sábado, 16 de junho de 2012

Deus, um delírio

"Não é o bastante ver que um jardim é bonito sem ter que acreditar também que há fadas escondidas nele?"

In memoriam Douglas Adams (1952-2001)


1. Um descrente profundamente religioso

Não tento imaginar um Deus pessoal; basta admirar assombrado a estrutura do mundo, pelo menos na proporção em que ela se permite apreciar por nossos sentidos inadequados. 

Albert Einstein 

RESPEITO MERECIDO 

O menino descansava de bruços na grama, o queixo apoiado nas mãos. De repente, sentiu-se invadido por uma percepção exacerbada das raízes e dos caules entrelaçados, uma floresta em microcosmo, um mundo transfigurado de formigas e besouros e até — embora na época ele não soubesse dos detalhes — de bactérias aos bilhões no solo, sustentando silenciosa e invisivelmente a economia do micromundo. De repente, a microfloresta de grama pareceu inflar e se unir ao universo, e à mente extasiada do garoto que a contemplava. Ele interpretou a experiência em termos religiosos e ela acabou levando-o ao sacerdócio. Foi ordenado padre anglicano e tornou-se capelão de minha escola, um professor de quem eu gostava. É graças a religiosos liberais e decentes como ele que ninguém jamais pôde dizer que tive a religião enfiada goela abaixo.* 

*Nossa diversão durante as aulas era desviá-lo das Escrituras e conduzi-lo na direção das emocionantes histórias sobre o Comando de Caças e "Os Poucos". Ele tinha servido na RAF durante a guerra e foi com uma sensação de familiaridade, e com algo da afeição que ainda nutro pela Igreja da Inglaterra (pelo menos em comparação com a concorrência), que mais tarde li o poema de John Betjeman: Nosso padre é um velho piloto dos céus,/ Severamente, agora, cortaram-lhe as asas,/ Mas ainda o mastro no jardim da paroquial Aponta para Coisas Mais Elevadas... [Our padre is an old sky pilot,/ Severely now theyVe clipped his wings,/ But still the flagstaff in the Rect'ry garden/ Points to Higher Things...].

Em outro tempo e lugar, aquele menino podia ter estado sob as estrelas, fascinado pela Orion, pela Cassiopéia e pela Ursa Maior, com lágrimas nos olhos pela música inaudível da Via Láctea, intoxicado pelo perfume noturno dos jasmins e das solandras num jardim africano. Não é fácil responder por que motivo a mesma emoção levou meu capelão para uma direção e a mim para outra. A reação como que mística à natureza e ao universo é comum entre cientistas e racionalistas. Ela não tem nenhuma conexão com a fé sobrenatural. Em sua meninice, pelo menos, presumo que meu capelão não conhecesse (como eu também não conhecia) as linhas que encerram A origem das espécies — o famoso trecho da "margem emaranhada", "com pássaros cantando nos arbustos, com vários insetos revoando e com vermes rastejando pela terra úmida".** Se ele as conhecesse, certamente teria se identificado com elas e, em vez de ao sacerdócio, teria sido levado na direção da visão de Darwin de que tudo foi "criado por leis que atuam à nossa volta": "Assim, é da guerra da natureza, da fome e da morte, que deriva diretamente o mais exaltado objeto que somos capazes de conceber, a produção de animais superiores. Há grandeza nessa visão da vida, com seus tantos poderes tendo sido originalmente insuflados em algumas poucas formas ou em apenas uma; e de que, enquanto este planeta girava seguindo a lei imutável da gravidade, de um começo tão simples, infinitas formas, as mais belas e as mais maravilhosas, evoluíram e continuam evoluindo."

Carl Sagan escreveu, em Pálido ponto azul: Como é possível que praticamente nenhuma religião importante tenha olhado para a ciência e concluído: "Isso é melhor do que imaginávamos! O universo é muito maior do que disseram nossos profetas, mais grandioso, mais sutil, mais elegante"? Em vez disso, dizem: "Não, não, não! Meu deus é um deus pequenininho, e quero que ele continue assim". Uma religião, antiga ou nova, que ressaltasse a magnificência do universo como a ciência moderna o revelou poderia atrair reservas de reverência e respeito que continuam quase intocadas pelas crenças convencionais. *

* Tradução direta do inglês. A versão consagrada em português é a de Eugênio Amado, Origem das espécies, Itatiaia, 2002. (N. T.)
Todos os livros de Sagan tocam no nervo exposto do assombro transcendente monopolizado pela religião nos últimos séculos. Meus livros têm a mesma aspiração. Em conseqüência disso, muitas vezes me vejo descrito como um homem profundamente religioso. Uma estudante americana me escreveu dizendo que tinha perguntado ao seu professor se ele tinha uma opinião sobre mim. "É claro", ele respondeu. "Ele tem certeza de que a ciência é incompatível com a religião, mas vive se extasiando com a natureza e com o universo. Para mim, isso é religião!" Mas será "religião" a palavra certa? Acho que não. O físico e prêmio Nobel (e ateu) Steven Weinberg defendeu a questão melhor que ninguém em Sonhos de uma teoria final: "Algumas pessoas têm uma visão de Deus tão ampla e flexível que é inevitável que encontrem Deus onde quer que procurem por ele. Ouvimos que "Deus é o supremo" ou que "Deus é nossa melhor natureza" ou que "Deus é o universo". É claro que, como qualquer outra palavra, a palavra "Deus" pode ter o significado que quisermos. Se alguém quiser dizer que "Deus é energia", poderá encontrar Deus num pedaço de carvão."

Weinberg está bem certo quando diz que, para que a palavra Deus não se torne completamente inútil, ela deve ser usada do modo como as pessoas normalmente a entendem: para denotar um criador sobrenatural "adequado à nossa adoração". Infelizmente, a indistinção entre o que se pode chamar de religião einsteniana e a religião sobrenatural causa muita confusão. Einstein às vezes invocava o nome de Deus (e ele não é o único cientista ateu a fazer isso), dando espaço para mal-entendidos por parte de adeptos do sobrenaturalismo loucos para interpretá-lo mal e reclamar para o seu time pensador tão ilustre. O final dramático (ou seria malicioso?) de Uma breve história do tempo, de Stephen Hawking, "pois então conheceremos a mente de Deus", é notoriamente mal interpretado. Ele levou as pessoas a acreditar, erroneamente, é claro, que Hawking é um homem religioso. A bióloga celular Ursula Goodenough, em The sacred depths ofnature [As profundezas sagradas da natureza], soa ainda mais religiosa que Hawking e Einstein. Ela adora igrejas, mesquitas e templos, e vários trechos de seu livro são um convite a ser tirados de contexto e usados como munição para a religião sobrenatural. Ela chega até a chamar a si mesma de "naturalista religiosa". Mas uma leitura cuidadosa mostra que na verdade ela é uma ateia tão convicta quanto eu.

"Naturalista" é uma palavra ambígua. Para mim, ela faz lembrar o herói da minha infância, o dr. Dolittle (que, aliás, tinha bem mais do que só uma pitada do naturalista "filósofo" do H. M. S. Beagle), de Hugh Lofting. Nos séculos XVIII e XIX, naturalista significava o que ainda significa para a maioria de nós hoje em dia: um estudioso do mundo da natureza. Nesse sentido, os naturalistas, a começar por Gilbert White, muitas vezes eram sacerdotes. O próprio Darwin estava destinado à Igreja quando jovem, na esperança de que a vida tranquila de padre rural lhe permitisse explorar sua paixão pelos besouros. Mas os filósofos usam "naturalista" num sentido bem diferente, como oposto de sobrenaturalista. Julian Baggini explica em Atheism: A very short introduction o significado do comprometimento de um ateu com o naturalismo: "O que a maioria dos ateus acredita é que, embora só haja um tipo de matéria no universo, e é a matéria física, dessa matéria nascem a mente, a beleza, as emoções, os valores morais — em suma, a gama completa de fenômenos que enriquecem a vida humana".

Os pensamentos e as emoções humanas emergem de interconexões incrivelmente complexas de entidades físicas dentro do cérebro. Um ateu, nesse sentido filosófico de naturalista, é alguém que acredita que não há nada além do mundo natural e físico, nenhuma inteligência sobrenatural vagando por trás do universo observável, que não existe uma alma que sobrevive ao corpo e que não existem milagres — exceto no sentido de fenômenos naturais que não compreendemos ainda. Se houver alguma coisa que pareça estar além do mundo natural, conforme o entendemos hoje, esperamos no fim ser capazes de entendê-la e adotá-la dentro da natureza. Assim como acontece sempre que desvendamos um arco-íris, ela não será menos maravilhosa por causa disso.
Grandes cientistas de nossos tempos que soam religiosos normalmente não se revelam tão religiosos assim quando têm suas crenças examinadas mais a fundo. É esse certamente o caso de Einstein e Hawking. O atual astrônomo real e presidente da Royal Society, Martin Rees, me contou que vai à igreja como um "anglicano descrente [...] pela lealdade à tribo". Ele não tem crenças teístas, mas possui o mesmo naturalismo poético que o cosmos provoca nos outros cientistas que mencionei. Durante uma conversa recente transmitida pela televisão, desafiei meu amigo obstetra Robert Winston, um dos mais respeitados pilares da comunidade judaica britânica, a admitir que seu judaísmo era exatamente dessa natureza, e que ele não acreditava de verdade em nada sobrenatural. Ele chegou perto de fazer a admissão, mas recuou no último minuto (para ser justo, era ele quem devia estar me entrevistando, e não o contrário).3 Quando o pressionei, ele disse achar que o judaísmo proporcionava uma boa disciplina para ajudá-lo a estruturar sua vida e conduzi-la bem. Talvez seja verdade; mas isso, é claro, não influi em nada na veracidade de nenhuma das alegações sobrenaturais do judaísmo. Existem muitos intelectuais ateus que com orgulho se autodenominam judeus e observam os ritos judaicos, talvez pela lealdade a uma tradição antiga ou aos parentes assassinados, mas também pela equivocada e enganadora disposição de rotular como "religião" a reverência panteísta que muitos de nós destinam a seu expoente mais destacado, Albert Einstein. Eles podem não acreditar, mas, para tomar emprestada uma frase do filósofo Dan Dennett, eles "crêem na crença".

