terça-feira, 27 de dezembro de 2011

VIVA O GRANDE LÍDER!

Capítulo 1 – Do outro lado do mundo existe uma república popular

Vista de dentro do pequeno Citroen vermelho, a cidade parecia estranha. Chegar em Pequim é sempre uma coisa preocupante. As multidões, a poeira, as bicicletas como um enxame de abelhas, a indelicadeza de seus habitantes, tudo parece minar a confiança do forasteiro. A confusão urbana ajuda a lembrar que aquele é um território ainda desconhecido e perigoso.

A Estação Rodoviária Oeste, aonde cheguei no trem proveniente de Hong Kong, seria, segundo a propaganda oficial, a mais moderna de toda a China. Estava semi-escura, cheia de gente e tumultuada. Quando saí para a rua e peguei um táxi, já estava começando a anoitecer.

Já tendo estado antes em Pequim, eu conhecia mais ou menos o trajeto que o táxi deveria fazer para chegar ao hotel onde eu tinha reserva, localizado na Dongsanhuan, a terceira perimetral leste. Mas, dentro do carrinho vermelho, rapidamente perdi o senso de orientação e comecei a suspeitar que o motorista estivesse dando uma volta monumental em torno do centro para chegar ao hotel. E o pior: com pouco dinheiro em iuane no bolso, eu temia não ter como pagar a corrida. Não seria possível que, após dez minutos de percurso, o taxímetro ainda estivesse marcando 10 iuanes. Barato demais para ser verdade.

Ao contrário da confusão presenciada na estação de trem, seguíamos agora por grandes avenidas asfaltadas, passando velozmente em frente a arranha-céus iluminados por letreiros em néon. O pequeno táxi era acompanhado nas vias expressas por centenas de carros de todos os lados. Esta não era a Pequim de quatro anos atrás. Onde estava a velha China dos riquixás e da população vestida de azul ? Observada do meio das avenidas do novo capitalismo, a cidade cheirava a tinta e surgia como uma miragem refletindo um inimaginável progresso material. Lembrava mais Los Angeles do que uma metrópole asiática. A sensação de riqueza reforçava minha preocupação com o táxi. Aquilo ia me custar uma fortuna. Somente depois de uma meia hora de dúvidas, chegamos ao Hotel Golden Era. O táxi custou 27 iuanes – pouco mais de três dólares – e eu nem fiz questão do troco. Estava vencida a primeira batalha na capital chinesa.

A segunda batalha começaria no dia seguinte, um sábado. Eu estava em Pequim, desta vez, com um único objetivo: embarcar para a Coréia do Norte, que é considerada como o país mais fechado do planeta. Para se chegar à Coréia do Norte é necessário uma passada obrigatória na China, sobretudo para se conseguir uma forma de transporte até Pyongyang. No sábado de manhã, caí em campo para tentar comprar uma passagem no trem que partiria na segunda-feira à tarde em direção a Dandong, na fronteira da China, seguindo depois ate Pyongyang. Fui ao local mais apropriado para estrangeiros poderem comprar passagens: uma agência do Serviço de Viagens Internacionais da China, a CITS, no Beijing International Hotel. Apesar do padrão luxuoso do hotel, localizado na moderníssima avenida Jianguomennei, o serviço na CITS ainda é soviético. Um atendente que não falava inglês me informou bruscamente, e de má vontade, que não havia passagem à venda. Tudo esgotado. Passagem só com um mês de antecedência. Um burocrata norte-coreano, que panava para conseguir seu bilhete para uma data posterior, me confirmou:

- É muito difícil conseguir passagem de trem. Por que você não tenta o avião ?

por Marcelo Abreu

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sábado, 24 de dezembro de 2011

Dean Moriarty


Fui apresentado recentemente, através da leitura do clássico “on the road”, a Dean Moriarty, um daqueles personagens eternos e fascinantes que povoam a história da literatura mundial, digno de ocupar o mesmo panteão onde estão Ahab, de “Moby Dick”, Raskólnikov, de “crime e castigo” e a nossa Emilia, do “Sítio do Pica-pau amarelo”, dentre outros. Baseado na figura real de Neil Cassady, escritor "beat", ele é o rolo compressor incansável atrás do qual está sempre o autor da narrativa, Jack Kerouak, aqui atendendo pela alcunha de Sal Paradise.

