terça-feira, 17 de abril de 2012

Marcio Sno, outra entrevista

De que maneira e quando os fanzines entraram na sua vida pela primeira vez?
Eu era leitor da ‘Rock Brigade’ e todos os meses ia direto pra a seção ‘Headbanger Voice’ para conferir as bandas que anunciavam suas demo-tapes. Nessa época, passei a buscar algo diferente, numa tentativa de sair da mesmice das rádios rock de São Paulo.
Perto da parte das bandas, tinha uma coluna para fanzines. Tá, mas o que eram os fanzines? Naquela época não tinha internet para você dar uma “googlada” e a resposta estaria ali na sua cara. No dicionário não tinha essa palavra e eu não tinha amigos que conheciam esse universo. O que eu fiz?
Mesmo sem saber do que se tratava, mandei cartas para uns três endereços perguntado: “quanto custa pra receber seu fanzine?”, recebi as respostas e mandei minha contribuição. Dias depois chegou em minhas mãos os zines.
Lembro-me que o primeiro foi o ‘Secret Face’. Percebi que eu poderia fazer algo parecido e não sosseguei enquanto não fiz o meu. Isso foi em 1993. E até hoje eles fazem parte de minha vida. Queira ou não queira.
O que fazem hoje os “fanzineiros do século passado”? Que perfil você diria que tem o fanzineiro deste século que o difere do fanzineiro do século passado?
A maioria dos fanzineiros do século passado estão distante das atividades de zines. As pessoas crescem, constituem famílias, criam responsabilidades profissionais, espirituais, acadêmicas e a produção fica esquecida. O pessoal da minha época tem hoje 35, 40, 50 anos e fica realmente difícil que continuem produzindo zines. Afinal, vivemos em um mundo capitalista e o tempo livre quase não existe.
Os fanzineiros desse século tem uma vantagem que os do passado não tiveram: o acesso aos bens tecnológicos e à internet, que agiliza muita coisa e deixa tudo mais fácil. Você hoje em dia consegue produzir um zine de 16 páginas em um único dia, sem encostar os dedos em tesoura, cola. Tudo é muito fácil. O editor atual está mais próximo das informações, afinal, já cresceu com um computador em casa. As possibilidades são infinitas.
Apesar dos “tempos das cartas” terem acabado, como você vê a resistência dos zines nos dias de hoje, como eles estão sendo divulgados e distribuídos?
A forma de distribuir continua praticamente a mesma: via carta, de mão em mão em shows, eventos, pra conhecidos e parentes. A divulgação é quase que 100% via internet, por intermédio de e-mails, blogues e redes sociais.
Muitas pessoas estão optando em passar suas publicações para o PDF, distribuir por e-mail ou mesmo alojando em algum site de compartilhamento de arquivos e divulgando o link para seus correspondentes virtuais
Vejo com muita alegria a resistência dos fanzineiros que insistem no impresso. Muitos deles estão investindo cada vez mais na qualidade e abrindo mão da quantidade, que talvez seja uma das formas de sobrevivência frente as tecnologias que inibem a produção impressa.
Dos fanzines que estão em circulação, gostaria de dar destaque sobre algum que ache muito interessante de alguma forma?
Prefiro não destacar fanzines e sim dois fanzineiros.
Um é o Flavio Grão, que lançou recentemente os zines ‘Manufatura’ e ‘Cortex’. Grão é artista plástico e suas histórias são muito profundas e não possuem textos: são apenas ilustrações ou colagens recheadas de conteúdo e mensagens. Utiliza diversos recursos gráficos e de papel para montar suas publicações. São publicações muito inteligentes.
Outro é Rodrigo Okuyama. Esse cara é um gênio. Utiliza diversos tipos de materiais, técnicas de pintura, colagem, costura, recortes, dobraduras, enfim, o cara usa de diversas estratégias para publicar seus zines. Suas publicações são verdadeiras obras de arte e vale muito a pena ter em mãos e apreciar. Os últimos publicados foram La Permura, a série Zine Zinho e a coletânea de estêncieis Extensas Estrias del Esten Siñor.
Ambos editores representam a cara dos fanzines pós-internet: com muita qualidade artística e gráfica, que motivam a aquisição do material impresso e mostram o amadurecimento dos fanzines produzidos no Brasil.
O documentário “Fanzineiros do Século Passado” parte I foi uma apanhado de entrevistas com várias pessoas representativas dentro do cenário underground. Como se deu a seleção de depoimentos para o capítulo dois, algumas destas pessoas se repetiram? O documentário terá um terceiro capítulo?
Na verdade não houve seleção para os personagens. Fui chamando quem estava por perto e quem tinha uma representatividade bacana no meio independente. As pessoas de outras cidades e estados fui gravando conforme elas vinham para São Paulo e aproveitei para registrar os depoimentos. Foi assim com Daniel Villaverde, Fellipe CDC, Leonardo Panço, Fernanda Meireles etc.
