenominados punks, em São Paulo, que tinham um comportamtento exótico e agressivo, e só. Com o Rock In Rio o estilo ganhou mais evidencia e eu comecei a me identificar com tudo aquilo. Tinha 14, 15 anos. Algumas revistas chegavam por lá, como a Bizz, Roll e Somtrês. Em Aracaju chegava a Rock Brigade, e foi através dessas publicações que eu fui me aprofundando naquele mundo, totalmente novo para mim. O ciúme que eu tinha de minha nascente coleção aliado à vontade de compartilhar as informações me levou a ter a iniciativa de fazer uma "apostilha" - sim, era assim que eu chamava! - xerocada para distribuir entre alguns amigos, na ânsia de que mais pessoas se interessassem também pelo assunto e eu tivesse, finalmente, com quem conversar. Era bem básico, apenas pequenas biografias de bandas clássicas, como Led Zeppelin, AC/DC, Metallica e Venom, mas, por ser feito no interior, algo bastante inusitado para a época, chamou a atenção dos proprietários da primeira loja especializada em rock no estado, a Disturbios Sonoros, que ficava em Aracaju. Eles me disseram que o que eu estava fazendo se chamava fanzine, uma espécie de revista de fã, e ajudaram a fazer uma tiragem maior - 100 cópias - da edição número 5, que passaram a vender na loja. Silvio, vocalista de uma das primeiras bandas punk/Hard Core do estado, a Karne Krua - em atividade até hoje - viu o zine por lá e decidiu me escrever. Ele me mandou uma pacote cheio de publicações, panfletos e informativos ligados à cena punk, e foi assim que eu fiquei sabendo que havia uma verdadeira rede subterrânea fazendo circular informações sobre um cenário do qual eu não fazia idéia da existência.

Noisey: O que rolou nesse hiato entre o Napalm e o Escarro Napalm? Você considera que as duas propostas têm parentesco entre sí?

Adelvan: Sim, O Escarro Napalm foi uma espécie de continuação mais amadurecida, na medida do possível, do meu fanzine anterior - cujo nome eu tirei da célebre casa noturna que havia em São Paulo. Eu cheguei inclusive a manter alguns correspondentes fora do estado, com o Napalm, mas  muito poucos, três ou quatro, no máximo. Parei porque entrei na faculdade e não tinha mais tempo nem dinheiro sobrando. Daí, já no início da década seguinte, em 1991, saí da faculdade e me mudei para Aracaju. Fiz minha primeira viagem a São Paulo - e ao Rio, fui a Rock in Rio II, no Maracanã - e fiquei deslumbrado com toda aquela movimentação. Na viagem de volta me lembro bem que observando aquele caos urbano, metrô, marginal, fui me dando conta de que poderia dar minha contribuição daqui mesmo do meu cantinho do mundo, e resolvi me integrar à cena local, ajudando a organizar shows e voltando a fazer um fanzine. Dessa vez com mais cara de "revistinha", algumas folhas de papel A4/oficio dobradas e grampeadas na lombada. O "Napalm" era grandão, pesadão. O Escarro foi melhor planejado, fiz menor e com menos páginas para que pudesse tirar mais cópias. Lembro que tirei cerca de 20 cópias e mandei todas de uma vez para alguns enderêços que me chamaram a atenção na coluna "Run, Xerox", da revista Animal, de quadrinhos, que eu colecionava, e foi assim que tudo (re)começou. A primeira pessoa que respondeu foi o Fellipe CDC, de Brasilia, de quem sou amigo até hoje.

Quando saiu a primeira edição do Escarro Napalm, qual sua periodicidade e quanto tempo durou?
1991. Durou até 1995. Teve 7 edições "regulares" e uma edição especial. Não havia uma periodicidade defininda, mas eu geralmente conseguia fazer um a cada 6 meses, aproximadamente. O número 2 eu fiz numa edição conjunta com o Buracaju, zine que Silvio, da Karne Krua, editava desde os anos 80. Foi bem legal porque foi meio experimental, Silvio tava a fim de fugir um pouco daquela estética punk engajada e então fizemos uma coisa bem livre, com os assuntos que nos viessem à mente. Assinamos, inclusive, alguns textos juntos, como um no qual criamos uma banda fictícia extreamamente radical, satirizando os extremos do underground.

Noisey: A que tipo de música e ideias o Escarro Napalm mais dedicava espaço?

Adelvan: Isso era curioso, porque pelo nome do zine muita gente esperava que focasse apenas em coisas como grindcore ou Hard Core, mas eu sempre fui bastante eclético e curtia muito o que na época chamávamos de "guitar bands", por exemplo. Pixies, Sonic Youth, Nirvana, Dinosaur jr, Pin Ups, Killing chainsaw. Curtia muito rock industrial, também: Ministry, Nine Inch Nails, Laibach, e uma banda gaúcha chmada GDE - Grupo de Extermínio - da qual eu gostava muito. Focava na música independente, "underground", mas num aspecto bastante amplo, diversificado. Numa mesma edição havia uma entrevista com o No Sense, de Santos, pioneiros do grindcore nacional, e uma matéria sobre o Second Come, do Rio. Do nordeste tinha muito contato com a Câmbio Negro HC e o Eddie, de Pernambuco, e a Living In The Shit, de Maceió. Fazia também pequenas biografias das bandas locais que eu mais curtia, como a já citada Karne Krua e o Camboja, uma espécie de projeto industrial lo-fi genial que eu ainda considero, até hoje, umas das bandas mais criativas e interessantes que já tivemos por aqui - e olha que o cenário local hoje é riquissimo e bastante diversificado. Mas o Camboja marcou demais na época. Era diferente de tudo.