Uma das declarações mais citadas de Einstein é "Sem a religião, a ciência é capenga; sem a ciência, a religião é cega". Mas Einstein também disse: É claro que era mentira o que você leu sobre minhas convicções religiosas, uma mentira que está sendo sistematicamente repetida. Não acredito num Deus pessoal e nunca neguei isso, e sim o manifestei claramente. Se há algo em mim que possa ser chamado de religioso, é a admiração ilimitada pela estrutura do mundo, do modo como nossa ciência é capaz de revelar. Parece que Einstein se contradiz? Que suas palavras podem ser escolhidas a dedo para arranjar citações que sustentem os dois lados da discussão? Não. Por "religião" Einstein quis dizer algo totalmente diferente do significado convencional. Conforme eu prosseguir esclarecendo a distinção entre a religião sobrenatural, de um lado, e a religião einsteiniana, do outro, tenha em mente que só estou chamando de delírio os deuses sobrenaturais.

Seguem algumas outras citações de Einstein, para dar um gostinho da religião einsteiniana: "Sou um descrente profundamente religioso. Isso é, de certa forma, um novo tipo de religião. Jamais imputei à natureza um propósito ou um objetivo, nem nada que possa ser entendido como antropomórfico. O que vejo na natureza é uma estrutura magnífica que só compreendemos de modo muito imperfeito, e que não tem como não encher uma pessoa racional de um sentimento de humildade. É um sentimento genuinamente religioso, que não tem nada a ver com misticismo. A idéia de um Deus pessoal me é bastante estranha, e me parece até ingênua."

Em números cada vez maiores desde sua morte, apologistas da religião, de forma compreensível, tentam reclamar Einstein para o seu time. Alguns dos religiosos contemporâneos a ele o viram de maneira bem diferente. Em 1940, Einstein escreveu um trabalho famoso justificando sua declaração "Eu não acredito num Deus pessoal". Junto com outras semelhantes, essa declaração provocou uma enxurrada de cartas de religiosos ortodoxos, muitas delas aludindo à origem judaica de Einstein. Os trechos que se seguem são tirados do livro Einstein e a religião, de Max Jammer (que também é minha principal fonte de citações do próprio Einstein sobre as questões religiosas). O bispo católico de Kansas City disse: "É triste ver um homem que descende da raça do Velho Testamento e de seus ensinamentos negar a grande tradição dessa raça". Outro religioso católico opinou: "Não há nenhum outro Deus que não um Deus pessoal [...] Einstein não sabe do que está falando. Ele está totalmente errado. Alguns homens acham que só porque atingiram um alto nível de especialidade em determinada área são qualificados para manifestar suas opiniões em todas". A noção de que a religião é uma área adequada, em que alguém possa alegar ser especialista, não pode passar sem questionamento. Aquele religioso certamente não teria feito deferências à opinião de especialista de um autodenominado "fadólogo" sobre a forma e a cor exatas das asas das fadas. Tanto ele como o bispo achavam que Einstein, por não ter treinamento teológico, havia interpretado mal a natureza de Deus. Pelo contrário — Einstein sabia perfeitamente bem o que estava negando.

Um advogado católico americano, em nome de uma coalizão ecumênica, escreveu para Einstein: "Lamentamos profundamente que o senhor tenha feito a declaração [...] em que ridiculariza a idéia de um Deus pessoal. Nos últimos dez anos, nada foi tão bem calculado para fazer as pessoas acharem que Hitler tinha alguma razão ao expulsar os judeus da Alemanha quanto sua declaração. Admitindo seu direito à liberdade de expressão, digo ainda assim que sua declaração o constitui em uma das maiores fontes de discórdia dos Estados Unidos."

Um rabino de Nova York disse: "Einstein é sem dúvida um grande cientista, mas suas opiniões religiosas são diametralmente opostas ao judaísmo". "Mas"? "Mas"? Por que não "e"? O presidente de uma sociedade de história em Nova Jersey escreveu uma carta que deixa tão incriminadoramente exposta a debilidade do pensamento religioso que vale a pena lê-la duas vezes: "Respeitamos sua sabedoria, dr. Einstein; mas existe uma coisa que o senhor não parece ter aprendido: que Deus é um espírito e não pode ser encontrado pelo telescópio ou pelo microscópio, assim como o pensamento ou a emoção humanos não podem ser encontrados na análise do cérebro. Como todo mundo sabe, a religião se baseia na Fé, não no conhecimento. Todas as pessoas que pensam talvez sejam assaltadas, às vezes, por dúvidas religiosas. Minha própria fé já vacilou muitas vezes. Mas nunca contei a ninguém sobre minhas aberrações espirituais, por dois motivos: 1) temi que pudesse, pela mera sugestão, perturbar e prejudicar a vida e as esperanças de alguém; 2) porque concordo com o escritor que disse: "Há algo de maligno em alguém que queira destruir a fé do outro". [...] Espero, dr. Einstein, que a citação esteja errada e que o senhor ainda vá dizer alguma coisa mais agradável para o vasto número de americanos que têm o prazer de homenageá-lo." Que carta reveladora! Cada frase está encharcada de covardia intelectual e moral.

Menos abjeta, mas mais chocante, foi a carta do fundador da Associação do Tabernáculo do Calvário, em Oklahoma: Professor Einstein, acredito que todo cristão nos Estados Unidos vai lhe responder: "Não vamos abrir mão de nossa crença em nosso Deus e em seu filho Jesus Cristo, mas o convidamos, se o senhor não acredita no Deus do povo desta nação, a voltar ao local de onde veio". Fiz tudo o que podia para ser uma bênção para Israel, e vem o senhor com uma declaração de sua língua blasfema e faz mais para prejudicar a causa de seu povo que todos os esforços dos cristãos que amam Israel são capazes de fazer para acabar com o anti-semitismo em nossa terra. Professor Einstein, todo cristão dos Estados Unidos vai imediatamente lhe responder: "Pegue sua teoria maluca e mentirosa da evolução e volte para a Alemanha, de onde veio, ou pare de tentar destroçar a fé de um povo que o recebeu de braços abertos quando o senhor foi obrigado a fugir de sua terra natal".

A única coisa que todos esses críticos teístas entenderam direitinho foi que Einstein não era um deles. Ele indignou-se muitas vezes com a sugestão de que era teísta. Era então deísta, como Voltaire e Diderot? Ou panteísta, como Spinoza, cuja filosofia admirava: "Acredito no Deus de Spinoza, que se revela na harmonia ordenada daquilo que existe, não num Deus que se preocupa com os destinos e as ações dos seres humanos"?

Refresquemos nossa memória sobre a terminologia. Um teísta acredita numa inteligência sobrenatural que, além de sua obra principal, a de criar o universo, ainda está presente para supervisionar e influenciar o destino subseqüente de sua criação inicial. Em muitos sistemas teístas de fé, a divindade está intimamente envolvida nas questões humanas. Atende a preces; perdoa ou pune pecados; intervém no mundo realizando milagres; preocupa-se com boas e más ações e sabe quando as fazemos (ou até quando pensamos em fazê-las). Um deísta também acredita numa inteligência sobrenatural, mas uma inteligência cujas ações limitaram-se a estabelecer as leis que governam o universo. O Deus deísta nunca intervém depois, e certamente não tem interesse específico nas questões humanas. Os panteístas não acreditam num Deus sobrenatural, mas usam a palavra Deus como sinônimo não sobrenatural para a natureza, ou para o universo, ou para a ordem que governa seu funcionamento. Os deístas diferem dos teístas pelo fato de o Deus deles não atender a preces, não estar interessado em pecados ou confissões, não ler nossos pensamentos e não intervir com milagres caprichosos. Os deístas diferem dos panteístas pelo fato de que o Deus deísta é uma espécie de inteligência cósmica, mais que o sinônimo metafórico ou poético dos panteístas para as leis do universo. O panteísmo é um ateísmo enfeitado. O deísmo é um teísmo amenizado.

Há todos os motivos do mundo para se imaginar que einsteinismos famosos como "Deus é sutil, mas não é malicioso" ou "Ele não joga dados" ou "Deus teve escolha para criar o universo?" sejam panteístas, e não deístas, e certamente não teístas. "Deus não joga dados" deve ser traduzido como "A aleatoriedade não habita o cerne de todas as coisas". "Deus teve escolha para criar o universo?" significa "Teria podido o universo começar de alguma outra forma?". Einstein usou "Deus" num sentido puramente metafórico, poético. Assim como Stephen Hawking, e como a maioria dos físicos que ocasionalmente escorrega e cai na terminologia da metáfora religiosa. A mente de deus, de Paul Davies, parece estar em algum ponto entre o panteísmo einsteiniano e uma forma obscura de deísmo — pelo qual ele foi agraciado com o prémio Templeton (uma grande soma de dinheiro entregue todo ano pela Fundação Templeton, normalmente para um cientista que esteja disposto a dizer algo de positivo sobre a religião).