Lendo o livro, uma pergunta não me saía da cabeça: Como diabos não fizeram ainda um filme adaptando esta história? O papel de Dean Moriarty já teria um dono certo, a meu ver: Dennis Hopper. Era a imagem dele que me vinha a mente sempre que o texto discorria sobre aquele maluco sedutor irresistível que todos sabiam ser um canalha mas quase ninguém conseguia odiar, ou mesmo evitar. Uma daquelas pessoas que possuem uma personalidade magnético em torno da qual gravita um séqüito de seguidores devotados, e o mais célebre e devotado deles era, justamente, Jack kerouak/Sal Paradise.

Tarde demais: Hopper já morreu. Mas os planos de uma adaptação para o cinema seguem vivos, desta vez num projeto confuso que está nas mãos do cineasta brasileiro Walter Salles. Reza a lenda que as filmagens já terminaram e o filme entrará em cartaz no ano que vem. No papel de Dean, um tal de Garrett Hedlund. Sua namorada (e amante de Sal), Marylou, será vivida por Kristen Stewart, a “Bela” da saga Crepúsculo. Seja lá o que Deus quiser ...

“On the road”, que recebou o subtítulo “pé na Estrada”, no Brasil, é um relato das viagens do alter ego de seu autor pelas rodovias norteamericanas no final dos anos 40 e início dos anos 50. Tudo gira em torno de Dean, pelo qual Sal, o narrador, é absolutamente fascinado. É Dean que o tira da letargia da vida pacata e monótona de classe média na costa leste para cair na estrada, sempre rumo ao oeste, do atlântico ao pacífico, à toda velocidade em carros possantes nem sempre adquiridos de forma legal – Dean é um ladrão habilidoso. É também um louco, que não hesita em abandonar seus amigos e companheiras nas piores situações quando lhe dá na telha, para reaparecer do nada algum tempo depois e voltar a seduzi-los com a promessa de novas aventuras. É assim durante toda a narrativa. Dean Moriarty parece incansável, e Sal Paradise está sempre na sua cola.

Não foi assim na vida real, evidentemente. Chegou uma hora em que Kerouac, aparentemente, cansou. Normal: (quase) todo mundo cansa. De tudo. Cansou da estrada e de tudo o que sua célebre obra-prima literária provocou: uma verdadeira revolução comportamental que culminou no verão do amor hippie e, posteriormente, no niilismo da “geração x”, aquela que não tinha futuro. Desiludido e solitário, foi morar com a mãe em Long Island. Sob a influência da matriarca, o vigor deu lugar ao cansaço e o escritor que inspirou os loucos e rebeldes de todo o mundo (ocidental, principalmente) revelou-se um católico conservador resmungão cuja vida resumia-se a sentar no sofá o dia inteiro assistindo a programas de auditório pela TV. Morreu cedo, aos 47 anos, na Florida, para onde se mudou com a última esposa e a mãe.

Já Neal Cassady eu não diria que "cansou", mas certamente tentou, em vários momentos, atender aos apelos de suas companheiras e levar uma vida mais sossegada, mais equilibrada, mais responsável, enfim - afinal ele tinha filhos para criar. Mas nele o apelo da estrada parecia ser mais forte, portanto continuou sua saga alucinada e chegou a se unir, nos anos 60, aos célebres Merry Pranksters, um grupo de amigos que percorria os Estados Unidos divulgando seus experimentos com LSD. Morreu em 1968, em decorrência de uma mistura fatal de drogas e álcool, logo após sair de uma festa de casamento.

por Adelvan

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

5 Anos sem Joacy Jamys

Nunca encontrei Joacy Jamys pessoalmente, mas ele era meu amigo. Amigo à distancia de uma época pré-internet, quando nos comunicávamos via correio ou telefone. Trocamos várias longas cartas e alguns igualmente longos telefonemas, nos quais falávamos dos nossos interesses em comum e também de nossas discordâncias num clima de camaradagem, sem estresse. Os assuntos em comum eram geralmente o rock underground e os quadrinhos. As divergências ficavam no campo político: ele era um punk anarquista convicto e eu um simpatizante do PT.

