quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Benazir Bhutto

               Estava eu dando a velha zapeada na minha humilde TV A Cabo pacote básico ontem à noite quando me deparo com o excelente documentário “Benazir Bhutto: Democracia é a Melhor Vingança”, que conta a história da primeira mulher a comandar um estado muçulmano moderno - o Paquistão. Com depoimentos de inúmeras figuras mundialmente conhecidas, como a ex-secretária de estado norteamericana Condoleeza Rice, o escritor e ativista paquistanês Tariq Ali e o ex-presidente Pervez Mussharraf, o filme não foge à polêmica: dá voz a defensores e desafetos, como sua sobrinha, Fatima Bhutto, que endossa as acusações contra seus governos. Traça também um fascinante panorama da vida da biografada através de imagens históricas impressionantes e emocionantes, como as de seu casamento, aberto à participação popular, ao qual compareceu uma verdadeira multidão; de sua posse como primeira-ministra, com o visivel desconforto dos generais ao lhe prestar continência; e dos antentados que sofreu, dentre eles o que causou a sua morte.
               Benazir era filha de Zulfikar Ali Bhutto, político de tendência socialista que assumiu a presidência em 1971 (ano do meu nascimento), dando início a um grande projeto de nacionalização e a uma ambiciosa reforma agrária. Conquistou a admiração do povo, mas desagradou setores poderosos, como o empresariado, o clero islâmico e as Forças Armadas. Foi deposto, condenado à morte e por fim executado pelo governo oriundo de um golpe de estado comandado pelo general Muhammad Zia-ul-Haq.
               Zia-ul-Haq era um daqueles “ditadores amigos” do “Grande Irmão do norte”, os Estados Unidos da América, país que posa de farol da democracia mas não hesita em apoiar regimes ditatoriaisa quando lhe é conveninte. Na ocasião, eles precisavam do Paquistão para deter o avanço dos soviéticos via Afeganistão. O novo amiguinho dos ianques aproveitou para fazer um governo corrupto, violento, repressor e “islamizante”. Também ajudou a armar, para os americanos, os “mujahedins”, como eram chamadas as milícias combatentes do país vizinho que posteriormente dariam origem ao Taleban e à Al Qaeda.
               O ditador tinha, no entanto, uma pedra encrustada em seu sapato: a filha mais velha de seu antigo desafeto, Benazir Bhutto, que havia jurado vingança pela morte do pai, só que por via democrática e pacífica – daí o título do documentário, extraído de um de seus discursos. Mas ele não sobreviveu para presenciar sua vitória: morreu no dia 17 de agosto de 1988, quando o avião em que viajava com o embaixador dos Estados Unidos e outras 28 pessoas foi sabotado e caiu minutos depois de decolar do aeroporto de Bahawalpur. A autoria do crime é, até hoje, um mistério.
               Benazir assumiu o cargo de primeira-ministra do Paquistão no mesmo ano, depois de uma longa trajetória de militância política na qual permaneceu presa por cerca de 7 anos, parte deles em condições subhumanas. Ficou tanto tempo confinada numa solitária que, por um período, teve que se comunicar através de bilhetes, já que havia perdido a capacidade de falar - sua mandíbula estava atrofiada. Mas falou, e muito, quando foi finalmente libertada e exilada, como fruto de uma forte pressão internacional. Percorreu o mundo denunciando os crimes da ditadura, até finalmente ascender ao poder.
               Seu primeiro governo foi conturbado e sofreu forte oposição dos setores conservadores, dentre eles os militares, que não se sentiam nem um pouco à vontade em ter que prestar continência a uma mulher. Chegaram, inclusive, a tentar convencer seu marido, Asif Ali Zardari – atual presidente do Paquistão - a ocupar seu lugar. Com pouca habilidade para se manter no comando da nação, foi deposta dois anos depois – mas voltou ao cargo em 19 de outubro de 1993, quando ganhou um novo mandato após mais uma vitoria eleitoral de deu partido, o PPP – Partido do Povo do Paquistão.
               Agora mais experiente, fez um governo melhor, mas voltou a ser deposta em 1996 sob denuncias de corrupção e improbidade administrativa. Foi também acusada de tramar a morte de seu irmão, com o qual tinha uma querela política desde que ela, e não ele, como era mais comum na tradição local, havia sido escolhida como herdeira por seu pai. Acuada, em 1999 se auto-exilou em Londres e Dubai, onde cuidava da família ao mesmo tempo em que continuava sua militância política – consta que, às 19H, fizesse o que estivesse fazendo, em alguma palestra ou encontro com Chefes de estado, pedia licença pois precisava voltar para casa para jantar com seus filhos. Só voltou ao Paquistão no dia 18 de outubro de 2007, sob forte comoção popular. Já na chegada, no entanto, sofreu um primeiro atentado, quando duas explosões ocorreram em meio à multidão de cerca de 100.000 pessoas, perto dos carros da sua comitiva, matando ao menos 140 e ferindo mais de 200. A ex-primeira ministra, entretanto, não foi atingida - e não fugiu! Morreu vítima de um novo ataque reivindicado pela Al Qaeda dois meses depois, há exatos 5 anos.
               Por sua vocação democrática e conciliadora, Benazir Bhutto pode ser comparada a outro grande líder carismático de esquerda, o nosso ex-presidente Lula, com o qual compartilhava algumas características, como a opção por uma política transformadora porém moderada e a grande empatia com o povo. Teve à sua frente, no entanto, uma conjuntura infinitamente mais adversa, devido à delicada situação geográfica de seu país, que o torna eternamente alvo dos interesses externos das grandes potências. Apesar disso, enfrentou com coragem e maestria situações extremas e conseguiu deixar sua marca. Seu partido, hoje, comanda o Paquistão, e seu marido está prestes a se tornar o primeiro civil a completar um mandato presidencial.
               Será lembrada para sempre.

para Joanne Mota

por Adelvan


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