Deixe-me resumir a religião einsteiniana em mais uma citação do próprio Einstein: "Ter a sensação de que por trás de tudo que pode ser vivido há alguma coisa que nossa mente não consegue captar, e cujas belezas e sublimidade só nos atingem indiretamente, na forma de um débil reflexo, isso é religiosidade. Nesse sentido, sou religioso". Nesse sentido também sou religioso, com a ressalva de que "não consegue captar" não necessariamente significa "para sempre incaptável". Mas prefiro não me autodenominar religioso, porque isso induz ao erro. Induz ao erro de forma destrutiva, porque, para a imensa maioria das pessoas, "religião" implica "sobrenatural". Cari Sagan disse bem: "[...] se por 'Deus' se quer dizer o conjunto de leis físicas que governam o universo, então é claro que esse Deus existe. É um Deus emocionalmente insatisfatório [...] não faz muito sentido rezar para a lei da gravidade".

O engraçado é que essa última observação de Sagan foi prenunciada pelo reverendo dr. Fulton J. Sheen, professor da Catholic University of America, num veemente ataque contra a desaprovação do Deus pessoal por Einstein, em 1940. Sarcasticamente, Sheen perguntou se alguém estava disposto a dar a vida pela Via Láctea. Aparentemente ele achava que estava mesmo investindo contra Einstein, pois acrescentou: "Só há um problema com sua religião cósmica [cosmical— N. T.]: ele colocou uma letra a mais na palavra — a letra 's'". Não há nada de cômico [comical] nas crenças de Einstein. Mesmo assim, gostaria que os físicos evitassem usar a palavra Deus em seu sentido metafórico especial. O Deus metafórico ou panteísta dos físicos está a anos-luz de distância do Deus intervencionista, milagreiro, telepata, castigador de pecados, atendedor de preces da Bíblia, dos padres, mulas e rabinos, e do linguajar do dia-a-dia. Confundir os dois delibera-damente é, na minha opinião, um ato de alta traição intelectual. 

RESPEITO NÃO MERECIDO

Meu título, "Deus, um delírio", não se refere ao Deus de Einstein e ao de outros cientistas esclarecidos da seção anterior. É por isso que preciso tirar a religião einsteiniana da frente antes de qualquer coisa: ela tem uma capacidade comprovada de causar confusão. No restante deste livro falo só dos deuses sobrenaturais, entre os quais o mais familiar à maioria de meus leitores será Javé, o Deus do Antigo Testamento. Chegarei a ele num instante. Mas, antes de concluir este capítulo preliminar, preciso tratar de mais uma questão que poderia comprometer o livro inteiro. Desta vez é uma questão de etiqueta. É possível que leitores religiosos fiquem ofendidos com o que tenho a dizer, e encontrem nestas páginas um respeito insuficiente por suas crenças específicas (se não às crenças cultivadas por outras pessoas). Seria uma pena que essa ofensa os impedisse de continuar a ler, por isso quero esclarecer o problema aqui, logo de saída.

Uma pressuposição disseminada, aceita por quase todos em nossa sociedade — incluindo os não religiosos —, é que a fé é especialmente vulnerável às ofensas e que deve ser protegida por uma parede de respeito extremamente espessa, um tipo de respeito diferente daquele que os seres humanos devem ter uns com os outros. Douglas Adams explicou tão bem, num discurso de improviso que fez em Cambridge pouco antes de morrer,5 que nunca me canso de divulgar suas palavras: "A religião [...] tem determinadas idéias em seu cerne que denominamos sagradas, santas, algo assim. O que isso significa é: "Essa é uma idéia ou uma noção sobre a qual você não, pode falar mal; simplesmente não pode. Por que não? Porque não, e pronto!". Se alguém vota em um partido com o qual você não concorda, você pode discutir sobre isso quanto quiser; todo mundo terá um argumento, mas ninguém vai se sentir ofendido. Se alguém acha que os impostos devem subir ou baixar, você pode ter uma discussão sobre isso. Mas, se alguém disser: "Não posso apertar o interruptor da luz no sábado", você diz: "Eu respeito isso". Como é possível que seja perfeitamente legítimo apoiar o Partido Trabalhista ou o Partido Conservador, republicanos ou democratas, um ou outro modelo econômico, o Macintosh e não o Windows — mas não ter uma opinião sobre como o universo começou, sobre quem criou o universo [...] não, isso é sagrado? [...] Estamos acostumados a não questionar idéias religiosas, mas é muito interessante como Richard causa furor quando o faz! Todo mundo fica absolutamente louco, porque não se pode falar dessas coisas. Mas, quando se analisa racionalmente, não há nenhuma razão para que essas idéias não estejam tão sujeitas a debate quanto quaisquer outras, exceto o fato de que, de alguma forma, concordamos entre nós que elas não devem estar."

Veja um exemplo específico do respeito exagerado de nossa sociedade pela religião, um exemplo realmente importante. De longe o meio mais fácil de obter permissão para ser dispensado do serviço militar em tempos de guerra é por motivos religiosos. Você pode ser um filósofo brilhante da moralidade, com uma tese de doutorado premiada sobre os males da guerra, e mesmo assim pode ter dificuldade diante dos avaliadores para ser dispensado por motivos de consciência. Mas, se você disser que seus pais são quakers, consegue fácil, mesmo que seja completamente iletrado e desarticulado quanto à teoria do pacifismo ou até quanto ao próprio quakerismo.

No outro extremo do espectro do pacifismo, temos uma relutância pusilânime em usar nomes religiosos para facções de guerra. Na Irlanda do Norte, católicos e protestantes ganham os nomes eufemistas de "nacionalistas" e "legalistas", respectivamente. A própria palavra "religiões" é censurada e transformada em "comunidades", como em "guerra intercomunidades". O Iraque, em conseqüência da invasão anglo-americana de 2003, entrou numa guerra civil sectarista entre muçulmanos sunitas e xiitas. É claramente um conflito religioso — mas no The Independent do dia 20 de maio de 2006 tanto a manchete de primeira página quanto a notícia o descreviam como "limpeza étnica". "Étnica", nesse contexto, é mais um eufemismo. O que estamos vendo no Iraque é uma limpeza religiosa. Também é possível argumentar que o uso original do termo "limpeza étnica" na ex-lugoslávia tenha sido um eufemismo para limpeza religiosa, en-volvendo sérvios ortodoxos, croatas católicos e bósnios muçulmanos.

Já chamei a atenção para o privilégio dado à religião em discussões públicas sobre ética na imprensa e no governo. Sempre que surge uma controvérsia sobre a moral sexual ou reprodutiva, pode-se apostar que haverá líderes religiosos dos mais diversos grupos de fiéis proeminentemente representados em comissões influentes, ou em mesas-redondas no rádio ou na televisão. Não estou sugerindo que deveríamos nos dar ao trabalho de censurar as opiniões dessa gente. Mas por que nossa sociedade corre a ouvi-los, como se fossem especialistas comparáveis a, digamos, um filósofo da moralidade, um advogado de família ou um médico?

Veja outro exemplo estranho do privilégio dado à religião. No dia 21 de fevereiro de 2006, a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou, de acordo com a Constituição, que uma igreja do Novo México deveria ser isentada de cumprir uma lei, a que todo mundo tem de obedecer, que proíbe o uso de drogas alucinógenas.8 Os integrantes do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal acreditam que só conseguem compreender Deus tomando chá de ayahuasca, que contém a droga alucinógena ilegal dimetiltriptamina. Perceba que basta que eles acreditem que a droga aumenta sua compreensão. Eles não têm de fornecer provas. Por outro lado, há muitas provas de que a maconha alivia a náusea e o desconforto de doentes de câncer submetidos a quimioterapia. Mesmo assim, novamente de acordo com a Constituição, a Suprema Corte determinou, em 2005, que todos os pacientes que usarem a maconha com fins medicinais estarão sujeitos a indiciamento federal (até na minoria dos estados em que esse uso especializado foi legalizado). A religião é, como sempre, o trunfo. Imagine se os integrantes de uma sociedade de apreciadores de arte alegassem à Justiça que "acreditam" precisar de um alucinógeno para aumentar sua compreensão dos quadros impressionistas ou surrealistas. Mas, quando uma igreja alega uma necessidade semelhante, recebe o apoio da mais alta corte do país. É tal o poder da religião como talismã.

Há dezoito anos, fui um dos 36 escritores e artistas convocados pela revista New Statesman para escrever um manifesto de apoio ao respeitado autor Salman Rushdie,9 então condenado à morte por ter escrito um romance. Irritado com as manifestações de "solidariedade" de líderes cristãos e até de alguns formadores de opinião laicos à "mágoa" e à "ofensa" dos muçulmanos, tracei o seguinte paralelo: "Se os defensores do apartheid fossem espertos, eles teriam alegado — com sinceridade, pelo que sei — que permitir a mistura de raças era contra sua religião. Uma boa parte da oposição teria respeitosamente se afastado. E não adianta afirmar que se trata de um paralelo injusto porque o apartheid não tem justificativa racional. O grande ponto da fé religiosa, sua força e sua glória, é que ela não depende de justificativas racionais. Recai sobre o resto de nós a expectativa de que justifiquemos nossos preconceitos. Mas peça a uma pessoa religiosa que justifique sua fé e você infringirá a "liberdade de religião".

Mal sabia eu que uma coisa muito parecida aconteceria no século XXI. O Los Angeles Times (10 de abril de 2006) afirmou que vários grupos cristãos de campi dos Estados Unidos estavam processando suas universidades por adotar normas antidiscriminação, como a proibição de agredir homossexuais. Num exemplo típico, em 2004 James Nixon, um menino de doze anos de Ohio, ganhou na Justiça o direito de usar uma camiseta na escola com as palavras "Homossexualidade é pecado, islã é mentira, aborto é assassinato. Certas questões são preto no branco!". A escola disse a ele que não usasse a camiseta — e os pais do menino processaram a escola. Os pais talvez tivessem um caso aceitável se houvessem se baseado na garantia de liberdade de expressão da Primeira Emenda. Mas eles não tinham. Em vez disso, os advogados de Nixon argumentaram com o direito constitucional à liberdade de religião. A ação vitoriosa recebeu o apoio do Alliance Defense Fund do Arizona, cuja missão é "pressionar por batalhas legais pela liberdade de religião".