Jamys era um artista “underground”, portanto pouco conhecido na chamada “grande mídia”, mas bastante reconhecido no cenário alternativo dos quadrinhos e do movimento punk. E foi justamente quando eu comecei a me aventurar por estas paragens inóspitas que o conheci : ele já era um veterano quando eu estava dando meus primeiros passos. Adorava receber seus zines, tanto as voltados para a musica, como o “Sociedade dos Mutilados”, quanto os dedicados aos quadrinhos, como o “Legenda” e o “Singularplural”. Admirava muito sua competência e consistência, apesar da eterna tosquice. Sim, porque as cópias de suas publicações e as gravações das bandas das quais participava eram sempre toscas, mas por trás daqueles ruídos quase inaudíveis e daquelas páginas xerocadas em máquinas vagabundas havia muito conteúdo – especialmente os desenhos, sempre muito bons, com um traço sinuoso e elegante. Das bandas, confesso que não gostava muito. A que mais me agradou foi a Última Marcha, a última (sic) da qual participou. Já a Estrago e a Terror Terror eram “feijão com arroz” demais, aquele punk rock panfletário musicalmente pobre e clicheroso até a medula. Nunca deixei, no entanto, de admirar sua persistência e convicção de idéias, algo sempre importante, especialmente nesses tempos confusos em que vivemos.

Joacy morreu há exatos 5 anos, no dia 16 de dezembro de 2006. Era carioca de nascença (1971) mas radicado no Maranhão desde os 14 anos. Em seus 35 anos de vida deixou um currículo lotado de Quadrinhos modernos e música revoltada, além de exemplos de solidariedade, generosidade e, sobretudo, muita atitude. Viverá para sempre na memória e no coração de todos os que o conheceram.

Abaixo, uma entrevista conduzida em 2004 por Ademir Pascale para o site Cranik:

Ademir Pascale: O que você acha do Gênero Fantasia-Fantástica nos dias atuais?
Joacy James: Quase não existe mais a produção no Brasil. Depois da Art &Comics, muitos de nossos artistas enveredaram e adaptaram suas HQs para tentar uma chance no mercado dos Estados Unidos. Muitos zineiros novos seguiram (e seguem) esta meta, sempre tentando fazer trampos voltados para conseguir um contrato (de escravidão, na maioria das vezes, servem de mão-de-obra barata do Terceiro Mundo, da globalização, pois o tal mercado paga bem abaixo do valor real para artistas estrangeiros). Porém, outros muitos continuam firmes, inclusive os “novatos”. O mangá também invadiu o mundo, mexeu até com o mercado europeu. A gurizada se vicia nisto tentando adaptar culturas que não compreendem/vivem. A própria fantasia-fantástica é da escola franco-belga, Moebius, Caza e tal. Foi minha influência no começo quando adolescente. Mas, fiz uma adaptação para minha realidade e eles reconheceram isto lá, quando comentavam meus trabalhos na Europa. A fantasia-fantástica perdeu muito de seus expoentes no Brasil. Mas, outros continuam produzindo outras linhas autorais e expressionistas, como Andraus e Edgar Franco. Contudo, a Fantasia quase não se tem mais desenhistas fazendo, eu mesmo estou produzindo aos poucos. Adoro este gênero. Também existem outros gêneros/linhas que foram perdendo sua força, como fazia Alberto Monteiro, Ricardo Borges, Hermuche e outros.