Sempre abria espaço também para os quadrinhos. Era muito amigo do Joacy jamys, do Maranhão, grande desenhista. Ele fez uma das melhores capas do Escarro - as duas primeiras, tosquíssimas, eu mesmo desenhei, mas depois recebi excelentes colaborações de verdadeiros artistas talentosíssimos, como o Edgar S. Franco, de Minas, Cláudio MSM, do RS, Henry Jaepelt, de Santa Catarina, Alberto Monteiro, do Rio, e Yury Hermuche, que morava em Brasilia e hoje está radicado em São Paulo. Toca no Firefriend.

Noisey: Houve alguma publicação temática ou especial, com uma história curiosa ou diferente para contar? Como no caso do Esquizofrenia, que fez uma edição inteira dedicada ao Indie Sueco, e o Aaah!!, que chegou a ter mais de 50 páginas em um de seus números?

Adelvan: A última encarnação do Escarro foi uma edição especial gigante e meio megalomaníaca que eu chamei de DELIRIUM. Ficou tão grande que eu não tinha como grampear, então resolvi lançar encadernado em espiral com capa em acrílico! Não deixou de ser uma espécie de retorno às origens das "apostilhas", mas desta vez bem mais caprichada e "charmosa". Desnecessário dizer que ficou também muito caro, e por isso acabou tendo uma tiragem reduzidíssima. Acho que não chegou a 30 exemplares. Mas não tinha nenhum tema específico não, seguiu a linha do fanzine regular mesmo, falando um pouco de tudo - Nietsche, Lampião, pornografia e resenhas do Segundo Juntatribo por Andhye Iore, de Maringá, e do BHRIF - sensacional festival que aconteceu em 1994 em Belo Horizonte e que trouxe o Fugazi ao Brasil pela primeira vez.

Noisey: O que motivou o fim da publicação e com que outros projetos similares você se envolveu depois? Você se empolgaria a voltar a fazer fanzine hoje em dia, nos moldes dos zines atuais, que geralmente se dedicam mais a essa coisa de papéis e impressões híbridas?

Adelvan: Tenho notado isso, que os zines de hoje em dia estão, no geral, bastante elaborados, visualmente e em termos de texturas, com tipos de papel diferenciados. Faz sentido, é uma forma de se ter um "plus" em relação aos arquivos digitais. Mas isso não é exatamente uma novidade, está mais para uma tendência. Haviam zines bastante elaborados e em formatos criativos, com dobras diferenciadas, nos anos 90 também. Uma coisa que muita gente elogiava nos nossos fanzines, tanto os meus quanto os de Silvio, era a qualidade das cópias. Procurávamos sempre as melhores máquinas da cidade para valorizar nosso trabalho - que não era pouco. Tanto que muita gente achava que era impresso em gráfica! Eu ficava puto com o Jamys, por exemplo, que sempre mandava ótimos zines, muito bem desenhados e diagramados, mas em cópias horriveis, às vezes ilegíveis. Então essa preocupação com a estética existia. Nisso fui bastante influenciado por Silvio, ele era especialmente bom em diagramação e vivia experimentando novas técnicas para obter um resultado visual diferenciado, como por exemplo quando começaram a aparecer as xerox coloridas. Lembro que ele lançou alguns fanzines em xerox azul, e eu usei no DELIRIUM uma técnica que aprendi com ele para deixar a capa em duas cores: primeiro imprimia uma parte da imagem numa cor, no caso, preto, e depois outra imagem por cima em outra cor, no caso, vermelho. O resultado ficou bem legal.

O fanzine acabou por puro cansaço. Simplesmente não conseguia mais responder às pilhas de cartas que só faziam crescer e se acumular. Passei uns bons 10 anos, de 1995 a 2005, aproximadamente, trabalhando "nos bastidores", digamos assim. Nunca deixei de frequentar a cena: tive uma loja especializada, ia a shows e apoiava os eventos na medida do que me era possivel, mas não tinha mais um veículo no qual pudesse me expressar. Tudo mudou à medida que a internet foi se popularizando, especialmente com a chegada dos blogs e das redes sociais. A principio exitei, era muita informação e eu me perguntava se o mundo realmente precisava de mais, mas aos poucos fui notando que a cena local, sim, carecia de mais e melhores registros. Então retomei o Escarro em formato de blog. Está lá, no ar. Atualizo sempre que posso. Produzo também um programa de rádio na emissora pública local, a Aperipê FM, que pode ser ouvido ao vivo on line todo sábado a partir das 19H em www.pdrock-sergipe.blogspot.com

Noisey: Qual era o seu envolvimento com a cena underground local à época do lançamento das primeiras edições? Você já tinha bastante acesso a novidades, ou já tinha essa coisa de ser um garimpador de música e uma veia politizada?