O reverendo Rick Scarborough, apoiando a onda de ações cristãs semelhantes para estabelecer a religião como justificativa legal para a discriminação de homossexuais e outros grupos, declarou-a como a luta pelos direitos civis do século XXI: "Os cristãos vão ter de se posicionar pelo direito de ser cristãos". Se essas pessoas se posicionassem em nome da liberdade de expressão, haveria relutância em apoiá-las. Mas não é disso que se trata. O "direito de ser cristão" parece, nesse caso, significar o "direito de meter o bedelho na vida privada dos outros". O caso jurídico a favor da discriminação de homossexuais está sendo montado como uma reação contra uma suposta discriminação religiosa! E a lei parece respeitar a atitude. Não dá para se safar dizendo: "Se você tentar me impedir de insultar homossexuais, estará violando minha liberdade de preconceito". Mas dá para se safar dizendo: "Isso viola minha liberdade de religião". Qual é a diferença, pensando bem? A religião, mais uma vez, supera tudo.

Encerro o capítulo com um estudo de caso especial, que escancara de forma iluminadora o respeito exagerado da sociedade pela religião, acima de todo respeito humano comum. O caso pegou fogo em fevereiro de 2006 — um episódio ridículo, que oscilou loucamente entre os extremos da comédia e da tragédia. Em setembro do ano anterior, o jornal dinamarquês Jyllands -Posten publicou doze caricaturas do profeta Maomé. Ao longo dos três meses seguintes, a indignação foi sendo cuidadosa e sistematicamente alimentada no mundo islâmico por um pequeno grupo de muçulmanos que moram na Dinamarca, liderado por dois imãs que haviam recebido guarida ali. No fim de 2005, esses exilados malévolos viajaram da Dinamarca para o Egito carregando consigo um dossiê, que foi copiado e circulou em todo o mundo islâmico, incluindo, decisivamente, a Indonésia. O dossiê continha falsidades sobre supostos maus-tratos sofridos por muçulmanos na Dinamarca, e a mentira tendenciosa de que o Jyllands-Posten era um jornal estatal. Também continha as doze caricaturas, às quais os imãs haviam acrescentado, de forma crucial, mais três, cuja origem era misteriosa, mas que certamente não tinha nenhuma ligação com a Dinamarca. Ao contrário das doze originais, essas três novas caricaturas eram genuinamente ofensivas — ou teriam sido se tivessem, como alegaram os zelosos propagandistas, retratado Maomé. Uma das três novas imagens, particularmente negativa, não era nem um desenho, e sim a reprodução por fax de uma foto de um homem barbado usando um nariz de porco falso, preso por um elástico. Depois foi revelado que era uma foto da Associated Press de um francês que participava de um concurso de imitação de porcos numa feira rural da França.13 A foto não tinha a menor conexão com o profeta Maomé, nem com o islã, nem com a Dinamarca. Mas os ativistas muçulmanos, em sua missão agitadora ao Cairo, insinuaram as três conexões... com resultados previsíveis.

A "mágoa" e a "ofensa" cuidadosamente cultivadas explodiram cinco meses depois da publicação original das doze caricaturas. Manifestantes no Paquistão e na Indonésia queimaram bandeiras dinamarquesas (onde será que eles foram arrumá-las?) e exigências histéricas foram feitas para que o governo da Dinamarca pedisse desculpas. (Desculpas pelo quê? Eles não desenharam as caricaturas, nem as publicaram. Os dinamarqueses só vivem num país com liberdade de imprensa, uma coisa que muitos países islâmicos podem ter dificuldade de entender.) Jornais na Noruega, na Alemanha, na França e até nos Estados Unidos (mas, notavelmente, não na Grã-Bretanha) republicaram as caricaturas num gesto de solidariedade ao Jyllands-Posten, o que pôs mais lenha na fogueira. Embaixadas e consulados foram depredados, produtos dinamarqueses foram boicotados, cidadãos dinamarqueses — e até ocidentais em geral — foram fisicamente ameaçados; igrejas católicas no Paquistão, sem nenhum tipo de ligação com dinamarqueses ou europeus, foram incendiadas. Nove pessoas morreram quando manifestantes líbios atacaram e incendiaram o consulado italiano em Benghazi. Como escreveu Germaine Greer, o que essa gente gosta mesmo, e faz melhor, é de pandemônio.

Uma recompensa de 1 milhão de dólares pela cabeça do "cartunista dinamarquês" foi estabelecida por um imã paquistanês — que aparentemente não sabia que eram doze cartunistas dinamarqueses diferentes, e que decerto não sabia que as três imagens mais ofensivas jamais tinham sido publicadas na Dinamarca (e, aliás, de onde ia vir aquele milhão?). Na Nigéria, manifestantes muçulmanos que protestavam contra as caricaturas dinamarquesas queimaram várias igrejas católicas, e usaram machados para atacar e matar cristãos (nigerianos negros) nas ruas. Um cristão foi enfiado dentro de um pneu, encharcado de gasolina e incendiado. Na Grã-Bretanha, manifestantes foram fotografados segurando faixas com os dizeres "Matem quem insulta o islã", "Assassinem quem ridiculariza o islã", "Europa, você vai pagar: a demolição está a caminho" e "Decapitem aqueles que insultam o islã". Felizmente, nossos líderes políticos estavam a postos para nos lembrar que o islã é uma religião de paz e compaixão.

Nos desdobramentos que se seguiram a isso tudo, o jornalista Andrew Mueller entrevistou o principal muçulmano "moderado" da Grã-Bretanha, sir Iqbal Sacranie.15 Ele pode ser moderado pelos padrões islâmicos atuais, mas, segundo relato de Andrew Mueller, ele ainda faz jus à declaração que deu quando Salman Rushdie foi condenado à morte por ter escrito um romance: "Talvez a morte seja fácil demais para ele" — uma declaração que estabelece um contraste ignominioso com seu corajoso anteces¬sor, o muçulmano mais influente da Grã-Bretanha, o falecido dr. Zaki Badawi, que ofereceu refúgio em sua própria casa a Salman Rushdie. Sacranie disse a Mueller quanto estava preocupado com as caricaturas dinamarquesas. Mueller também estava preocupado, mas por um motivo diferente: "Temo que a reação ridícula, desproporcional, a alguns desenhos sem graça de um jornal escandinavo obscuro confirme que [...] o islã e o Ocidente são fundamentalmente irreconciliáveis". Sacranie, por sua vez, elogiou os jornais britânicos por não terem reproduzido as caricaturas, e Mueller respondeu ecoando as suspeitas da maior parte do país, de que "a contenção dos jornais britânicos deveu-se menos à sensibilidade em relação ao descontentamento muçulmano e mais ao desejo de não ter suas janelas depredadas".

Sacranie explicou que "a pessoa do Profeta, que a paz esteja com ele, é profundamente reverenciada no mundo muçulmano, com um amor e uma afeição que palavras não conseguem explicar. Vai além de seus pais, dos entes queridos, dos filhos. Isso faz parte da fé. Também há um ensinamento islâmico de que não se retrata o Profeta". Isso pressupõe, como observou Mueller, que "os valores do islã têm um trunfo sobre todos os outros — coisa que todo seguidor do islã pressupõe, do mesmo modo como todo seguidor de toda religião acredita que o seu é o único caminho, a verdade e a luz. Se as pessoas querem amar um religioso do século VII mais que a suas próprias famílias, problema delas, mas ninguém é obrigado a levar isso a sério [...]"

Exceto que, se você não levar isso a sério e não lhe destinar o respeito adequado, sofrerá ameaças físicas, numa escala a que nenhuma outra religião aspirou desde a Idade Média. Não dá para não se perguntar por que esse tipo de violência é necessário, considerando que, como observa Mueller: "Se vocês, palhaços, tiverem alguma razão, os cartunistas vão mesmo para o inferno — não basta? Enquanto isso, se vocês quiserem ficar mesmo abalados com afrontas a muçulmanos, leiam os relatórios da Anistia Internacional sobre a Síria e a Arábia Saudita".

Muita gente já ressaltou o contraste entre a "mágoa" histérica professada pelos muçulmanos e a prontidão com que a imprensa árabe publica charges antijudaicas estereotipadas. Numa manifestação no Paquistão contra as caricaturas dinamarquesas, uma mulher de burca negra foi fotografada carregando um cartaz que dizia "Deus abençoe Hitler".

Em resposta a todo esse pandemônio, os jornais condenaram a violência e fizeram um pouco de barulho em defesa da liberdade de expressão. Mas ao mesmo tempo manifestaram "respeito" e "solidariedade" pela "ofensa" e pela "mágoa" profundas "sofridas" pelos muçulmanos. A "mágoa" e o "sofrimento" consistiam, lembre-se, não na imposição de qualquer violência ou dor real a uma pessoa: nada mais que alguns traços de tinta impressa num jornal sobre o qual ninguém jamais teria ouvido falar fora da Dinamarca se não fosse por uma campanha deliberada de incitação à desordem.

Não sou a favor de ofender nem magoar ninguém sem motivo. Mas fico intrigado e espantado com o privilégio desproporcional da religião em nossas sociedades ditas laicas. Todos os políticos têm de se acostumar às caricaturas desrespeitosas de seu rosto, e ninguém faz atos públicos em sua defesa. O que a religião tem de tão especial para que asseguremos a ela um respeito tão privilegiado e singular? Como disse H. L. Mencken: "Devemos respeitar a religião do outro, mas só no mesmo sentido e na mesma proporção com que respeitamos sua teoria de que sua mulher é linda e que seus filhos são inteligentes".