Ademir Pascale: Poderia comentar sobre o Zine Legenda?
Joacy James: Ele é o primeiro de quadrinhos no Maranhão e ainda resiste. Desde 1990, seguiu a linha editorial autoral, onde um autor tem uma coletânea de seus trabalhos e a apresenta. Depois lancei o Legenda Comix, que segue a linha mista, HQs nacionais e estrangeiras (não pirateadas, mas que autores enviam), notícias, entrevistas, artigos etc. O mais atual é o nº 27, com coletânea de meus trabalhos chamada “Canciones de sangre”, só HQs na linha existencial, tristes...muitas inéditas.

Ademir Pascale: E o que você diz sobre a primeira edição de quadrinhos pós-modernos Brasileiros?
Joacy James: O Flávio Calazans sempre está incentivando e estudando, pesquisando e dando conceitos sobre trabalhos que acha interessante. Isto é bom. Vejo que ele sempre teve uma atenção com meus trampos. Quando lancei o “Legenda 20 – Contos Fictícios”, que reuniu em 1990, 20 HQs desta série de fantasia-fantástica, ele tratou-a como “pós-moderno”. Este zine está entre os três principais títulos publicados até hoje no Brasil, ao lado de “Psiu Mudo” (Edgar Guimarães) e “Guerra das Idéias” (Calazans), tem outros ainda que não podem ser esquecidos como “Psiu Mudo” e “Psiu Ecologia”. É uma pena não termos mais iniciativas editoriais como estas, de grandes zines que realmente mudam coisas, que infincam idéias e mostram que há trabalhos inteligentes com quadrinhos de qualidade. Lembro ainda das edições do Henrique Magalhães, do Worney , do Calazans e Edgard Guimarães. O Legenda 20 – Contos Fictícios, ainda virou material de estudo na USP e UFMS. Em breve estarei lançando a 2ª parte desta minha série, que chegam a 35 HQs, publicadas em diversos zines brasileiros e Portugal.

Ademir Pascale: Como surgiu o grupo “Singularplural”?
Joacy James: Reunião de alguns adolescentes e fanzineiros em 1989, que queriam não só ficar produzindo quadrinhos e zines, mas montar uma associação. Como tínhamos poucos autores, o jeito foi criar um grupo, como propôs o Iramir. Desde 1991, a formação mudou muito, primeiro foi o nome Grupo de Risco para Singularplural Quadrinhos (Singularplural era o nome do zine do Grupo de Risco, que na verdade foi um “marco”, digo porque publicava mais de 25 quadrinhistas por edição e foi o primeiro a divulgar o cenário de quadrinhos, eventos e grupos do mundo no Brasil – não existia internet! Tudo pesquisado por mim...êta, como não tenho modéstia! Desculpem estas falhas humanas. Veja quantas citações o Henrique Magalhães fez em seu livro “Rebuliço Mundo dos Fanzines” (desculpe se o título certo não é este). Abria os capítulos sobre “fanzines” com citações em matéria publicada em nosso zine. Mais de uma década depois, ele lembra disso.

Ademir Pascale: Além de produzir quadrinhos e ilustrações, você ainda é vocalista da banda anarcopunk Última Marcha, e mantém a distribuidora/selo “Grito Punk Prod”, também organiza eventos de quadrinhos e shows punks. Como você organiza todas essas tarefas no seu dia-a-dia?
Joacy James: Ainda tenho família e trampo o dia inteiro. Todos sempre perguntavam sobre isso do meu tempo e conciliação. Digo que é teimosia e insatisfação. Insatisfeito em ficar parado, em não poder somar com nada. Quando tudo isto vira sua vida, fica mais fácil e prazeiroso em fazer. Você não se cansa. Além do que citou, ainda colaboro com zines (e agora sites), faço diversos sites, respondo trocentas cartas do Brasil e exterior, produzo quadrinhos, cartuns, fanzines, revistas e ainda bebo cachaça com os(as) amigos(as) no final de semana.