Adelvan: Aos poucos eu fui descobrindo a cena "alternativa", frequentando os shows e fazendo novos amigos. Ás vezes ajudava a produzir, mas minha onda era mais a de registrar, mesmo, daí os fanzines. Em todo o caso, já cheguei a fazer parte de uma banda, um dos muitos projetos de Silvio - sempre ele - que se chamava ETC - depois 120 Dias de Sodoma - e era uma espécie de noisecore pornográfico com influencias de todo tipo, do rap aos ritmos regionais - antes do Raimundos e do mangue beat! Foi uma espécie de desabafo esporrento de Silvio contra o patrulhamento ideológico "politicamente incorreto" dos punks, ao qual aderi entusiasticamente.

O acesso às novidades era bastante restrito, pelas próprias limitações tecnológicas da época mesmo. O grande canal era o dos zines, através dos quais a gente ficava conhecendo antes, inclusive, algumas bandas e nomes que posteriormente teriam projeção maior, como o Pato Fu - tinha contato com o guitarrista John via carta - e a Pitty, que eu conheci no Inkoma. Tocava muito aqui naquele velho esquema DIY, "colaborativo". Já os hospedei em minha casa, inclusive. Tudo foi mudando aos poucos, primeiro com a chegada da MTV, depois com a popularização da internet. Vivemos praticamente num mundo diferente, neste sentido, hoje em dia. Admirável mundo novo. Para o "bem" e para o "mal".

Noisey: A distribuição das publicações começou via correio, vendas em lojas/shows? Como era essa parte? A tiragem era grande, costumava esgotar rápido?

Adelvan: A tiragem variava entre 100 e 150 cópias. Geralmente trocadas por outras publicações ou demos de bandas. Quase sempre via correio. Caso a pessoa estivesse interessada e não tivesse nenhuma produção a oferecer, a moeda de troca eram sêlos. Muitas vezes com cola, para que fossem reutilizados - lavava-se os sêlos para que o carimbo dos correios saísse.

Noisey: Se você fosse pontuar os cinco momentos/fatos/bandas/discos mais importantes da música que o Escarro Napalm teve a chance de registrar em suas páginas, quais seriam?

Adelvan: Entrevistei a Gangrena Gasosa - sou fã - e o Patu Fu em início de carreira - pirei quando ouvi o primeiro disco deles, o "rottomusic de liquidificapum", que acabou chegando nas lojas daqui porque foi lançado pela Cogumelo, gravadora especializada em metal. Fui convidado, representando o nordeste, a participar de um seminário sobre fanzines durante o BHRIF, Belo Horizonte Rock Independe Fest, o festival que citei acima. Foram, provavelmente, os melhores dias da minha vida, pois a estrutura do evento era inacreditável. Dentre outras coisas, tomei chá com torradas com Ian McKaye do Fugazi enquanto ele dava uma entrevista para os camaradas Gabriela Dias, do zine/revista Panacea, e Eduardo Abreu, que fazia uma revista chamada 100 Tribos. Inesquecível.
Tenho também orgulho de ter ajudado a divulgar, na medida do possivel, as bandas daqui, como as já citadas Camboja e Karne Krua, e a Snooze. Fiz o primeiro informativo deles, em forma de fanzine.

Noisey: Qual a lição que a cultura dos fanzines dessa época em que o Escarro Napalm foi editado deixa para os veículos especializados em música da atualidade?

Adelvan: O "mal" do "mundo novo" a que me referi antes é justamente o excesso de informação, que deixa tudo confuso e, muitas vezes, nivelado por baixo. Tá tudo junto e misturado e isso, como tudo o mais na vida, traz um bônus e um ônus. O bônus é a democratização do acesso à informação, o ônus é a falta de um filtro. Também não é novidade, vinha muita merda inutil no meio das pilhas de zines que eu recebia mensalmente, atigamente. Mas, por conta do volume praticamente infinito de bytes ao qual temos acesso hoje em dia, fica mais difícil encontrar esse filtro. Mas aos poucos algumas publicações mais bem cuidadas e elaboradas vão se sobressaindo naturalmente, e as coisas tenderão a se normalizar, imagino. É uma luta constante esta, como a homogenização e o nivelamento rasteiro. Contra o "mais do mesmo".

por Eduardo Ribeiro

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5 comentários:

  1. pois é, eu mostro minha cara, numa boa. Já você, se esconde no anonimato ...

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  2. Respostas
    1. Cara dexe dessa, e outra coisa é voce que esta pondo comentarios ofensivos e imagens de carecas que nem.conheço la?

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  3. Jovem, nunca postei nem vou postar nada em nenhum de seus blogs ou perfis. Muito menos postagens anônimas. É você que tem esse costume, por aqui. Tão fazendo isso é? Então vc está experimentando de seu próprio veneno ...

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