É sob a luz da pressuposição de respeito pela religião sem paralelos que faço meu aviso sobre este livro. Não farei ofensas gratuitas, mas tampouco usarei luvas de pelica para tratar da religião com mais delicadeza do que trataria qualquer outra coisa.

Richard Dawkins

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Neste livro, Richard Dawkins, um dos intelectuais mais respeitados da atualidade, arma-se mais uma vez de seu texto sagaz, sarcástico e muitas vezes divertido para atacar sem piedade, mas com muito fundamento, o que considera um dos grandes equívocos da humanidade: a fé em qualquer entidade divina ou sobrenatural, seja Alá, seja o Deus católico, evangélico ou judeu.

"Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem", diz ele no prefácio — não sem reconhecer sua presunção. Dawkins admite que dificilmente convencerá os fiéis recalcados, mas quer, pelo menos, atingir aqueles que crêem por inércia e fazê-los assumir o ateísmo com orgulho. O tom é de quem quer mesmo mudar o mundo.

Para tal, o biólogo usa argumentos contundentes e muito bem embasados para questionar a tese do design inteligente e a própria existência de Deus, sugerindo hipóteses darwinistas para nossa predisposição psicológica a acreditar em uma entidade divina. Mais que isso, Dawkins faz um apelo apaixonado contra a doutrinação de crianças em qualquer religião. Para ele, o simples fato de dizermos "criança católica" ou "criança judia" é uma forma de abuso infantil, comparável até ao abuso sexual, tão absurdo como falar de "criança neoliberal".

As provocações são propositais. Dawkins não trata questões religiosas com deferência. Um dos conceitos que ataca é justamente a idéia de que a religião mereça um respeito especial. Mas, se é agressivo para expressar sua indignação com o que considera um dos males mais preocupantes da atualidade, Dawkins refuta o negativismo. Ser ateu não é incompatível com bons princípios morais e com a apreciação da beleza do mundo. A própria palavra "Deus" ganha o seu aval na ressalva do "Deus einsteiniano", e o maravilhamento com o universo e com a vida, já manifestado em seus outros livros, encerra a argumentação numa nota de otimismo e esperança.

Richard Dawkins nasceu em Nairóbi em 1941 e cresceu na Inglaterra. Formou-se pela Universidade de Oxford e deu aulas de zoologia na Universidade da Califórnia em Ber-keley. É titular da cátedra de Compreensão Pública da Ciência de Oxford. Dele, a Companhia das Letras publicou O relojoeiro cego, A escalada do monte Improvável, O capelão do diabo e Desvendando o arco-íris.
 
Prefácio à edição de bolso
 
Deus, um delírio, na edição em capa dura, foi amplamente considerado o best-seller-surpresa de 2006. Foi muito bem recebido pela grande maioria dos leitores que enviaram suas avaliações pessoais para a Amazon (cerca de mil no momento em que escrevo). A aprovação foi menos impressionante nas resenhas publicadas pela imprensa. Um cínico poderia atribuir esse fato ao reflexo pouco criativo dos editores das resenhas: se o livro tem "Deus" no título, mande para um devoto convicto. Seria, porém, cinismo demais. Várias resenhas desfavoráveis começavam com a frase que, há muito tempo, aprendi ser um péssimo sinal: "Sou ateu, MAS...". Como Dan Dennett ressaltou em Quebrando o encanto, um número desconcertantemente grande de intelectuais "acredita na crença", embora não tenham eles mesmos a crença religiosa. Esses fiéis de segunda mão são freqüentemente mais zelosos que os originais, o zelo inflado pela tolerância simpática: "Ora, não tenho a mesma fé que você, mas respeito-a e me solidarizo com ela". "Sou ateu, MAS..." A continuação é quase sempre inútil, niilista ou — pior — coberta por uma negatividade exultante. No te, aliás, a diferença em relação a outro gênero favorito: "Eu era ateu, mas...". Esse é um dos truques mais velhos no livro, adotado por apologistas da religião desde C. S. Lewis até hoje. Serve para dar logo de cara uma sensação de credibilidade, e é incrível como funciona tantas vezes. Fique de olho. Escrevi um artigo para o site RichardDawkins.net chamado "Sou ateu, MAS...", e tirei dele a lista a seguir de pontos críticos ou negativos das resenhas da edição em capa dura. O mesmo site, dirigido pelo inspirado Josh Timonen, atraiu um número enorme de colaboradores que desentranharam todas essas críticas, mas em tons menos comedidos e mais diretos que o meu, ou que o dos meus colegas filósofos A. C. Grayling, Daniel Dennett, Paul Kurtz e outros que o fizeram através da mídia impressa.

NÃO SE PODE CRITICAR A RELIGIÃO SEM UMA ANÁLISE DETALHADA DE LIVROS ERUDITOS DE TEOLOGIA. Best-seller-surpresa? Se eu tivesse me embrenhado, como um crítico intelectual consciente gostaria, nas diferenças epistemológicas entre Aquino e Duns Scotus; se tivesse feito jus a Erígena na questão da subjetividade, a Rahner na da graça ou a Moltmann na da esperança (como ele esperou em vão que eu fizesse), meu livro teria sido mais que um best-seller- surpresa: teria sido um best-seller milagroso. Mas a questão não é essa. Diferentemente de Stephen Hawking (que seguiu o conselho de que cada fórmula que ele publicasse reduziria as vendas pela metade), eu de bom grado abriria mão do status de best-seller caso houvesse a mais remota esperança de que Duns Scotus fosse iluminar minha questão central, se Deus existe ou não. A enorme maioria dos textos teológicos simplesmente assume que ele existe, e parte daí. Para os meus propósitos, preciso levar em conta apenas os teólogos que considerem a sério a possibilidade de que Deus não exista e argumentem por sua existência. Acho que isso o capítulo 3 faz, com — espero — bom humor e abrangência suficientes. Em termos de bom humor, não tenho como superar a esplêndida "Resposta do cortesão", publicada por P. Z. Myers em seu blog Pharyngula. Analisei as insolentes acusações do sr. Dawkins, exasperado com sua falta de seriedade acadêmica. Aparentemente, ele não leu os discursos detalhados do conde Roderigo de Sevilha sobre o couro singular e exótico das botas do imperador, nem dedica um segundo sequer à obra-prima de Bellini, Sobre a luminescência do chapéu de plumas do imperador. Temos escolas inteiras dedicadas a escrever tratados eruditos sobre a beleza dos trajes do imperador, e todos os grandes jornais têm uma seção dedicada à moda imperial; [...] Dawkins ignora com arrogância todas essas ponderações filosóficas profundas e acusa cruelmente o imperador de nudez. [...] Enquanto Dawkins não for treinado nas lojas de Paris e Milão, enquanto não aprender a distinguir um babado de uma pantalona, devemos todos fingir que ele não se manifestou contra o gosto do imperador. Sua educação em biologia pode lhe dar a capacidade de reconhecer genitálias balançantes quando vir uma, mas não o ensinou a apreciar adequadamente os Tecidos Imaginários.

Ampliando o argumento, a maioria de nós desqualifica sem problemas as fadas, a astrologia e o Monstro de Espaguete Voador,* sem precisar afundar em livros de teologia pastafariana, e assim por diante. A próxima crítica é parente desta: a grande crítica do "testa-de-ferro". VOCÊ SEMPRE ATACA O QUE HÁ DE PIOR NA RELIGIÃO E IGNORA O QUE HÁ DE MELHOR. "Você persegue oportunistas grosseiros e incendiários como Ted Haggard, Jerry Falwell e Pat Robertson, em vez de teólogos sofisticados como Tillich ou Bonhoeffer, que ensinam o tipo de religião em que acredito." Se o predomínio fosse só dessa espécie sutil e amena de religião, o mundo sem dúvida seria um lugar melhor, e eu teria escrito outro livro. A melancólica verdade é que esse tipo de religião decente e contido é numericamente irrelevante. Para a imensa maioria de fiéis no mundo todo, a religião parece-se muito com o que se ouve de gente como Robertson, Falwell ou Haggard, Osama bin Laden ou o aiatolá Khomeini. Não se trata de testas-de-ferro; são todos influentes demais e todo mundo hoje em dia tem de lidar com eles. SOU ATEU, MAS QUERO ME DISSOCIAR DE SUA LINGUAGEM ESTRIDENTE, DESTEMPERADA E INTOLERANTE. Na verdade, quando se analisa a linguagem de Deus, um delírio, ela é menos destemperada ou estridente do que a que achamos muito normal — quando ouvimos analistas políticos, por exemplo, ou críticos de teatro, arte ou literatura. Minha linguagem só soa contundente e destemperada por causa da estranha convenção, quase universalmente aceita (veja a citação de Douglas Adams nas páginas 45 e 46), de que a fé religiosa é dona de um privilégio único: estar além e acima de qualquer crítica.

* Flying Spaghetti Monster: deus de uma religião fictícia criada em 2005 nos Estados Unidos, para satirizar a proposta de inclusão do design inteligente no currículo das escolas públicas do estado de Kansas. Seus "adeptos" são chamados de pastafarianos (pasta [massa em inglês] + rastafariano). (N. T.)

