terça-feira, 28 de maio de 2013

Perfil do Neonazista Brasileiro

Aos 15 anos, fui ameaçada por um skinhead que estudava no mesmo colégio que eu. Recebi um recado dizendo que, se eu não tirasse o bóton antinazi da minha mochila, ele iria rasgá-la no meio do pátio e me pegar na porrada. Convicta dos meus princípios punks na época, achei que não deveria tirá-lo. Passei a ser fuzilada pelo olhar do moleque nos intervalos. Depois, fiquei preocupada e acabei jogando o tal bóton no lixo. Estávamos no final de mais uma temporada escolar. Coincidência ou não, no ano seguinte o cara caiu exatamente na minha sala. Excluídos do rolê das pessoas normais, acabamos nos aproximando por conta da forçação de barra dos professores que insistem para que os alunos façam trabalhos em dupla. Lembro de interrogá-lo o dia todo, tentando dirimir minhas dúvidas sobre o tipo de merda que ele tinha na cabeça. Toda semana ele aparecia com um hematoma novo e sempre escrevia na mesa que “cearenses eram ratos”.  Anos depois, nos reencontramos e ele estava se formando como policial militar. Uma memória indelével.

Tentando entender os neonazistas brasileiros contemporâneos, conversei com a antropóloga Adriana Dias, doutoranda da UNICAMP que há 11 anos se dedica ao tema. Depois de se deparar com o fato de haver neonazistas na terra do Lampião, a antropóloga pegou gosto pelo assunto e resolveu partir para a pesquisa acadêmica. Ela fez um mapeamento do neonazismo no Brasil, estudando como esses grupos se mobilizam na internet. Segundo sua pesquisa, existem 150 mil simpatizantes por aqui. Não divulgamos fotos da Adriana porque ela já recebeu ameaças de morte. Então, leia a entrevista abaixo para entender como ela chegou a esses números e que diabos essas pessoas fazem desta sujidade que chamamos de vida. 

VICE: Algum fator específico faz um jovem se sentir atraído pelos pensamentos neonazistas?
Adriana Dias: O jovem brasileiro que é atraído por esse grupo é aquele que tem algum problema familiar e de relacionamento. Tanto é que a grande maioria das famílias, quando descobre que tem um filho neonazista, diz: “Nossa, eu jamais imaginei”. Muitas vezes as famílias mal sabem que o adolescente tinha a tatuagem de uma suástica nas costas, por exemplo. São jovens que têm graves problemas familiares e de sociabilização, e eles procuram nesses grupos a resposta a por que eles não dão certo na vida. Nos grupos, é dito que eles não dão certo porque alguém já ocupou o lugar que seria deles. Isso é uma grande preocupação da antropologia. O neonazista acredita que existe um lugar natural para a raça branca que é a liderança sobre as outras raças. A mídia, segundo o neonazista, é toda judaica, pois construiu um perfil de um negro quase herói no Brasil – porque ele vence no esporte, na música. Então é preciso destruir o judeu e o negro — é preciso eliminar a ameaça nordestina para que o natural, que seria o lugar do jovem ariano, se recupere. É uma paranoia construída atrás da outra. 

De acordo com suas pesquisas, qual é a média de adeptos por aqui?
Depende do que vamos chamar de adeptos. Eu faço muita diferença entre dois grupos: o primeiro é aquele que lê material neonazista com frequência, que é o simpatizante. Esse é neonazista. Ele está contaminado. Ou seja, ele baixa mais de 100 arquivos de 10 a 100 mega. Ninguém baixa mais de 100 arquivos com textos sobre a importância da raça, sobre como construir bombas, sobre a inferioridade dos negros, a não ser que esteja fazendo uma pesquisa. E não tem quase ninguém pesquisando o tema. Então, quem baixa esse material com certeza é simpatizante. São 150 mil pessoas baixando esse volume de material no Brasil, o que é um número muito assustador. E você vai ter 10% disso que são os líderes realmente. São pessoas que fazem passeatas, que saem na pancadaria, que exigem que os outros façam pancadaria, que ameaçam pessoas, que volta e meia fazem proselitismo na rede e que tentam, de alguma forma, coordenar o restante dos grupos. E tem os 10% desses 10% que são as pessoas que já passaram todos os limites possíveis e de quem a polícia já está atrás.