Ademir Pascale: Poderia comentar sobre os concursos e exposições no qual participou e ainda participa?
Joacy James: Ganhei Menção Honrosa no Concurso de Carlos Barbosa/RS (HQ) e Mostra de Humor do Maranhão (cartum). Participei de exposições em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Maranhão, Piauí, Portugal, Cabo Verde e etc. Sejam exposições de quadrinhos, cartuns e zines.

Ademir Pascale: Fiquei sabendo que você já Publicou na Espanha, Dinamarca, Portugal, França, Polônia entre outros lugares. Como o seu trabalho é visto fora do Brasil? Quais são os comentários dos críticos?
Joacy James: sempre recebo bons comentários. Agora mesmo, o editor da Atomik (França) elogiou bastante uma tira que publicou na revista dele em 1995! Disse que surtiu ótimo efeito entre os leitores. Com a fantasia-fantástica, produzi muitas HQs sem diálogos, ficando fácil publicar no exterior. Algumas HQs são em inglês e espanhol. A PLG (uma das maiores associações de quadrinhistas franceses),tratou meus trabalhos como o “Moebius” brasileiro. Sempre mantive bons contatos com os estrangeiros e tive diversos trabalhos lá, até um especial em Portugal. Também sempre enviei trabalhos de brasileiros para o exterior, eles adoram. Preferem raízes, não adaptações de mangás e super-heróis, todos cansam disso. Olha que gosto de muitos mangás e super-heróis melhores produzidos (atual Demolidor e Hulk, por exemplo).

Ademir Pascale: Qual é a sua visão dos desenhistas nos dias atuais no quesito “criatividade”?
Joacy James: meio à meio. Temos ótimos quadrinhistas e argumentistas. O pessoal evoluiu muito, falando sério. Invejo muitos jovens que estão arrebentando. Aqui em São Luís mesmo, tem um pessoal novo que detona. Até o pessoal que está produzindo super-heróis e mangás, estão bons. Infelizmente, muitos se pasteurizaram, ficando bonitinhos demais e estão atolados em temas que não somam com nada, transformando ARTE em apenas PRODUTO. O Brasil está cheio de artistas-produtos, preocupados com elogios e status em grupos fechados. Mas, tem outros que mantém trabalhos coerentes e interessantes. Veja o pessoal da revista Graffiti (MG), Front (SP), Ragú (PE), Fúria (MA) e outros. Tem gente boa por aí, sim. Veja os sites. Tem coisas bem trabalhas e produzidas.