Em 1915, o parlamentar britânico Horatio Bottomley recomendou que, depois da guerra, "se por acaso num restaurante você descobrir que está sendo servido por um garçom alemão, jogue a sopa na cara suja dele; se você se vir sentado ao lado de um secretário alemão, vire o tinteiro na cabeça suja dele". Isso, sim, é estridente e intolerante (e, eu teria pensado, ridículo e ineficaz como retórica mesmo para aquela época). Compare a frase com a que abre o capítulo 2, que é o trecho citado com mais freqüência como "estridente". Não cabe a mim dizer se fui bem-sucedido, mas minha intenção estava mais próxima da de um golpe duro, mas bem-humorado, do que da polêmica histérica. Nas leituras em público de Deus, um delírio, esse é exatamente o trecho que garantidamente produz uma boa risada, e é por isso que minha mulher e eu sempre o usamos como abertura para quebrar o gelo com uma nova platéia. Se eu pudesse me aventurar a sugerir por que o humor funciona, acho que diria que é o desencontro incongruente entre um assunto que poderia ter sido expresso de forma estridente ou vulgar e a expressão real, numa lista compridíssima de latinismos ou pseudo-academicismos ("filicida", "megalomaníaco", "pestilento"). Meu modelo aqui foi um dos escritores mais engraçados do século XX, e ninguém chamaria Evelyn Waugh de histérico ou estridente (até entreguei o jogo ao mencionar seu nome na anedota que vem logo depois, na página 55). Críticos de literatura ou de teatro podem ser zombeteiramente negativos e ganhar elogios pela contundência sagaz da resenha. Mas nas críticas à religião até a clareza deixa de ser virtude para soar como hostilidade. Um político pode atacar sem dó um adversário no plenário do Parlamento e receber aplausos por sua combatividade. Mas basta um crítico sóbrio e justificado da religião usar o que em outros contextos seria apenas um tom direto para a sociedade polida balançar a cabeça em desaprovação; até a sociedade polida laica, e especialmente aquela parte da sociedade laica que adora anunciar: "Sou ateu, MAS...".

VOCÊ SÓ ESTÁ PREGANDO PARA OS JÁ CONVERTIDOS. DE QUE ADIANTA? O "Cantinho dos Convertidos" no RichardDawkins.net já invalida a mentira, mas mesmo que a levássemos a sério há boas respostas. Uma é que o coro dos descrentes é bem maior do que muita gente imagina, sobretudo nos Estados Unidos. Mas, de novo sobretudo nos Estados Unidos, é em grande parte um coro "no armário", e precisa desesperadamente de incentivo para sair dele. A julgar pelos agradecimentos que recebi em toda a turnê americana do lançamento do livro, o incentivo dado por pessoas como Sam Harris, Dan Dennett, Christopher Hitchens e por mim é bastante apreciado. Uma razão mais sutil para pregar aos já convertidos é a necessidade de conscientização. Quando as feministas nos conscientizaram sobre os pronomes sexistas, elas estariam pregando só aos já convertidos no que se referia a questões mais significativas dos direitos das mulheres e dos males da discriminação. Mas aquele coro decente e liberal ainda precisava ser conscientizado sobre a linguagem do dia-a-dia. Por mais atualizados que estivéssemos nas questões políticas relativas aos direitos e à discriminação, ainda assim adotávamos inconscientemente convenções que faziam metade da raça humana sentir-se excluída.

Há outras convenções lingüísticas que precisam seguir o mesmo caminho dos pronomes sexistas, e o coro ateísta não é exceção. Todos nós precisamos ser conscientizados. Tanto ateus como teístas observam inconscientemente a convenção da sociedade ... de que devemos ser especialmente polidos e respeitadores em relação à fé. E nunca me canso de chamar a atenção para a aceitação tácita, por parte da sociedade, da rotulação de crianças pequenas com as opiniões religiosas de seus pais. Os ateus precisam se conscientizar da anomalia: a opinião religiosa é o tipo de opinião dos pais que — por consenso quase universal — pode ser colada em crianças que, na verdade, são pequenas demais para saber qual é sua opinião. Não existe criança cristã: só filhos de pais cristãos. Use todas as oportunidades para marcar essa posição.

VOCÊ É TÃO FUNDAMENTALISTA QUANTO AQUELES QUE CRITICA. Não, por favor, é fácil demais confundir uma paixão capaz de mudar de opinião com fundamentalismo, coisa que nunca farei. Cristãos fundamentalistas são apaixonadamente contra a evolução, e eu sou apaixonadamente a favor dela. Paixão por paixão, estamos no mesmo nível. E isso, para algumas pessoas, significa que somos igualmente fundamentalistas. Mas, parafraseando um aforismo cuja fonte eu não saberia precisar, quando dois pontos de vista contrários são manifestados com a mesma força, a verdade não está necessariamente no meio dos dois. É possível que um dos lados esteja simplesmente errado. E isso justifica a paixão do outro lado.

Os fundamentalistas sabem no que acreditam e sabem que nada vai mudar isso. A citação de Kurt Wise na página 366 diz tudo: "[...] se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a Palavra de Deus parece indicar. Essa é minha posição". A diferença entre esse tipo de compro¬misso apaixonado com os fundamentos bíblicos e o compromisso igualmente apaixonado de um verdadeiro cientista com as evidências é tão grande que é impossível exagerá-la. O fundamentalista Kurt Wise declara que todas as evidências do universo não o fariam mudar de opinião. O verdadeiro cientista, por mais apaixonadamente que "acredite" na evolução, sabe exatamente o que é necessário para fazê-lo mudar de opinião: evidências. Como disse J. B. S. Haldane, quando questionado sobre que tipo de evidência poderia contradizer a evolução: "Fósseis de coelho no Pré-cambriano". Cunho aqui minha própria versão contrária ao manifesto de Kurt Wise: "Se todas as evidências do universo se voltarem a favor do criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, e mudarei de opinião imediatamente. Na atual situação, porém, todas as evidências disponíveis (e há uma quantidade enorme delas) sustentam a evolução. É por esse motivo, e apenas por esse motivo, que defendo a evolução com uma paixão comparável à paixão daqueles que a atacam. Minha paixão baseia-se nas evidências. A deles, que ignora as evidências, é verdadeiramente fundamentalista".

SOU ATEU, MAS A RELIGIÃO VAI PERSISTIR. CONFORME-SE. "Você quer se ver livre da religião? Boa sorte! Você acha que vai conseguir se ver livre da religião? Em que planeta você vive? A religião faz parte dele. Esqueça isso!" Eu agüentaria qualquer um desses argumentos, se eles fos¬sem ditos num tom que chegasse pelo menos perto do da pena ou da preocupação. Pelo contrário. O tom de voz é às vezes até alegrinho. Não acho que se trate de masoquismo. O mais provável é que possamos de novo classificar o fenômeno como a "crença na crença". Essa gente pode não ser religiosa, mas adora a idéia de que os outros sejam. O que me leva à categoria final das minhas réplicas.

SOU ATEU, MAS AS PESSOAS PRECISAM DA RELIGIÃO. "O que você vai colocar no lugar dela? Como você vai consolar quem perde um ente querido? Como vai suprir a carência?" Quanta condescendência! "Você e eu, é claro, somos inteligentes e cultos demais para precisar de religião. Mas as pessoas comuns, a patuléia, o proletariado orwelliano, os semi-idiotas deltas e ípsilons huxleanos, eles precisam da religião." Isso me faz lembrar de uma ocasião em que estava dando uma palestra numa conferência sobre a compreensão pública da ciência, e investi brevemente contra "baixar o nível". Na sessão de perguntas e respostas do final, uma pessoa da platéia ficou de pé e sugeriu que "baixar o nível" poderia ser necessário para "trazer as minorias e as mulheres para a ciência". Seu tom de voz mostrava que ela realmente acreditava que estava sendo liberal e progressista. Só fico imaginando o que as mulheres e as "minorias" da platéia acharam. Voltando à necessidade de consolo da humanidade, ela existe, é claro, mas não há alguma infantilidade na crença de que o universo nos deve um consolo, como de direito? A afirmação de Isaac Asimov sobre a infantilidade da pseudociência é igualmente aplicável à religião: "Vasculhe cada exemplar da pseudociência e você encontrará um cobertorzinho de estimação, um dedo para chupar, uma saia para segurar". É impressionante, além do mais, a quantidade de gente que não consegue entender que "X é um consolo" não significa "X é verdade". Uma crítica análoga a essa trata da necessidade de um "propósito" na vida. Citando um crítico canadense: Os ateus podem estar certos sobre Deus. Vai saber. Mas, com Deus ou sem Deus, fica claro que há algo na alma humana que demanda a crença de que a vida tem um objetivo que transcende o plano material. Era de imaginar que um empiricista do tipo mais-racional-que-vós como Dawkins reconhecesse esse aspecto imutável da natureza humana [...] Será que Dawkins acha mesmo que este mundo seria um lugar mais humano se todos nós procurássemos a verdade e o consolo em Deus, um delírio e não na Bíblia? Na verdade sim, já que você mencionou "humano", sim, acho, mas devo repetir, mais uma vez, que o potencial de consolo de uma crença não eleva seu valor de verdade. É claro que não posso negar a necessidade de consolo emocional, e não tenho como defender que a visão de mundo adotada neste livro ofereça um consolo mais que apenas moderado para, por exemplo, quem perdeu um ente querido. Mas, se o consolo que a religião parece oferecer se fundamenta na premissa neurologicamente implausibilíssima de que sobrevivemos à morte de nosso cérebro, você está mesmo disposto a defendê-lo? De qualquer maneira, acho que nunca encontrei ninguém que não concorde que, nas cerimônias fúnebres, as partes não religiosas (homenagens, poemas ou músicas favoritas do falecido) são mais tocantes que as orações.