Sim, algumas pessoas se repetiram no segundo capítulo, por falarem sobre temas abordados nessa parte. Mas foram poucas pessoas que se repetiram, pois a ideia é ter mais pessoas a cada capítulo. Sei que jamais conseguirei reunir todos os fanzineiros do Brasil, mas quanto mais, melhor!
Sim, tenho outros assuntos ainda para abordar em um terceiro capítulo e chega. Será uma trilogia de fato. Me recuso em fazer capítulo 4 ou algo do tipo. Fica para outras pessoas também produzirem seus docs. sobre fanzines.
O que te levou a fazer o capítulo dois e quanto tempo você demorou para concluí-lo?
Na verdade, nem era para ser dividido em capítulos. A ideia inicial era fazer um documentário único sem divisão de partes. Porém, em dezembro de 2010, o Douglas Utescher da ‘Ugra Press’ estava organizando o ‘1º Ugra Zine Fest’ e perguntou se eu queria exibir uma prévia do doc. e eu prontamente aceitei.
Então, como se tratava de um evento para zineiros, me limitei em relembrar as histórias da época do recorta e cola e da rede social analógica, ou seja, os contatos via carta. Como gostei muito do resultado, me recusei e chamá-lo de prévia e batizei como Capítulo 1 e estipulei temas para os próximos dois capítulos.
Esse segundo, eu já captei imagens desde a época em que estava registrando para o primeiro. Entre decupagem e edição final, devo ter gastado algo mais de um mês, sempre mexendo nos meus momentos de folga do serviço e das obrigações domésticas.
Como se deu o processo de escolha do tema, edição e coleta dos depoimentos para a segunda parte do documentário Fanzineiros no Século Passado? Contei trinta pessoas no trailer do capítulo 2, mas 49 pessoas foram entrevistadas.
A princípio foi complicado, pois como não tinha um roteiro certo, geralmente fazia as mesmas perguntas e algumas diferenciadas conforme o personagem e o direcionamento que a conversa dava durante as gravações. Quando parei pra pensar nos temas de cada capítulo, passei a fazer perguntas específicas para os personagens seguintes.
A coleta foi a mesma: gravava na casa dos personagens, em eventos, shows, quase sempre acompanhado de meu filho Calvin que ajudava na gravação e aproveitava para conhecer as pessoas e suas respectivas histórias.
Gravei no total 54 depoimentos, destes, 49 entraram no segundo capítulo. Pense na dificuldade para editar tudo isso… Cheguei a fazer um curso de edição para ajudar na produção desse capítulo.
Tive alguns amigos que gravaram em outros estados e me mandaram. Xan Braz gravou em Volta Redonda e Barra Mansa (RJ), Law Tissot, gravou seu próprio depoimento em Rio Grande (RS), Alex de Souza gravou o depoimento de Henrique Magalhães em João Pessoa (PB), Danúbio Aguiar gravou no Canadá e Marlos Alves em Londres. Todos esses contatos são pessoas com quem convivi desde a década de 1990, seja por carta ou pessoalmente, com as quais criei um vínculo de amizade que caminha por décadas.
Houve alguma diferença no modo que vocês fizeram o lançamento do documentário parte 1 para a 2, já que houve uma grande expectativa do público que acompanhou o primeiro capítulo?
O lançamento foi da mesma forma que o primeiro, mesmo porque foram lançados em eventos da Ugra. Encaixamos na programação do ‘Ugra Zine Fest’ e assim aconteceu.
Sim, a expectativa do público foi imensa, principalmente pela grande repercussão que o primeiro capítulo teve. E isso aumentou a minha responsabilidade em manter a qualidade e honestidade da série.
Houve muita cobrança de todos os lados. Pessoas cobrando o lançamento, falando que faltou falar sobre determinado assunto, faltou entrevistar tal pessoa e até casos de pessoas se oferecendo para ser entrevistadas. Não é fácil. Essa cobrança toda às vezes desestimula demais, afinal, faço o documentário com prazer e quando as cobranças aparecem, o tesão vai se perdendo.
Aprendi a lidar com isso, ignorando alguns comentários e até mesmo sugerindo que as pessoas produzissem seus próprios documentários, afinal, não quero monopolizar nada, quanto mais materiais sobre o assunto, melhor!
As seis bandas clássicas dos anos 90 que estão no documentário, você as selecionou? Por quê?
Enquanto eu editava, evitei ouvir músicas, pois nesse período costumo usar fones de ouvidos por conta da precisão dos cortes. Para poupar meus ouvidos, prefiro não forçá-los.
A primeira banda que me veio à cabeça foi a Execradores. A “Incentivo aos operários” foi uma canção que marcou muito a época na qual íamos a shows punk organizados pelo Coletivo Altruísta e antes mesmo de começar a editar queria que ela abrisse o doc.
Depois fui lembrando de introduções de outras canções para abrir os blocos. Aí vieram ‘The Power of the Bira’, ‘Snooze’, ‘Mukeka di Rato’, ‘Boi Mamão’ e nos créditos ainda usei ‘Gangrena Gasosa’ e ‘Os Cabeloduro’. Escolhi essas bandas pelo fato de serem as que eu mais gostava na época e pelo fato de ter contato direto com os músicos, o que facilitou a autorização para incluir as canções. Ah, no teaser, usei uma música do ‘Dead Fish’.