http://www.cranik.com/entrevista10.html

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Goiânia Noise

(recordar é viver) Sempre tive bons contatos e ainda melhores amigos em Goiânia e, muito por conta disso, nutria desde tempos imemoriais uma vontade de, um dia, aparecer por lá. Aconteceu, finalmente, em novembro de 2003, aproveitando a data para conferir, “in loco”, mais uma edição do Goiânia Noise Festival – minha primeira e, pelo menos por enquanto, última vez.
Era bem mais barato ir daqui (Aracaju) pra São Paulo e de lá para Goiânia, então foi o que fiz, me programando para, já que teria que passar por lá mesmo, ficar uma semana (das duas que tinha disponíveis) na terra da garoa. Não sem antes fazer uma volta absurda, parando primeiro em Maceió e depois em Petrolina, Pernambuco (o aeroporto de Petrolina parecia um sítio, apenas uma casinha no meio de um descampado)! Coisas da finada BRA ...
Não conhecia absolutamente nada de Goiânia, por isso entrei na net para pesquisar pontos turísticos e coisa e tal. Não achei praticamente nada, a não ser uma estátua de Ananhguera* que parece ser, realmente, um ponto de referência. Bom, pelo menos eu senti que estava finalmente na capital de Goiás ao me ver em frente ao referido monumento.
O centro da cidade é interessante, lembra um pouco Aracaju no sentido de haver uma curiosa mistura de cidade grande com aquele clima de interior: num momento você está numa avenida enorme e movimentadíssima cercade de prédios, mas então vira uma esquina e se depara com uma rua só de casas onde as pessoas ainda se sentam na porta para conversar. É legal isso. É aconchegante, como aconchegante foi o hotelzinho 5 cruzes onde eu me hospedei até conseguir finalmente entrar em contato com meu camarada de longa data Marcio jr., na casa de quem ficaria.
Aproveitei para freqüentar dois cinemas de rua que ainda existiam por lá – sempre aproveito essas viagens para ver filmes em cinemas de rua nas cidades que porventura ainda os tenha. Vi a parte final de “Matrix” em um e o filme d’Os Normais” em outro. Nada de muito incrível, nem os filmes, nem os cinemas, mas tava valendo. O que mais me impressionou, no entanto, foi a incrível quantidade de sebos, de livros e de discos, que havia na cidade. Até me arrependi de ter gastado quase toda a minha grana em Sampa, já que vi coisas bem mais interessantes e, mais importante, mais baratas, por lá.
Mas vamos ao festival: Lá vi, pela primeira vez, o Matanza, ainda não tão famoso. Grande show. Grandes shows também fizeram o Relespública, de Curitiba; Os Astronautas, de Recife; o Mukeka di rato, do Espírito Santo (este com direito à presença de uma vaca cenográfica que eles capturaram de um depósito ao lado no palco); Walverdes, de Porto Alegre, e Autoramas, do Rio. Das bandas locais destacaria O Mechanics, que são sempre bons, especialmente ao vivo, Hang The Superstars e MQN. O MQN foi mais que bom, foi ótimo – Fabrício Nobre é um ótimo performer e tem o público na mão. Me lembro da preocupação dele com um gordinho (maneira de dizer, o cara era OBESO, MUITO GORDO) do publico que, me parece, teve um ataque cardíaco durante o festival ...
Já excelentes foram os shows do Ratos de Porão, dos Retrofoguetes, de Salvador – estes são sempre ótimos, é até covardia comparar – e, principalmente, do Guitar Wolf, legendária formação de garage rock do Japão. Merecem, inclusive, um parágrafo à parte ...
Não foi bem um show, foi uma perfomence regada e muito barulho e insanidade. Os caras, pelo que lembro, praticamente não tocaram nenhuma musica inteira - apenas começavam algum riff e partiam pra ignorância, para a microfonia pura e simples, se contorcendo e se jogando no palco e/ou oferecendo os instrumentos para que o publico tocasse, no que foram atendidos diversas vezes. Musicalmente caótico, mas valeu pela catarse coletiva. Foi divertido. Aliás, os caras são muito divertidos: São rock and roll até a medula! Saí com eles e uma galera pra bater um rango num boteco depois do show e ficava impressionado com o cuidado que eles tinham com os topetes e com a quantidade de fotos que os pessoas que os acompanhavam tiravam. Era foto de tudo: do cardápio do bar, dos copos, das mesas, dos pés, do cachorro que passava pela rua ...