Depois de ler Deus, um delírio, o dr. David Ashton, um médico britânico, escreveu-me contando da morte inesperada, no Natal de 2006, de seu adorado filho Luke, de dezessete anos. Pouco antes, os dois haviam conversado elogiando a entidade sem fins lucrativos que estou montando para incentivar a razão e a ciência. No enterro de Luke, na ilha de Man, seu pai sugeriu à congregação que, se alguém quisesse fazer algum tipo de contribuição em memória do filho, deveria enviá-la a minha fundação, como Luke gostaria. Os trinta cheques recebidos somaram mais de 2 mil libras, incluindo mais de seiscentas libras arrecadadas num evento no público local. O garoto era obviamente muito querido. Quando li o livreto da cerimônia fúnebre, chorei, literalmente, embora não conhecesse Luke, e pedi permissão para reproduzi-lo no RichardDawkins.net. Um gaitista solitário tocou o lamento local "Ellen Vallin". Dois amigos fizeram discursos de homenagem, e o dr. Ashton recitou o belo poema "Fern Hill" ["Monte das samambaias"] ("Era eu jovem e tranqüilo, debaixo das macieiras"* — que evoca tão dolorosamente a juventude perdida). E então, e tenho de respirar fundo para contar, ele leu as primeiras linhas de meu Desvendando o arco-íris, linhas que havia tempos eu tinha separado para o meu próprio enterro. Nós vamos morrer, e isso nos torna afortunados. A maioria das pessoas nunca vai morrer, porque nunca vai nascer. As pessoas potenciais que poderiam estar no meu lugar, mas que jamais verão a luz do dia, são mais numerosas que os grãos de areia da Arábia. Certamente esses fantasmas não nascidos incluem poetas maiores que Keats, cientistas maiores que Newton. Sabemos disso porque o conjunto das pessoas possíveis permitidas pelo nosso DNA excede em muito o conjunto de pessoas reais. Apesar dessas probabilidades assombrosas, somos eu e você, com toda a nossa banalidade, que aqui estamos... Nós, uns poucos privilegiados que ganharam na loteria do nascimento, contrariando todas as probabilidades, como nos atrevemos a choramingar por causa do retorno inevitável àquele estado anterior, do qual a enorme maioria jamais nem saiu? É óbvio que há exceções, mas suspeito que para muitas pessoas o principal motivo de se agarrarem à religião não seja o fato de ela oferecer consolo, e sim o de elas terem sido iludidas por nosso sistema educacional e não se darem conta de que podem não acreditar. Decerto é assim para a maioria das pessoas que acham que são criacionistas. Simplesmente não ensinaram direito a elas a impressionante alternativa de Darwin. É provável que o mesmo aconteça com o mito depreciativo de que as pessoas "precisam" da religião. Numa conferência recente, em 2006, um antropólogo (e exemplar perfeito do tipo eu-sou-ateu-mas) citou a resposta de Golda Meir quando questionada se acreditava em Deus: "Acredito no povo judaico, e o povo judaico acredita em Deus". Nosso antropólogo usou sua própria versão: "Acredito nas pessoas, e as pessoas acreditam em Deus". Prefiro dizer que acredito nas pessoas, e as pessoas, quando incentivadas a pensar por si sós sobre toda a informação disponível hoje em dia, com muita freqüência acabam não acreditando em Deus, e vivem uma vida realizada — uma vida livre de verdade.

Prefácio 

Quando era criança, minha mulher odiava a escola em que estudava e sonhava poder sair de lá. Tempos depois, quando tinha seus vinte e poucos anos, ela revelou sua infelicidade para os pais, e a mãe ficou horrorizada: "Mas, querida, por que você não nos contou?". A resposta de Lalla é minha leitura do dia: "Mas eu não sabia que podia". Eu não sabia que podia. Suspeito — quer dizer, tenho certeza — que há muita gente por aí que foi criada dentro de uma ou outra religião e ou está infeliz com ela, ou não acredita nela, ou está preocupada com tudo de mau que tem sido feito em seu nome; pessoas que sentem um vago desejo de abandonar a religião de seus pais e que gostariam de poder fazê-lo, mas simplesmente não percebem que deixar a religião é uma opção. Se você for uma delas, este livro é para você. Sua intenção é conscientizar — conscientizar para o fato de que ser ateu é uma aspiração realista, e uma aspiração corajosa e esplêndida. É possível ser um ateu feliz, equilibrado, ético e intelectualmente realizado. Essa é a primeira das minhas mensagens de conscientização. Também quero conscientizar de três outras formas, que explico a seguir. Em janeiro de 2006, apresentei um documentário de duas partes na televisão britânica (Channel Four) chamado Root ofall evil? [Raiz de todo o mal?]. Desde o começo não gostei do título. A religião não é a raiz de todo o mal, pois não há nada que possa ser a raiz de tudo, seja lá o que tudo for. Mas adorei o anúncio que o Channel Four publicou nos jornais nacionais. Era uma foto da silhueta dos prédios de Manhattan com a legenda: "Imagine um mundo sem religião". Qual era a ligação? A presença gritante das torres gêmeas do World Trade Center.

Imagine, junto com John Lennon, um mundo sem religião. Imagine o mundo sem ataques suicidas, sem o 11/9, sem o 7/7 londrino, sem as Cruzadas, sem caça às bruxas, sem a Conspiração da Pólvora, sem a partição da índia, sem as guerras entre israelenses e palestinos, sem massacres sérvios/croatas/muçulmanos, sem a perseguição de judeus como "assassinos de Cristo", sem os "problemas" da Irlanda do Norte, sem "assassinatos em nome da honra", sem evangélicos televisivos de terno brilhante e cabelo bufante tirando dinheiro dos ingênuos ("Deus quer que você doe até doer"). Imagine o mundo sem o Talibã para explodir estátuas antigas, sem decapitações públicas de blasfemos, sem o açoite da pele feminina pelo crime de ter se mostrado em um centímetro. Aliás, meu colega Desmond Morris me informa que a magnífica canção de John Lennon às vezes é executada nos Estados Unidos com a frase "and no religion too" expurgada. Uma versão chegou à afronta de trocá-la por "and one religion too". Talvez você ache que o agnosticismo é uma posição razoável, mas que o ateísmo é tão dogmático quanto a crença religiosa. Nesse caso, espero que o capítulo 2 o faça mudar de idéia, convencendo-o de que "A Hipótese de que Deus Existe" é uma hipótese científica sobre o universo, que deve ser analisada com o mesmo ceticismo que qualquer outra. Talvez tenham lhe ensi¬nado que filósofos e teólogos já apresentaram bons motivos para acreditar em Deus. Se você pensa assim, pode ser que goste do capítulo 3, sobre os "Argumentos para a existência de Deus" — os argumentos se revelam de uma fragilidade espetacular. Talvez você ache que é óbvio que Deus tem de existir, porque, do contrário, como o mundo teria sido criado? Corno poderia haver a vida, em sua diversidade tão rica, com todas as espécies parecendo ter sido misteriosamente "projetadas"? Se suas idéias tendem para esse lado, espero que obtenha esclarecimentos com o capítulo 4, sobre "Por que quase com certeza Deus não existe". Longe de indicar um projetista, a ilusão de que o mundo vivo foi projetado é explicada de modo bem mais econômico e com elegância devastadora pela seleção natural darwiniana. E, embora a seleção natural por si só se limite a explicar o mundo das coisas vivas, ela nos conscientiza para a probabilidade de que haja "guindastes" explicativos comparáveis que possam nos ajudar a entender o próprio cosmos. O poder de guindastes como a seleção natural é a segunda das minhas quatro conscientizações.

Talvez você ache que tem de existir um deus, ou deuses, porque antropólogos e historiadores registram que os crentes dominam todas as culturas da humanidade. Se para você esse argumento é convincente, por favor consulte o capítulo 5, sobre "As raízes da religião", que explica por que a fé é tão onipresente. Ou talvez você ache que a fé religiosa é necessária para que tenhamos valores morais justificáveis. Não precisamos de Deus para ser bons? Por favor leia os capítulos 6 e 7 para ver por que isso não é verdade. Você ainda tem um fraco pela religião e acha que ela é uma coisa boa para o mundo, mesmo que pessoalmente já tenha perdido a fé? O capítulo 8 o convidará a pensar sobre as formas pelas quais a religião não é algo tão bom assim para o mundo. Se você se sente aprisionado na religião em que foi criado, valeria a pena se perguntar como isso aconteceu. A resposta normalmente é alguma forma de doutrinação infantil. Se você é religioso, a imensa probabilidade é de que tenha a mesma religião de seus pais. Caso tenha nascido no Arkansas e ache que o cristianismo é a verdade e o islã é a mentira, sabendo muito bem que acharia o contrário se tivesse nascido no Afeganistão, então você é vítima da doutrinação infantil. Mutatis mutandis se você nasceu no Afeganistão. A questão da religião e da infância é o tema do capítulo 9, que também inclui minha terceira conscientização. Assim como as feministas se arrepiam quando ouvem um "ele" em vez de "ele ou ela", ou "o homem" em vez de "a humanidade", quero que todo mundo estremeça quando ouvir uma expressão como "criança católica" ou "criança muçulmana". Fale de uma "criança de pais católicos", se quiser; mas, se ouvir alguém falando de uma "criança católica", interrompa-o e educadamente lembre que as crianças são novas demais para ter uma posição nesse tipo de assunto, assim como são novas demais para ter uma posição sobre economia ou política. Exatamente porque meu objetivo é conscientizar, não peço desculpas por mencionar isso neste prefácio e também no capítulo 9. Nunca é demais repetir. Vou dizer de novo. Aquela não é uma criança muçulmana, mas uma criança de pais muçulmanos. Aquela criança é nova demais para saber se é muçulmana ou não. Não existe criança muçulmana. Não existe criança cristã. Os capítulos l e 10 abrem e fecham o livro explicando, de formas diferentes, como uma compreensão adequada da magnificência do mundo real, mesmo sem jamais se transformar numa religião, é capaz de preencher o papel inspiracional historicamente — e inadequadamente — usurpado pela religião.