Dentro desses números, você sabe dizer se eles têm curso superior, trabalham?
Temos três perfis antropológicos. Não dá para trabalhar com um perfil só. Tem o perfil de liderança, que é o cara entre 25 e 30 anos com nível superior completo, muitas vezes pós-graduado, razoavelmente bem sucedido na vida, que está a fim de coordenar os grupos menores. Tem o jovem, entre 18 e 25 anos, que é o prosélito. E tem o perfil feminino, que é muito diferente dos outros dois porque os grupos femininos são construídos para apoiar os grupos masculinos, no sentido de providenciar formas financeiras, dar apoio emocional. É um grupo totalmente à parte. Até porque a mulher não é vista como líder intelectual, mas como um aparelho reprodutor. Mulher, para eles, é uma coisa mínima. 

O maior número de neonazistas ainda predomina na região sul do país?
Lá os grupos são mais densos. Os maiores crimes aconteceram lá, mas não necessariamente entre descendentes de alemães. A pesquisa demonstra que o estado de maior concentração é Santa Catarina, depois Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e Minas Gerais. 

Quando o punk começou a ganhar adeptos no país, os nazistas eram os caras que iam às ruas dar porrada. A internet mudou o comportamento deles?
Na verdade, a internet intensificou esse comportamento na medida em que ela permite que as pessoas troquem muita informação entre si sem que a gente consiga localizar esses que vão às ruas para bater. O número de crimes homofóbicos no Brasil está absurdo, mas eles não são considerados como crimes de ódio. São tidos como lesão corporal, tentativa de homicídio ou como homicídio já realizado. Não tem como separar do crime comum o crime que teve demanda racial, demanda de ódio de um nordestino, de gays.

E qual é o tipo de ação deles na internet? O que eles fazem?
Eles disponibilizam informações. Vejo crianças de oito anos de idade citando Hitler nas redes sociais. Do tipo: “Quero ser rebelde, então vou citar Hitler”. Isso é extremamente preocupante. 

E qual é o tipo de ação deles fora da internet?

 Normalmente, eles têm rituais de iniciação que envolvem agressões físicas. Mas eles também têm reuniões de treinamento paramilitares, reuniões de ideologia, eles produzem material. Existem vários zines neonazistas publicados no Brasil por esses grupos. Obviamente, eles se reúnem para produzir. 

Qual é a maior discordância entre os grupos brasileiros?
Aqui no Brasil, a maior discordância é para ver quem manda. O que rolou em 2009, no Paraná, era isso. Lideranças neonazistas brigando para ver quem mandava mais; se era o Barollo, filiado ao PSDB aqui em São Paulo, ou se era o Bernardo, de Minas Gerais. 

O cara que foi assassinado junto com a namorada?
Exatamente, em 2009. Então, assim, essa é a grande discussão deles. Quem manda mais, qual é o plano para tomar o poder no país. E muitos neonazistas hoje estão entrando para o Partido Arena. 

Que partido é esse?
Um partido novo que aceita alguns grupos nacional-socialistas. Se você vir o vídeo da fundadora do partido no YouTube, vai notar que ela assume que está aceitando nacional-socialistas no partido. 

Existe uma distinção forte de ideias? Por exemplo: aqueles que não gostam de negros, mas toleram nordestinos, ou coisas do tipo?
Alguns grupos aceitam mulatos, principalmente em São Paulo. No sul do país é mais difícil. Eles permitem a participação de mulatos, mas é para colocá-los nas linhas de frente, para eles serem presos. É uma estratégia muito clara. Até para depois eles poderem dizer que não são racistas. É uma estratégia muito bem pensada, inclusive. 

por  Débora Lopes 
Vice

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