Um registro: vi também o Mundo Livre S/A, e foi estranho ver o Mundo Livre S/A fora do Recife, ou do nordeste. Mas de repente não foi nem isso, já que o Mundo Livre é meio estranho mesmo: às vezes fazem shows sensacionais, outras vezes nem tanto. Foi lá também, no Jóquei Clube de Goiás, uma das ultimas vezes em que eu caí no pogo, ao som do crustcore preciso dos candangos da Terror Revolucionário, banda capitaneada pelo herói da resistência Fellipe CDC, meu amigo de longa data. Foi muito bom revê-lo, assim como foi rever Renzo (com o qual esbarrei em plena roda de pogo) e Phu, ex-DFC. Perguntei pelo Túlio e Phu respondeu que “Túlio é playboy, não vem pra esses rocks não”.
Foi muito bom também rever, mesmo que brevemente, meu amigo de fé, irmão e camarada Oscar F., hoje Fortunato, artista plástico conceituado na cidade. E conhecer pessoalmente, finalmente, alguns grandes correspondentes dos tempos das cartas e zines, como o (então) casal Eduardo e Lorena D’Allara, dos Resistentes – que também tocaram no festival. Eduardo era impressionante, uma verdadeira enciclopédia viva de punk rock nacional. Era também meio esquisito, tinha uns tiques nervosos com sanduíches com maionese, por exemplo, mas normal. “De perto, ninguém é normal”, já dizia Caê.
Bem legal também participar dos bastidores do evento – Almoçar arroz de pequi com pimenta com os Retrofoguetes, relembrar o Punka com Gabriel do Autoramas, os tempos do rock alagoano com Wado (que eu não lembrava que eu já conhecia do tempo em que andava por lá com os caras da Living In the Shit), ouvir as merdas do Finatti e as reclamações do Gordo do Ratos - especialmente quanto à viagem de avião, que também foi pela BRA. De “quebra”, me batí com Pompeu, do Korzus, que era técnico de som do Ratos, e com Juninho, o baixista, que me reconheceu e foi logo cantando algumas singelas composições da minha banda de grindcore pornográfico, a 120 Dias de Sodoma, que ele havia conhecido algum tempo antes quando havia tocado aqui em Aracaju com a Discarga.
Amanhã começa mais uma edição do Goiânia Noise. É a décima sétima (a que eu fui foi a nona). Não vai dar pra mim, mais uma vez, mas tenho saudades. Qualquer dia apareço de novo por lá ...
por Adelvan
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* Goiás tira seu nome dos extintos índios Goyazes, que eram considerados bonitos, de pele clara, acolhedores e de trato ameno. E por isso mesmo tomaram na tarraqueta. Os Goyazes dominavam uma grande região às margens do Rio Araguaia. Viviam tranqüilos, pescando e dormindo. Até que lá pelo século XVII, atrás de ouro, pedras preciosas e escravos, chegaram os bandeirantes paulistas. Em 1647, o sanguinário Manuel Correia encontrou ouro em quantidade considerável na terra dos Arais. Regressou a São Paulo levando uma penca de índios, que eram torturados das formas mais absurdas.
Sabendo do ouro e das índias bonitonas, outros bandeirantes sanguinolentos despencaram para cá: Francisco Lopes Benevides, Francisco Ribeiro de Morais, Jerônimo Bueno, João Martins Heredia, Antônio Ribeiro Roxo, entre outros elementos de pouca cultura e moral.
Tentaram alcançar o cerradão. Mas cobra, onça, índio bom de flecha, mosquito, enfermidades e o calor insuportável desviaram essa corja rumo ao Pará, Pernambuco e Bahia. Outros foram para o Sul. E alguns, sem querer, acabaram voltando para São Paulo. E os Goyazes haviam tirado o seu da reta por mais um tempo.
Até que em 1682, o malcheiroso Bartolomeu Bueno da Silva resolveu seguir o rastro deixado por Manoel Correia, trazendo seu filho infelético de mesmo nome. Bartolomeu era sobrinho do nefando Amador Bueno, irmão de Jerônimo Bueno, o qual a indiada encheu de flechas, à beira do rio Taquari.
O safado alcançou o Rio Vermelho, onde travou contato com os Goyazes, que lamentariam para sempre aquele encontro. Aquela estória de colocar fogo em um prato cheio de aguardente para forçar a indiada abrir o bico e falar onde estava o ouro é atribuída, segundo o historiador Pedro Taques, ao bandeirante Pires Ribeiro, sobrinho de Fernão Dias Paes Leme. Afirma ele ainda que o apelido Anhanguera se deva a outra razão. Imaginem: os Goyazes, lá no meio do mato, pescando e nadando com suas índias formosas. Aparece um homem fedorento, cabeludíssimo, coberto de piolhos e com um dos olhos furados. Não deu outra, acertaram-lhe a alcunha.