Minha quarta conscientização diz respeito ao orgulho ateu. Não há nada de que se desculpar por ser ateu. Pelo contrário, é uma coisa da qual se deve ter orgulho, encarando o horizonte de cabeça erguida, já que o ateísmo quase sempre indica uma independência de pensamento saudável e, mesmo, uma mente saudável. Existem muitos que sabem, no fundo do coração, que são ateus, mas não se atrevem a admitir isso para suas famílias e, em alguns casos, nem para si mesmos. Isso acontece, em parte, porque a própria palavra "ateu" freqüentemente é usada como um rótulo terrível e assustador. O capítulo 9 cita a tragicômica história de quando os pais da comediante Julia Sweeney descobriram, lendo o jornal, que ela tinha virado ateia. O fato de ela não acreditar em Deus eles até que aguentariam, mas atéia! ATÉIA? (A voz da mãe elevou-se num grito.) Neste ponto, preciso dizer uma coisa em especial aos leitores americanos, pois a religiosidade hoje nos Estados Unidos é verdadeiramente impressionante. A advogada Wendy Kaminer exagerou só um pouquinho quando observou que brincar com religião é tão perigoso quanto queimar uma bandeira na sede da Legião Americana.1 O status dos ateus na América de hoje é equivalente ao dos homossexuais cinqüenta anos atrás. Agora, depois do movimento do Orgulho Gay, é possível, embora não muito fácil, para um homossexual ser eleito para um cargo público. Uma pesquisa da Gallup realizada em 1999 perguntou aos americanos se eles votariam em uma pessoa qualificada que fosse mulher (95% votariam), católica (94% votariam), judia (92%), negra (92%), mórmon (79%), homossexual (79%) ou ateia (49%). É evidente que há um longo caminho a percorrer. Mas os ateus são muito mais numerosos, especialmente entre a elite culta, do que muita gente imagina. Já era assim no século XIX, quando John Stuart Mill pôde dizer: "O mundo ficaria surpreso se soubesse como é grande a proporção dos seus ornamentos mais brilhantes, dos mais destacados até na apreciação popular por sua sabedoria e virtude, que são completamente céticos no que diz respeito à religião".

Isso pode ser ainda mais verdadeiro hoje em dia, e apresento evidências para tal no capítulo 3.0 motivo de muitas pessoas não notarem os ateus é que muitos de nós relutam em "sair do armário". Meu sonho é que este livro ajude as pessoas a fazê-lo. Exatamente como no caso do movimento gay, quanto mais gente sair do armário, mais fácil será para os outros fazer a mesma coisa. Pode ser que haja uma massa crítica para o início da reação em cadeia. Pesquisas americanas sugerem que o número de ateus e agnósticos supera de longe o de judeus religiosos, e até o da maioria dos outros grupos religiosos específicos. Diferentemente dos judeus, porém, que notoriamente são um dos lobbies políticos mais eficazes dos Estados Unidos, e diferentemente dos evangélicos, que exercem um poder político maior ainda, os ateus e agnósticos não são organizados e, portanto praticamente não têm nenhuma influência. Na verdade, organizar ateus já foi comparado a arrebanhar gatos, porque eles tendem a pensar de forma independente e a não se adaptar à autoridade. Mas um bom primeiro passo seria construir uma massa crítica daqueles dispostos a "sair do armário", incentivando assim os outros a fazer o mesmo. Embora não formem um rebanho, gatos em número suficiente podem fazer bastante barulho e não ser ignorados.

A palavra "delírio" do meu título inquietou alguns psiquiatras, que a consideram um termo técnico que não deve ser usado à toa. Três deles me escreveram para propor um termo técnico especial para a alucinação religiosa: "relírio".2 Talvez pegue. Mas por enquanto vou ficar com "delírio", e preciso justificar seu uso. O Penguin English dictionary define "delusion" [delírio] como "crença ou impressão falsa". O surpreendente é que a citação ilustrativa dada pelo dicionário é de Phillip E. Johnson: "O darwinismo é a história da libertação da humanidade do delírio de que seu destino é controlado por um poder maior que ela mesma". Será possível que esse seja o mesmo Phillip E. Johnson que lidera a ofensiva criacionista contra o darwinismo nos Estados Unidos atuais? É ele mesmo, e a citação, como seria de imaginar, foi tirada do contexto. Espero que o fato de eu ter afirmado isso seja notado, já que a mesma cortesia não me foi estendida em várias citações criacionistas de minhas obras, tiradas do contexto de forma deliberada e enganadora. Qualquer que seja o significado pretendido por Johnson, eu teria o maior prazer em endossar a frase da forma como ela está lá. O dicionário que vem com o Microsoft Word define delírio como "uma falsa crença persistente que se sustenta mesmo diante de fortes evidências que a contradigam, especialmente como sintoma de um transtorno psiquiátrico". A primeira parte captura perfeitamente a fé religiosa. Quanto a ser ou não um sintoma de transtorno psiquiátrico, tendo a concordar com Robert M. Pirsig, autor de Zen e a arte da manutenção de motocicletas: "Quando uma pessoa sofre de um delírio, isso se chama insanidade. Quando muitas pessoas sofrem de um delírio, isso se chama Religião".

Se este livro funcionar do modo como pretendo, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem. Quanto otimismo e quanta presunção! É claro que fiéis radicais são imunes a qualquer argumentação, com a resistência erguida por anos de doutrinação infantil executada com técnicas que levaram séculos para amadurecer (ou pela evolução ou por ardil). Entre os dispositivos imunológicos mais eficazes está a temerosa advertência contra o simples ato de abrir um livro como este, que certamente é obra de Satã. Mas acredito que há muita gente de mente aberta por aí: pessoas cuja doutrinação infantil não foi tão insidiosa, ou que por outros motivos não "pegou", ou cuja inteligência natural seja forte o bastante para superá-la. Espíritos livres como esses devem precisar só de um pequeno incentivo para se libertar de vez do vício da religião. No mínimo, espero que ninguém que tenha lido este livro ainda possa dizer: "Eu não sabia que podia".

Pela ajuda na elaboração deste livro, sou grato a muitos amigos e colegas. Não tenho como citar todos, mas entre eles estão meu agente literário John Brockman e meus editores, Sally Ga-minara (para a Transworld) e Eamon Dolan (para a Houghton Mifflin), que leram o livro com sensibilidade e compreensão e me deram uma mistura muito útil de críticas e conselhos. Sua fé entusiasmada e sincera no livro foi um grande incentivo para mim. Gillian Somerscales foi uma preparadora exemplar, tão construtiva em suas sugestões como meticulosa em suas correções. Outros que criticaram os vários esboços, e aos quais sou muito grato, são Jerry Coyne, J. Anderson Thomson, R. Elisabeth Cornwell, Ursula Goodenough, Latha Menon e especialmente Karen Owens, crítica extraordinaire, cuja familiaridade com a costura e a descostura de cada rascunho do livro foi quase tão detalhada quanto a minha.

O livro deve algo (e vice-versa) ao teledocumentário em duas partes Rootofall evil?, que apresentei na televisão britânica (Channel Four) em janeiro de 2006. Sou grato a todos os que se envolveram na produção, incluindo Deborah Kidd, Russell Barnes, Tim Cragg, Adam Prescod, Alan Clements e Hamish Mykura. Pela permissão de usar citações do documentário, agradeço à IWC Media e ao Channel Four. Root of all evil? teve índices excelentes de audiência na Grã-Bretanha, e também foi transmitido pela Australian Broadcasting Corporation. Ainda não se sabe se alguma emissora dos Estados Unidos vai ter a ousadia de exibi-lo.

Este livro já vinha se desenvolvendo na minha cabeça fazia alguns anos. Durante esse tempo, foi inevitável que algumas das idéias fossem apresentadas em palestras, como nas minhas Tanner Lectures em Harvard, e em artigos de jornais e revistas. Os leitores de minha coluna regular na Free Inquiry, especialmente, podem achar certos trechos familiares. Sou grato a Tom Flynn, editor dessa revista admirável, pelo estímulo que me deu quando me entregou uma coluna regular. Depois de um intervalo temporário para a conclusão do livro, espero agora retomá-la, e sem dúvida vou usá-la para responder às repercussões do livro.

Por vários motivos sou grato a Dan Dennett, Marc Hauser, Michael Stirrat, Sam Harris, Helen Fisher, Margaret Downey, Ibn Warraq, Hermione Lee, Julia Sweeney, Dan Barker, Jose-phine Welsh, lan Baird e especialmente George Scales. Hoje em dia, um livro como este não estará completo enquanto não se tornar o núcleo de um site cheio de vida, um fórum para materiais corriplementares, reações, discussões, perguntas e respostas — quem sabe o que o futuro pode trazer? Espero que o endereço www.richarddawkins.net/, da Fundação Richard Dawkins para a Razão e a Ciência, supra esse papel, e sou extremamente grato a Josh Timonen peta arte, pelo profissionalismo e pelo trabalho duro que ele empenha no site.

Acima de tudo, agradeço a minha mulher, Lalla Ward, que com paciência me orientou ao longo de todas as minhas hesitações e autoquestionamentos, não apenas com apoio moral e sugestões sagazes de aperfeiçoamento, mas também ao ler o livro inteiro em voz alta para mim, em dois estágios diferentes de seu desenvolvimento, para que eu pudesse captar diretamente como ele soaria para outro leitor que não eu mesmo. Recomendo a técnica a outros autores, mas devo advertir que para melhores resultados o leitor precisa ser um ator profissional, com a voz e o ouvido sensivelmente sintonizados com a música da linguagem.

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