A pergunta que não quer calar, para Márcio Sno: a produção impressa vai diminuir drasticamente por causa da “revolução digital” ou os fanzineiros pelo impresso irão resistir?
Na verdade o grande abalo já aconteceu, que começou na segunda metade dos anos 90 e perdurou por muito tempo. Porém, a realidade começa a mudar. Aos poucos nós, brasileiros, estamos aprendendo a ter uma relação harmoniosa entre impresso e virtual. E, acompanhando o andamento de países do hemisfério norte, em relação dos quais estamos um tanto atrasados, os fanzines estão retomando com uma proposta que prima mais pela qualidade que pela quantidade. Vejo que bons ares pairam sobre o fanzinato nacional, principalmente de dois anos pra cá.
O espaço é teu para falar o que quiser, fale!
Jamais pensei que os fanzines me acompanhariam por tanto tempo na minha vida. Pensei que no comecinho dos anos 00 eu iria desencanar disso tudo e viver só de passado. Mas, a partir de 2005, em uma oficina que dei no SESC Barra Mansa, eles voltaram pra mim numa intensidade absurda e hoje me vejo totalmente relacionado a eles.
Deixei de ser um produtor de zines para me tornar pesquisador, é o que me considero hoje. E pretendo manter esse “título” por algum tempo ainda, mesmo porque tem ainda o terceiro capítulo, o livro que quero publicar e um mestrado que possa vir a ocorrer.
Pra coisa piorar (no bom sentido), estou envolvido com a Ugra, que é uma fomentadora desse tipo de publicação, temos várias ideias, projetos etc e tal, que se forem realizados, a nossa convivência com o zines será mesmo “até que a morte nos separe”…

Colaboração: Gabriela Cleveston Gelain

20/03/2012

Fonte: SIRVA-SE

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