Primeira coisa que o biltre fez foi jogar os Arais contra os Goyazes, aprisionar um monte de índios e voltar para São Paulo.
1722. Lembram do Anhanguerinha? Pois é, o sifilítico junto com João Leite da Silva Ortiz, comandando cem homens, seguindo o caminho do pai, descobriram os rios: dos Pilões, Corumbá, das Almas, Rico e da Perdição. Uma centena de homens rudes e violentos no meio do mato não poderia acabar bem. Brigas, ataques dos Caiapós e enfermidades deixaram um monte de paulistas no meio do caminho. Os que voltaram levaram ouro que não dava para cobrir os gastos da expedição. Ainda assim, três anos depois, o piolhento Anhanguera Júnior chegou ao Rio Vermelho. Dois índios velhos o reconheceram e o caldo entornou. Controlada a situação com os nativos que queriam vingança, fez um trato com os índios, que liberaram seus homens a fornicarem com as índias. Resultado? Além dos filhos feios, fundaram os arraiais de Santana, Barra, Ferreira e Ouro Fino. Voltando a São Paulo, mostrou, ao então Governador Antônio da Silva Caldeira Pimentel, tanto ouro que o safardana financiou uma nova expedição.
A Ordem Régia de 14 de março de 1731 outorgou ao Anhanguerinha, filho de meretriz portuguesa, a patente de Capitão-mor e governador das terras por ele descobertas. Começou então a chegar todos os tipos de patifes, ladrões e gente de quinta categoria, atrás de ouro e das índias. Fundaram as povoações de Meia Ponte, Santa Cruz e Orixá. Sendo Goiás longe dos grandes centros, tinham ouro mas não tinham o conforto das cidades. Viviam miseravelmente, cobriam-se com trapos. Entregaram-se ao vício da bebida, ao roubo, mataram os Goyazes dizimando uma boa parte de seus compatriotas.
Em 11 de fevereiro de 1736, uma Ordem Régia tornou Goiás comarca dependente de São Paulo. Nomeou Agostinho Pacheco Teles primeiro Ouvidor-Geral. Pouco depois, Antônio Luís de Távora, então governador paulista, elevou o povoado à condição de vila passando a se chamar Vila Boa. Mas o pau continuava quebrando e os poucos Goyazes que restaram comeram o pão que o diabo amassou na mão dos novos mandatários. Em 1739, Luis de Mascarenhas instalou o Senado da Câmara, construiu uma igreja, uma cadeia e uma forca que era “um monumento de pronta justiça que intentava fazer nos malfeitores”. Os mais chegados à confusão, arrumaram as trouxas e subiram para o Norte.
Um alvará de oito de novembro de 1744 tornou Goiás independente. D. Marcos de Noronha, o tal de Conde dos Arcos, foi o primeiro governador e Capitão-General da nova capitania, em 1749. Seguiram-se a ele vários governantes que mantiveram a política de extermínio aos índios. João Manuel de Melo, José de Almeida Vasconcelos e Tristão da Cunha Menezes. Esse último expulsou os Caiapós das terras onde viviam desde antes do Descobrimento. Socaram o cacete nos Xavantes, que fugiram para selva e lá ficaram isolados por muito tempo.
Durante o século XVIII, acharam mais ouro e diamantes nas lavras de Cocal, Tesouras e Fundão. A casa de fundição, que funcionava em São Félix, mudou-se para Cavalcanti, em 1798. Dezesseis anos depois, uma nova Carta Régia transformou a então Vila Boa de Goiás em cidade. Luís da Cunha Menezes, urbanista, alinhou as ruas, construiu pontes, criou as milícias, “pacificou” os Caiapós e começou a dar os contornos atuais de nosso Estado.
Em nove de novembro de 1942, uma estátua de corpo inteiro foi erguida no cruzamento das avenidas Goiás e Anhanguera, criação do artista plástico Armando Zago, com a inacreditável inscrição “à nobre estirpe dos Bandeirantes”. Essa homenagem a esse ASSASSINO permanece lá, envergonhando um Estado inteiro. Existem tentativas de substituir o abominável genocida por uma estátua de Atílio Correa Lima, esse sim merecedor de justa homenagem. A praça do Bandeirante, na verdade, se chama Praça Atílio Correa Lima.
por Oscar Fortunato
Fonte: Plus galeria